









Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma análise detalhada da teoria morfogenética desenvolvida pela socióloga britânica elizabeth archer. Ela se baseia no funcionalismo marxista de david lockwood e no realismo crítico de roy bhaskar para explicar a emergência, reprodução e transformação de sistemas culturais e estruturas sociais. O texto aborda as inter-relações entre estrutura e agência, a teoria da agência humana e a morfogênese de sistemas sociais e culturais.
Tipologia: Esquemas
1 / 16
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Tradução de Gabriel Peters
Em Structure, Agency and the Internal Conversation (2003), Margaret S.Archer, a decana do realismo crítico, conclui de modo bem sucedido suas reflexões sobre a cultura, a estrutura social e a agência com uma investigação empírica do processo mediador que estabelece a conexão entre o mundo da vida e o sistema. Através de entrevistas em profundidade sobre as conversações que os indivíduos pesquisados mantinham consigo mesmos, ela ilustrou como projetos pessoais são formados e como estes projetos mediatizam o exercício de influências sistêmicas restritivas e capacitadoras sobre os agentes. O livro sob análise constitui o quarto episódio dos Archers^1 , uma impressionante série de obras na qual a abordagem sócio-teórica morfogenética é apresentada como uma alternativa realista à teoria da estruturação^2. Nos dois primeiros livros, que podem ser conjuntamente tomados como a contrapartida polêmica à apresentação triádica da teoria da estruturação por Giddens (em Novas regras do método sociológico , 1976; Central problems in social theory , 1979; e A constituição da sociedade , 1984), Archer se apóia no funcionalismo marxista de David Lockwood e no realismo crítico de Roy Bhaskar para desenvolver uma sofisticada teoria morfogenética da emergência, reprodução e transformação de sistemas culturais e estruturas sociais. Nos dois livros seguintes do sexteto, os quais podem ser considerados como uma réplica prolongada a Ways of being , de Rom Harré (outra trilogia, composta de Social being , 1979; Personal being , 1983; e Physical being , 1991), ela se volta para o problema da agência humana e analisa como os seres humanos desenvolvem suas identidades pessoais e sociais na medida em que perseguem seus objetivos e preocupações últimas em projetos de vida mais ou menos coerentes e factíveis.
A emergência do dualismo analítico
Margaret Archer tem um problema – o problema da agência e da estrutura. Há mais de vinte e cinco anos, ela tem trilhado seu próprio caminho de resolução dos problemas de como pensar a cultura, a estrutura social e a agência e de como conectá-las sem redução ou “conflação ”. Para construir sua própria solução, ela precisou, entretanto, realizar primeiramente um trabalho de limpeza do terreno deixado por seus predecessores. Nos primeiros três volumes do quarteto, uma ofensiva vigorosa é lançada contra as tendências reducionistas da teoria social
(^1) “ The Archers ” é o nome da mais popular radionovela da Inglaterra (protagonizada por uma família de classe média na vila ficcional de Ambridge), que vai ao ar cinco vezes por semana desde 1950. 2 A série será composta, ao final, de seis livros. O quinto foi Making our way through the world (2007a).
estrutura, mas também os defeitos da teoria da estruturação. A principal falha da teoria da estruturação consiste em sua rejeição da emergência e da superveniência ontológicas. Embora Giddens reconheça que as práticas podem resultar em importantes conseqüências não- intencionais da ação, sua ontologia das práticas desautoriza explicitamente a tese da emergência de um sistema relativamente autônomo e dotado de poderes causais que são irredutíveis e temporalmente anteriores às ações de indivíduos e grupos. A Professora Archer rechaça o teorema da dualidade de agência e estrutura, optando, ao invés disso, por uma concepção estratificada da realidade que não elide as diferenças entre os estratos sistêmico e interacional da sociedade, mas, ao contrário, reconhece a autonomia relativa dos sistemas culturais e das estruturas sociais, ao mesmo tempo em que distingue ambos das práticas do mundo da vida que os reproduzem ou transformam. Esta estratégia dualista não nega que o exercício dos poderes causais dos sistemas culturais e estruturas sociais seja sempre mediado pela agência humana (sem agência: sem sistema), mas, com vistas à elucidação da inter-relação entre estrutura e agência, separa analiticamente os dois estratos, mantendo-os constantes. Graças a este truque metodológico, o mundo da vida e o sistema, bem como as relações entre ambos, podem ser seqüencialmente analisados, por assim dizer, em câmera lenta. Quando não mais se assume que a agência e a estrutura ou cultura são mutuamente constitutivas e operam ao mesmo tempo, pode- se examinar suas inter-relações, verificar se a cultura tem maior peso do que a estrutura (ou vice- versa) e examinar como seus poderes causais são mediados pela agência humana.
