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Guias e Dicas
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Semelhanças e diferenças entre contos de fadas literários e populares: enfoque em Augustus, Notas de aula de Tradução

Neste documento, o autor discute a semelhança e diferença entre contos de fadas literários e populares, com um foco específico no conto de fadas 'augustus'. Ele apresenta as características principais dos contos de fadas e oferece quatro afirmações fundamentais sobre as funções das personagens. Além disso, o texto discute a importância da tradução de contos de fadas e identifica problemas específicos de tradução.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Raimundo
Raimundo 🇧🇷

4.6

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Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras
Uma Proposta de Tradução
de Contos de Fadas de Hermann Hesse
num Modelo de Edição Bilingue
Ruslana Pihel
Trabalho de Projecto
Mestrado em Tradução
2013
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Baixe Semelhanças e diferenças entre contos de fadas literários e populares: enfoque em Augustus e outras Notas de aula em PDF para Tradução, somente na Docsity!

Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Uma Proposta de Tradução

de Contos de Fadas de Hermann Hesse

num Modelo de Edição Bilingue

Ruslana Pihel

Trabalho de Projecto

Mestrado em Tradução

Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Uma Proposta de Tradução

de Contos de Fadas de Hermann Hesse

num Modelo de Edição Bilingue

Ruslana Pihel

Trabalho de Projecto

orientado pela Prof.ª Dr.ª Claudia Fischer

Mestrado em Tradução

  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • INTRODUÇÃO
    1. O conto de fadas
    • 1.1. O conto de fadas enquanto narrativa ficcional. Género literário?
    • 1.2. Origem e história
    • 1.3. Etimologia
    • 1.4. Definição
    • 1.5. Os estudos realizados.....................................................................................................................
    • 1.6. Subgéneros: o conto de fadas popular e o conto de fadas literário
    • oral... 1.7. A comparação do conto de fadas com outros géneros da literatura popular de tradição
      • 1.7.1. O conto de fadas comparado com o mito
      • 1.7.2. O conto de fadas comparado com a fábula
      • 1.7.3. O conto de fadas comparado com a lenda …………......……………….………………
    1. Hermann Hesse e o conto de fadas....................................................................................................
    • 2.1. Contos de fadas na obra do escritor
    • 2.2. As fontes principais das suas histórias
    • 2.3. Os temas predominantes
    • 2.4. O significado da simbologia..........................................................................................................
    • 2.5. Contos de fadas de Hermann Hesse em comparação com contos de fadas populares
    • 2.6. As traduções publicadas dos contos de fadas do escritor.........................................................
    1. Considerações sobre a tradução de contos de fadas
    • 3.1. Contos de fadas populares e literários: oralidade versus escrita
    • 3.2. Uma abordagem funcionalista da tradução: pressupostos teóricos
      • Reiβ……………………………….................................................................................................... 3.2.1. O princípio da equivalência funcional e a tipologia textual de Katharina
      • 3.2.2. A teoria do escopo de Hans Vermeer ……………………………………………………
      • Christiane Nord............................................................................................................................... 3.2.3. O modelo de análise textual orientada à tradução e as estratégias de tradução de
    • tradução-documento 3.3. A teoria funcionalista de tradução aplicada a contos de fadas: tradução-instrumento versus
    1. Tradução comentada da selecção de contos de fadas de Hermann Hesse
    • 4.1. Caracterização dos textos de partida …………………………………...………………………
    • 4.2. Análise dos problemas de tradução …………..…………………..……………………………..
      • 4.2.1. Problemas de tradução específicos do texto de partida…………...………………..…
      • 4.2.2. Problemas de tradução específicos do par de línguas envolvidas…………...………
      • 4.2.3. Problemas de tradução específicos do par de culturas envolvidas……..……………
      • 4.2.4. Problemas de tradução de ordem pragmática………….……………………..……..…
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • BIBLIOGRAFIA
  • SITOGRAFIA
  • ANEXOS
    • Flötentraum
    • Augustus
    • Der Zwerg

