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Essa documento apresenta uma carta inédita de vergílio ferreira sobre fernando pessoa, datada de setembro de 1982. Nela, ferreira reflete sobre a longa relação de polemica que teve com o poeta, começada em 1951, e sobre a evolução de sua opinião sobre o trabalho de pessoa. O texto também aborda a reação dos neorealistas da revista vértice à fama crescente de pessoa e a crítica negativa que eles lançaram contra ele.
Tipologia: Resumos
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Leyla Perrone-Moisés*
Palavras-‐‑chave
Vergílio Ferreira, Fernando Pessoa, polêmicas, reconhecimento, crítica, admiração.
Resumo
Edita-‐‑se uma carta inédita de Vergílio Ferreira sobre Fernando Pessoa, enviada a Leyla Perrone-‐‑Moisés em 1982. A carta dá prosseguimento ao longo diálogo do romancista com a obra do poeta, iniciado de maneira polêmica em 1951-‐‑52, como uma reação dos escritores neo-‐‑realistas da revista Vértice à fama crescente de Pessoa. Eduardo Lourenço e Adolfo Casais Monteiro reagiram à critica negativa dos polemistas de Vértice. Essa carta revela que Vergílio Ferreira, depois de três décadas, mudou sua visão de Pessoa, mas não inteiramente. Reconhece então a grandeza do poeta, declara-‐‑se seu admirador, mas mantém alguns argumentos contrários à sua obra, como as acusações de artificialismo e de vacuidade.
Keywords
Vergílio Ferreira, Fernando Pessoa, polemics, recognition, criticism, admiration.
Abstract
What follows is an unpublished letter about Fernando Pessoa, written by Vergílio Ferreira and sent to Leyla Perrone-‐‑Moisés in 1982. The letter continues the long dialogue of the novelist with the poet’s work, which began in polemical fashion in 1951-‐‑52, as a reaction from the neorealist writers of the Vértice magazine to the growing fame of Pessoa. Eduardo Lourenço and Adolfo Casais Monteiro then reacted to the negative criticism made by the Vértice polemists. This letter reveals that Vergílio Ferreira, after three decades, changed his view of Pessoa, but not entirely. He recognizes, at this later date, the greatness of the poet, declares being his admirer, but sustains some arguments opposing the poet’s work, such as accusations of artificialism and vacuity.
Revirando meus arquivos, encontrei essa carta de Vergílio Ferreira, datada de setembro de 1982. É sua resposta ao envio que lhe fiz da primeira edição de meu livro Fernando Pessoa, aquém do eu, além do outro. A carta de Vergílio, como se pode ver em seu fac-‐‑símile, é de leitura difícil. A caligrafia, minúscula e ensimesmada como o romancista, foi por mim decifrada com o auxílio precioso de Jerônimo Pizarro. Ela é uma espécie de balanço das relações do romancista com o poeta naquela data, relações tão intrincadas quanto sua caligrafia. Eu conhecia e admirava o romancista de Aparição desde 1962. Em 1963, como especialista de literatura francesa, publiquei uma resenha de seu livro André Malraux, interrogação ao destino , no “Suplemento Literário” do jornal O Estado de S. Paulo. Ao longo dos anos reencontrei-‐‑o algumas vezes em Lisboa e uma vez em São Paulo, na casa da poeta Maria Lucia Dal Farra. Daí ele me tratar como amiga. Quando recebi essa carta fiquei agradecida e, naturalmente, interessada em suas considerações. Mas confesso que, na época, eu pouco sabia do longo e tenso diálogo que o romancista travava, desde os anos 1950, com o poeta. Lembrava-‐‑me vagamente de ter lido algo sobre isso. E como, em 1982, eu já estava empenhada em outras pesquisas alheias a Pessoa, não procurei aprofundar o assunto. Somente agora, depois de quatro décadas, ao reler a carta me dei conta de sua importância para o estudo das relações de Vergílio Ferreira com Fernando Pessoa. Reli então os dois artigos excelentes de Maria da Glória PADRÃO (1981,
Na longa entrevista concedida a Maria da Glória Padrão (in Vergílio Ferreira, um escritor apresenta-‐‑se ), a entrevistadora lhe pergunta: “Quais ou autores nacionais ou estrangeiros aos quais mais gostaria de dedicar um ensaio?”. E Vergílio responde: “Antes de todos, um Fernando Pessoa com quem comecei um diálogo (mal) que desejaria concluir” (FERREIRA , 1981 B: 178). O diálogo de um existencialista, preocupado com a “autenticidade” e a busca de respostas a inquietações metafísicas e políticas, com o poeta fingidor, sempre foi difícil. Difícil era também deixar de admirar o poeta. Essa carta reencontrada mostra que ele prosseguia o diálogo, de maneira ainda “ziguezagueante”, como bem o definiu Maria da Glória Padrão: “Seria decerto curioso desenhar o diagrama ziguezagueante dessas explicações, não feito de curvas e contra-‐‑curvas num modo ondulado, mas traçado em ângulos de segmentos de recta” (1982: 28). Um diálogo que não foi concluído, mas cujas marcas se encontram, assimiladas, nas obras do grande romancista.