O ciclo morfogenético
Diferentemente de Giddens, que é um pensador eclético e um teórico oportunista, Archer é uma pensadora de tipo mais sistemático que tece cuidadosamente uma série de conceitos fundamentais (e.g, dualismo analítico, seqüência morfogenética, estratificação sociedade/agência, etc.) e permanece resolutamente ligada a eles. Desconfiada de ondas e modas, a grand lady da teoria social britânica desenvolveu sua própria abordagem através de uma síntese teórica que integra densamente as complementaridades concomitantes entre a teoria de sistemas morfogenéticos de Walter Buckley, o marxismo funcionalista de David Lockwood e o realismo crítico de Roy Bhaskar em uma teoria social morfogenética unificada. Ainda que as idéias do dualismo analítico e da seqüência morfogenética já houvessem sido formuladas e colocadas em
bom uso em Social origins of educational systems (1979) - uma análise comparativa, desenvolvida ao longo de 800 páginas, de políticas educacionais na França, Inglaterra, Rússia e Dinamarca -, seriam necessários, entretanto, mais quatro livros para que a teoria morfogenética da mudança social, cultural e pessoal fosse apresentada em detalhe. Desde cedo, durante sua estada no Centro de Sociologia Européia de Bourdieu, Archer havia adquirido a forte convicção de que, para se analisar apropriadamente a emergência, reprodução e transformação de sistemas culturais e estruturas sociais, é preciso concentrar-se sobre a dinâmica entre o sistema e as interações socioculturais. Tomando de empréstimo alguns insights do estudo cibernético de Buckley a respeito dos mecanismos retro-alimentadores de “desvio-amplificação” que impulsionam a mudança sistêmica, ela decompôs essa dinâmica em uma série de ininterruptos ciclos morfogenéticos que envolvem condicionamento sistêmico, interação sociocultural e elaboração sistêmica: a configuração particular do sistema (no estágio T1) condiciona as práticas do mundo da vida (T2) que buscam reproduzir ou transformar o sistema, levando, eventualmente (T3), a uma nova elaboração do mesmo, que será contestada e modificada em um segundo ciclo, e daí em diante. Durante sua presidência da Associação Internacional de Sociologia (1986-90), Margaret Archer expandiu a abordagem morfogenética de modo a transformá-la em uma teoria geral da cultura, da estrutura e da agência. Em Culture and agency (1988), o primeiro e talvez o melhor livro do ciclo, ela constrói um complexo, embora poderoso e elegante, modelo analítico da mudança cultural, modelo em larga medida influenciado pela tentativa teórica de David Lockwood em casar o estrutural-funcionalismo com a sociologia do conflito. Perfazendo uma exploração de todas as permutações possíveis entre a “ integração social” e a “integração sistêmica”, ela explica a morfogênese do sistema cultural em termos da disjunção entre as relações de contradição e complementaridade entre as “partes” do sistema, de um lado, e as relações de cooperação e conflito entre as “pessoas”, de outro. Quando as contradições entre as idéias do sistema cultural se combinam aos conflitos sociais do mundo da vida, a morfogênese acontece; no caso oposto, a morfostase é mais provável. Se Culture and Agency pode ser considerado uma brilhante tentativa de desenvolver os insights do artigo seminal de Lockwood em uma grandiosa teoria pós-estruturacionista da mudança cultural, Realist Social Theory (1995), seu sucessor, se inspira no realismo crítico de Bhaskar para dar profundidade ontológica à teoria morfogenética. Mais uma vez, Archer