AGRADECIMENTOS

Gostaria de exprimir as minhas palavras de gratidão a todos que de alguma maneira contribuíram para a realização deste trabalho:

 À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Claudia Fischer pelo acompanhamento durante todo o processo de elaboração deste trabalho, pela sua disponibilidade, amabilidade e simpatia, pela bibliografia recomendada, pelos livros emprestados, pela transmissão da informação sobre a decorrência dos eventos relacionados com o tema do trabalho, pela leitura atenta dos meus textos, pelas críticas, correcções, comentários e sugestões relevantes, pelos valiosos conselhos, pelas ideias concedidas e pelos conhecimentos transmitidos.

 Ao Alberto Pereira Martins pela revisão textual deste trabalho.

 Ao Patrício Ferrari pela revisão do resumo vertido para o inglês.

 Ao Giancarlo de Aguiar pela indicação das referências bibliográficas sobre a interpretação psicanalítica de contos de fadas.

 À Sara Capote da Silva e à Ana Sousa pela ajuda na impressão deste trabalho.

 À minha mãe Svitlana pelo inestimável apoio e constante encorajamento, pela ajuda na superação das barreiras encontradas pelo caminho, pela prontidão e disposição para ajudar sempre no que for preciso.

 A todos os professores com os quais me cruzei durante o meu percurso académico e que com as aulas extraordinárias, com a sua competência e experiência me prepararam para este trabalho: Claudia Fischer, Madalena Colaço, Guilhermina Jorge, Maria Clotilde Almeida, Alexandra Assis Rosa, Inês Duarte, Maria Antónia Mota, Raquel Amaro, Sara Mendes.

Mais uma vez, a todos os meus mais profundos e sinceros agradecimentos!

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ABSTRACT

The main purpose of this research is to translate a series of literary texts (a selection from Hermann Hesse’s fairy tales), to analyze the problems found in the process of their translation and to discuss the applied strategies to resolve them, taking into account the target audience. Our suggestion is to present the translation of the selected fairy tales in the form of a bilingual edition. This model of presentation, which has not yet been explored sufficiently in Portugal, creates excellent conditions in the context of a foreign language learning environment. In turn, we believe that this can be very useful for translators and students of translation and of German literature.

KEYWORDS: Hermann Hesse, literary text, fairy tale, translation, target audience, bilingual edition.

iii

INTRODUÇÃO

Language is the heart within the body of culture, and it is the interaction between the two that results in the continuation of life-energy. In the same way that the surgeon, operating on the heart, cannot neglect the body that surrounds it, so the translator treats the text in isolation from the culture at his peril. (Bassnett, 2002: 23)

O processo tradutório não envolve apenas a língua. O que se está a traduzir não são meras palavras. A tradução não consiste simplesmente em passar um texto da língua de partida para a língua de chegada. Para um bom trabalho do tradutor, torna-se necessário que o texto seja visto como um todo inserido num contexto, pois, de outra forma, a mediação não funcionará e a tradução será apenas um conjunto de palavras que nada transmite. Para que a tradução seja bem-sucedida, é essencial que o tradutor faça uma pesquisa aprofundada do objecto da tradução e esteja a par da cultura circunstante do texto. Enquanto leitor especializado com uma responsabilidade acrescida, deverá ser bom conhecedor de aspectos como a tipologia do texto, a obra e dados biográficos do autor e de todo um referente cultural acessível ao leitor do original. A par disto, deverá estar preparado para dificuldades resultantes das diferenças entre a língua de partida e a língua de chegada, ter em consideração um determinado público-alvo, bem como os interesses e as exigências da editora na qual irá publicar a sua tradução. Segundo Christiane Nord (1991: 1), professora e investigadora de nacionalidade alemã na área da teoria, metodologia e didáctica da tradução, é necessário fazer-se uma análise do seu objecto para obter um melhor resultado com a tradução. Uma investigação prévia sobre o texto de partida, sobre o género textual ao qual este pertence, sobre o estilo do autor, bem como sobre outros factores importantes como o conhecimento de teorias e práticas de tradução aplicadas a tipologias de texto semelhantes permitem ao tradutor uma familiarização com o texto que vai traduzir, prepara-o melhor para as suas escolhas tradutórias, criando dessa forma as condições para uma tradução de qualidade. Antes de traduzirmos os textos seleccionados^1 , começaremos assim pela análise aprofundada do objecto da tradução, estruturando o nosso trabalho da seguinte forma: O primeiro capítulo será dedicado ao estudo do género literário ao qual pertencem os textos seleccionados, nomeadamente, o do conto de fadas, onde a atenção será concentrada na sua origem, definição, história e etimologia. Conheceremos os estudos principais realizados sobre o género em

