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O objetivo da pesquisa prioritária do autor, que é entender como alice miller aborda questões relacionadas às feridas na dignidade das crianças e a críticas dirigidas contra a escola em relação a essas feridas. O autor busca compreender as relações entre maus-tratos infantis, a produção do ódio e a cadeia de violência, além dos alcances e limites da escola para contribuir com o processo de reparação. O texto aborda as crueldades físicas e psíquicas dos pais e professores, a necessidade de dissuadir as crianças de seus desejos e sonhos, e as formas manipuladoras e refinadas de repreensão e opressão escondidas sob a marca da 'boa educação'. O autor também discute as influências do cristianismo ocidental e da pedagogia na formação educacional e escolar dos pais e avós das crianças que atualmente apresentam atitudes violentas e agressivas.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
Compartilhado em 07/11/2022
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Romualdo Dias.
Câmpus de Rio Claro
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: "PARA^ SEU^ PRÓPRIO^ BEM":^ EDUCAÇÃO E^ CASTIGO^ NA^ OBRA^ DE^ ALICE MILLER
AUTORA: ROSELI ZANON BRASIL
ORIENTADOR: ROMUALDO DIAS
Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em EDUCAÇÃO, pela
Comissão Examinadora:
Prof. Dr. ROMUALDO DIAS (Participaçao Virtual) Departamento de Educação / UNESP - Instituto de Biociências de Rio Claro - SP
Profa. Dra. GLAUCINEIA GOMES DE LIMA (Participaçao Virtual) Faculdade de Psicologia / Universidade Anhembi Morumbi - São paulo / SP
Prof. Dr. ALDO AMBRÓZIO (Participaçao Virtual) Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH / Universidade Estadual de Campinas
Rio Claro, 13 de novembro de 2020
Av.^ Instituto de Biociências 24 - A no. 1515, 13506900,^ -^ Câmpus de Rio Claro Rio Claro - São Paulo^ - CNPJ: 48.031.918/0018-72.
“O sentimento de gratidão é uma das mais claras expressões da capacidade de amar. A gratidão é um fator essencial para estabelecer a relação com o objeto bom e apreciar a bondade dos outros e a sua própria.”
Melanie Klein
AGRADECIMENTOS
AGRADE(SI)MENTOS
AGRADECER – AGRADE(SER)
AGRADE-SE
(A)GRADE-CIMENTOS
Sou GRATA , pois, talvez mesmo sem saber, vocês me trouxeram até aqui, caminhando comigo e apontando as (im)possibilidades... Com cada pessoa, vários aprendizados... Para cada pessoa, vários sentimentos... Vocês são poesia em mim!! E para mim!!!
DOLLY E TAHIRA – Gratidão por serem a razão do meu existir. Com vocês e por vocês não tenho limites. “Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes.” Mario Quintana
ELZA E ZANON – Gratidão pela minha vida e por me ensinar o sentido maior dela: lutar e ajudar a construir um mundo justo e humanizado. “O seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar e de ajudar o mundo a ser melhor.” Thiago de Mello
DILDO – Gratidão pelos sonhos, amor e descobertas compartilhadas. “Sonhar é acordar-se para dentro.” Mario Quintana
ROMUALDO – Gratidão pela companhia na travessia e na desconfiança. “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”. “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”. “Quem desconfia fica sábio”. Guimarães Rosa
À MINHA FAMÍLIA – Gratidão pelas coisas simples e importantes da vida, pelo amor, pelo respeito e pela vida compartilhada. “Viver é acalentar sonhos e esperanças, fazendo da fé a nossa inspiração maior. É buscar nas pequenas coisas, um grande motivo para ser feliz!” Mario Quintana
aí por diante, a vida do garoto foi dar capim para os elefantes e carne para os tigres. Os primeiros logo começaram a gostar dele. O maior deles, chamado Mamute, quando o via, levantava a tromba e soltava um berro de se ouvir longe. O menino passava debaixo
das pernas daqueles gigantes sem medo nenhum. Mamute o agarrava com a tromba, o levantava e o punha
nas costas. E, montado no pescoço de Mamute, Baita sonhava que ia conquistar o mundo. A cada dia que
passava parecia que ele aprendia mais com os elefantes.
Mas logo estava na hora de alimentar os tigres. Com os tigres, era diferente. Nenhum tigre queria ser seu amigo. Quando trazia a carne, eles avançam como se também quisessem come-lo. Não tinham olhos bons como os elefantes. Tinham olhos de aço verde, um fogo malvado brilhando
lá dentro.