genuinamente para nós. Archer afirma que todos nós temos necessariamente três preocupações – bem-estar físico, competência performativa e auto-estima^4 – e que é através de nossas conversações internas que ordenamos tais preocupações, definimos nossa visão da “boa vida” e, assim, adquirimos uma identidade pessoal autêntica que seja unicamente nossa. Enquanto a auto- identidade é o alfa e a identidade pessoal o ômega da vida humana, a identidade social intervém entre ambas como um aspecto da identidade pessoal que expressa quem somos como pessoas na sociedade. É neste ponto na estrada do auto-desenvolvimento que a “ guinada lingüística” ocorre e a história da transformação morfogenética do agente individual em um ator social pode ser contada (como uma sub-história da morfogênese da estrutura). Primeiramente, o ser humano é um agente (bourdieusiano) que ocupa involuntariamente uma posição social definidora de suas oportunidades de vida. Na medida em que se torna consciente dos interesses que compartilha com outros membros de sua classe, o agente é transformado em um agente corporativo (tourainiano) que transforma a sociedade de tal modo que ele, a esta altura já um ator social capaz de assumir papéis, possa não apenas ocupar e personificar o papel social que assume, mas também personalizá-lo de acordo com as suas preocupações últimas.
A mediação da meditação
Levando mais adiante a morfogênese dupla da agência e da estrutura, o quarto episódio dos Archers está ocupado unicamente em especificar como o poder causal de estruturas sociais e sistemas culturais é mediado através da agência. A principal tese de Strucuture, Agency and the Internal Conversation estabelece que as deliberações reflexivas por meio das quais os agentes sociais delineiam e ordenam suas preocupações últimas, constituindo um projeto existencial e pessoal com o qual se comprometem, assumem a forma de uma conversação interna. Esta
(^4) As três preocupações estão relacionadas às três ordens da realidade com as quais temos inescapavelmente de lidar como seres humanos: as coisas da ordem natural, os artefatos da ordem prática e as pessoas da ordem social. No entanto, dado que Archer define a identidade pessoal em termos do compromisso com preocupações últimas e diante de seu forte interesse na religião, pode-se perguntar se a ordem transcendente não deve ser introduzida explicitamente como uma ordem distinta (ao invés de contrabandeada para a ordem prática). É exatamente isto que acontece em Transcendence. Neste livro sobre o realismo crítico e Deus, Margaret Archer, Andrew Collier e Douglas Porpora saem coletivamente do armário religioso e introduzem Deus como um mecanismo gerativo não- observável que não apenas cria e sustenta o universo a cada momento, mas também se revela ao ser humano e transforma interiormente aquele que encontra e experimenta o amor divino: “Para nós [três], Deus é o alfa e o ômega, o início e o fim...Deus é o fundamento último ou verdade mais profunda de todas as coisas e, assim, de todos os seres. Em Deus, a realidade encontra sua totalidade coerente. Existencial e essencialmente, Deus é o fundamento de todos os fundamentos, Aquele que torna possíveis todas as possibilidades” (Archer et.al, 2004: 25)
meditação do self pensativo constitui o mecanismo mediador que conecta os poderes causais da estrutura à agência. Estruturas sociais e sistemas culturais exercem seus poderes causais estruturando a situação de ação através de influências limitadoras e habilitadoras, mas, na medida em que a ativação destes poderes causais depende dos projetos existenciais que os atores forjam in foro interno (sem projetos: sem restrições ou oportunidades), pode-se concluir que os atores mediam ativamente seu próprio condicionamento cultural e social. Reformulando a tese nos termos do estruturalismo gerativo de Bourdieu, poderíamos afirmar que a conversação interna intervém entre o habitus e o campo. Como resultado, a reprodução da sociedade torna-se uma realização dos próprios agentes. Os atores são, de fato, determinados, mas apenas na medida em que determinam a si mesmos. O livro está dividido em duas partes: a Parte I, na qual o argumento teórico da conversação interna é desenvolvido em e através de uma discussão do pragmatismo americano (James, Peirce e Mead), e a Parte II, a análise empírica que explora a natureza e as formas da deliberação reflexiva dos agentes. A análise das trilhas sonoras da conversação interna revela três modos distintos de reflexividade e três posturas concomitantes em relação à sociedade, consistindo em