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Análise Literária de Germinal de Émile Zola: A Vida Miséravel dos Trabalhadores da França, Notas de estudo de Literatura

Uma análise da obra 'germinal' de émile zola, publicada na revista do departamento de história e do programa de pós-graduação em história do brasil da ufpi. O texto discute as intenções do autor em relação às questões dos trabalhadores franceses, as formas literárias utilizadas para retratar a classe trabalhadora e a exploração sofrida por eles. Além disso, o documento descreve o processo de pesquisa realizado pelo autor para melhor compreender as condições de trabalho e a vida dos mineiros da frança no século xix.

O que você vai aprender

  • Como o autor de Germinal pesquisou e coletou dados para escrever a obra?
  • Quais foram as condições de trabalho e de vida dos mineiros franceses descritas em Germinal?
  • Como Émile Zola utilizou as formas literárias para retratar a classe trabalhadora na França no século XIX?
  • Quais foram as consequências da revolta dos trabalhadores descrita em Germinal?
  • Qual era a intenção de Émile Zola em relação às questões dos trabalhadores franceses na obra Germinal?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Salome_di_Bahia
Salome_di_Bahia 🇧🇷

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CONTRAPONTO
CONTRAPONTO: Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do
Brasil da UFPI. Teresina, v. 2, n. 1, fev. 2015.
UMA FLANAGEM HISTÓRICA PELA OBRA GERMINAL:
TRABALHO, LUTAS E VIVÊNCIAS DA CLASSE
TRABALHADORA FRANCESA
Leôndidas Freire Júnior
Graduando em História pela UFPI, bolsista Programa de
Educação tutorial (PET- História/UFPI), bolsista CNPq de
iniciação cientifica voluntária.
leondidasfreire.historia@gmail.com
Maristella Muniz Rodrigues
Graduanda em História pela UFPI, bolsista do Programa
Institucional de Bolsas de iniciação a Docência (PIBID/UFPI).
maristellarodrigs@hotmail.com
Wirlanne Nádia L. de Carvalho
Graduanda em História pela UFPI, bolsista do Programa de
Educação Tutorial (PET-História / UFPI), bolsista CNPq de
iniciação cientifica voluntária. nadialanne@hotmail.com
RESUMO: Este trabalho visa uma
análise histórica a cerca da obra
Germinal, de Émile Zola. Elencando
como prioridade de pesquisa histórica,
a compreensão, bem como a
elucidação das questões dos
operários(as) franceses presentes na
obra, dialogando também com as
intenções do autor, as formas de sua
apreensão literária da classe operária
inglesa, e as maneiras de como pode-
se perceber as características, as lutas,
as experiências e vivências daquela
classe no texto literário analisado.
PALAVRAS-CHAVE: Operários
(as). Literatura. História.
ABSTRACT: This paper aims at
a historical analysis about the
work Germinal, by Emile Zola. Cast
as a priority of historical research,
understanding and elucidation
of questions of the
workers (the) present in
the French work, also in alogue withthe
author's intentions, the literary forms
of his arrest the British working class,
and the ways how one can see the
features, the struggles, experiences of
that class in literary text analysis.
KEYWORDS: Workmen (s). Literature
. History.
Ao dedicarmo-nos a compreender de forma mais esclarecedora a obra
Germinal, o século XIX, seu contexto social e as suas variadas dinâmicas, são de
extrema importância nesta empreitada.
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CONTRAPONTO: Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do

UMA FLANAGEM HISTÓRICA PELA OBRA GERMINAL :

TRABALHO, LUTAS E VIVÊNCIAS DA CLASSE

TRABALHADORA FRANCESA

Leôndidas Freire Júnior Graduando em História pela UFPI, bolsista Programa de Educação tutorial (PET- História/UFPI), bolsista CNPq de iniciação cientifica voluntária. leondidasfreire.historia@gmail.com Maristella Muniz Rodrigues Graduanda em História pela UFPI, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de iniciação a Docência (PIBID/UFPI). maristellarodrigs@hotmail.com Wirlanne Nádia L. de Carvalho Graduanda em História pela UFPI, bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-História / UFPI), bolsista CNPq de iniciação cientifica voluntária. nadialanne@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho visa uma análise histórica a cerca da obra Germinal , de Émile Zola. Elencando como prioridade de pesquisa histórica, a compreensão, bem como a elucidação das questões dos operários(as) franceses presentes na obra, dialogando também com as intenções do autor, as formas de sua apreensão literária da classe operária inglesa, e as maneiras de como pode- se perceber as características, as lutas, as experiências e vivências daquela classe no texto literário analisado. PALAVRAS-CHAVE: Operários (as). Literatura. História.