Porque tigres não gostam de ninguém. Nem dos próprios tigres. Cada um vivia sozinho em sua
jaula. Não eram como os elefantes, que conseguiam ficar juntos, machos e fêmeas, sem brigar, sem
disputar comida.
Baita impressionava-se com a velocidade daqueles animais listrados. Com o seu jeito atento.
Pareciam dormir com um olho fechado e o outro aberto. Ao primeiro ruído, estavam de pé, rondando com
aqueles olhos de gelar o coração de quem não fosse tigre.
Devagarzinho, ele foi entendendo a diferença entre os elefantes e os tigres. Até que um dia ele
entendeu. A diferença é que os tigres tinham medo. Por isso é que eram assim: quem tinha medo, só podia
dar medo. O mundo deles era um mundo com medo.
Os elefantes, não. Eles não tinham medo de nada. Parecia que tudo estava certo, viver era bom. Baita já tinha tido medo várias vezes na vida. Mas, nunca como um tigre. Então ele pensou: ‘Quando eu tiver muito medo, quero ser como um tigre. Até lá, quero ser como
um elefante. ’
Paulo Leminski (1993) (grifos nossos)
A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá- las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.
Hannah Arendt (2007)
Nesta pesquisa assumimos o objetivo de estudar a obra da psicanalista Alice Miller
para compreender a sua crítica estabelecida sobre a pedagogia, de um modo geral,
e sobre a escola, de um modo particular. Recolhemos em sua obra as análises
sobre os maus-tratos cometidos contra as crianças, os seus efeitos na produção do
ódio e a sua força na sustentação de uma cadeia de violência em toda a sociedade.
Nós nos empenhamos em compreender o seu modo de conceber a reparação como
uma forma de desfazer o ódio instalado na dinâmica de constituição do sujeito, bem
como os seus efeitos sobre os coletivos em seus esforços de estabelecer uma
ordem social assentada em fundamentos democráticos. Expomos os seus
argumentos sobre a ineficácia de uma proposta de fazer as crianças perdoarem
seus pais pelos maus-tratos cometidos. Discutimos a proposta de reparação e sua
relação com a presença do “mandamento do perdão” na cultura ocidental.
Analisamos o quanto a crítica sobre a escola considera ou não a possibilidade de
introduzir a reparação como parte dos processos educacionais. A iniciação nos
estudos da obra de Alice Miller nos permite colocar em discussão possíveis
contribuições dos saberes elaborados pela Psicanálise para o estabelecimento de
um horizonte de colaboração com a Educação em seu empenho para responder aos
desafios colocados à escola na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Psicanálise. Educação. Infância. Maus tratos. Alice Miller.
En esta investigación asumimos el objetivo de estudiar el trabajo de la psicoanalista
Alice Miller para comprender su crítica establecida sobre la pedagogía, en general, y
sobre la escuela, de manera particular. Reunimos en su trabajo los análisis sobre el
maltrato a los niños, sus efectos en la producción de odio y su fuerza para sostener
una cadena de violencia en toda la sociedad. Nos esforzamos por entender su forma
de concebir la reparación como una forma de deshacer el odio instalado en la
dinámica constitucional del sujeto, así como sus efectos sobre los colectivos en sus
esfuerzos por establecer un orden social basado en fundamentos democráticos.
Presentamos sus argumentos sobre la ineficacia de una propuesta para hacer que
los niños perdonen a sus padres por el maltrato que han cometido. Discutimos la
relación entre la reparación propuesta y su relación con la presencia del
"mandamiento del perdón" en la cultura occidental. Analizamos cuánto la crítica a la
escuela considera o no la posibilidad de introducir la reparación como parte de los
procesos educativos. La iniciación en los estudios de la obra de Alice Miller nos
permite discutir las posibles aportaciones de los conocimientos elaborados por el
Psicoanálisis al establecimiento de un horizonte de colaboración con la Educación
en su esfuerzo por dar respuesta a los retos que plantea la escuela en la sociedad
contemporánea.
Palabras clave: Psicoanálisis. Educación. Infancia. Malos tratos. Alice Miller.