(^1) Os critérios da escolha do c orpus do trabalho serão explicitados no capítulo 4.

a Pedra de Roseta^2 , encontrada no Egipto em Agosto de 1799 por soldados do exército de Napoleão Bonaparte. Esta pedra teve uma grande importância linguística, pois permitiu avançar o estudo dos hieróglifos e encontrar a chave para a sua decifração. O modelo editorial do texto bilingue assume uma grande importância em muitas aplicações, criando, por exemplo, condições excelentes no contexto da aprendizagem e aperfeiçoamento de uma língua estrangeira e podendo ser útil para tradutores e estudantes de tradução na procura de equivalências linguísticas. Professores de tradução podem recorrer a textos bilingues para ilustrar aos alunos os problemas de tradução existentes no par de línguas envolvidas e utilizá-los na preparação de exercícios de tradução. Professores de línguas também podem elaborar na sua base testes para os alunos. Além disto, o uso do modelo bilingue na área de literatura também proporciona por parte dos leitores a aquisição de conhecimentos culturais e literários de uma determinada realidade. Possuindo uma ampla função didáctica e podendo ser usado como ferramenta pedagógica, o modelo do texto bilingue teve acolhimento em certas editoras estrangeiras (nomeadamente alemãs^3 ). Em Portugal, no entanto, este modelo está ainda muito pouco implementado, especialmente no que se refere ao par de línguas alemão-português. A nossa pesquisa neste campo apenas forneceu resultados no caso de poesia alemã traduzida para português^4.

(^2) Datada de 196 a.C. e encontrada por um oficial chamado Bouchard perto da cidade de Roseta, no delta do Nilo, a Pedra de Roseta é um fragmento de uma estela, bloco de pedra com inscrições de registos governamentais (contém um decreto do rei Ptolomeu V) em duas línguas (grego e egípcio) e três sistemas de escrita (o egípcio é apresentado em escrita demótica e em hieróglifos). Tem 114 centímetros de altura, 72 centímetros de largura, cerca de 28 centímetros de espessura e pesa aproximadamente 760 quilos. Desde 1802, esta pedra tem ocupado um espaço no Museu Britânico, em Londres. (^3) Entre elas podemos referir as editoras Deutscher Taschenbuch Verlag (que publicou, por exemplo, em Munique, Contos Portugueses Modernos/ Moderne portugiesische Kurzgeschichten (1996), traduzidos por Ulrike Schuldes; Poemas Portugueses/ Portugiesische Gedichte (1997) na tradução de Maria de Fátima Mesquita-Sternal e Michael Sternal; Primeiras Leituras Portuguesas/ Erste portugiesische Lesestücke (2002), também traduzidas por Maria de Fátima Mesquita-Sternal e Michael Sternal), Edition Sonnenbarke ( Numa Cidade Estranha: Poesias e Fragmentos/ In einer fremden Stadt: Gedichte und Fragmente (1983), livro de autoria de Jorge Menezes publicado em Berlim na tradução de Cornelia Fuchs) e Teamart Verlag ( O Amor, a Morte e Outros Vícios: Poemas/ Die Liebe, der Tod und andere Laster: Gedichte (2007), poesia de Casimiro de Brito publicada em Zurique e traduzida por Juana Burghardt e Tobias Burghardt. (http://porbase.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?session=13I3880V04V72.94617&menu=search&aspect=subtab11&npp=20&ip p=20&spp=20&profile=porbase&ri=21&source=%7E%21bnp&index=.GW&term=bilingue+alem%C3%A3o+portugu%C3% AAs&aspect=subtab11#focus consultado em 31.03.2013; http://www.dtv.de/zweisprachig_27.html consultado em 31.03.2013; http://www.teamart.ch/ consultado em 31.03.2013) (^4) Como exemplos podemos referenciar os seguintes livros: Goethe, J. W. (1984). Gedichte/ Poemas. Trad. Paulo Quintela. Coimbra: Centelha; Nietzsche, F. (1986). Gedichte/ Poemas. Trad. Paulo Quintela. Coimbra: Centelha; Celan, Paul (2008). Der Tod ist eine Blume/ A Morte é Uma Flor. Trad. João Barrento. Lisboa: Cotovia; Celan, Paul (1996). Sieben Rosen später/ Sete Rosas Mais Tarde. Trad. João Barrento, Y. K. Centeno. Lisboa: Cotovia; Kunze, Reiner (1984). Gedichte/ Poemas. Trad. Luz Videira e Renato Correia. Porto: Paisagem; Novalis (1988). Hymnen an die Nacht / Os Hinos à Noite. Trad. Fiama