Anexo I Fac-‐‑símile do envelope
Anexo II Transcrição da carta de Vergílio Ferreira
Praia das Maçãs 2710 Fontanelas 1.9.
Querida amiga:
Sou um velho admirador de Pessoa, mas já um tanto fatigado. A verdade cansa e é por isso que existe o erro, ou seja outra verdade. Pessoa é um muro e há assim que transpô-‐‑lo ou ladeá-‐‑lo. Alguns de nós, consciente ou inconscientemente, cometemos a imprudência ou a fraqueza de traçar tangentes a Pessoa para se tornarem compreensíveis. Mas Pessoa também foi incompreensível. Se temos vivido no tempo dele, era provável dar-‐‑se o caso de o encararmos sob a óptica de Eça de Queirós. Isto é uma banalidade mas que nem por isso deixa de existir a contraprova. Houve um senhor professor de filosofia, chamado Vieira de Almeida, que a deu. Expressamente ele declarou – e provou à sua maneira – que Pessoa era ininteligível. Por mim, que também lhe bati o pé, não sei se para me independentizar, mas o poeta me colidiu com a compreensão. Mas colidiu-‐‑me com a margem de toda a arte, que é o artifício, e nele me soa artificialismo. Hoje não o discuto como se não discutem as pedras que são, por si sós, uma maravilha da criação. Mas não o discuto sobretudo porque ele está aí, inamovível, e há que continuar a viver. Dado tudo isto, pergunto-‐‑me quantos Pessoas não estarão já existindo e dos quais não damos conta por causa de um outro Eça de Queirós que ele foi, demolindo-‐‑o ou substituindo-‐‑o. Possivelmente não há acasos nos grandes factos históricos, apesar do nariz de Cleópatra. Possivelmente todo o real é racional. Mas não deixa de me chamar a atenção o facto de que a grande expansão de Pessoa é o que veio a centrar-‐‑se na problemática do “eu” e nele se exprimiu – sem talvez bem o saber – na questão dos heterónimos. Porque essa questão tinha que ver ultimamente (ou tem que ver para mim) com as grandes contradições em que o homem já se dilacerava e traduziam por fim o seu vazio. As razões que Pessoa aduziu para o problema controverso dos heterónimos era mais comezinha: se um romancista ou dramaturgo pusesse seus personagens a fazer versos, tais versos seriam necessariamente diferentes sobre o fundo comum da ausência de um autor. De qualquer modo, Pessoa falou numa voz mais facilmente entendível ou convertível por todos os Lacans e Derridas. E assim foi que, o mais discutível no poeta, foi o mais essencial e actual. É essa uma questão que assenta num paradoxo e é que é um sujeito que tem de negar o sujeito, é um “eu” que tem que enunciar a questão do “outro”. E atenção: se construirmos um robot tão perfeito como o homem, o problema permanece. E agora vou ler o seu livro pessoano, que recebo neste momento, não folheei sequer e muito lhe agradeço. Abraço amigo do
Bibliografia
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