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educação se comporta como se equipasse pessoas de uma expedição polar com
trajes de verão e mapas dos lagos italianos.” (p.137). Diante dela a minha
curiosidade em refletir e pesquisar em que laços a Psicanálise e a Educação se
enlaçam e como elas dialogam foi crescendo ainda mais. Que Educação é essa que,
segundo Freud, ao invés de se comportar de forma a barrar o desejo de morte,
encaminha as crianças para um vale frio e gelado sem nenhum recurso para lidar
com ele? Uma Educação que deveria avivar a vida, a alegria e as descobertas, mas,
ao contrário, encaminha a criança e o jovem para o esgotamento e a destruição? Diz
ele em seu texto “Contribuições para uma discussão acerca do suicídio”,
Mas uma escola secundária deve conseguir mais do que não impelir seus alunos ao suicídio. Ela deve lhes dar o desejo de viver e devia oferecer-lhes apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento os compelem a afrouxar seus vínculos com a casa dos pais e com a família. Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso, e a muitos respeitos deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e de despertar o interesse pela vida do mundo exterior. Esta não é a ocasião oportuna para uma crítica às escolas secundárias em sua forma presente; mas talvez eu possa acentuar um simples ponto. A escola nunca deve esquecer que ela tem de lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser negado o direito de se demorarem em certos estágios do desenvolvimento e mesmo em alguns um pouco desagradáveis. A escola não pode adjudicar-se o caráter de vida: ela não deve pretender ser mais do que uma maneira de vida. (FREUD, 1996[1910], p.141-142).
Avançando um pouco mais em minhas leituras e estudos certa vez ouvi um
renomado psicanalista e professor da USP dizer que a Psicanálise pode contribuir
com a Educação assinalando, não „o que se deve fazer‟ como se fosse uma medida
prescritiva, mas, ao contrário, „o que não se deve fazer‟ na Educação. Ou, dito de
outra forma, o que não deve ser feito às crianças.
“Não assinalar”, “não apontar”, “não direcionar”, “não conduzir”... Fiquei
pensando se não é exatamente por isso que a Psicanálise, na esteira de Kant,
aponta os três impossíveis: governar e educar e mais tarde foi acrescentado o
esforço em psicanalisar! São três ações impossíveis, pois utilizam, por excelência, a
palavra como ferramenta principal. E, diferente do que alguns possam pensar, como
o inconsciente não está nas profundezas, mas sim “na ponta da língua”, o nosso
desejo inconsciente é expresso, também, na palavra que proferimos ao outro.
Portanto, assinalar, apontar, direcionar, conduzir, ordenar o que deve ser feito, seja
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na Educação ou em qualquer outra área, não está nos princípios da Psicanálise,
pois se há uma impossibilidade de controlar os efeitos das nossas intervenções, da
nossa fala sobre nós mesmos, imagine, sobre os outros. É realmente da ordem do
impossível.
E assim, não apenas diante, mas com todas essas indagações e
impossibilidades me atiro nesse mar sem fim – e com horizontes distantes – que é o
meio acadêmico “oficial”: a ciência. Chego ao mestrado com a impressão de que
“nadarei, nadarei e morrerei na praia”, ou que „não conseguirei chegar a muitas
conclusões‟, mas, ainda assim, desejo nadar. Talvez, mais do que isso, desejo me
envolver num processo de descobertas constantes e não desejo aterrissar em
certezas. Pois, as certezas pretendem finalizar relacionamentos, coisas e processos.
Afeiçoo-me mais às descobertas constantes e mutáveis, pois, diferentemente das
certezas, elas nos impulsionam a ir além sem nos preocuparmos apenas com o final.
E são elas, as descobertas sucessivas e inéditas, que nos fazem perguntar: (a)final,
o final existe?
Já havia, noutras experiências acadêmicas, pesquisado e refletido sobre o
fracasso escolar, sobre a indisciplina, sobre o desejo de aprender e ensinar. Sempre
à luz da Psicanálise, como se ela operasse como uma lente de aumento que
desfoca o olhar e, paradoxalmente, abre novas possibilidades e modos de ver o já
visto.
Porém, agora desejava algo novo a ser investigado! Algum outro fenômeno
ou ideia educacional que eu pudesse analisar sob a ótica da Psicanálise. E é
exatamente nesse momento, quando busco por algo novo (mas, ao mesmo tempo
recorrente), que me encontro com Alice Miller.
O primeiro livro dela que me chega às mãos, olhos, ouvidos e sentidos, por
via do agradável encontro com meu orientador, traz em seu título a instigante
tradução de: “No princípio era a Educação”. Imediatamente me lembro daquela frase
bíblica “No princípio era o verbo...” A Educação, o verbo, a palavra, os efeitos...