No que se refere à tradução de texto dramático, encontrámos apenas uma tradução já antiga elaborada por Paulo Quintela: Hanneles Himmelfahrt: Traumdichtung in Zwei Teilen / A Ascensão de Joaninha: Sonho Dramático em Dois Actos (s/d), de Gerhardt Hauptmann, publicada em Lisboa pela editora Papelaria Fernandes. De prosa em língua alemã não há conhecimento de qualquer edição bilingue em Portugal, apenas no Brasil, onde a editora Paraula em Florianópolis publicou em 1998 os Contos de Grimm na tradução de Fernando Klabin. Tratando-se claramente de uma lacuna no mercado editorial português, apresentamos aqui um modelo do que poderia ser a sua aplicação em forma editada. Neste trabalho, não se aplica o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Apesar de ele ter entrado em vigor em Portugal em Janeiro de 2009, decorre um período de transição até 2015, durante o qual ainda se podem utilizar as normas do Acordo Ortográfico de 1945.

Hasse Pais Brandão. Lisboa: Assírio & Alvim; Müller, Heiner (1997). Engel der Verzweiflung: Gedichte/ O Anjo do Desespero: Poemas. Trad. João Barrento. Lisboa: Relógio d'Água; Bachmann, Ingeborg (1992). Die gestundete Zeit: Gedichte/ O Tempo Aprazado: Poemas. Trad. João Barrento, Judite Berkemeier. Lisboa: Assírio & Alvim. (http://porbase.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?session=13I3880V04V72.94617&menu=search&aspect=subtab11&npp=20&ip p=20&spp=20&profile=porbase&ri=21&source=%7E%21bnp&index=.GW&term=bilingue+alem%C3%A3o+portugu%C3% AAs&aspect=subtab11#focus consultado em 31.03.2013)

