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A pesquisa realizada pela pesquisadora liliane alves sobre o trabalho de teatro desenvolvido em comunidades, com ênfase na casa do beco e no grupo teatro surge. A pesquisa aborda objetivos específicos, como ampliar a discussão sobre o teatro em comunidades, analisar a interconexão entre arte/teatro e política, e contribuir com estudos sobre trabalhos artísticos que utilizam memórias. Além disso, o documento discute as diferentes abordagens teóricas do teatro em comunidades e os diferentes tipos de teatro desenvolvidos neste contexto.
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Tipologia: Notas de aula
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Vânia Pereira Silvério
O Teatro Entre Elas: uma partilha sensível de teatro em comunidade
Belo Horizonte 2020
Vânia Pereira Silvério
O Teatro Entre Elas: uma partilha sensível de teatro em comunidade
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes. Área de Concentração : Artes da Cena Orientador : Professor Doutor Fernando Antônio Mencarelli
Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2020
A cada integrante do Grupo Teatro Entre Elas: obrigada pela partilha de vida e arte. À Casa do Beco: que continue sendo luta e resistência. Ao meu pai e minha mãe: por todo amor e vida a mim dedicados. Ao meu amor Fábio: pela vida compartilhada.
Essa dissertação busca refletir sobre o trabalho realizado no Grupo Teatro Entre Elas, residente na Associação Cultural Casa do Beco, no campo do Teatro em Comunidades, a partir dos apontamentos levantados por Nogueira (2008b), entrelaçados à noção de “partilha do sensível”, postulada por Rancière (2009). Pensar o Teatro Entre Elas no campo do Teatro em Comunidades e este como uma partilha do sensível é uma reflexão que abrange o fazer artístico, e a dimensão política que atravessa a existência desse grupo de mulheres. Para tanto, narro neste trabalho minha trajetória de vida e arte que me fizeram caminhar ao encontro deste fenômeno de estudo. Nesta pesquisa, evidencio as molduras históricas que abrangem a criação do Grupo do Beco, a conquista de um espaço sede e, assim, a fixação da Casa do Beco no Morro do Papagaio. Além disso, discuto como ocorre nesse emaranhado o desejo e o nascimento de um grupo de mulheres engajadas no fazer teatral. Evidencio o processo de imersão no campo de estudo, metodologicamente registrado em Diário de Bordo e teço reflexões, a partir da experiência vivida, das entrevistas realizadas com integrantes e professores/diretores do grupo e das lentes teóricas que sustentam essa pesquisa. Trata-se, portanto, de uma narrativa que buscou contribuir para a discussão de práticas que acontecem em contextos comunitários e que fazem emergir vozes e corpos antes silenciados e ignorados.
Palavras-chave : Teatro em Comunidades. Partilha do sensível. Arte. Vida. Política.
This dissertation seeks for a reflection about the work presented at the group “Teatro Entre Elas¹”, supported by Associação Cultural Casa do Beco, (House of the Alley Cultural Association), in the field of Theaters in Communities, according of notes raised by Nogueira (2008b), intertwined by a notion of “sensitive sharing” postulated by Rancière (2009). To think about the group “Teatro Entre Elas” in the theater department in the communities such as a sensitive sharing is a reflection that comprises artistry and political dimensions, crossing this women’s group existence. Therefore, I state in this paper my life and art’s trajectory that has put me towards this phenomenal study. In this research, I evince the historical frames that comprehends the creation of the “Grupo do Beco²”, the conquest of a headquarters space and afterwards taking place permanently at the “Casa do Beco no Morro do Papagaio³”. Besides this, I debate, how come in this tangled scenery, emerges the desire and the birth of a women’s group, engaged on a theatrically perform. In the process of immersion in this study field, methodologically registered in the logbook, I evince and weave reflections from a lived experience, according to performed interviews with members and teachers/directors of the group and from the literature, as of a theoretical lens that sustains this research. It is however, from a narrative that sought to contribute for a discussion of practices that occur in communitarian contexts, and create an emersion of voices and bodies until then silenced and ignored.