ABSTRACT: This paper aims at a historical analysis about the work Germinal, by Emile Zola. Cast as a priority of historical research, understanding and elucidation of questions of the workers (the) present in the French work, also in alogue withthe author's intentions, the literary forms of his arrest the British working class, and the ways how one can see the features, the struggles, experiences of that class in literary text analysis. KEYWORDS: Workmen (s). Literature

. History.

Ao dedicarmo-nos a compreender de forma mais esclarecedora a obra Germinal , o século XIX, seu contexto social e as suas variadas dinâmicas, são de extrema importância nesta empreitada.

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O mundo no século XIX, e aqui se tratando do mundo do capital, da “era do capital”, utilizando a expressão de Eric Hobsbawm, constitui-se em um mundo da conectividade, talvez noção esta que se imponha como uma chave de pensamento do mundo moderno. O liberalismo burguês ascendente, interligado com a industrialização puxava novas concepções de mundo e novas necessidades sociais, da relação homem-natureza, homem e o próprio homem. A conectividade era uma realidade, devido às demandas de comercializações, trocas cambiais, trocas de matérias-primas e seus necessários transportes. O mundo, mais necessariamente a grande parcela da Europa, passava por um instante de união lenta e necessária, por decorrência de parte dos fatores citados acima. Tratava-se na verdade da emergência de um mundo burguês, no qual as concepções de política, espaço, sociedade e economia iriam se modificar afinadas com o tom das necessidades burguesas. Na política, o mundo do trabalho necessitava de gestores e formas de governos atentos as modificações postas, aliás, não seria exagero supor modificações não só no governo, mas também no modelo de estado, haja vista que os burgueses necessitavam de um estado subserviente, atento as demandas burguesas, e de caráter flexível, bem como as mudanças que apareciam a cada dia na nova forma de organização social vigente. Deveu-se muito talvez o esvaziamento da ideia de monarquias, absolutismo, despotismos, a esta nova lógica que também era política. Na França, por exemplo, o governo de Napoleão III, não se sustentara muito estável, e tampouco com aceitação das classes industriais (Cf. ARDAGH, 1997) isso demonstra como a necessidade dessa nova classe emergente a burguesia, conseguia influenciar este novo cenário social. Sobre o espaço deste mundo, perpassa influencias subjetivas, políticas, econômicas e sociais. De certo modo era necessária uma reinvenção das formas de habitação humana, para que estas pudessem proporcionar novas formas de significar aquele mundo, e novas maneiras de organizar as pessoas, uma vez que a demografia se alteraria bruscamente, a industrialização remeteria a concentração de pessoas em determinadas regiões, daí a ideia da cidade como o centro deste novo mundo, a cidade

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Émile Édouard Charles Antoine Zola nasceu em Paris no dia 02 de abril de 1840, filho do engenheiro Francesco Zola e de Emilie Aubert, escritor francês considerado como fundador e principal representante do naturalismo literário na França, sendo inspirado na filosofia positivista e na medicina da época. O Naturalismo foi um movimento que surgiu em meados do século XIX sendo de certa forma uma radicalização do realismo, nasceu na França como movimento voltado para a literatura, a arte e o teatro, tendo por um de seus princípios a noção de que o homem está relacionado às suas características biológicas e ao meio em que vive. É partindo dessa vertente que Émile Zola vai estruturando sua obra, na qual a realidade é mostrada através de sua forma científica, suas principais abordagens são referentes a desejos humanos, instinto, violência, loucura e exploração social entre outros. Nesse contexto temos como exemplo do naturalismo francês a obra de Émile Zola, Germinal, onde é abordada a realidade social nas minas de extração de carvão. O livro “Germinal” escrito por Émile Zola, publicado em 1885, é considerado uma das principais obras do autor, levando em seu conteúdo o naturalismo literário que faz o autor descrever as condições da classe operária do século XIX de modo excepcional. O livro de Émile Zola recebe o título de Germinal por se tratar do nome do primeiro mês da primavera do calendário feito durante a Revolução Francesa, remetendo assim a uma época de germinação de disseminação de sementes no sentido de um florescimento de novas idéias, de transformações principalmente no âmbito social que regem a sociedade francesa, referindo-se também a um período de gestação e maturação de idéias e atitudes mais ofensivas com relação aos trabalhadores no sentido de agir contra a exploração e opressão dos patrões. Para escrever o livro o autor trabalhou como mineiro em uma mina de carvão a fim de recolher dados e experiências para que pudesse perceber e explicitar mais nitidamente as relações e condições de trabalho que a grande massa de trabalhadores levava naquela época a qual o autor descreve em seu livro. Sendo considerada uma obra prima do naturalismo literário Émile Zola trabalhará em seu romance não com personagens individuais como de costume nas obras burguesas da época, mas com personagens coletivos, com trabalhadores das minas do século XIX na França, expondo suas condições de trabalho e seu difícil e miserável modo de vida intercalando paralelamente o modo de vida burguês, trazendo assim para

