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Este texto discute a complexidade do direito, que não se limita às normas abstratas, ao conhecimento sistemático das normas e institutos jurídicos, nem apenas à prática de aplicação de normas. O autor propõe que a conceituação do fenômeno jurídico deve abordar a totalidade de sua realidade histórico-cultural. O texto também trata do direito-subjetivo, que representa a condição de possuir bens e direitos atribuídos e garantidos procedimentalmente pelo direito-ordenamento.
Tipologia: Provas
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VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E HISTÓRICO-ESPECULATIVO PARA O DIREITO The worth and the actual importance of the search for a critical-reflexive and speculative historical concept for the law Saulo de Oliveira Pinto Coelho^1 RESUMO ABSTRACT O presente artigo busca, a partir de uma visão crítico-reflexiva, apresentar a riqueza teórica e prática da ponderação sobre um conceito histórico-especulativo de Direito que seja capaz de expressar a complexidade da totalidade dinâmica do fenômeno jurídico. Para tanto é revelada a complexidade e a importância do conceito de Direito na formação do horizonte de pré- compreensão do jurista, bem como apresentados os elementos fundamentais da idealidade do Direito no seu processo lógico- histórico. Tal perspectiva se traduz na exposição do fenômeno jurídico como momento final do processo ético, bem como na exposição do rico movimento de interação do direito- ordenamento ao direito-fruição , por meio do direito-ciência , em que a concreção in fieri da Justiça se revela como norte conceitual fundamental da realidade jurídica. Tal postura conceitual permite pensá-lo em sintonia com a máxima hegeliana que afirma que o direito é o reino da liberdade em realização. The present work seeks for, from a critical-reflexive view, present the theoretical and pratical wealth of a reflection about a speculative historical concept of Law that is able to express the complexity of juridical phenomenon’s dinamic wholeness. For that is exposed the tricky and the importance of the Law’s concept to the development of the jurist’s previous understanding horizon, as well as are shown the essentials elements of the ideal Law in his logical-historical process. That perspective reveals the judirical phenomenon exhibition as the final moment of the ethic process, as well as the exhibition of the rich interaction movement from the Law as Order to Law as Fruition , through the Law as Science , in which the Justice consolidated in fieri reveals itself as a essential conceptual guide of the juridical reality. This conceptual posture allow us to consider that concept in harmony with the hegelian axiom wich declare that the law is the kingdom of freedom in process of accomplishment. PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito; 2. Conceito; 3. Filosofia do Direito; 4. Teoria da Justiça KEYWORDS: 1. Law; 2. Concept; 3. Philosophy of Law; 4. Justice Theory (^1) Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e professor efetivo do Departamento de Disciplinas Fundamentais do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG. O presente artigo foi produzido justamente a partir dos textos elaborados pelo o autor nas provas escrita e didática do concurso público, ocorrido no ano de 2009, por meio do qual, ao sagrar-se vencedor, ingressou no quadro de docentes da UFG. Por ocasião das provas, o autor deu vazão a algumas concepções prospectivas que vinha desenvolvendo sobre o importante temas do conceito de Direito e, maturando e desenvolvendo a idéia no diálogo com importantes pensadores, pôde construir o texto, de viés crítico-reflexivo, que oferece ao leitor como primeira contribuição à Revista da Faculdade de Direito da UFG na expectativa de que ele possa representar o início de uma profícua interlocução na seara da pesquisa e do ensino junto a esta Instituição. Fale com o autor por meio do endereço eletrônico: saulopintocoelho@yahoo.com.br.
