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Uma análise detalhada do livro de poemas 'galáxias' de haroldo de campos. O texto discute a natureza do ato de escrever e a dificuldade de começar uma nova obra, enfatizando a importância do começo e a repetição na escrita. Além disso, o documento explora como o autor faz da palavra o objeto de seu livro, criando novas possibilidades textuais e significados não-verbais. O texto também aborda a temática da viagem e o uso de línguas diferentes, além da musicalidade e sonoridade presentes no texto.
Tipologia: Slides
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Não perca as partes importantes!
ANTONIA M A R L Y MOURA DA SILVA C R U Z
O presente trabalho tem como propósito a tentativa de leitura de três fragmentos de Galáxias de Haroldo de Campos: e começo aqui (18.11.63) - o primeiro fragmento do livro - o que mais vejo aqui (18.11.67) e fecho encerro (nov 75/mar 76), o último fragmento do livro.
Galáxias é um livro escrito através dos anos, como mostra o índice dos fragmentos que compõem a obra. Poderíamos descrevê-lo como um não-livro uma vez que a forma eleita para a escritura não permite que o identifiquemos como livro no sentido tradicional do termo; o estilo do autor não obedece aos padrões convencionais de escrita - a obra não apresenta pontuação, nem numeração de páginas; além do mais, toda a escritura é composta de letras minúsculas.
A obra é constituída de cinqüenta fragmentos: o primeiro identifica-se como elemento de abertura, como evidencia seu título - e começo aqui - esse fragmento funciona como a chave para o entendimento de todos os textos. Cada parte apresenta sempre um mesmo aspecto: um círculo que começa e acaba.
e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso/e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa/ não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever
Convém assinalar que para obedecer as normas para apresentação deste trabalho, tivemos que desestruturar as citações do texto de Haroldo de Campos.
Nesse trabalho, as citações de Galáxias apresentam travessões no interior do texto para indicar o final da linha, tal como é construído no original.
A ESCRITURA COMO NECESSIDADE
Nesse fragmento o autor coloca a problemática do ato de escrever. O escritor é escravo de sua própria escritura.
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é/ o futuro do escrever sobrescrevo sohrescravo em milumanoites milumapáginas/ ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas
O primeiro fragmento de Galáxias - e começo aqui - é um texto configurado poeticamente como toda a obra em questão, enfatiza a dificuldade do começo de uma escritura. Para manifestar essa dificuldade, o o autor inicia o texto sete vezes: na primeira linha lê-se: é começo aqui; na terceira linha há um corte que indica um outro começo:
o começo da por isso meço por isso começo escrever
A linha dez apresenta a terceira tentativa - por isso começo descomeço - na linha quatorze, temos a quarta tentativa, por isso começo pois a viagem é o começo. No final da linha vinte e três e início da linha vinte e quatro, usando uma outra forma de expressão, temos uma suposta conversa do escritor com seu leitor. Nesse momento, o poeta assinala que ainda não começou seu texto. Diz ele: por isso não conto, é a quinta tentativa do começo, é o não contar de uma estória que se conta. Na linha trinta e dois, mais uma vez lê-se: e aqui me meço e começo. Ainda, no final da linha trinta e seis, a mesma insistência com a questão - começo re começo. Finalmente, somente no final da última linha, o escritor anuncia o começo de uma estória que se dará oralmente, e conto as favas pois começo a fala. Haroldo de Campos faz da palavra o objeto do seu livro.
Pode ser lido do começo, do meio, do fim, pode-se inverter, pode-se ritmar. Cada página é ela e as outras. Corte e montagem, técnica cinematográfica. Procedimentos vários. No percurso da viagem, as dicções presentes: um Joyce, Guimarães Rosa, Oswald cubista. Machado de Assis, Mallarmé e outros ainda. (p. 61).
A viagem é o pano de fundo de vários fragmentos, como, por exemplo, em um depois um (3.3.65). Logo no início do fragmento, pressupomos a construção do ritmo da passagem do trem; nessa linha e nas demais, o leitor pode construir a idéia do texto de acordo com a pausa que dá à sua leitura.
um depois um depois um outro outro um depois um outro outro um não muitos
A musicalidade e a sonoridade que permeiam o texto mostram a presença de elementos simbolistas que lembram um pouco do estilo de Mallarmé. Poderíamos pensar as páginas como partituras oferecidas ao leitor. O leitor de Galáxias, portanto, é um leitor de partitura, um leitor músico e também um leitor viajante.
Nesse fragmento, pressupomos que a insistência nas palavras viagens e viajantes enfatizam o desejo do autor de focalizar o tema da viagem. Nas linhas onze, vinte e sete e quarenta, o escritor refere-se aos viajantes de trem.
onde sentam viajantes em trânsito onde você se senta para o trem que espera. transeuntes esperam trens como você espera só que você os escreve nesta mesmas amarelas mesas amarelas na espera de nenhum trem pois a polícia
Campos encerra esse fragmento chamando-o de guia de viagem, nas linhas quarenta e um e quarenta e dois:
foi-se foi-se a ronda de polidos talabartes e escudos brunidos e enquanto/você lê esse guia de viagem enquanto o senhor de óculos sorri para a
Haroldo de Campos atua como o Ulisses da palavra, é aquele que viaja e faz do seu leitor um viajante.