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discussão e análise da obra desigualdades gritantes referentes ao modo de vida dessa sociedade. Émile Zola retrata de forma instigante as péssimas condições de trabalho, indo além das minas, retratando o modo de vida miserável que esses trabalhadores levavam, tendo que conviver com a fome, a miséria, a exploração. Além de ver na sua família a continuidade desses trabalhadores miseráveis sem nenhum amparo trabalhista. Durante a obra é citado marcadamente Marx, pois foi nesse período que surgiu a primeira Internacional Comunista além dele as principais idéias anarquistas. A obra se desenvolve numa cidade da França chamada Montsou com atividade econômica voltada para a mineração, nela o autor aborda a vida dos trabalhadores nas minas de extração de carvão a qual proporciona uma vida de miséria, exploração, fome e falta de higiene aos trabalhadores. É a partir desse contexto que surge um trabalhador chamado Etienne o qual se verá totalmente angustiado com a situação de vida e as condições de trabalho que são impostas a ele e aos outros trabalhadores da mina. Etienne então desenvolve grupos de combate contra essa exploração, a principal ação a ser feita pelos trabalhadores seria justamente a paralisação, a greve, só assim as reivindicações seriam acordadas pelos patrões, porem a greve seria descontada nos salários e diante dessa questão alguns trabalhadores voltam ao trabalho sendo assim chamados de traidores. É criada pelos organizadores desse movimento uma caixa reserva, a qual os trabalhadores usufruiriam durante o período de não recebimento dos salários. As revoltas e as manifestações ocorrem constantemente e com o fim da caixa reserva, vão ocorrendo saques a armazéns às casas dos burgueses. Os trabalhadores obtendo apenas resultados negativos da greve resolvem voltar ao trabalho, entre eles volta também Etienne, porem logo em sua volta ocorre um desabamento ocasionando assim a morte de vários trabalhadores. O livro termina com Etienne indo embora à procura de um outro emprego. Para analisarmos a obra Germinal, fora necessário uma reflexão da relação entre literatura e história, e tratando-se especificamente de uma tendência naturalista, a discussão parece necessitar transcender o convencional. Ser-nos-ia mais conveniente, ou mais confortável, pensar talvez enquanto historiadores a obra de Émile Zola enquanto uma “memória”, conceito este tão caro e necessário a contemporaneidade dos historiadores, no entanto Zola, embora tivesse tido