Key Words: Theaters in Communities. Sensitive Sharing. Art. Life. Politics.
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As páginas que foram preenchidas nesta dissertação narram um encontro, prático e reflexivo, com o Grupo Teatro Entre Elas, um grupo de quinze mulheres que se unem em prol do fazer teatral, abrigadas pela Casa do Beco^1 , sendo este um ponto de cultura localizado aos pés do Morro do Papagaio/BH. Aproximar deste grupo e desta temática de pesquisa é uma inquietação que se justifica por um percurso de vida e arte. Quando fui até a Casa do Beco pedir licença para entrar, observar e conhecer o grupo interessava-me dar continuidade à pesquisa, iniciada em processo monográfico da Licenciatura em Teatro, a saber: o trabalho de teatro com idosos e o uso de memórias no processo de construção teatral. Foi com essa motivação que iniciei essa pesquisa, buscando mapear os trabalhos que assim se configuram em Belo Horizonte, e nesse processo recordei de um grupo de mulheres, idosas, apresentando uma peça de teatro no bairro Serra Verde, na região em que eu residia, dentro do projeto “Ponta a Pé Cultural” idealizado e produzido por “Cóccix Companhia Teatral”^2 , na região de Venda Nova. A peça que elas apresentaram na época era “Quando eu vim para um Belo Horizonte”, trabalho que ganhou nova versão em 2019, que eu tive o privilégio e o prazer de acompanhar e de fazer assistência de direção, como será relatado posteriormente neste trabalho. Como artista, professora e pesquisadora em Teatro, Licenciada no Curso de Teatro da UFMG^3 , tive como primeira experiência em teatro um trabalho relacional com grupo de terceira idade, no SESC^4 Venda Nova, espaço que, ao proporcionar oficinas de iniciação teatral para jovens da região, abrigou o Grupo Início Produções Teatrais^5 , do qual eu passei a fazer parte ao ser apresentada àquele universo por uma amiga^6.
(^1) Casa do Beco está localizada a Av. Arthur Bernardes, 3876 - Santa Lúcia, Belo Horizonte – MG. (^2) A Cóccix desenvolve, desde 2006, pesquisas artísticas e ações culturais na periferia de BH, especialmente na regional Venda Nova. Atualmente é formada pelos artistas fundadores Sinara Teles e Rogério Gomes. 3 4 UFMG^ –^ Universidade Federal de Minas Gerais. 5 SESC^ –^ Serviço Social do Comércio. O “Grupo Início Produções Teatrais” nasceu após oficinas de iniciação teatral e atuava montando espetáculos a serem apresentados em projetos do SESC. Posteriormente o grupo se desintegrou, perdeu o apoio da instituição e deu origem a “Cia Tumblakatum de Arte e Cultura”, que eu fundei e integrei até o ano de 2009 junto aos artistas Clécio Lima, Vilma Silvério, Vagner Silva e Paulo Alves Faria. 6 Amiga de infância, Viviane Satil, passou na oficina e, após integrar o grupo, foi ponte para que eu pudesse integrá-lo também. A oficina que deu origem ao grupo foi ministrada pelo “Grupo Ponto de Partida (MG)” e dela eu não pude participar, pois foi oferecida no horário em que eu estudava, na época.