Sinto-me curiosa e desafiada. Mais desafiada ainda fiquei quando descobri que o
título desta obra, no original é: “Para seu próprio bem”. Para o bem de quem? De
qual bem se trata? Como entender esse título no confronto com as ideias freudianas
de que não existe o bem estar o tempo todo e de que estamos num constante mal
estar? O coração dispara, as ideias se espalham na cabeça, o sangue parece correr
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democráticas. Assim, nessas andanças, construo novos caminhos e novas
possibilidades.
Comecei por conhecer quem foi Alice Miller, minha companheira nesses dois
últimos anos. Descubro que ela nasceu em 1923 na Polônia em uma família de
ascendência judia. Em sua juventude viveu em Varsóvia tendo sido uma das
sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Em 1953 se doutorou em filosofia,
psicologia e sociologia na Universidade de Basel na Suíça e completou sua
formação psicanalítica em Zurique. Estudou e praticou a psicanálise por mais de 20
anos.
Em 1979 Miller parou de atender como psicanalista e tornou-se crítica de
Freud. Foi recomendada a se desligar da Associação Psicanalítica Internacional de
Berlim por não seguir os dogmas implantados pela doutrina freudiana. Neste mesmo
ano estreou como escritora lançando, na Alemanha, o livro, „O Drama da Criança
Bem Dotada‟. Em 1986, recebeu o prêmio Janusz Korczak de literatura. Miller
faleceu em 14 de abril de 2010, em sua casa em Saint-Rémy de Provence, na
França, aos 88 anos de idade.
Dedicou sua vida e seus estudos à tentativa de compreender a dor humana a
partir do princípio do trauma da infância. Defendia a tese de que as vítimas de toda
ordem de maus tratos na infância poderiam se libertar das consequências dos
mesmos a partir do momento em que conseguissem enfrentar a verdade da infância
por meio da lembrança e do relato de cenas relacionadas aos maus-tratos, violência,
abuso sexual e outras tantas situações que desencadeiam sentimento de
humilhação e culpa, compreendidas sempre como sendo as experiências que ferem
a dignidade da criança. Para ela, maus-tratos dizem respeito a abusos tão violentos
que estão para além das agressões físicas. Diz ela,
Mas o que descrevo neste livro e ao qual dou o nome de maus- tratos, são ainda mais lesões da integridade psíquica da criança que, no início, permanecem INVISÍVEIS. Suas sequelas geralmente só se manifestam décadas depois, e mesmo assim o vínculo com ferimentos sofridos na infância raramente é estabelecido e levado a sério. As pessoas envolvidas, assim como a sociedade (médicos, advogados, professores e, infelizmente, também muitos terapeutas), não querem saber nada sobre as origens desses "problemas" posteriormente ou sobre alguns "comportamentos bizarros" que exigem voltar para a infância. (MILLER, 2005, s/p).
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Apesar de afirmar que a reparação dos maus tratos na infância pode se dar a
partir das lembranças e dos relatos delas, reconhece também que é preciso muita
verdade e força psíquica para alcançar lembranças „proibidas de serem lembradas‟.
Segundo ela, enquanto, no presente, não nos depararmos e confrontarmos com
nossas angústias de infância, o passado insistirá em se fazer presente. E enquanto
não buscarmos a dor original, o corpo sabiamente faz essa dor se tornar notada
através de sintomas e/ou doenças como demonstra em seu livro „A Revolta do
Corpo‟ (2011). Sobre o corpo ela afirma,
Ele (corpo) sabe o que lhe falta, não consegue esquecer as privações. O buraco existe e espera ser tapado. Contudo, quanto mais se envelhece, mais difícil se torna receber de outras pessoas o amor que um dia faltou. Mas as expectativas não são abandonadas com o envelhecer, muito pelo contrário. Elas são apenas transferidas para outras pessoas, principalmente para os próprios filhos e netos. A não ser que tomemos consciência desses mecanismos e reconhecendo a realidade de nossa infância da forma mais exata possível… Podemos, agora, oferecer a nós mesmos a consideração, o respeito, a compreensão de nossas emoções, a proteção necessária e o amor incondicional que nossos pais nos negaram. (MILLER, 2 011, p. 15 - 16).
A sua teoria assevera, inclusive, que o adulto abusado na infância,
impulsionado pelo trauma é tomado pela compulsão à repetição a que ela dá o
nome de “lógica do absurdo”.
Com Miller reafirmo a concepção de que todas as crianças, mesmo as mais
maltratadas, sentem a necessidade, ou a ilusão, de serem amadas. Para que uma
criança se desenvolva naturalmente, ela precisa de respeito e compreensão sobre
suas necessidades e sentimentos. Esse respeito e compreensão devem vir de todos
que com ela convivem: seus pais, cuidadores, professores e familiares. Através do
conhecimento da nossa história e nossos sentimentos, pode-se conhecer a pessoa
que somos, como sentimos, o que sentimos, porque sentimos e como nos
relacionamos.