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inúmeras críticas, de pessoas incomodadas com seus escritos. No entanto, algumas partes com caráter nitidamente ficcional da obra, não nos permitem, olhar a obra por este referencial teórico somente, a obra parece carregar mais do que isso. Raymond Williams, historiador que pensa a relação entre literatura e história, propõe algo interessante a medida que propõe uma ideia conceitual, e ao mesmo tempo metodológica para tratar determinado tipo de escrita literária, denomina de “estrutura de sentimento”, Williams traz a ideia que algumas manifestações não só artísticas ou literárias de forma geral, as vezes trazem uma carga de sentimentos de variadas influencias, e principalmente relacionado a um compromisso com seu tempo, assim, por este conceito Zola poderia também ser entendido pois falava com variados sentimentos de algo que estava vivendo, experienciando sentindo, pois “as estruturas de sentimento podem ser definidas com experiências sociais em solução...” (WILLIAMS, 1979: 136) No entanto a obra de Émile Zola, por suas particularidades, e subjetividades do autor faz-se na tentativa de levar consciência as pessoas, do que estava se passando na frança do período, apresentar uma verdade literária, e ao mesmo tem tendo uma estrutura de sentimento perpassando as suas palavras. E é com estas idéias dialogicizando com a obra, o autor e o contexto que nos propomos a analisar o Germinal. É válido ressaltar novamente, que a obra a qual pretendemos analisar, trata-se de uma obra naturalista, e como forma de estilo literário, rebusca uma intensa descrição, e uma cansativa explicitação de exemplos metaforicizados que remetem a as vezes mesmas ideias. Por isso decidimos transpor para análise, as partes que achamos mais contundentes e explicativas do que nos propomos a fazer. Das condições de vida dos trabalhadores, por exemplo, Émile Zola parece descrever com maestria e sensibilidade os pequenos detalhes, que constituíam a vida daqueles trabalhadores. Outro ponto interessante é atentar para o fato de que as condições de vida daqueles trabalhadores e suas famílias estavam diretamente relacionadas com suas vivências de trabalho:

Outro acesso de tosse veio interrompê-lo. — E a tosse vem disso também? — perguntou Etienne. O velho respondeu que não, violentamente, com a cabeça. Depois, quando pôde falar, disse:

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— Não, não. Desde o mês passado que ando resfriado. Nunca tossia, agora não consigo mais livrar-me desta tosse... E o mais engraçado é como escarro, como escarro... Pigarreou novamente e cuspiu negro. — É sangue? — Etienne ousou perguntar. Boa-Morte limpava lentamente a boca com as costas da mão. — É carvão. Tenho tanto carvão no corpo que chega para aquecer o resto dos meus dias. E já faz cinco anos que não ponho os pés lá embaixo. Tinha tudo isso armazenado, parece-me, sem saber. Melhor, até conserva! (ZOLA, 2009: 1 9)

Essa parte que demonstra o velho Boa morte e Etienne, o jovem que ali era recém-chegado, remete a entender tal proposição trabalho/condição de vida, pois as condições de trabalho do velho o fizeram cuspir carvão, nessa perspectiva temos uma vida perpassada por doenças, devido ao trabalho.E é importante salientar que a saúde dos trabalhadores retratados no romance era péssima, uma vez que um homem com 40 anos que trabalhava normalmente, era motivo de sorte, como o caso do Sr. Maheu. No entanto como a empresa queria mão-de-obra e não queria pagar pensões a quem morresse, ou muito menos ter trabalhadores doentes, que iriam diminuir a produção, para isto a empresa possuía um médico:

Ao voltar para casa, a mulher de Maheu deu de cara com a vizinha que não queria encontrar e que tinha saído ao ver que passava o Dr. Vanderhaghen, médico da companhia, homenzinho apressado, cheio de trabalho, que dava consultas caminhando. — Doutor — disse a mulher de Levaque — não estou dormindo mais, tenho dores por todo o corpo... O senhor tinha que tratar disso... Ele tratava todas elas por tu. Respondeu sem parar: — Deixa-me em paz! Tu bebes muito café. (ZOLA, 2009: 94) Podemos extrair deste trecho o descaso que o a empresa tinha para com seus trabalhadores, e as duras condições de vida que lhes eram impostas. Um aspecto interessante também está no atentar para o espaço de vida dos trabalhadores, que eram pequenas vilas que tinham tudo o que o trabalhador necessitava e ficavam perto de seu trabalho, numa intenção clara de dar melhor dinâmica e aproveitamento da mão de obra. Eram conjuntos habitacionais, que Zola afirma terem construções tão precárias, que se ouvia tudo de uma casa para outra devido a grossura das paredes. Essas casas eram feitas pela empresa, pela companhia e alugada, por um preço razoável para os trabalhadores, razoável, porém caro, se levado em conta os inúmeros fatores da mau-remuneração. A casa da família central do romance os Maheu era:

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bandos de moças corrompidas desde os catorze anos, entregues à miséria de sua própria sorte. (ZOLA, 2009: 93-101)

Estas duas observações reforçam um código de moral, dos trabalhadores, e de sua inerência no mundo da qual partilhavam. A preocupação, com a conduta era como é explicitado por Zola, na questão econômica, pois um filho a menos dentro de casa seria menos dinheiro dentro de casa, dinheiro que era tão precioso, para a sobrevivência da família. Sobrevivência esta muito difícil, lembrando dos baixíssimos salários pagos, o autor nos demonstra um diálogo interessante onde relação de economia e condição de vida, se misturam:

A mulher de Maheu continuou a lamentar-se, cabeça imóvel, fechando os olhos de vez em quando, à triste claridade da vela. Falou do guarda-comida vazio, das crianças que pediam pão, do café que faltava, da água que dava cólica e dos longos dias passados a enganar a fome com folhas de couve cozidas. Pouco a pouco foi elevando a voz, já que o berreiro de Estelle cobria suas palavras; seus gritos estavam ficando insuportáveis. De repente, Maheu pareceu ouvi-los e, fora de si, agarrou a criança no berço e atirou-a para junto da mãe, gaguejando de ódio: — Toma! Pega-a, sou capaz de esmagá-la... Maldita criança... Não lhe falta nada, mama à vontade e queixa-se mais alto que os outros... (ZOLA, 2009: 27)

Esta condição incitaria a Sra. Maheu a mendigar para os burgueses da cidade, coisa que afirmara, não gostava nem um pouco de fazer. Esta imagem nos remete a uma condição humilhante de vida, que assolava os pobres. Porém, as dificuldades, as adversidades não se passavam somente pelo campo da vivencia, mas também do trabalho em si. Émile Zola descreve com riqueza de detalhe estas condições de trabalho:

Mas a alegria logo terminou: a moça, conversando com Maheu, contou-lhe que Fleurance, a grande Fleurance, não trabalharia mais; tinha sido encontrada na véspera, hirta, sobre a cama. Uns diziam que fora o coração, outros, que a causa tinha sido um litro de genebra bebido muito rapidamente. Maheu ficou desesperado: que má sorte a sua! Perdia uma das suas operadoras de vagonetes, sem poder substituí-la imediatamente... É que trabalhava de empreitada; eram quatro britadores associados na sua zona de corte: ele, Zacharie, Levaque e Chaval. Se ficassem somente com Catherine para operar, o trabalho atrasaria. De repente gritou:

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— Pronto! E aquele homem que procurava trabalho? (ZOLA, 2009:

Neste primeiro trecho sobre o trabalho têm-se um caso de morte que não demora mais que um parágrafo nas páginas do livro, pois o importante é não parar a produção e imediatamente se pensa em uma substituição, sem muito se importar com causas, ou possíveis responsabilidades da forma de trabalho naquelas minas. O autor também demonstra as altas cargas horárias e a insalubridade do ambiente de trabalho:

O rapaz tinha ainda problemas com o solo escorregadio, cada vez mais alagado. Em certos trechos atravessava verdadeiros charcos que só o chapinhar lamacento dos pés revelava. Mas o maior motivo do espanto eram, sobretudo, as bruscas mudanças de temperatura. No fundo do poço estava muito fresco e na galeria de tração, por onde passava todo o ar da mina, soprava um vento gelado, cuja violência parecia de tempestade, entre os muros apertados. A seguir, à medida que se penetrava nas outras galerias, que recebiam somente seu quinhão muito racionado de ventilação, o vento diminuía e era substituído por um calor sufocante, pesado como chumbo. (...) — Vem comigo, vou mostrar-te uma coisa — murmurou, num tom amistoso. Levou-o para o fundo do veio e apontou para uma frincha na hulha; escapava dela um leve murmúrio, um ruidozinho igual a pipilo de pássaro. — Põe a mão... sentes o vento? É o grisu. Ele teve uma surpresa: então era só isso o gás terrível que fazia ir tudo pelos ares? Ela riu e explicou que naquele dia devia haver muito para que as chamas das lâmpadas estivessem tão azuis. (ZOLA, 2009: 50-

Nestes trechos são postos umas pequenas partes das condições perigosas de trabalho, dos trabalhadores que pareciam trabalhar a todo tempo em uma linha tênue, que dividia a necessidade do dinheiro, e o medo da morte, que estava tão próxima com tais condições, obviamente que essas condições refletiam cruelmente nos corpos daqueles proletários:

O rapaz evitava responder; ainda se considerava muito feliz por ter encontrado esse trabalho de forçado, e aceitava o brutal sentido de hierarquia do operário e do mestre-de-obras. Mas não podia mais, tinha os pés em sangue, os membros torcidos por cãibras atrozes, o tronco apertado por um cinto de ferro. Felizmente eram dez horas, o grupo resolveu almoçar.(ZOLA, 2009: 47)