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potenciais roteiros dramatúrgicos. Sua oficina de Teatro e Memória estava situada no teatro comunitário, social e educativo. A referência a um teatro comunitário, “teria sua história diretamente associada a um teatro “à margem”, surgido, inicialmente, como uma arma de combate a uma intervenção política” (VENANCIO, 2008, p. 36). Entretanto, eu ainda não focava e não compreendia a existência de um campo de Teatro em Comunidades. A experiência de Venancio, narrada em seu livro “Pequenos espetáculos da memória: registro cênico- dramatúrgico de uma trupe de mulheres idosas”, aborda oficinas de teatro com idosos e a utilização das memórias em seu processo criativo, resultando em espetáculos teatrais. Hoje, compreendo que eu trabalhava neste projeto com uma comunidade de interesse, por se tratar de um grupo de idosos unidos em prol do trabalho físico e do fazer teatral, e que essas práticas se ligam ao campo do Teatro em Comunidades. Na investigação de minha poética própria^10 em trabalho monográfico, optei em trabalhar com grupo de idosos, utilizando de memórias como mote para expressão cênica, fazendo uso do Diário de Bordo (BARBIER, 2007), método potente de investigação do trabalho em campo, em exercício de escrita e reflexão. Dessa forma, este se fez presente também nesse processo de pesquisa de Mestrado. Para realizar tal investigação, retornei ao “Projeto Educação Física para 3ª Idade”, solicitei um espaço para abrir uma turma de teatro e, com essa turma, vivi uma experiência narrada em meu trabalho de conclusão de curso intitulado “Memórias flutuantes e atos performativos: Narrativas teatrais de um grupo de sonhadores” (SILVÉRIO, 2013), orientada pela Profa. Dra. Marina Marcondes Machado. 11 Foram 10 encontros vividos, focando em aulas como atos performativos e na utilização de memórias como mote para expressão cênica na cena contemporânea. Atos performativos são entendidos como propositivas, um convite para um mergulho na atividade do dia, estando o foco “naquele que aprende arte - e não no saber daquele que ensina” (MACHADO, 2012a, p. 5). Foram aulas que possibilitaram vivências estéticas e criativas. “Propor aulas como atos performativos abre também a imaginação adulta para novos mundos, para pesquisas autorais” (idem, 2012b, p.11). Foi uma experiência singular e enriquecedora em minha trajetória.
(^10) “No campo acadêmico, a poética própria pode ser concebida como o conjunto de características de um artista ou de um autor, renomado ou iniciante: traços, rabiscos, contornos, modos próprios de ser e estar no mundo e sua relação consigo e com o outro, em especial com a linguisticidade (relação eu-língua mãe) e com a artisticidade” (MACHADO, 2015, p.9). 11 Marina Marcondes Machado é pesquisadora das relações entre infância e cena contemporânea, Professora Doutora do Curso de Graduação em Teatro – Licenciatura e do PPG-Artes EBA/UFMG.
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Do ano de 2015 a 2016, tive a oportunidade de integrar a equipe de arte-educadores do Programa Judicial de Conciliação para Remoção e Reassentamentos Humanizados de Famílias do Anel Rodoviário e BR 381. Esse Programa nasceu para garantir uma premissa básica, a do direito à moradia, às famílias em situação de extrema vulnerabilidade social, que seriam removidas em prol de obras de revitalização da rodovia. A preocupação com um processo humanizado de remoção e reassentamento viabilizou uma equipe multidisciplinar, preocupada também com o desenvolvimento social e cultural dos atendidos, em busca de proporcionar uma vida com maior dignidade, garantindo sua cidadania. Neste trajeto como arte educadora, encontrei com um grupo de convivência formado por mulheres. Idealizei uma oficina chamada “Alinhavos de Memórias”, com o objetivo de valorizar as memórias pessoais e coletivas, de forma a contribuir para elevação da autoestima e percepção da identidade de cada indivíduo. Dessa forma, quando encontrei com o Grupo Teatro Entre Elas, o primeiro entendimento era de um trabalho feito com pessoas em sua maioria idosas, mulheres, na perspectiva de um teatro voltado para a transformação social, que utilizam de memórias para construção cênica e dramatúrgica. Vislumbrei esse lugar já atravessado pelo meu olhar, prática e estudo, reverberando assim como fértil campo de investigação, o que culminou nesta propositiva de pesquisa teórico-reflexiva sobre teatro em comunidades e sua dimensão política. De fato, o foco no Teatro em Comunidades não surgiu em primeiro momento. O primeiro projeto, que foi aprovado no processo de Mestrado, desenvolvido após eu ter realizado entrevistas com Marcelo Oliveira^12 , o coordenador pedagógico na época, e com Nil César, fundador da Casa do Beco e do Grupo Teatro Entre Elas, aproximava o trabalho com memórias ao campo do Teatro Documentário. Instigada por uma fala de Marcelo, fui pesquisar o referido campo e encontrei diversas aproximações do fazer artístico do Entre Elas, na construção de seus dois espetáculos em repertório, que eu só conhecia naquele momento por meio das entrevistas e de pesquisas na internet, e por ter assistido a um espetáculo, o “Quando eu vim para um Belo Horizonte”. Na perspectiva política, eu já vislumbrava uma aproximação à noção de partilha do sensível traçada pelo filósofo Jacques Rancière, entendimento que será abordado ao longo desta reflexão. Com os dados e inquietações iniciais, após ter sido aprovada no PPG-Artes^13 , comecei a colocar em prática a metodologia traçada: acompanhar os encontros do Grupo;
(^12) Marcelo Oliveira é artista e professor de Teatro. Em 2017 era Coordenador pedagógico da Casa do Beco. Quando eu retornei para iniciar a pesquisa em 2018, ele havia se desligado da instituição. 13 Programa de Pós-Graduação em Artes – Escola de Belas Artes/UFMG.
