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Mulher na Dança de Forró: Representação e Práticas no Baile de Forró Pé de Serra, Notas de estudo de Cultura

Este documento explora o papel da mulher na dança de forró pé de serra, examinando as representações e práticas observadas no baile. A pesquisa aborda tabus, estereótipos e convenções relacionadas às mulheres conduzidas e condutoras, além de analisar a influência das metodologias feministas na compreensão da dança. O texto também discute a história e evolução do forró, incluindo a participação de mulheres em eleições e a adoção de técnicas de dança.

O que você vai aprender

  • Como as metodologias feministas influenciam a compreensão da dança de Forró Pé de Serra?
  • Quais são os tabus e estereótipos relacionados às mulheres conduzidas e condutoras no baile de Forró Pé de Serra?
  • Quais são as técnicas de dança de Forró Pé de Serra e como elas afetam as mulheres conduzidas?
  • Como as mulheres participam e são representadas no baile de Forró Pé de Serra?
  • Quais são as históricas e influências que moldaram a dança de Forró Pé de Serra?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Lula_85
Lula_85 🇧🇷

4.5

(113)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE DANÇA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA
JULIANA FREIRE DOS SANTOS
XOTE COM A
AFLORANDO O FORROBODÓ
Salvador
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Baixe Mulher na Dança de Forró: Representação e Práticas no Baile de Forró Pé de Serra e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE DANÇA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

JULIANA FREIRE DOS SANTOS

XOT E COM A

AFLORANDO O FORROBODÓ

Salvador

JULIANA FREIRE DOS SANTOS

XOT E COM A

AFLORANDO O FORROBODÓ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Dança, da Escola de Dança, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Dança. Orientadora: Profa. Dra. Lenira Peral Rengel

Salvador

JULIANA FREIRE DOS SANTOS

XOT E COM A

AFLORANDO O FORROBODÓ

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Dança, Programa de Pós-Graduação em Dança, Escola de Dança, da Universidade Federal da Bahia. Aprovada em 5 de junho de 2019. Banca examinadora Lenira Peral Rengel – Orientadora ________________________________________ Doutora em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Universidade Federal da Bahia (UFBA) Amélia Vitória de Souza Conrado ________________________________________ Doutora em Educação – Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Universidade Federal da Bahia (UFBA) Eloísa Leite Domenici __________________________________________________ Doutora em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

A

Luzia, minha vó, meu Assum Preto que voou. Isabella, minha sobrinha, que já nasceu pra ser Carcará.