Com ela também entendo que é possível que um adulto que tenha sofrido
maus tratos (físicos e/ou emocionais) na infância, por seus pais, familiares,
cuidadores e professores, por via dos princípios (ou dos resquícios) de uma
pedagogia cruel e violenta, deles se liberte e não reproduza os mesmos métodos e
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que, no período retratado no filme, a ascensão nazista fosse bem sucedida e para
que a cadeia de violência fosse perpetuada. O roteirista deixa claro que as crianças
do filme muito provavelmente foram os adultos que apoiaram Hitler e todos os
assassinatos por ele produzidos. Crianças que, por terem tido uma educação
baseada na violência física e psíquica, no ódio, no silêncio, na submissão e que, não
encontraram testemunhas auxiliadoras pelo seu caminho, não tiveram outra opção
senão semear mais violência mantendo a cadeia de ódio.
Assim, os estudos e investigações sobre a obra e as ideias de Alice Miller que
apresento visam colocar-nos nessa discussão ao tratar sobre o papel do ambiente
escolar como possível colaborador na manutenção da cadeia da violência fazendo
um confronto entre a sua concepção de psicanálise e a sua crítica sobre a escola.
Para isso, os livros “No princípio era a educação” (“Para seu próprio bem”), de Alice
Miller e “A pedagogia negra”, de Katharina Rutschky são os núcleos estruturantes
dos estudos juntamente com o filme “A fita branca” dirigido por Michael Haneke.
Uma ampla bibliografia também é utilizada para complementar o esforço de
compreensão e crítica sobre os efeitos dos maus-tratos cometidos na infância, tanto
sobre o indivíduo quanto sobre alguma possibilidade de organização social com
base na democracia.
Para a condução dessa pesquisa bibliográfica o princípio geral do
conhecimento afasta-se do paradigma epistemológico e busca maior aproximação
com os princípios do paradigma gnosiológico. Paradigma este que atenta para a
relação entre matéria e forma, para o fluxo e o desejo como pulsação da vida e, por
isso considera que estes estão presentes no desenvolvimento dessa e de toda e
qualquer pesquisa. Ou seja, considero que a ciência não é neutra, mas, ao contrário
é política e, portanto, deve ter explícito compromisso com a vida e com as pessoas.
Pois, acredito que fazer ciência é uma das formas de enfrentamento ao sofrimento
humano. É se aventurar, via curiosidade, rumo ao desconhecido. É assumir riscos.
Assim, penso que, em certa medida, minha forma de pesquisar se aproxima do
método cartográfico, pois sei que este deve ser traçado no e a partir do plano da
experiência.
A cartografia consiste, inicialmente, em acompanhar os processos e devires
que compõe um campo social, que é a realidade, em contínuo arranjo e desarranjo.
“A cartografia parte do reconhecimento de que, o tempo todo, estamos em
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processos, em obra”, afirma Virgínia Kastrup (2009, p.73). Os cartógrafos podem
analisar a malha dos agenciamentos que emergem entre sujeito e objeto de
pesquisa. Ou dito de outra forma, o que se passa „entre‟ o sujeito e o objeto. O
cartógrafo percebe – no sentido específico da sensibilidade – mundos,
configurações territoriais da existência, efemeridades, transitoriedades. Virgínia
Kastrup, ao tratar das especificidades do método cartográfico, fala em atenção
sensível (2009, p.49). E, ainda mais, descreve como característico da prática
cartográfica uma espécie de “acionamento no nível das sensações” (2009, p.42).
É nesta mútua implicação entre sujeito e objeto da pesquisa que me dispus,
com e na pesquisa que ora apresento, a manter uma atenção de suspeita também
sobre a minha própria infância e sobre a infância de meus pais, sobre meu ser-
educador e sobre meu olhar em relação aos educadores.
Sobre os possíveis resultados da pesquisa posso dizer que foram analisados
em coerência com alguns dos princípios do paradigma gnosiológico e também da
cartografia, por meio de um modo de composição de paisagens de sentidos
indicando marcas de determinação sobre o sujeito. Desta forma, estive atenta e
sensível à forma como o método se faz simultaneamente ao percurso de construção
do objeto de estudo. Portanto, ao me deixar capturar pela presente pesquisa
busquei capturar também os possíveis enlaces da psicanálise, educação e prática
da democracia.