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 99 “ius est ars boni et aequi” ULPIANO INTRODUÇÃO: COMPLEXIDADE E IMPORTÂNCIA DA TAREFA DE CONCEITUAR O DIREITO O Direito realiza o ideal de justo racionalmente construído na História e materializado na estrutura denominada Estado Constitucional Contemporâneo, por meio da qual se dá a superação dialética do embate entre liberdade e poder. Mas a racionalidade do Direito não se esgota no momento da declaração dos direitos; pelo contrário, o universo jurídico se diferencia do universo religioso e moral justamente porque pressupõe, no ato de postura de suas normas, toda uma estrutura de aplicação confirmadora e efetivadora das mesmas. O Direito realiza-se plenamente quando a medida de justiça alcançada no plano de sua dicção abstrata encontra fruição correspondente nas situações concretas, de forma que a racionalidade presente na Lei (que é sempre aferida segundo os parâmetros culturais da pauta valorativa reconhecida em cada sociedade) possa se fazer atualizada de modo coerente na vida de cada sujeito de direito (SALGADO, 2006, p.1-19). Pelo menos na sua racionalidade (que é o que buscamos) e não na sua patologia (quando distorcido e corrompido), cabe dizer que: O direito é uma totalidade ética que se desenvolve historicamente e fenomenologicamente como último momento do processo ético, vale dizer, como realização da liberdade na sua forma subjetivada e objetivada, direito norma e direito do sujeito [...]. Essa racionalidade processual está, do mesmo modo, no momento da liberdade objetivada ou da norma, tal como ocorre na consciência da juridicidade dos valores mais altos da cultura ocidental, de sua declaração como direitos e de sua efetivação. [...]. O direito é, portanto, o ético na sua totalidade processual que se desenvolve historicamente nos momentos do ético stricto sensu ou moral, do político na forma de instrumento ou mediação e do jurídico como verdade de todo esse processo
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 101 capacidade de efetivá-lo, a partir do sentido, das características e dos propósitos que lhe são atribuídos. A compreensão do que é o Direito influi significativamente sobre o modo de interação do jurista e do jusfilósofo com essa importante ambiência da vida humana, notadamente porque implica sempre num posicionamento acerca do que seja o fenômeno jurídico e seu fundamento, bem como acerca do que constitui o objeto, os métodos e os tipos de conhecimento jurídicos. Portanto, a busca pelo conceito de o Direito permeia toda a atividade de constituição (elaboração), categorização (organização, sistematização) e concreção (aplicação, efetivação) das prerrogativas e bens que em cada momento histórico se objetivam como sendo aquilo que é devido a cada um, e exigível por cada um e por todos^4. A busca por compreensão do conceito de Direito, por mais seja complexa, difícil e, por vezes, limitativa de sua amplitude de significados, representa um dos problemas centrais do saber e do fazer jurídico É por meio dessa que se amplia a capacidade de entendimento de cada uma das questões jurídicas que se apresentam à histórica tarefa de promover a efetivação inclusiva^5 da Justiça. 1 AS DIFERENTES ACEPÇÕES DO TERMO DIREITO COMO SÍNTESE DAS DIFERENTES PERSPECTIVAS DE TRATATIVA DA REALIDADE JURÍDICA Uma vez que o Direito é uma realidade multifacetada, complexa e em permanente devir, ou seja, movimento histórico-cultural, por certo que a assimilação e exposição de seu conceito lograram, na teoria e na propedêutica jurídica, valerem-se da sistematização de diferentes acepções para o termo “Direito”. (^4) Sobre a temática da constituição, categorização e concreção do Direito no seu movimento , sua processualidade , verbalizamos recentemente modestas considerações em obra recém-lançada, na qual pode-se entrever que o conceito de Direito guarda em si a nota desses três momentos integrados em sua realidade histórico-social. (PINTO COELHO, 2009, p.40 er seq .). (^5) Acerca da importância da inclusão social como importante elemento do conceito contemporâneo de Justiça, veja-se a bem articulada tese de Marcelo Gallupo, vertida no livro Igualdade e Diferença. (GALLUPO, 2002, passim ).
VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] 102 Diferentes são as sistematizações construídas na literatura jurídica para apresentar a plurivalência do termo. Cabe, aqui, a título de preparação para digressões mais profundas, apresentar os três principais sentidos que se pode dar à palavra Direito, sentidos estes que, de certa forma, nas suas inter-relações mútuas, já revelam o Direito como realidade cultural em movimento^6 : A primeira acepção se dá no desvelar do Direito como direito-norma , sentido que se desdobra no de direito-objetivo e, de modo mais profícuo, no de Direito-Ordenamento. Tal acepção, abordada, em linhas generalíssimas, o Direito na perspectiva de um complexo historicamente positivado de normas e institutos de modelação da conduta intersubjetiva – norma agendi , na expressão romanística. Evidentemente que não se está aqui a expressar uma visão do normativismo lógico , mas do normativismo concreto , em que a norma jurídica (e o ordenamento) é entendida com o resultado da tensão dialética entre fatos e valores, em permanente devir no processo histórico de uma sociedade (REALE, 1986, p. 54-62). A segunda importante acepção é a do Direito enquanto Direito-Subjetivo, que é denominada por Mata Machado como direito- debitum (MATA MACHADO, 1995, p.305-6), e que podemos também denominar de Direito-fruição, pois traduz justamente a condição de possuir um bem (prerrogativa, faculdade, poder-dever, prestação, etc.) atribuído e garantido procedimentalmente pelo Direito-Ordenamento, através da mediação do conhecimento jurídico e das estruturas procedimentais de aplicação jurídica (a actio ). Tal acepção, ou seja, o direito devido a alguém e que deve ser garantido e efetivado em sua plena fruição, pode ser expresso pelo termo ius suum , importante componente da definição romana de Direito_._ A terceira importante acepção é a do saber jurídico^7 , ou seja, do Direito-Saber , que pode ser apresentado como Jurisprudência (Direito como o saber prudencial acerca da ordenação socio-política da vida intersubjetiva) ou como Direito-Ciência (o conjunto de teorias e demais (^6) Na exposição das “acepções do termo direito” (tema clássico da propedêutica jurídica), várias são as leituras consagradas, dentre as quais poderíamos citar a de Franco Montoro (MONTORO, 2005, p.52-65). Preferimos, porém, indicar a bela exposição do ex- catedrático mineiro de filosofia do direito, Edgar da Mata Machado, cujo texto acerca dessa questão constitui uma das referencias principais da exposição feita em seguida (MATA MACHADO, 1995, p.43-55). (^7) E é à qual, nessa passagem, nos dedicaremos mais, para nos dois próximos tópicos nos dedicarmos com maior preponderância às outras duas acepções.
VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] 104 cognição, categorização e sistematização ( direito-saber ); e direito no momento de sua atualização, efetivação e concreção ( direito-fruição ) –, forma a base do sentido total daquilo que podemos chamar de Direito no seu pleno conceito. Da universalização do justo na Lei ( Ius ) à efetivação deste na decisão ( iurisdictio ), por meio da actio (o poder e o instrumento de agir na defesa e na exigência do direito), a experiência jurídica vai, progressivamente, categorizando o saber do Direito e desenvolvendo, de forma conjunta, uma “arte” de interpretar, organizar e racionalizar, de conhecer para aplicar, a que damos o nome de Jurisprudência^8 (Direito-Saber). Trata-se da consciência teórica de que a elaboração da norma abstrata (a Lei ) é apenas um momento ( universal abstrato ) da unidade dialética do movimento de realização do justo culturalmente estabelecido; e da conseqüente compreensão acerca do valor da sua categorização e sistematização (a Jurisprudência ) para a aplicação do direito como momento máximo de realização concreta ( universal concreto ) da justiça juridicamente concebida (SALGADO, 2001, p. 34). Tal perspectiva revela a chave para uma compreensão madura e problematizante acerca de seu conceito, no plano da interação dialética entre o Direito-Ordenamento, o Direito-Ciência e o Direito-Subjetivo, tendo na efetivação deste o ponto de chegada da processualidade daquilo que chamamos simplesmente Direito. 2 AS CATEGORIAS FUNDAMENTAIS DO CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO DE DIREITO Uma compreensão esclarecida acerca do valor heurístico, teorético e prático da busca pela conceituação do Direito, permite-nos aclarar que, mais do que estabelecer um conceito fechado e acabado, essa busca se revela como importante momento de ponderação acerca dos elementos edificantes dessa criação histórico-cultural que é o Direito. O despertar de tal (^8) “Desse modo, o direito é visto pelo romano não apenas como formalização da vontade da autoridade que o põe na existência, mas pelo momento do encontro do conteúdo justo, do equilíbrio, feito pela ratio, tanto no momento da elaboração como no da aplicação. Daí, a prudência romana expressa em densa síntese por um porta-voz do tribunal dos mortos: conhecer a lei é captar sua força e potestade, sua ratio (CELSO).” (SALGADO, 2001, p.23).