Eu vi a lua Eu fui até lá E ela é perfeita Minha vó Luzia em um sonho

SANTOS, Juliana Freire dos. Xote com A: aflorando o forrobodó. 2019. Orientadora: Lenira Peral Rengel. 150 f. il. Dissertação (Mestrado em Dança) – Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. RESUMO Xote com A vem para aflorar o papel da mulher conduzida no baile de forró pé de serra, mais especificamente na dança. O problema da pesquisa se insere em por que o baile e a dança do forró pé de serra podem ser opressores para as mulheres, principalmente as que se identificam com a função de conduzidas. Assim, consequentemente, os modos de dançar/ensinar o forró pé de serra, as tradições, convenções e hábitos dos bailes podem reforçar formas opressoras do dançar. A pesquisa tem por objetivo articular as relações de poder entre gêneros na dança do forró pé de serra e no contexto que se inclui, a partir de epistemologias em relação interdisciplinar e de uma metodologia feminista. A metodologia da pesquisa utilizou da revisão bibliográfica, pesquisa de campo participativa (SCHMIDT, 2006) em atitude etnográfica (PIMENTEL, 2014), com participação e visitas a bailes em São Paulo (capital) e pela pesquisa em dança artístico/pedagógica com o grupo 3ª Categoria. Como adensamento da pesquisa tive aulas e cursos de aperfeiçoamento técnico em dança e música e aprofundei a análise de letras de músicas. O referencial teórico passa pelas ciências cognitivas (DAMÁSIO, 2011 ; KATZ; GREINER, 2001, 2003 , 2005; RENGEL, 2015, 2007 ; TOMASSELLO, 2003); epistemologias do Sul (SANTOS, B., 2018); histórico do forró pé de serra (SANTOS, C., 2014, 2013; MATOS, 2007); feminismos (RIBEIRO, D., 2017; BIROLI, 2016, 2013; BEAUVOIR, 2016; BERTH, 2018); processos de aprendizagem (FREIRE, 1986, 1987; NEVES, 2010); estereótipos de masculinidade e nordestinidade (ALBUQUERQUE JR, 2011, 2013; TROTTA, 2009, 2012, 2014). Como resultados poderemos contribuir com dados teóricopráticos e busca de compreensão histórica, inclusive recente. O intento foi e é propor um trabalho artístico/pedagógico práticoteórico com o forró pé de serra que reflita e questione seu contexto nas relações colonialistas, capitalistas e patriarcais da sociedade e também nesta dança. Palavras-chave: Forró. Forrobodó. Mulher conduzida no Forró. Dança como ação cognitiva do corpo.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figuras 1, 2 e 3 – da esquerda para direita: Talita Del Collado, Naiara Perez, Neide Garape ..................................................................................................................... 22 Figuras 4 e 5 – da esquerda para direita: Luiz Gonzaga, Marinês e Pedro Sertanejo / Capa do LP Luiz Gonzaga (compacto duplo, RCA, 1980) ..................................... 36 Figuras 6 e 7 – da esquerda para direita: capa do LP Luiz Gonzaga, São João na roça, (RCA, 1958) / Capa do LP Luiz Gonzaga, Dengo maior (RCA, 1978) ............ 37 Figuras 8, 9 e 10 – da esquerda para direita: Janayna Pereira, Marinês e Luiz Gonzaga e Carolina Bahiense ................................................................................. 52 Figura 11 – Print da postagem no Facebook .......................................................... 70 Figuras 12, 13 e 14 - da esquerda para direita: Marinês (capa do LP Coisas do Norte, 1963) / Marinês (capa do LP Maria Coisa, 1965) / Marinês (capa do LP Cidadã do mundo, 1995) .......................................................................................... 94 Figuras 15, 16 e 17 - da esquerda para direita: Carmélia Alves “Rainha do Baião” em show em 1959 / Elba Ramalho (2018) / Bernadete França (2018) .................... 94 Figuras 18, 19 e 20 - da esquerda para direita: Nana Guedes / Chiquinha Gonzaga em capa do LP Penerô Xérem (1975) / Lucy Alves em capa do CD Lucy Alves (2014) ....................................................................................................................... 97

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
  • CAPÍTULO I
    1. ZABUMBA - BASES HISTÓRICAS E CONCEITOS-CHAVE DA PESQUISA
  • 1.1. FORROBODÓ COMO PROCESSO COGNITIVO
  • 1.2. FORRÓ: UMA DAS NORDESTINIDADES
  • 1.3. CULTURA PATRIARCAL DO CABRA-MACHO
  • 1.4. VIVÊNCIAS: TRADIÇÃO E TRADICIONALISMO CRÍTICO
  • CAPÍTULO II
  • SEXUALIDADE 2. TRIÂNGULO - UM TRIO: CONVENÇÕES, ESPACIALIDADE E
  • 2.1. O BAILE: BANQUETE DE SIGNOS...................................................................
  • 2.2. SEGREDO DO FORRÓ
  • sexualidade velada 2.2.1. Homens dançam com mulheres - a heteronormatividade imposta e a
  • 2.2.2. Homens condutores e mulheres conduzidas
  • 2.2.3. O convite à dança, em larga escala, é feito pelos condutores do salão
  • 2.2.4. Não negar convites às danças
  • 2.2.5. Músicas machistas
  • FEMININO DENTRO DO BAILE DO FORRÓ PÉ DE SERRA 2.3. “TEM POUCA DIFERENÇA” - REFLEXÕES SOBRE O LUGAR DE FALA
  • 2.4. O SILENCIAMENTO DA MULHER DENTRO DO CONTEXTO HISTÓRICO
  • CAPÍTULO III
  • HEGEMÔNICAS 3. SANFONA - XOTE COM A, EMPODERAMENTO E AÇÕES CONTRA-
  • 3.1. CONVIDEI A COMADRE SEBASTIANA
  • 3.2. EU SOU ASSIM
  • 3.3. UM NOVO XOTE DAS MENINAS
  • 3.4. O ABRAÇO
  • 3.5. O EIXO
  • 3.6. O QUADRIL......................................................................................................
  • 3.7. A PONTA DE PÉ
  • 3.8. FORRÓ DAS BONITAS
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • XOTE COM A COMO MANIFESTO
  • REFERÊNCIAS
  • APÊNDICES - Termos de autorização de uso de imagens e depoimentos