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Interessar-se pelo outro é um ponto chave nesse entretecimento de pesquisa, que busca um descentramento do eu pesquisador. “O método etnográfico consiste num mergulho profundo e prolongado na vida cotidiana desses Outros que queremos apreender e compreender” (URIARTE, 2012, p.5). O objetivo é abrir a escuta, provocar depoimentos em espaço de cooperação e diálogo que possam posteriormente, terem seus significados desvelados. E, assim, me dediquei a estar junto com o Grupo, ativa e atenta aos seus processos e rotinas, nos encontros de segunda-feira mediados por Liliane Alves^15. Fui, aos poucos, compreendendo características que se apresentavam potentes para esta reflexão, tais como o contexto comunitário envolvido, o trabalho criativo pautado na improvisação e criação coletiva. Nesse movimento de pesquisa, encontrei-me com o campo do Teatro em Comunidades, discussão encabeçada pela professora Doutora Márcia Pompeo Nogueira, aqui no Brasil. Surge, dessa maneira, a inquietação de pesquisar e refletir sobre o teatro desenvolvido em comunidades, a partir das dimensões políticas e pedagógicas, que se apresentam no trabalho do Grupo Teatro Entre Elas, tendo como mola propulsora as seguintes indagações: Como o trabalho desenvolvido no referido Grupo situa-se e contribui para os estudos e as práticas artístico-pedagógicas do Teatro em Comunidades? Como se estabelecem as configurações políticas na existência desse trabalho? Tracei como objetivo geral realizar uma pesquisa teórica refletindo sobre a prática do Teatro em Comunidades, a partir das dimensões pedagógicas e políticas - esta última à luz do conceito “partilha do sensível” (RANCIÈRE, 2009) -, que atravessam a existência do grupo de mulheres do Teatro Entre Elas, da Casa do Beco. Como objetivos específicos eu buscava: ampliar a discussão sobre o campo do teatro em comunidades a partir da experiência da Casa do Beco junto ao Grupo Teatro Entre Elas; refletir como se estabelecem as configurações políticas em ligação com o teatro em comunidades, no trabalho desenvolvido no referido Grupo; analisar em que medida arte/teatro e política estão implicadas em um movimento de transformação social; refletir acerca da atuação da Casa do Beco em sua comunidade e o Grupo em questão; contribuir com estudos e reflexões acerca de trabalhos artísticos que utilizam de memórias em seus processos; contribuir para literatura que aborda o trabalho de teatro com pessoas, não atores e de grupos de convivência; evidenciar a importância dos equipamentos artístico-culturais nas periferias da cidade.
(^15) Liliane Alves é formada em Letras com Mestrado em Teoria da Literatura na UFMG. É terapeuta holística, cantora e atriz. É professora, diretora e dramaturga do Grupo Teatro Entre Elas.