A viagem em Galáxias tem por finalidade a tentativa de sair do mundo das formas e das sombras.
A M E T A L I T E R A T U R A
O autor de Galáxias está sempre articulando um jogo com a palavra, impreende a tarefa poética de dar a sensação de união intima entre a palavra e o espírito, como assinala Valéry. (1991, p. 214).
Em Galáxias, seu autor faz da aparente ausência de organização, o princípio de organização do texto, e esse princípio funciona em todos os níveis, principalmente no nível da combinação das palavras. A mudança de folha marca a mudança de tema e justifica a ausência de continuidade. O fragmento o que mais vejo aqui é um texto metaliterário; grande parte das idéias evocadas apresentam a palavra como objeto - a lógica da escritura é o tema central do texto.
A PALAVRA E O SILÊNCIO
No primeiro fragmento de Galáxias - o que mais vejo - a palavra diz, com rigor, o que em seu vigor é indizível. Porém, só conseguimos apreciá-la se estivermos atentos ao sentido evocado. Haroldo de Campos parece querer focalizar a obliqüidade da linguagem, por isso, manifesta a idéia de indissolubilidade entre som e sentido, entre palavra e silêncio. Nesse fragmento, o silêncio também é signo, dele ecoam distintas e diversas possibilidades significativas.
o que mais vejo aqui neste é o vazio do papel se redobrando escorpião/de palavra que se reprega sobre si mesmo e a cárie escancárie que faz/quando as palavras vazam de seu vazio o escorpião tem uma unha aguda de/ palavras e seu pontaço ferra o silêncio unha o silêncio uno unho escrever sobre o não escrever
obscuridade, fornece ao leitor o princípio abstrato que o induz ao que se chama idéia temática desse fragmento. Enfatiza, sutilmente, que é preciso ler o texto renunciando à procura do sentido nas palavras impressas, mas buscando-o nas palavras não ditas:
e se você quer o fácil eu requeiro o difícil e se o fácil te é grácil/ o difícil é arisco e se você quer o visto eu prefiro o imprevisto e/onde o fácil é teu alibi o difícil é meu risco pensar o silêncio que/trava por detrás das palavras pensar este silêncio que cobre os poros/das coisas como um ouro e nos mostra o oco das coisas que sufoca desse
Há uma dialética na formação das imagens evocadas; elementos desaparecem em função de uma nova realidade, o que significa que o discurso desse fragmento passa a apresentar maior imprevisibilidade e uma dose maior de polissemia e plurissignificação. Assim, em o que mais vejo aqui, o leitor se depara com uma realidade em que ele deve ajudar o autor a construir. Haroldo de Campos liberta seu leitor e rompe violentamente os limites entre o significado e o significante, o que mais vejo aqui trata da grande oscilação da escritura: o escrever e o não-escrever, o dito e o não-dito, o nada que é tudo... algumas das preocupações da pós-modernidade.
Em Galáxias
aquilo que se queria "dizer" não é senão a máscara por sob a qual se esconde a insuficiência do código utilizado. A poesia já não é portanto, arte da linguagem: o seu módulo passa a ser "anti" por excelência. Negando-se, para afirmar o espaço que ficou por preencher. O espaço repleto de nada, ou antes, o esvaziamento de um espaço tolhido pelos encolhas de uma tradição que se tenta recusar mas que se infiltram traiçoeiramente pelas frestas da própria linguagem (Barbosa, 1974, p. 108).
Galáxias é um livro que acaba com a possibilidade de existência do livro. O estilo do autor nos leva à seguinte indagação: o que fazer com as palavras que não são palavras, com as palavras sem conteúdo? Entendemos que o sentido do texto não está nas palavras impressas, estas são apenas linhas de palavras. O sentido deve ser procurado nas palavras que não foram ditas, nas ausentes. Os elementos do texto
derivam de elementos quaisquer do simbolismo universal, da psicanálise da alquimia...
Pressupomos que o último fragmento de Galáxias é escrito com o intuito de encerrar o livro: fecho encerro reverbero aqui me fino aqui me zero
Porém, quanto mais o autor tenta fechar o livro, mais ele teima em abrir, em continuar:
e enquanto somes ele te consome enquanto o fechas a chave ele se/ multiahre enquanto o finas ele translumina essa linguamorta essa
BARBOSA, J. A. Silêncio e palavra em Carlos Drummond de Andrade. In. : A
metáfora critica. São Paulo: Perspectiva, 1974.
CAMPOS, H. Galáxias. São Paulo: Libris, 1984.
CHALHUB, S. A metalinguagem. 2. ed. S3o Paulo: Ática, 1988. VALÉRY, P. Poesia e pensamento abstrato. In: BARBOSA, J. A. (Org.) Variedades.: M. M. de Siqueira. Sao Paulo: Iluminuras, 1991.
MERQUIOR, J. G. Aranha e abelha: para uma crítica da ideologia pós-moderna. Revista do Brasil. Rio de Janeiro, v. 2, n.5, p. 22-27, 1986.
ROUANET, S. P. A verdade e a ilusão do pós-modernismo. Revista do Brasil. Rio de Janeiro, v.2, n. 5. p. 25-53. 1986.