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Diante da pachorra dos mineiros, que discutiam, dizendo que ninguém era melhor juiz da sua segurança do que eles, o engenheiro encolerizou-se: — Como é? Vamos de uma vez! Quando estiverem com a cabeça esmagada, quem é que vai sofrer as conseqüências? Vocês? Claro que não! É a companhia; ela terá de pagar as suas pensões ou das suas mulheres. Já sabemos muito bem como são: para terem no fim do dia dois vagonetes a mais na conta, são capazes de largar a pele. Maheu, apesar da cólera que pouco a pouco se apossava dele, conseguiu falar com calma: — Se nos pagassem melhor poderíamos pensar nessas coisas. O engenheiro deu de ombros sem responder. Tendo acabado de descer até o fundo, falou lá de baixo: — Têm uma hora para fazer esse trabalho. E estão avisados de que a empreitada vai ser multada em três francos. (ZOLA, 2009: 54 - 55)

Tais embates iam alimentando certa racionalidade e revolta orgânica daqueles trabalhadores que percebiam a intenção da empresa em lhes prejudicar. Enquanto passavam-se estes acontecimentos, o autor da fala a um burguês que parecia resumir, e elucidar a idéia de fábrica de extração de carvão, dizendo que “o dinheiro ganho com o suor dos outros, é o que mais engorda” (ZOLA, 2009: 55). Todas estas experiências contribuíram muito para o despertar de possíveis lutas, dentro do romance. O contexto em que as lutas do proletariado francês representado na obra são inseridas coincide com o período de criação e estabelecimento da Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como Primeira Internacional, uma organização de apoio ao proletariado, fundada em 1864 na cidade de Londres. Èmile Zola no decorrer de sua narrativa aponta para a importância e influencia que essa organização estabeleceu no ideário e imaginário de resistência da classe explorada. Na medida em que os mineiros passam a protestar a situação de exploração e miséria vivenciadas, eles começam a se organizar e exigir melhores condições de trabalho e vida. É a partir desse momento, através de conversas, pequenas reuniões e grandes discussões que podemos perceber concepções distintas de luta, representadas principalmente pelas falas dos personagens Rasseneur, Etienne e Suvarin. Para melhor representar essas diferentes visões e tentativas de chegar ao objetivo final, será feita a análise de alguns momentos em que se encontram diálogos contidos na obra, que bem representam as peculiaridades citadas, na fala dos personagens escolhidos.

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O primeiro deles ocorre na quarta parte da obra- sessão IV, no estabelecimento da viúva Désir, no Bon-Joyeux. Nele encontramos os personagens Rasseneur, um ex- mineiro que deixou o serviço na Voreux e montou uma taberna, Etienne, o ex- maquinista que consegue emprego em Montsou, e Suvarin, um russo que também era empregado na Mina. Enquanto Etienne aguarda a chegada de Pluchart, seu antigo contramestre que prometera ajudar na adesão da massa à Internacional, Rasseneur alega que escreveu uma carta pedindo que este não viesse, o argumento que usou:

—As idéias de vocês não me interessam. Política, governo, tudo isso não me interessa... Desejo apenas que o mineiro tenha um tratamento mais digno. Trabalhei no fundo da mina durante vinte anos suei tanto de miséria e cansaço que jurei conseguir uma vida melhor para os infelizes que ainda estão lá embaixo. Sei muito bem que nada obterão com essas histórias de vocês, o que farão é apenas tornar a vida do operário ainda mais miserável. Quando ele for obrigado pela fome a voltar ao trabalho, será mais humilhado ainda, a companhia o receberá a porrete, como cão fugido que se faz voltar ao canil. E é isso que eu quero evitar, compreendeste? — Mas o que está acontecendo contigo? Por que passaste para o lado dos burgueses? — continuou ele com violência, voltando a pôr-se diante do taberneiro. — Tu mesmo dizias que como estava não podia continuar. — Sim, eu disse isso. E se a coisa explodir tu vais ver que não é mais covarde do que os outros. Só que me recuso a fazer o jogo daqueles que aumentam a desordem para conseguir uma posição. Era aquilo que desnaturava os sistemas, levando um ao exagero revolucionário, empurrando o outro para uma afetação de prudência, conduzindo-os, enfim, e sem eles quererem, para além das suas verdadeiras idéias, nessa fatalidade de encarnar um papel que não se escolheu. (ZOLA, 2009: 204)