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 105 ponderação é capaz de permitir, no jurísta, uma tomada de consciência acerca da complexidade e da riqueza estrutural dessa obra intersubjetiva em permanente devir. Assim, revela-se como premente a reflexão sobre os elementos fundamentais (as categorias conceituais ) do Direito no seu conceito. O rol a seguir, que não é taxativo (apesar de condensar, em nosso entender, toda a idealidade do Direito), inspira-se no diálogo com diversos jusfilósofos, que se preocuparam, contemporaneamente, com a exposição de uma visão propedêutica, mas profunda, crítica e densa acerca da totalidade do fenômeno jurídico. Destes jusfilósofos podemos destacar Paolo Grossi (2006, p.1-35), Miguel Reale (2002, p.699-714), Joaquim Salgado (2006, p.19-98), Manoel Hespanha (2007, p.69-131) e Djacir Menezes (1980, p.22-83). Estes pensadores são portadores de autênticas e peculiares concepções jusfilosóficas, diferentes, cada qual, mas com uma nota fundamental em comum: buscam compreender historicamente o Direito Contemporâneo, visto que o passado é constitutivo do presente, e, a partir dessa compreensão, explicar e configurar as estruturas e componentes do Direito na atualidade de nossa complexa sociedade. Vejamos as notas fundamentais que podemos elencar: a) Humanidadad e: O Direito é obra da vida humana, é criação cultural do homem, não é uma manifestação da ordem cosmológica pré-humana ou a- humana. Não existe uma realidade anterior (nem lógica, nem historicamente) à humanidade capaz de traçar as notas do Direito. O Direito muito menos vem de uma vontade exterior ao homem. O Direito é uma criação humana, uma obra da cultura do homem, para o homem. b) Socialidad e: O Direito é obra da vida humana intersubjetiva, ou seja, do ínsito coexistir humano. É para a vida social, para as relações sociais, que ele se volta. O brocardo ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi ius deve ser compreendido no sentido de não se poder pensar num Direito, ou em direitos, sem que se leve em consideração que qualquer fruição de direitos se dá em sociedade, numa lógica de coexistência de liberdades e que é para a vida em sociedade que ele é elaborado, sistematizado e aplicado. c) Ordenabilidade: O Direito é um modus de auto-organização dos homens entre si. É um meio de ordenação da vida em sociedade, através da qual é possível otimizar e maximizar a
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 107 atualizar da cultura na qual se insere. O Direito, como realidade histórica, é afeto aos movimentos históricos. h) Tridimensionalidade: O Direito, por isso, é interação dialética de fato, valor e norma, por meio do que ele busca tornar objetivamente válido e subjetivamente observado um conjunto de comportamentos que efetivam valores. Ele é, portanto, “a realização histórica de um valor bilateral, através de uma norma de conduta” (COELHO, 1974, p.60-61). i) Processualidade: Daí que o Direito se faz como um instrumento de efetivação dessa concepção histórica do que seja o correto e o justo , de tal modo aceito e reconhecido como tal, que pode receber a forma objetiva do Direito. Daí ser ele marcado pela categoria da processualidade , por meio da qual os valores objetivados ganham condição de máxima eficácia, pela obrigatoriedade do Direito, ao mesmo tempo em que outros valores vão surgindo e vão se incorporando a ele. O Direito garante o respeito aos patamares civilizacionais conquistados e a atualização histórico-política de tais patamares axiológicos. j) Bilateralidade universal-atributiva: O Direito, assim, atua atribuindo bens, prerrogativas, direitos subjetivos e constituindo relações jurídicas no plano objetivo que modelam as situações da vida, atribuindo, ao mesmo tempo e a cada um que se encontra inserido no Ordenamento, um direito e o seu correlato dever; a condição de sujeito do direito e de sujeito do dever, simultaneamente a todos. k) Exigibilidade: O Direito, ao constituir, no plano objetivo, uma relação bilateral, possibilita, por sua vez, nas situações concretas, que aquele que se encontre na condição de sujeito de um direito possa exigí-lo, inclusive, se necessário, por meio do Estado, ou mesmo contra pessoas ou órgãos componentes do Estado. l) Irresistibilidade ou coercibilidade: O Direito, uma vez que é garantia de observância de uma pauta de comportamentos devidos, ao reconhecer como realmente devido um direito-subjetivo exigido, busca fazê-lo valer, inclusive por meio do uso organizado, procedimental e proporcional da força, quebrando a resistência à fruição dos bens e prerrogativas por ele reconhecidos.
VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] 108 m) Procedimentalidade: O Direito, tanto em sua elaboração, quanto em sua aplicação, movimenta-se procedimentalmente, ou seja, por meio de procedimentos racionais previamente estabelecidos, de modo a garantir que a legitimidade dada pela vinculação a uma pauta axiológica que traduz um ideal de justiça, não se perca durante seu movimento processual de efetivação. 3 O VALOR ÉTICO-POLÍTICO E HISTÓRICO DO CONCEITO DE DIREITO COMO ORDENAMENTO: VOLTADO PARA A COGNIÇÃO, OBJETIVAÇÃO E CONCREÇÃO DOS VALORES JURÍDICOS FORMADORES DA IDÉIA DE JUSTIÇA O Direito, enquanto organização, por meio de modelos normativos bilaterais- atributivos, da vida intersubjetiva do homem (REALE, 2004: 60-69), tem no elemento ordem um de seus principais elementos conceituais. Por isso, o jusfilósofo italiano Paolo Grossi, pensa o Direito como “ordenação observada” da sociedade, ou “auto-organização social” dotada de aceitabilidade. (GROSSI, 2006, p.1-12). A História da Cultura Jurídica deve ser pensada, portanto, como o processo civilizacional da busca pela superação dialética do embate entre Liberdade (subjetividade) e Poder (ordem); ou seja, do devir histórico da compreensão da Liberdade como lugar de encontro das subjetividades numa ordem com pretensão de Justiça. Esse é o caminho do conceito de Direito no ocidente rumo à sua compreensão como Ordenação da Liberdade , exigindo a noção de Estado Constitucional de Direitos Fundamentais , onde se dá a superação do embate entre liberdade e poder: É na constituição que se dá o encontro do político (poder) e do jurídico (norma) e é na constituição democrática contemporânea que se dá a superação da oposição entre poder e liberdade. E isso na forma de uma organização do poder e de uma ordenação da liberdade, qual se mostra como ordem jurídica ou liberdade objetivada (...). O Estado de Direito é, assim, o que se funda na legitimidade do poder, ou seja, que se justifica pela sua origem, segundo o princípio ontológico da origem do poder na vontade do povo,
VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] 110 “normativismo concreto”, no tridimensionalismo de Reale (1986, p.53-67); e, por fim, alçar-se ao plano crítico-reflexivo da Hermenêutica Constitucional Contemporânea, que busca promover a integração discursiva da Teoria do Ordenamento Jurídico com a Teoria dos Direitos Fundamentais, situando a questão na seara – problemática e sistemática^10 – da “unidade axiológica da Constituição”^11 , em autores como Gunther, Alexy, Dworkin (2005, p.175-268) e, no Brasil, Barroso (1996, p.141-252). Tal ponto de chegada (provisório) pode, em termos generalíssimos, ser compreendido do ponto de vista da tratativa do Direito enquanto “sistema finalístico” (CANARIS, 2002, P.149- 96 ) de normas, pensadas como regras e princípios (modelos normativos) e institutos conceituais e principiológicos (modelos hermenêuticos), formando um conjunto organizado de modelos jurídicos – ou, pelo menos, organizável (REALE, 1999, p.63-95). A sistematização de tais modelos (o conjunto de elementos formadores do ordenamento jurídico) é pensada, contemporaneamente, não apenas do ponto de vista de uma coerência interna, que se busca, das normas no plano abstrato, mas do ponto de vista da busca por uma coerência instrumental, funcional e finalística do Direito em processo de aplicação e atualização ( cf. BETTI, 1949: 291 et seq .), ou seja, pela procura por uma compreensão dos meandros do “juízo de adequabilidade”, por meio do qual o Ordenamento Jurídico Constitucional-Democrático, que é abstratamente justo , possa se fazer como ordem efetivamente justa , ou seja, por meio da qual o justo em abstrato possa fazer-se justo em concreto (SALGADO, 2006, p.186-213). Desde os movimentos de compilação do Direito em Roma – que, para Pietro Bonfante, são três^12 : a compilação do ius civile na lei das XII Tábuas; a compilação do ius (^10) Sobre a dimensões problemática e sistemática do Direito (Direito como sistema e Direito como problema), veja-se as considerações de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p.310-322). (^11) Para uma leitura acerca da problemática da unidade axiológica da constituição como norte da hermenêutica jurídica contemporânea, veja-se o recente trabalho de Glauco Magalhães Filho (2002, p. 61 et seq .). (^12) Bonfante adverte que, assim como com as XII tábuas, não se pretendeu, com o Édito de Adriano, um sistema jurídico orgânico e completo, dada a sua própria natureza destinada a preencher lacunas e corrigir problemas no ius civile. Ele ressalta que: “O Édito de Adriano representa a única codificação num intervalo que corre desde a XII tábuas, quando se inaugura a história do direito privado romano, até ao período das compilações, quando essa história se encerra. A tarefa essencial do pretor havia terminado e os novos órgãos estavam mais bem adequados para prosseguir a obra de adaptação do Direito Romano ao novo espírito social e às necessidades gerais dos novos cidadãos disseminados pelo vasto império”. (BONFANTE, 1944, p.467 et seq .).