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Conhecer Nil César, o fundador dessa história que ele continua escrevendo como gestor da Casa do Beco e diretor do atual Grupo do Beco e do Grupo Teatro Entre Elas, foi fundamental para o processo. Foi o sonho e a teimosia de Nil que originou um percurso de vida artístico-sócio-cultural, que atravessa o Morro do Papagaio e nele se instaura por 24 anos. Dessa forma, tornou-se indispensável tecer essa narrativa deixando emergir suas falas e ações, de maneira que ressalto pontos importantes abordados por ele em entrevistas, nossas reflexões conjuntas e a aproximação em espaço de trabalho criativo. Por meio de suas falas, foi possível aproximar das molduras históricas, as diretrizes, as escolhas e os delineamentos que reverberam neste trabalho. Liliane Alves é professora do grupo e diretora dos espetáculos “Mãe, Raiz do Morro” (2016) e da remontagem “Quando eu vim para um Belo Horizonte” (2019). Sua presença é significativa nas linhas desta pesquisa, uma vez que a acompanhei por um longo período de trabalho, tive a oportunidade de me aproximar e de construir artisticamente junto a ela esse processo. Entrevistá-la foi um momento de sanar algumas curiosidades, de ouvir e compreender melhor sua abordagem e sua maneira de perceber e refletir sobre aquela realidade. Após um ano de convivência, escolhi seis mulheres para serem entrevistadas, três que estão no Grupo desde sua origem, sendo elas: Adeguimar de Jesus, Maurina Eugênia e Du Carmo Fernandes (Maria do Carmo). As outras três integraram o elenco após realizarem a oficina “O Afeto na melhor idade”, parceria da Casa do Beco com o posto de saúde local, sendo elas: Susete Souza, Milta de Oliveira e Júnia Leonel^16. Essa escolha buscou ouvir narrativas que compreendessem os começos do trabalho e a formação atual. As entrevistas foram semiestruturadas, partindo de algumas perguntas traçadas que buscavam entender o percurso histórico e os desejos de vida e arte e, assim, íamos construindo um diálogo. Trechos dessas entrevistas surgirão ao longo do texto, enfatizando suas vozes e suas experiências. Penso que seja indispensável deixá-las emergirem neste trabalho, que busca salientar a importância desse espaço em que suas vozes possam ser ouvidas e seus corpos serem vistos. Durante o mergulho nessa pesquisa, meu olhar esteve voltado para o percurso histórico do Grupo; para a pedagogia desenvolvida no trabalho; para a narração das experiências vividas e apreendidas conjuntamente; para as significâncias construídas nos percursos e para o contato com o público; para as relações entre vida e arte; para o desejo e realização de fazer teatro; para a apropriação do espaço da Casa do Beco. Interessava-me perceber as dimensões pessoais e coletivas para tecer, juntamente com outros dados (materiais
(^16) As integrantes do Grupo Teatro Entre Elas e os professores/diretores autorizaram o uso de seus nomes reais nesta dissertação.
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a instauração da Casa do Beco na comunidade e surgindo desse movimento o atual Grupo Teatro Entre Elas. O referido grupo é composto por quinze mulheres, atualmente, e possui em repertório os espetáculos “Quando eu vim para um Belo Horizonte” (2014), (2019) e “Mãe, Raiz do Morro” (2016). O segundo capítulo dedico a narrar a minha aproximação e vivência criativa com as mulheres: processo de inserção nos encontros, construção de uma cena curta chamada “A Rede” (2018), a assistência de direção no espetáculo “Quando eu vim para um Belo Horizonte” (2019) e a potência dos bate-papos pós-espetáculos que despontam narrativas emocionantes e se apresentam como solo fértil para reflexão. É no terceiro capítulo que mergulho nos referenciais teóricos, a partir de Nogueira (2008b) e seu entendimento sobre o Teatro em Comunidades no Brasil, abrindo a discussão do campo. Abordo brevemente os autores brasileiros, Augusto Boal e Paulo Freire, que são influências teóricas significativas para o teatro em comunidades. Busco tecer, a partir das reflexões abertas pelos estudiosos da área, compreensões características do campo e