um relâmpago de vida às pessoas pré-letradas.” ( apud Warner, 1999: 16). Com efeito, os contos de fadas não foram inicialmente escritos para crianças, nem muito menos para transmitir ensinamentos morais. Na sua forma original, os textos eram criados como entretenimento para adultos e eram contados em ambientes onde estes se costumavam reunir. Traziam muitas referências a adultério, incesto, canibalismo e mortes repugnantes. Eram narrativas carregadas de exibicionismo, voyeurismo e relatos sexuais explícitos. Segundo Sheldon Cashdan (2000), psicóloga que analisou a influência de contos de fadas nas nossas vidas, por exemplo, numa das versões de “Capuchinho Vermelho”, a heroína faz um striptease para o lobo, antes de se deitar com ele. Numa das primeiras interpretações de “A Bela Adormecida”, o príncipe abusa da princesa no seu sono e depois parte, deixando-a grávida. E no conto de fadas “A Princesa Que Não Conseguia Rir”, a heroína é condenada a uma vida de solidão porque, inadvertidamente, viu determinadas partes do corpo de uma bruxa. Foi só por volta do século XVII que os primeiros contos de fadas começaram a ser adaptados para as crianças, recebendo a devida expurgação e suavização, bem como a eliminação das referências sexuais. Os irmãos Grimm, no século XIX, tiveram um papel importante nesse processo. Aqueles que se opõem aos contos de fadas no contexto da pedagogia supõem também que a violência das situações habitualmente neles contida (especialmente na punição dos vilões), a personificação do bem e do mal em determinadas personagens, as soluções mágicas para os problemas complexos, toda a tensão emocional provocada pela narrativa, bem como alguns desfechos trágicos deste tipo de contos proporcionam aos pequenos leitores ou ouvintes uma visão negativa da realidade, um contacto desnecessário com o lado negro do homem, talvez até uma mobilização para as pequenas e as grandes maldades que podem ser feitas com outras pessoas. Alguns acreditam que a narrativa dos contos de fadas pode provocar sofrimentos e angústias às crianças mais sensíveis, o que poderá reflectir-se negativamente na sua vida futura, provocando medos e inseguranças. Os defensores dos contos de fadas no âmbito de educação acreditam no valor e na verdade que se revelam nestas histórias antigas, na força e na coragem que podem surgir exactamente pelo impacto do encontro directo com a fraqueza, a desprotecção, o medo, a necessidade de luta para alcançar os objectivos pretendidos. Segundo eles, estes são importantes e decisivos na formação do carácter pessoal e no desenvolvimento intelectual e emocional humano, sendo que a reflexão sobre

a sua narrativa desperta para o mundo exterior e oferece condições excelentes para crescer e amadurecer. Porque é que histórias tão antigas como contos de fadas continuam a ser sempre actuais? Porque é que o destino da Gata Borralheira, da Branca de Neve ou o da Bela Adormecida continuam a interessar o público leitor? Que importância têm hoje em dia as tristezas do Patinho Feio na sua demorada transformação em cisne? Ou a desobediência de Capuchinho Vermelho que levando o bolo para a avó, escolhe o perigoso caminho da floresta, ignorando as advertências da mãe? Porque é que as personagens destas narrativas maravilhosas são utilizadas por toda a parte: desde os anúncios e publicidade, às recriações feitas nas escolas, em bailados, em musicais ou até no cinema? Decerto, as respostas a estas perguntas encontram-se no facto de que tais narrativas de carácter mágico são fundamentadas em lições de vida dadas pela sabedoria do povo. Os contos de fadas lidam com os conteúdos essenciais da condição humana e transmitem conhecimento e a formação de valores, bem como princípios éticos universais. Por mais que os homens transformem o mundo em que vivem com a sua inteligência e trabalho, a sua natureza humana não muda. Nela misturam-se sentimentos diversos (tanto aqueles que são considerados positivos: amor, alegria, amizade, fidelidade, generosidade, solidariedade, fraternidade, etc., como aqueles categorizados como negativos: ódio, raiva, medo, inveja, tristeza, etc.) e as necessidades básicas do ser humano (como respirar, comer, proteger o corpo, etc.). Todos estes aspectos são elementos constituintes dos contos de fadas que vencendo o tempo, continuam a interessar os leitores ou ouvintes de diversas idades há milénios e são constantemente reactualizados, ganhando com a sua releitura sempre novos sentidos, revelando sempre novas faces de um saber fundamental. A actualidade e vitalidade deste tipo de contos são confirmadas por Maria Emília Traça, escritora e investigadora da literatura infanto-juvenil: “Os contos, sobretudo os de fadas, estão na moda, um pouco por todo o lado. Há sinais inequívocos da sua vitalidade. Os contos são formas vivas.” (Traça, 1998: 23) Descrevendo-os de modo poético, a escritora Cecília Meireles, por exemplo, assinala a sua universalidade e intemporalidade:

O negro na sua choça, o índio na sua aldeia, o lapão metido no gelo, o príncipe no seu palácio, o camponês à sua mesa, o homem da cidade na sua casa, aqui, ali, por toda parte, desde que o mundo é mundo, estão a contar uns aos outros o que ouviram contar, o que lhes vem de longe, o que serviu aos seus antepassados, o que vai servir aos seus netos, nesta marcha da vida. (Meireles, 1984: 48-49)

Já a denominação literatura tradicional remete-nos, de acordo com Maria Augusta Seabra Diniz, investigadora da literatura infantil, para o significado da palavra tradicional que, muitas vezes, surge ligado “a algo de antiquado, de retrógrado, que pertence ao passado.” (Diniz, 2001:47) Ana Cristina Macário Lopes sugere-nos que se aplique a expressão literatura tradicional de transmissão oral , usada por ela, para designar “os contos de fadas, lendas, provérbios, adivinhas, canções e jogos de palavras que circulam oralmente, ao longo das gerações, entre as classes não hegemónicas.” (Lopes, 1983: 45) Os contos de fadas populares serviram de inspiração para muitos escritores que começaram a criar, a partir deles (utilizando frequentemente muitas das suas características principais, os mesmos motivos, personagens parecidas, etc.), os seus próprios contos de fadas, dando origem a outro subgénero: o conto de fadas literário, ou de autor, que provoca nos leitores um efeito semelhante que as narrativas tradicionais. Falaremos detalhadamente sobre a semelhança e a diferença entre estes dois subgéneros de contos de fadas no subcapítulo 1.6., concentrando agora a nossa atenção no conto de fadas enquanto narrativa ficcional, e mencionando apenas algumas das suas características principais. Sendo uma obra de ficção, o conto de fadas cria um universo de seres e acontecimentos de ficção, de fantasia ou imaginação. Carrega em si uma visão mágica e encantada do mundo e da existência. Irene Machado, pesquisadora na área de teoria literária e literatura comparada, descreve essa condição do seguinte modo:

No conto de fadas podemos encontrar o modelo básico de qualquer narrativa literária. Queremos dizer o seguinte: em toda narrativa literária existem episódios, ou seja, situações de equilíbrio e desequilíbrio, que se modificam, provocando a passagem de uma situação a outra. É nessa cadeia de episódios que se situam os conflitos e soluções aos problemas que tanto nos prendem a atenção. A diferença é que, nos contos de fadas, a transformação é provocada pela intervenção de uma acção mágica. Assim, os seres mágicos são tão importantes para o desenvolvimento da história quanto para o comportamento do herói. (Machado, 1994:45)

O texto narrativo do conto de fadas apresenta o relato de uma história imaginária narrada por um narrador e cujas personagens se envolvem numa acção que decorre num determinado espaço e durante um certo período de tempo. Eis então as cinco categorias da sua narrativa: acção, espaço, tempo, narrador e personagens. Tendo uma extensão curta, o conto de fadas apresenta geralmente uma acção simples, homogénea e coesa, inclui apenas os acontecimentos essenciais da história e desenvolve-se por