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 111 honorarium no Édito Perpétuo; e a compilação do ius prudentium representada no Digesto de Justiniano –, a organização do Direito em textos (que alcança máxima sistematicidade nas Codificações Modernas) representa uma oportunidade de organização e busca de coerência dos direitos já declarados e reconhecidos, em uma necessária oportunidade de organizar os pontos de partida para a interpretação, aplicação e construção do Direito, visando sua máxima concreção nas situações reais da vida humana em sociedade. Por isso, Emílio Betti, ao estabelecer como um dos cânones hermenêuticos a “totalidade ou coerência do objeto”,buscou assumidamente no Digesto a sua inspiração. Entender contemporaneamente as codificações e consolidações de normas jurídicas como um elemento de clausura do intérprete do Direito é ignorar que qualquer conceito jurídico de Justiça contém em si não somente o conceito de eqüidade , mas também o essencial conceito de segurança jurídica (entendida como previsibilidade e certeza do Direito); é, portanto, ignorar o valor histórico da compreensão do Direito como Ordenamento. Assim, revelado está o valor ético-político e histórico da compreensão do conceito de Direito como Ordenamento formado por um conjunto de modelos formais-instrumentais voltados para a cognição, objetivação e concreção dos valores e bens revelados da experiência jurídica ocidental – os Direitos Fundamentais –, identificados como componentes indispensáveis da Idéia de Justiça. CONCLUSÃO: considerações sobre a universalização e efetivação do direito no seu conceito – o problema do ius suum na busca pela planetarização do sujeito universal de direitos universais. A compreensão do Direito como resultado da processualidade histórica da cultura possibilita que o tratamento conceitual do Direito supere o plano das definições abstratas e empobrecedoras dessa complexa realidade social. Nesse patamar amadurecido, a busca pelo
Saulo de Oliveira Pinto Coelho 113 política^13. Evidentemente que isso não possibilita afirmar um autoritário caráter atemporal, estático ou absoluto do atual estágio dessa obra cultural que é o Direito. Significa, pelo contrário, tomar consciência do estágio em que nos encontramos na busca por uma globalização que vá para além do plano econômico-financeiro e alcance (verdadeiramente e não como mero discurso) o plano social e humanitário. O Direito, assim, pode ser visto como importante instrumento para a globalização da dignidade da pessoa humana, fato ainda, infelizmente, inédito (SALGADO, 2004, p.50 et seq .). A Globalização Econômica, que já se operou, exige uma Globalização da Justiça (em termos de justiça social, grande desafio da contemporaneidade). Mas esse processo não pode ocorrer de modo a desconsiderar o fato de que a experiência internacional da igualdade (formal e material, de condições e social), sem respeito ao caráter multicultural do mundo atual , não passa de imposição de um padrão uniforme que, por desconsiderar as bases axiológicas de cada cultura, se revela totalitário e injusto (HUNTINGTON, 2001, p. 227-258). A universalização do Direito deve ter como mote, diretriz fundamental, um humanismo que saiba reconhecer em cada pessoa a sua dignidade – enquanto fim em si mesmo^14 , sem com isso desconsiderar que a plena dignidade pressupõe respeito à identidade cultural, respeito à história de vida de cada sujeito e de cada tradição. Esse é o grande desafio da tarefa de aproximação dos sistemas jurídicos mundiais. A alteridade – reconhecimento do outro, diferente, como igualmente digno (SALGADO, 1995, p.21-62) – constitui elemento fundamental da Justiça Universal Concreta como um ideal realizável. Assim sendo, a compreensão do Direito no plano de uma universalidade inclusiva surge como tarefa indispensável à busca por efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana e da concreção do conceito de Direito, tal como principiologicamente definido por Hegel, como “ reino da liberdade em realização ” (HEGEL, (^13) Desde que o Direito seja pensado no plano de sua racionalidade e não no plano de sua patologia (que é a distorção ou deturpação do que é o Direito). (^14) “Procede de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como fim e nunca como puro meio” (KANT, 1964, p.92).
VALOR E ATUALIDADE DA BUSCA POR UM CONCEITO CRÍTICO-REFLEXIVO E [….......] 114 2000, p.12-13) ou como definido por Reale: “ a concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores ” (REALE, 2004, p.67). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, Elza Maria Miranda. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1984. BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. BETTI. Emilio. Interpretazione della legge e degli atti giuridici: teoria generale e dogmatica. Milano: A. Giuffrè,
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