uma construção cognitiva-cultural (cognitivo enquanto um modo de conhecer, de abordar o mundo) de identificação brasileira. Não isoladas das questões atuais da sociedade estamos interessadas como o baile e a dança reforçam discursos de poder hegemônicos. Segundo Luís da Câmara Cascudo (2001) forrobodó ou forrobodança é “ divertimento, pagodeiro, festança” (p. 250) uma festa para a ralé com todo o tipo de gente, uma algazarra. Forró, segundo o autor, seria a música e dança que surgiram com os migrantes nordestinos na segunda metade do século XX. Sugere também que em São Paulo surgiu em 1962 com o sanfoneiro Pedro Sertanejo. Portanto forrobodó seria o espaço, o baile que inclui o forró, assim como o samba ou outros ritmos dançantes. Também traz à discussão o termo arrasta-pé como baile ralé e o associa ao forró. Então todos os termos apresentados para designar o baile parecem estar em correlação, falando sobre os modos de operar desta manifestação cultural. Forró ou forrobodó são termos que se introduzem na teoriaprática 4 como um sistema aberto de correlações africanas, indígenas e europeias. Apesar da grande influência europeia presente nas danças e nos ritmos forrozeiros, argumentamos nesta pesquisa também colocar em pauta as correlações com as demais influências que geralmente não são citadas e pensadas na dança. Luís da Câmara Cascudo, em Geografia dos Mitos Brasileiros (1983) aponta uma porcentagem entre estas três principais culturas, sendo a europeia com a maior proporção. Mas isso não quer dizer que sua participação seja maior, se estamos falando de correlações, números não dão conta das organizações da cultura. Na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), a partir de Mario Bunge (VIEIRA, 2000), sistema é um agregado de coisas que estão em relação e a partir deste relacionamento há o surgimento de propriedades coletivas e/ou partilhadas. Estes sistemas abertos podem se relacionar com outros sistemas abertos através de conectividade, que é a capacidade de um sistema se relacionar com outro. Relação pode ser definida como emparelhamento condicional de características somadas às suas próprias restrições. Aprendemos ainda com o professor Jorge de Albuquerque (^4) Teoria é entendida nesta pesquisa como explica Christine Greiner “A teoria precisa ser necessariamente uma reflexão da experiência vivida, porque ela se organiza durante a ação” (2005, p. 23), ou seja, por isso apresenta-se os termos teoria e prática na mesma palavra, já que nesta linha epistemológica se constroem em conjunto. E também de acordo com Rengel (2007) é necessária a criação de neologismo para dar conta dos modos de operar do corpo e das instâncias imbricadas umas às outras. Segundo a autora “não se trata de um mero anexar de palavras, mas sim de uma necessidade de instaurar uma forma de pensamentoação” (p. 1).

Vieira (2000) que as restrições fazem algo ser possível, pois a realidade segue leis. O forrobodó e forró mantêm-se como um sistema que se relaciona com outros em suas características e limites. É um agregado em um espaço onde se dança e se toca vários ritmos nordestinos como: xote 5 , xaxado 6 , baião 7 , marchinha 8 , entre outros. Desde que Luiz Gonzaga (1912-1989), importante músico e compositor nordestino conhecido como o Rei do Baião, nas décadas de 1940 e 1950 apresentou ao Brasil o baião e outros ritmos nordestinos o forró ganhou espaço nas grandes mídias e até hoje tem destaque na identificação cultural brasileira. Possível inclusive afirmar sua importância com a Lei nº 11.176, de 6 de novembro de 2005. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o Dia Nacional do Forró dia 13 de dezembro em homenagem à data natalícia de Luiz Gonzaga. Por meio do Rei do Baião começa uma caminhada e um recorte específico com foco no forró pé de serra e não do forró em geral. De acordo com Climério de Oliveira Santos (2014) o que se entende por forró tradicional está ligado com a música desenvolvida por Luiz Gonzaga. Atribui-se a Jackson do Pandeiro^9 (1919-