respostas diferentes ao condicionamento social. Invertendo conscientemente os retratos sociológicos tradicionais sobre o assunto, Archer abre a parte teórica do livro com a afirmação de que a vida privada é uma pré-condição da vida social: “Se os seres humanos não fossem reflexivos, não poderia haver algo como uma sociedade” (p.19). Antes de poder levar a cabo sua crítica aos construtivistas sociais, entretanto, nossa distinta teórica social tem primeiro de estabelecer a existência da vida privada e rechaçar retratos behavioristas e cognitivistas que buscam exorcizar o “fantasma (da introspecção) na máquina”. Por meio de um desvio pela filosofia analítica da mente (não do espírito), ela argumenta que dificilmente pode-se negar a existência de deliberações reflexivas ocorrendo no interior da mente, bem como que estas só são acessíveis a partir da perspectiva da primeira pessoa. Em acordo com a crítica do empiricismo de Bhaskar, ela substitui o critério perceptual de existência pelo critério causal e avança sua principal tese: “Deliberações reflexivas possuem poderes causais, isto é, poderes intrínsecos, que nos habilitam a monitorar e modificar a nós mesmos, e poderes extrínsecos, que permitem que mediemos e modifiquemos nossas sociedades (p.46).
medida em que estas deliberações internas a respeito do curso de ação articulam as preocupações últimas que definem a identidade pessoal do sujeito às circunstâncias objetivas que têm de ser levadas em conta, caso o projeto de uma vida pretenda ser bem sucedido, a conversação interna integra efetivamente os projetos subjetivos e as circunstâncias objetivas em um modus vivendi factível, o qual pode ser considerado como a conexão viva entre estrutura e agência. Até agora tudo bem, não fosse por George Herbert Mead. Ainda que o modelo da conversação interna entre o Eu, o Mim e o Você que Archer extraiu habilidosamente de uma discussão de Peirce se assemelhe à caracterização da socialização que encontramos em Mead, ela reconstrói, entretanto, sua teoria da identidade pelo desempenho generalizado de papéis como uma anti-teoria hiper-socializada da mente que deveria ser rejeitada a qualquer preço, caso não se pretenda desperdiçar o modelo peirciano da conversação interna. No espaço de umas poucas páginas (pp. 78-92), que considero como a parte mais fraca deste livro de resto notável, Mead é duramente atacado como um “externalista inflexível” e um “conflacionista descendente” que entendeu tudo errado. Sua concepção da mente seria tão extensamente social que simplesmente não haveria lugar para a interioridade. A conversação interior a respeito da qual ele fala não seria um diálogo que se tem consigo mesmo, mas com a sociedade, assim como o seu Mim seria, na verdade, um Nós. O resultado seria uma teoria da intersubjetividade que não pode conceber a conversação interna como intrapessoal. Ainda que Archer esteja certa quando caracteriza o interacionismo simbólico como uma teoria da intersubjetividade, penso que ela o rejeita e o negligencia em seu próprio prejuízo. Poderíamos inclusive inverter a perspectiva e avaliar a teoria morfogenética da identidade pessoal “do ponto de vista de um behaviorista social”. Por conseguinte, seria preciso avançar duas críticas. Em primeiro lugar, a conversação interna retratada em sua teoria é demasiado interna. Archer não apenas passou ao largo da “guinada lingüística”, mas, como resultado, também perdeu a conexão com teorias mais hermenêuticas da identidade pessoal e da autenticidade que são bastante similares à dela em intenção. Ao subestimar o papel da intersubjetividade e da linguagem, ela perdeu a oportunidade de analisar a conversação interna como uma narração do self e perceber que é através da auto-narração de suas histórias de vida que os atores ordenam suas preocupações e tornam suas vidas coerentes. A narração é aquilo que dirige e “fornece uma trama” à conversação interna. Para entender adequadamente como a identidade pessoal é formada, deve-se compreender que a conversação interna toma a forma de uma narração,