aproximá- lo do fazer no Grupo Teatro Entre Elas. Apresento, ainda, a noção de partilha do sensível postulada por Rancière (2009), entretecendo-a à feitura de um teatro em comunidade. Alerto que o título escolhido para essa dissertação “O Teatro Entre Elas: uma partilha sensível de teatro em comunidade” faz um jogo de palavras com a proposição conceitual de Rancière, a “partilha do sensível”. Nesta pesquisa, busco evidenciar o trabalho desenvolvido no Grupo Teatro Entre Elas no campo teatro em comunidades e essa experiência de teatro em comunidades como uma partilha do sensível, tal qual a noção do filósofo, é apresentada. No título, jogo com as palavras evidenciando ainda uma dimensão que julgo ser extremamente importante na existência desse Grupo: o compartilhamento de um espaço que emana sensibilidade e afeto. A título de considerações finais, retomo minhas indagações iniciais e reverbero um espaço e tema potencial de estudo, propício à continuidade e maturação. Saliento que estas páginas narram um percurso de pesquisa sinuoso, onde as narrativas buscam partilhar a experiência vivida e as reflexões que foram possíveis e desveladas, neste espaço-tempo de pesquisa acadêmica. Vislumbro, assim, que podem emergir daqui potentes questionamentos e pontos para reflexões futuras. Bem-vindos à Casa do Beco e ao Grupo Teatro Entre Elas! Local aberto para recebê-los com muita prosa, café, arte e partilhas de vida.
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Uma casa aos pés do Morro do Papagaio. O Morro do Papagaio pertence ao Aglomerado Santa Lúcia na região centro-sul da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, sendo formado por quatro vilas: Vila Estrela, Vila Santa Rita de Cássia, Vila São Bento e Vila Aglomerado Santa Lúcia. Localiza-se ao lado de bairros como Cidade Jardim, Sion, Vila Paris, evidenciando a discrepante desigualdade social que assola não apenas a capital belo- horizontina, mas esse país chamado Brasil. Simbolicamente, a lagoa da barragem marca uma fronteira entre o morro e o asfalto, eixo de ligação e de separação entre duas realidades distintas. É no morro que a Casa do Beco acolhe e, simultaneamente, conta e constrói a sua história e de seus moradores. Em sua fachada, uma placa de grandes proporções escrita Casa do Beco instaura fisicamente a existência de um ponto de cultura, que resiste há quase 25 anos naquele local. Uma escadaria íngreme dá acesso ao primeiro piso, espaço de ensaios e vivências artísticas e também de apresentação tanto dos artistas locais quanto de convidados. O espaço abriga um banheiro, em seu fundo há um espaço dividido por pano preto para a guarda de materiais cênicos, uma porta e grandes janelas de metal que dão acesso a uma varanda. Da varanda vê-se o morro e um bairro nobre: geograficamente unidos e socialmente separados. Voltando à escadaria e finalizando a subida, chegamos ao espaço que configura o teatro da casa, com seus panos pretos instaurando a caixa preta, recursos de iluminação e som. Em sua lateral um banheiro, uma cozinha onde são preparados, além dos lanches da rotina da Casa, os caldos, almoços, pizzas, que são vendidos em ações beneficentes em prol da manutenção do espaço. E uma sala-camarim: arquivos, troféus, espelhos e sofás. Uma porta conecta um novo lance de escadas pelo qual se acessa o escritório, espaço que abriga hoje os vinte colaboradores da Casa, que trabalham incansavelmente para manter esse espaço, proporcionando o direito, por vezes, negado pelo Estado, de acesso à arte e à cultura àquela comunidade. Todo dia que tem uma ação cultural aberta ao público, um cavalete preto molda o anúncio: Venha Morro do Papagaio! É gratuito. A Casa do Beco prefere que seja gratuito. Ao final de cada apresentação, o chapéu solidário arrecada aquilo que o coração de cada um quiser e puder doar e “quem não tem aplaude, que o aplauso também contribui com a maturidade e continuidade de nossas ações”, diz Nil César fundador de toda essa história. A Casa do Beco hoje já é um patrimônio estabelecido na comunidade e na cidade. Além das atividades desenvolvidas nas oficinas e no Núcleo para Criar, Encantar e