  1. a responsabilidade do termo passar a abarcar outros ritmos “e passa a englobar uma pluralidade musical nordestina” (SANTOS, C., p. 4). Os pesquisadores Ivan Dias e Sandrinho Dupan disponibilizaram material online em 2017 e nele sugerem que o forró tradicional seria o forró pé de serra: “surgiu no nordeste brasileiro no século XIX, principalmente no interior dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas” ( Ibid ., p. 21) e em seguida ganhou o Brasil através do trabalho de Luiz Gonzaga. De acordo com os pesquisadores, em ordem (^5) Subgênero do forró que dá nome a esta dissertação. (^6) Música e dança que ficou conhecida pelo movimento do cangaço. (^7) Um dos subgêneros do forró mais conhecidos, graças a Luiz Gonzaga “Rei do Baião”. Segundo a letra da música “Braia Dengosa” (1956) o ritmo teria nascido da mistura do maracatu pernambucano com o fado português. No livro O Fole Roncou: uma história do forró (2012) apresenta-se algumas versões sobre a criação do ritmo, uma delas Luiz Gonzaga explicou para o Jornal do Brasil em 1971 que ele foi seu criador, assim como há outras opiniões como o do crítico e pesquisador José Teles “’Baião’ é o aproveitamento da espartana linha melódica do cantador de viola, em compasso mais ritmado, com traços do coco e do maracatu. Grosso modo, o baião foi a nossa primeira música de laboratório” (MARCELO; RODRIGUES, 2012, p. 22). Há também registros do termo ‘’baião” em outras manifestações culturais como o caboclinhos de Pernambuco. (^8) Um dos subgêneros mais tocados e dançados nas tradicionais festas juninas e julinas. (^9) Conhecido com o Rei do Ritmo, o cantor paraibano aprendeu a tocar pandeiro com a mãe cantora de coco. Junto com Luiz Gonzaga ele é um dos principais artistas do forró pé de serra. Muito conhecido por tocar cocos e sambas. A ele também se dá a “criação” do ritmo forró, homônimo à festa/baile.

órgão. Não é a genitália que representa a mulher mas a lacuna da sua representatividade dentro desse contexto. A pesquisadora Morgana Ribeiro dos Santos (2012), sobre seus estudos do duplo sentido^11 presente nas letras de forró, levanta a importância da organização estratégica dos recursos da língua, que provoca ambiguidade e deixam lacunas a serem preenchidas pelo receptor. Assim, autores e ouvintes participam em um jogo interativo de linguagem construindo juntos o sentido 12

. A proposição de xota , busca questionar o pejorativo, o órgão, a identidade de gênero, o tabu, trazendo o florescer. É tirar do xote a mulher que se não se reconhece. E como ela pode e deve se identificar e assim encontrar seu lugar de fala (RIBEIRO, D., 2017) e sua autonomia, compartilhando experiências em comum com outras mulheres dentro do contexto forrozeiro, desestabilizando formas de opressão. E através disso construir também um lugar de escuta crítico e responsável. São mais de 15 anos frequentando bailes de forró pé de serra, poucos festivais 13 . Falar de forró é falar do corpo que sou, é falar de mim, da minha ancestralidade, de um dos modos como sinto o mundo funcionar, ou seja, um hábito cognitivo. Dos abraços aos variados giros e bases distintas. A cada abraço, um novo estado de corpo, um novo dançar. Eu cresci ouvindo a história da minha família pelas músicas de forró pé de serra, mais sei do Nordeste pela voz de Luiz Gonzaga do que pela voz de minha mãe ou minha avó. Cresci em uma família de mulheres. Minha mãe, pernambucana de Bezerros, município localizado no agreste do estado, a única mulher dos cinco filhos vivos de minha avó, sofreu inúmeras formas de preconceitos por resolver se divorciar. Cresci fortalecendo-me com essas mulheres e demorei muito para entender o porquê o mundo era tão injusto com muitas de nós. Não entendia por que mulheres heterossexuais sofriam tanto com os namorados, por que minha mãe nunca quis ter outro companheiro e por que o sofrimento parecia ser um traço tipicamente feminino. Demorei para entender por que era um problema minha família ser de origem (^11) No forró pé de serra muitos artistas trabalharam o duplo sentido, forró pornográfico ou forró safado, “caracterizando-se pelo emprego de recursos linguísticos, com a finalidade de promover a obscenidade e o humor por meio da ambiguidade” (SANTOS, M., 2012, p. 7). Podemos citar aqui dois dos muitos intérpretes que ficaram conhecidos pelo gênero: Clemilda, uma das rainhas do forró e Genival Lacerda, o rei da munganga. (^12) Ibid ., p. 34. (^13) Então deixo evidente um recorte na pesquisa, estou falando dos bailes, particulinos e festas locais, não dos grandes festivais, principalmente os que estão localizados em São Paulo, capital.