ordem cronológica dos acontecimentos. A acção do conto de fadas segue, normalmente, uma estrutura comum: introdução (mostra a situação inicial, localiza a acção, descreve as personagens, apresenta o herói), desenvolvimento (conta a acção propriamente dita, estabelece o conflito ou exposição a um problema especial) e conclusão (apresenta o final da história, geralmente, o sucesso e a vitória do herói que encontra uma solução e supera obstáculos e perigos com ajuda de magia). A acção do conto de fadas localiza-se no tempo e no espaço. As indicações da natureza temporal podem ser imprecisas e vagas (como no conto de fadas popular) ou, pelo contrário, precisas e definidas (como no conto de fadas literário). Quanto ao espaço, existem três tipos principais: espaço físico ou espaço geográfico (menciona o local onde a acção se desenrola), espaço social e espaço cultural (caracteriza o meio social, económico, ideológico e cultural em que as personagens se inserem) e espaço psicológico (caracteriza o modo como cada personagem experiencia um dado espaço físico). O conto de fadas é uma história que é narrada, sendo aquele que narra o narrador. Observa-se que no conto de fadas popular, a narração é sempre feita na 3.ª pessoa, e o seu narrador é heterodiegético. Geralmente, não passa de um observador, pois não tem acesso a eventos futuros nem a todos os eventos passados e apenas sabe aquilo que consegue observar. Para conhecer as personagens, tem de interpretar as suas palavras, as atitudes, os gestos, etc. É também um narrador objectivo, pois relata as situações de forma imparcial e distanciada. Já no conto de fadas literário, podemos às vezes encontrar também um narrador que além de contar a história, participa nela como personagem. Neste caso, a narração é feita na 1.ª pessoa, e o narrador é ora autodiegético (quando a sua figura coincide com a da personagem principal), ora homodiegético (quando a sua figura coincide com a de uma personagem secundária). É geralmente um narrador omnisciente, sabe tudo sobre os eventos passados e futuros, bem como sobre as personagens e o seu interior, podendo analisar as suas acções, os comportamentos, os sentimentos e os pensamentos. Aproximando-se das situações que está a relatar para dar a sua opinião, julgando, aconselhando, elogiando ou censurando, passa a ser um narrador subjectivo. As personagens são seres imaginários que participam na história. O conto de fadas inclui normalmente o protagonista (aquele que prova a sua força, inteligência e bondade, podendo ser reconhecido como a personificação do bem), o antagonista (aquele que dramatiza as cenas com armadilhas e crueldades contra o herói) e o mediador mágico da história (aquele que ajuda ao herói).

desenvolveram certas características como, por exemplo, o uso de frases simples com marcas de oralidade, com palavras coloquiais e expressões populares, o uso de repetições e diminutivos, etc. O velho adágio diz que “quem conta um conto acrescenta um ponto”, salientando o facto de sendo transmitido oralmente, o conto de fadas ter uma margem para invenção e transformação, uma vez que estava condicionado pela memória, pelo gosto, pelo cansaço do contador, ou por circunstâncias que o podiam levar a modificar aquilo que ouviu de outros contadores. Assim se justifica a existência de várias versões para um mesmo conto, muitas das quais guardadas nas abadias. O facto de, hoje em dia, termos acesso a contos de fadas de origem oral deve-se à sua passagem da oralidade para a escrita, à sua compilação. Esta é a forma de salvar muitas tradições que, de outro modo, desapareceriam. Contudo, a fixação dos contos de fadas em textos escritos também tem o seu lado negativo. É que uma vez registado, o conto de fadas já não se apresenta na sua forma natural, pois a partir do momento em que se encontra num suporte escrito, pressupõe uma espécie de autoria, alguém que efectuou o seu registo escrito ao escolher palavras e apagar os sinais próprios do discurso oral, ou seja, que se comportou, de certa forma, como um autor. Além disso, depois de ficar registado, o conto de fadas já não pode ser actualizado, e o contador não tende a introduzir inovações e adaptá-lo nem ao público a que se destina, nem ao momento em que é contado. Assim, o conto de fadas perde o dinamismo e a transformação que o caracterizava na sua origem. De acordo com a ensaísta e crítica literária brasileira que se dedicou ao estudo de literatura infantil Nelly Novaes Coelho (2003), a primeira fase escrita, os primeiros registos dos contos de fadas foram realizados pelos egípcios, com o Livro do Mágico^6 , de autor desconhecido, e datam de 4000 a.C. Seguidamente, este tipo de contos repletos de magia, de inaudito e de misterioso apareceu na Índia, Palestina e Grécia Clássica. O Império Romano foi o principal divulgador das histórias mágicas do Oriente para o Ocidente. O registo material dos contos de fadas começou, segundo Coelho (2003), no século VII com a transcrição do poema épico anglo-saxão Beowulf que relata as vitórias maravilhosas e sombrias de Beowulf nas lutas contra um gigante e um dragão de fogo. Com a sua excepcional força e coragem,