enquanto a própria narração deve ser entendida como uma conversação intrasubjetivamente intersubjetiva. Um agente tem conversações não apenas com “o si-mesmo como um outro” (Ricoeur), mas também com “o outro como um si-mesmo ” (Mead). É através de uma conversação interna consigo mesmo que o agente se comunica com o outro. Mesmo que se narre o próprio self , o outro permanece presente como uma “testemunha interior” da identidade pessoal, testemunha com a qual me comprometo, em relação à qual respondo moralmente e sou, em última instância, responsável. De qualquer modo, estou convencido de que Archer realmente se beneficiaria de um diálogo prolongado com o trabalho de filósofos morais como Paul Ricoeur ( Soi-même comme um autre , 1990), Charles Taylor ( Sources of the self , 1989) e Alessandro Ferrara ( Reflective Authenticity , 1998). Isto iria não apenas conferir maior profundidade filosófica à ética da existência que ela está perseguindo, conectando seu trabalho à comunidade de filósofos morais, mas também permitiria, ao mesmo tempo, que ela oferecesse uma fundamentação mais fortemente sociológica à hermenêutica filosófica do self. Em segundo lugar, sua teoria negligencia a comunicação intersubjetiva, os movimentos sociais e a democracia. Ainda que a conversação interna seja conceituada como um poder causal que transforma tanto os agentes como a sociedade, apenas metade da história é contada neste livro. Destacando a morfogênese da agência individual, a morfogênese da estrutura através da ação coletiva mal é tematizada. O livro trata da ética da existência, mas negligencia a política da vida. Isso não é um acidente, mas deriva logicamente da excomunhão da intersubjetividade. Se quisermos nos mover da ética à política, diálogos internos serão simplesmente insuficientes, embora necessários. Precisamos conversar com outros, sobre os outros e a respeito da sociedade. Para expandir os limites de nossa mente e de nosso mundo da vida, precisamos ampliar a comunidade de comunicação e adotar o ponto de vista universalista do “outro generalizado” , de modo que possamos criticar as sociedades existentes do ponto de vista de uma sociedade alternativa mais inclusiva e democrática. É isso que Mead tinha em mente, e é disso que Dewey sempre trata em última instância. Se Archer pretende pensar a política e inserir os movimentos sociais em sua análise da mudança social, penso que ela faria bem em reler Mind, Self and Society , mas desta vez de trás para frente, como fizeram Jürgen Habermas e Hans Joas quando extraíram uma teoria da democracia da última parte do livro. Este, gostaria de sugerir, seria um tópico apropriado para outro livro, que completaria as investigações da morfogênese da agência e da estrutura, fechando a série com uma teoria dos (novos) movimentos sociais. Se um título for
Reduzindo voluntariamente suas aspirações, nenhum dos entrevistados havia concebido projetos que excedessem os limites de seus contextos. Esquivando-se de oportunidades objetivas de avanço social, todos reproduziram seus backgrounds familiares e mostraram contentamento com seu destino. De um ponto de vista mais teórico, eles podem ser considerados como “habermasianos conservadores” e “bourdieusianos satisfeitos” que são guiados pela ação tradicional e fortalecem a integração social do mundo da vida. “Reflexivos autônomos” são pensadores solitários (em sua maior parte homens) com mentes independentes, indivíduos cujas reflexões internas são primordialmente orientadas para objetivos. Eles pensam e agem. O trabalho parece ser sua principal preocupação e, diferentemente dos reflexivos comunicativos, eles subordinam suas relações interpessoais ao trabalho, não tendo medo de se mudarem de seu contexto inicial. Na verdade, parece que, cedo na vida, os reflexivos autônomos já articularam projetos de vida que ultrapassam as fronteiras do seu ambiente social. Ansiosos em aproveitar oportunidades sociais, eles também sabem como contornar obstáculos antecipados para alcançar seus próprios fins. De um ponto de vista mais teórico, podem