nordestina, minha mãe trabalhar como doméstica ou minha irmã sair com várias amigas e amigos durante a noite. Eu demorei para entender que havia algo de opressor para conosco as mulheres. Essas mulheres que sempre foram a minha única referência de amor, carinho, força, coragem e trabalho. Por algum motivo, que até hoje sigo elaborando, nós não somos aceitas, de modo largamente abrangente, simplesmente por sermos mulheres. O cavalheiro abraça a dama, o condutor rodopia pelo salão mostrando certa habilidade e repertório diversificado. Ela, considerada a conduzida , na ponta dos pés atenta a seu companheiro dividindo seu equilíbrio. Ele, firme, decidido, técnico e utilizando passos como se fossem argumentos cada vez mais elaborados. Ela, leve, demonstra com agilidade sua capacidade de ouvir esses argumentos, deve concordar e reafirmar cada um deles. Muitas vezes ao errar o passo eu ria descaradamente, acho os pequenos “choques” na comunicação o mais interessante, era onde eu aprendia e aprendo mais sobre aquele corpo e o corpo “eu”. Era no erro, nas brechas, nas fissuras que eu sabia onde poderia contra-argumentar. Enquanto eu e algumas outras conduzidas riam ao errar, muitas outras pediam desculpas por não saberem responder àquele passo. Eu demorei para entender porque isso acontecia. Muitas vezes ouvia “Você ri? Mas você errou.” Ou “Não foi isso que conduzi” como se me repreendessem. Mesmo assim, eu seguia pensando como construir minha autonomia enquanto conduzida. Estamos tão condicionados a pensar no poder como uma coisa masculina que uma mulher poderosa é uma aberração. E por isso ela é policiada. No caso de mulheres poderosas, perguntamos: “ela tem humildade? Sorri? Mostra gratidão? Tem um lado doméstico?” Perguntas que não fazemos a homens poderosos, o que demonstra que nosso desconforto não é com o poder em si, mas com a mulher. (ADICHIE, 2017, p. 33) Nunca me senti representada em aulas de forró, sempre homens falando com os homens e quase sempre homens cantando, homens tocando, homens lhe convidando para dançar. “Você não pode dizer ‘não’ para uma dança”; “Você não pode usar uma saia sem um shorts”; “Você não pode ir de salto”; “Você não pode beijar uma pessoa na festa”; “Você não pode girar sem ele pedir” e outras tantas

que eu. Foi aí que eu percebi a potência de questionar poderes hegemônicos. Ao mesmo tempo que me sentia muito solitária nos questionamentos do grupo, que me pareciam fechados àquele ambiente, havia mais pessoas interessadas em saber o que era/é o trabalho do grupo. E isso esboçou o início da discussão trazida nesta pesquisa. O problema da pesquisa se insere por que o baile e a dança do forró pé de serra podem ser opressores para as mulheres, principalmente as que se identificam com a função de conduzidas. Assim, consequentemente, os modos de dançar/ensinar o forró pé de serra, as tradições, convenções e hábitos dos bailes podem reforçar formas opressoras do dançar. Na cultura forrozeira, que é fortemente masculina, é possível que mulheres construam seu lugar de fala (RIBEIRO, D., 2017) e autonomia? O que pode ser considerado uma técnica em dança (NEVES, 2010) como ação empoderadora (BERTH, 2018) para as mulheres dentro e fora desse contexto? Nesse sentido, a pesquisa tem por objetivo articular as relações de poder entre gêneros na dança do forró pé de serra e no contexto que se inclui, a partir de epistemologias em relação interdisciplinar e de uma metodologia feminista. As metodologias feministas assumem o caráter das abordagens críticas (GUBA; LINCOLN, 1994), tendo como objetivo comum a mudança social, o resgate da experiência feminina, o uso de análises e de linguagens não sexistas (EICHLER,