Partindo para a análise deste trecho da obra, há uma nítida concepção de luta representada através das posições dos personagens. Assim como Etienne, Rasseneur não tem uma perspectiva clara e definida de luta, ele tem atitudes ora marxistas, ora reformistas no decorrer de toda a obra. No caso de Etienne, justifica-se por conta dos contatos que ele faz com os trabalhadores ingleses filiados a Associação Internacional dos Trabalhadores e com o homem chamado Pluchart, experiente fomentador de lutas entre patrões e empregados e também filiado a Internacional. Nesse sentido, os discursos de Etienne variam entre ações de interesse imediato, como a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, e ações mais permanentes, com influências marxistas, como a importância da união dos operários, consciência de classe, da filiação

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Além disso, é mostrada também outra acusação que comumente é feita ao anarquismo: o de não saber o que fazer depois de derrubar o capitalismo. Sobre as formas de resistência, além de seus discursos, os trabalhadores travavam guerras diárias, várias formas de resistência se davam contra as contradições de suas finalidades. Esses meios de luta são: a greve, o boicote, a sabotagem, pequenos furtos, ações estas que estão presentes no enredo de Zola. È importante pontuar que a influência socialista-reformista, que acreditava na possibilidade de mudança sem rupturas, possibilidade de mudanças no sistema. Inicialmente os operários tentaram o diálogo, demonstrando insatisfação e exigências:

Maheu começou com uma voz a princípio hesitante e surda: — Senhor diretor, não se trata de uma revolução de desordeiros, de más pessoas que procuram instaurar a anarquia. Queremos apenas justiça, estamos cansados de andar morrendo de fome e parece-nos que chegou a hora de um entendimento para que ao menos tenhamos pão todos os dias. Sua voz era cada vez mais firme. Levantou os olhos e continuou, fixando o diretor: — O senhor sabe muito bem que não podemos aceitar o novo sistema. Somos acusados de revestir mal. É verdade, não dedicamos a essa tarefa o tempo necessário. Mas, se o fizéssemos, nosso salário seria ainda mais reduzido, e, como ele já não chega para nos alimentar, seria então o nosso fim, o golpe de misericórdia que arrasaria os homens que trabalham para o senhor. Pague-nos melhor e revestiremos melhor, empregaremos no escoramento as horas recomendadas, em lugar de nos encarniçarmos no abate, que é a única coisa que nos rende. Não há outro acordo possível, o trabalho precisa ser pago para ser feito... E o que o senhor inventou no lugar disso? Uma coisa que não nos entra na cabeça: baixou o vagonete e depois pretendeu compensar essa baixa pagando o revestimento à parte! Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim estaríamos sendo roubados, já que o revestimento sempre tomará mais tempo. Mas o que mais nos enfurece é que nem isso é verdade: a companhia não compensa coisa nenhuma, ela simplesmente põe dois cêntimos por vagonete no bolso, eis tudo. E continuou: —Viemos aqui para lhe dizer que, se é para morrer, preferimos morrer sem fazer nada; ao menos não estaremos exaustos quando chegar a hora. Deixamos o trabalho e só voltaremos a ele se a companhia aceitar nossas condições. Ela quer baixar o preço do vagonete, pagar o revestimento à parte. Nós queremos que as coisas continuem como eram e exigimos ainda que nos dêem cinco cêntimos a mais por vagonete... Agora chegou a sua vez de dizer se é pela justiça e pelo trabalho. (ZOLA, 2009: 188)

Partindo para o diálogo, as exigências do proletariado não foram atendidas, pelo contrário, a situação tendia a piorar com o passar do tempo, novos desabamentos