ser considerados individualistas metodológicos com um senso de justiça rawlsiano que investem suas vidas em realizações performativas e cujas ações instrumentais ( zweckrational ) beneficiam o sistema e fortalecem a integração de seus componentes^6. Metareflexivos são idealistas que refletem criticamente sobre suas próprias reflexões (daí o “meta ” ) e parecem genuinamente preocupados com suas preocupações últimas, as quais não se ajustam precisamente entre si e não podem ser satisfatoriamente harmonizadas. Eles pensam e pensam. Sua conversação interna é dirigida para seus próprios selves. Preocupados com seus selves (ou talvez eu deva dizer: com suas almas), eles buscam auto-conhecimento e praticam a auto-crítica com vistas ao auto-aperfeiçoamento e à auto-realização. Movidos por uma missão pessoal, também criticam seu ambiente, que invariavelmente consideram insatisfatório. Dado que nenhum contexto disponível é suficiente para satisfazer suas exigências, eles são contextualmente deslocados e estão continuamente em movimento (inclusive através de diferentes continentes), procurando um novo emprego, uma nova carreira, uma nova vida, um novo self. Como não podem ser comprados por incentivos instrumentais e estão dispostos a pagar o preço da mobilidade descendente para realizarem seus ideais, eles são imunes a
(^6) Sobre Rawls e as conversações internas de um espectador imparcial, mas capaz de simpatia, ver Vandenberghe (2008).
influências restritivas e habilitadoras. Do ponto de vista da teoria social, esses utopistas sociais agindo de modo racional com relação a valores ( wertrational ) aparecem como autênticos meadianos habermasianos, sempre julgando criticamente a si mesmos e a suas sociedades do ponto de vista de um outro self (“o outro generalizado”) e de uma outra sociedade (a “ sociedade racional”). No entanto, como Archer não concordaria com minha leitura de Mead, os metareflexivos podem muito bem ser concebidos como os verdadeiros archerianos (ou, caso ela revise sua interpretação de Mead, como “ arquimeadianos”). Finalmente, próximos e entre os reflexivos comunicativos, os reflexivos autônomos e os metareflexivos, há também “reflexivos fraturados”. Estes são indivíduos com vidas despedaçadas cujos poderes de reflexividade foram temporariamente suspensos, em virtude de seu movimento de um modo a outro de reflexividade, ou mesmo inteiramente comprometidos, como é o caso do pobre Jason, um delinqüente desabrigado cuja subjetividade parece ter sido sufocada como resultado de um uso pesado de drogas. De qualquer modo, a reflexividade não funciona para eles. Quanto mais pensam e falam consigo mesmos, mais se tornam emocionalmente perturbados e cognitivamente desorientados. Diferentemente de reflexivos plenos, reflexivos fraturados não têm projetos reais, assim como nenhuma identidade estritamente pessoal. Dado que suas deliberações internas não permitem que lidem de modo bem sucedido com suas situações, eles são “agentes passivos” à mercê de seu ambiente social, que os afeta a partir de fora como um ambiente pseudo-natural. De um ponto de vista mais teórico, eles são os humianos dos positivistas e teóricos críticos, indivíduos que perderam o controle de sua própria vida e só podem registrar passivamente o que acontece com eles. Alienados e reificados como coisas, eles são as pessoas com as quais as coisas “simplesmente acontecem”. Apropriadamente, a história se encerra com um tributo aos metareflexivos que demonstram compaixão e preocupação com os excluídos, oprimidos e globalmente desapossados, recusando o status quo em nome de algum ideal cultural, religioso ou político. Esperemos que eles/as sejam os heróis e heroínas do próximo episódio dos Archers, dedicado a uma análise empírica dos novos movimentos sociais, culturais e religiosos.
Harré, R. (1991), Physical Being. A Theory for Corporeal Psychology. Oxford: Blackwell
Ricæur, P. (1990), Soi-même comme un autre. Paris: Seuil.
Taylor, C. (1989), Sources of the Self: The Making of Modern Identity. Cambridge, MA: Harvard University Press.