  1. e o empoderamento dos grupos oprimidos, em especial das mulheres. (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 651). A metodologia da pesquisa utilizou da revisão bibliográfica, pesquisa de campo participativa (SCHMIDT, 2006) em atitude etnográfica (PIMENTEL, 2014), com participação e visitas a bailes em São Paulo (capital) e pela pesquisa em dança artístico/pedagógica com o grupo 3ª Categoria. Como adensamento da pesquisa tive aulas e cursos de aperfeiçoamento técnico em dança e música e aprofundei a análise de letras de músicas. Todas essas ações se convergem irradiando metodologias de olhar feminista que buscam por soluções críticas e contra hegemônicas. O trio pé de serra é composto por três instrumentos: zabumba, triângulo e sanfona. Existem bandas de forró pé de serra presentes nos bailes e festas que adicionam outros instrumentos. Porém, zabumba, triângulo e sanfona formam a configuração que Luiz Gonzaga começou a pensar em 1949 e a definir em 1950.

Esta configuração, que virou “poderoso signo da música popular nordestina”, resolvia muito bem as questões sonoras/acústicas e econômicas do cantor (SANTOS, C., 2013, p. 52 - 53). Esta dissertação se referencia nesse trio de instrumentos sendo cada um deles a síntese de representação de um capítulo. No capítulo 1 , Zabumba - Bases históricas e conceitos-chave da pesquisa , apresentamos bases históricas e conceitos-chave que referenciam a pesquisa. Tratamos o forrobodó como processo cognitivo com referência em Antônio Damásio (2011), Christine Greiner (2005, 2010), Eloisa Leite Domenici (2004), Helena Katz (2005, 2008), Lenira Rengel (2007, 2015), Michel Tomasello (2003) e Mônica Ribeiro (2015). Aspectos da linha semiótica a partir de Charles Sanders Peirce por Eloisa Leite Domenici (2004), J. Teixeira Coelho Netto (2003) e Lucia Santaella (2005). Estudos históricos sobre o Nordeste e seus estereótipos têm referência em Durval Muniz de Albuquerque Jr (2011). Sobre a história de Luiz Gonzaga e sua importância no contexto forrozeiro a partir de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (2012), Climério Santos (2013) e Dominique Dreyfus (1996). Acerca da relação da masculinidade com o Nordeste referenciamo-nos em Albuquerque Jr (2013) e Felipe Trotta (2014). Estudos sobre tradição são abordados a partir de Ebrahim Moosa (2009) e Jurandir Freire Costa (2004). No capítulo 2 , Triângulo - Um trio: convenções, espacialidade e sexualidade , para a noção de espaço enquanto espacialidade, Lucrecia Ferrara (1993, 2008) é referência. Para o que é denominado de olhares feministas as perspectivas de referência se dão com Djamila Ribeiro (2017), Flávia Biroli (2016,

  1. e Simone de Beauvoir (2016). Questões da sexualidade são abordadas a partir das interpelações de Michel Foucault (1984, 1988) e Jean-Philippe Catonné (2001). Para tratar da invisibilidade da mulher Adriana Negreiros (2018), Maria Odila Leite da Silva Dias (1983) e Miridan Knox Falci (1997) nos orientam. Nesta etapa fazem parte a observação em visitas aos bailes, análise de letras musicais, entrevistas e comentários recorrentes de alunas, professoras e participantes do 3ª Categoria. Esses são fundamentais para entender como estruturas hegemônicas podem se reforçar ou se transformar em ações ou convenções nos bailes de forró em São Paulo, capital. No capítulo 3, Sanfona - Xote com A: empoderamento e ações contra- hegemônicas , buscamos ações empoderadoras (BERTH, 2018) contra os poderes