(^6) Infelizmente, apesar de este livro ser referido frequentemente por vários autores, o seu título original nunca é mencionado.

o herói livra as pessoas da ameaça destes dois monstros diabólicos, mas a batalha acaba por custar- lhe a vida, pois não resiste aos graves ferimentos recebidos. As fadas apareceram, segundo Coelho (2003), no século IX, no livro denominado Mabinogion^7. Trata-se de uma colectânea de manuscritos em prosa escritos em galês medieval que são parcialmente baseados em eventos históricos do início da Idade Média, mas que podem remontar a tradições da Idade do Ferro. As histórias deste livro apresentam-se em dois manuscritos, Llyfr Gwyn Rhydderch/ O Livro Branco de Rhydderch , escrito por volta de 1350 , e Llyfr Coch Hergest/ O Livro Vermelho de Hergest , escrito nos anos 1382 - 1410 , e abordam temas como nascimento, casamento e vários conflitos na vida humana. A transformação das aventuras reais neste livro deu origem ao Ciclo Arturiano. De acordo com Coelho (2003), no século XII, Le Roman de Brut/ O Romance de Brut de Wace retomou o tema das fadas e das aventuras lendárias do Rei Artur e seus cavaleiros. Aqui destaca-se principalmente a presença da fada Viviana que cria, no lago onde vive, um menino que havia encontrado abandonado e que, mais tarde, se transforma em Sir Lancelot, o Cavaleiro do Lago. O nome da outra fada conhecida que está presente nas histórias sobre o Rei Artur e seus cavaleiros é a famosa Morgana. No mesmo século, Les Lais de Marie de France/ Os Lais^8 de Maria de França que também continham temas das fadas e das novelas de cavalaria do Ciclo do Rei Artur, divulgaram a cultura céltico-bretã pelas cortes da Europa. De acordo com Coelho (2003), estes lais são: Lai de Fresne/ Lai de Fresno , um romance bretão de origem celta que retrata um exemplo de sociedade matriarcal, e que construiu depois a base do conto de fadas “La pacience de Grisélídis”/ “A Paciência de Grisélidis”, de Charles Perrault; Lais de Laustic/ Lai de Laostic , que fala do carácter mau do marido, e que deu mais tarde origem ao conto de fadas “La Barbe Bleue”/ “O Barba Azul”, de Charles Perrault; Lais de Yonec/ Lai d´Yonec , que originou o conto de fadas “Rapunzel”/ “Repolho”, dos irmãos Grimm; Lai de

(^7) A palavra em si é uma espécie de enigma. De acordo com Lady Charlotte Guest, a primeira tradutora inglesa do livro em questão, a palavra mabinogion é a forma plural do galês mabinogi que, por sua vez, provém da palavra mab que significa filho, garoto. Presume-se então que a origem da palavra mabinogi está relacionada com infância. Mais tarde, o significado desta palavra foi ampliado para abranger um conto sobre a infância de um herói em geral. (http://bellovesos.multiply.com/journal/item/60?&show_interstitial=1&u=%2Fjournal%2Fitem consultado em 27.01.2013). O professor Eric P. Hamp, todavia, sugere que mabinogi provém do nome da divindade celta Maponos, e referia-se originalmente a assuntos pertinentes àquele deus. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mabinogion consultado em 27.01.2013). (^8) Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), o lai (do francês lai , do irlandês laid que significa canção e que virá a originar a palavra alemã Lied ) é um poema de pequenas dimensões, característico da Idade Média, narrativo ou lírico, musicado e destinado a ser cantado.