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aconteceram, resultando em acidentes e mortes. A ação direta encontra sua expressão mais profunda na greve geral, evidenciando nesse momento grande influência da ação revolucionária, de tendência anarquista. Na obra, novas reuniões, realizadas em meio ás associações, resultaram na decisão a favor da aderência da greve, esta começa a se alastrar por toda a região. Os operários vão de mina em mina pedir que os camaradas se juntem na greve geral. Porém, a fome começa a ficar cada vez maior. O dinheiro da reserva só havia durado para dois dias de pão. Quatro mil francos haviam sido enviados de Londres pela Internacional, porém também só garantiu mais um ou dois dias de pão. A situação se agrava, pois a companhia ameaçava despedir e a contratar operários na Bélgica. Os operários se juntam numa reunião para decidir o futuro da greve. Alguns trabalhadores, temerosos e famintos, queriam retornar ao trabalho, estes são reconhecidos como traidores, outros preferiam morrer á abandonar a causa.. Os operários grevistas partem às minas que haviam sido ocupadas novamente. Chegando a cada uma destas minas, houve destruição de tudo que se podia ter a sua frente. Paravam as bombas de água, os elevadores, derrubavam as vagonetes. Sempre a gritar e clamar pelo pão, que a tanto lhes faltara:

Quando chegaram à Gaston-Marie, eram ainda em maior número, mais de dois mil e quinhentos furiosos, quebrando tudo, varrendo tudo, com a força impetuosa de uma torrente. Os policiais tinham passado por ali uma hora antes, seguindo depois para os lados da Saint-Thomas, mal informados por camponeses, sem mesmo tomarem a precaução, na sua pressa, de deixar uma guarnição de alguns homens, para proteger a mina. Em menos de quinze minutos as fornalhas foram emborcadas, as caldeiras, esvaziadas, as construções, invadidas e devastadas. Mas a bomba era o alvo principal. Não bastou que parasse com um último sopro de vapor, atiravam-se contra ela como a uma pessoa viva, a quem quisessem tirar a vida. (...) O bando pusera-se novamente em marcha. Já eram quase cinco horas; o sol, rubro como brasa na fímbria do horizonte, incendiava a imensa planície. Um vendedor ambulante que passava informou-lhes que a cavalaria estava descendo para os lados da Crèvecoeur. A notícia fê- los retroceder e espalhou-se outra palavra de ordem: — Para Montsou! À direção! Pão! Pão! Pão! (ZOLA, 2009: 288)

O momento ápice da revolta desses trabalhadores foi a súbita redução de seus salários, que por sinal já eram baixíssimos, as péssimas condições de vida e trabalho e as frustrantes tentativas de melhorias. A argumentação dos burgueses para o acontecimento era a crise que o mundo capitalista estava vivendo, marcada pela superprodução de mercadorias e pela falta de mercados consumidores. Os já

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não é publicitária nem representa um partido político. Minha obra representa a verdade.^3

Neste desabafo de Émile Zola é perceptível sua intenção de dar cores aos sofrimentos da classe operária, utilizando de suas armas; as suas palavras, é interessante perceber alguns termos como “tradução” em palavras, na realidade faz-se uma representação como o autor diz, da verdade, uma forma de expressão do caráter da realidade. Porém para o nosso conceito de verdade (Conceito ocidental racionalista), talvez o Germinal, não nos toque enquanto uma verdade, porém é pertinente recorrermos a noção de conceitos autoritários de verdade, que o historiador Paul Veyne menciona^4 , em estudo do sistema de crença dos gregos, e refletindo isso nas nossas formas de crença atual, Veyne chega a conclusão que nossa verdade como realidade, é autoritária, nós não cremos somente no que é paupável, ou provável, mas naquilo que escolhemos crer. Desta maneira por muito incomoda que ainda é a obra Germinal, talvez não se constitua em uma verdade, comprovando que sua expressão traz algo incomodo e pouco aceitável, que é a “realidade” difícil dos trabalhadores do norte da França no final do século XIX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru: Edusc, 2007. p. 43-51. ARDAGH, John; JONES, Colin. França uma civilização essencial. Madrid: Edições Del Prado, 1997. BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. HOBSBAWN, Eric. J. A Era do Capital: 1848- 1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

(^3) Apud: SILVESTRE, Paulo Armando da Cunha. Vivências do feminino no final de oitocentos : representação da mulher em alguns romances e periódicos da época.2009. Dissertação. Mestrado em Estudos Portugueses e Interdisciplinares, Universidade Aberta, Lisboa, 2009. 4 VEYNE, Paul. Acreditaram os gregos em seus mitos?. Lisboa: Edições 70, 1983.

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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. VEYNE, Paul. Acreditaram os gregos em seus mitos?. Lisboa: Edições 70, 1983. WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORA,

ZOLA, Émile. Germinal. São Paulo-SP: Martin Claret, 2009.