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UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS ..., Notas de estudo de Evolução

UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS. Lilith Abrantes Bellinho. 1. RESUMO. O presente artigo tem como objeto de estudo a evolução histórica dos ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
Lilith Abrantes Bellinho1
RESUMO
O presente artigo tem como objeto de estudo a evolução histórica dos direitos
humanos, bem como os principais marcos históricos que contribuíram para a sua
importância na atualidade. Assim, os estudos serão iniciados a partir do pós 2ª.
Guerra Mundial, tendo em vista as atrocidades e violações sofridas nesse período, as
quais deram ensejo para uma maior preocupação com a dignidade da pessoa
humana, e conseqüentemente, com os direitos humanos. O conceito de abrangência
mundial e que será utilizado como base é o da chamada concepção contemporânea
de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos
Humanos de Viena de 1993. Essa concepção pode ser definida, de maneira clara e
resumida, como sendo um conjunto mínimo de direitos que cada ser humano possui
baseado na sua dignidade humana. Daí decorre a importância dos direitos humanos
no mundo contemporâneo. O artigo tem como principais referenciais teóricos
Melina Girardi FACHIN, Flávia PIOVESAN, Norberto BOBBIO, Fábio Konder
COMPARATO e Peter HABERLE.
PALAVRAS-CHAVE: evolução histórica; 2ª. Guerra Mundial; dignidade da
pessoa humana; concepção contemporânea; concepção pós-contemporânea.
INTRODUÇÃO
Escolheu-se como objeto de estudo do presente Artigo o tema “Uma evolução
histórica dos direitos humanos” em virtude da sua relevância no cenário mundial.
O estudo versa sobre a matéria dos direitos humanos que, no contexto
pátrio, encontra respaldo na ordem constitucional dos direitos fundamentais.
1 Estudante do 10° período do curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil
Unibrasil orientada pela Profa. Ms. Melina Girardi Fachin.
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UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Lilith Abrantes Bellinho^1

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo a evolução histórica dos direitos humanos, bem como os principais marcos históricos que contribuíram para a sua importância na atualidade. Assim, os estudos serão iniciados a partir do pós 2ª. Guerra Mundial, tendo em vista as atrocidades e violações sofridas nesse período, as quais deram ensejo para uma maior preocupação com a dignidade da pessoa humana, e conseqüentemente, com os direitos humanos. O conceito de abrangência mundial e que será utilizado como base é o da chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Essa concepção pode ser definida, de maneira clara e resumida, como sendo um conjunto mínimo de direitos que cada ser humano possui baseado na sua dignidade humana. Daí decorre a importância dos direitos humanos no mundo contemporâneo. O artigo tem como principais referenciais teóricos Melina Girardi FACHIN, Flávia PIOVESAN, Norberto BOBBIO, Fábio Konder COMPARATO e Peter HABERLE.

PALAVRAS-CHAVE: evolução histórica; 2ª. Guerra Mundial; dignidade da pessoa humana; concepção contemporânea; concepção pós-contemporânea.

INTRODUÇÃO

Escolheu-se como objeto de estudo do presente Artigo o tema “Uma evolução histórica dos direitos humanos” em virtude da sua relevância no cenário mundial. O estudo versa sobre a matéria dos direitos humanos que, no contexto pátrio, encontra respaldo na ordem constitucional dos direitos fundamentais.

(^1) Estudante do 10° período do curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil orientada pela Profa. Ms. Melina Girardi Fachin.

Preliminarmente, se faz necessário tecer uma breve explicação acerca dos direitos humanos para uma melhor compreensão desse estudo. É de grande relevância explicar a diferença existente entre direitos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem, senão vejamos. A primeira nomenclatura que surgiu foi a dos direitos do homem, a qual remonta a época do jusnaturalismo, pois bastava ser homem para possuir direitos e poder usufruí-los. Entretanto, tal nomenclatura sofreu várias críticas devido à expressão “homem”, tendo em vista que tais direitos não eram apenas inerentes as pessoas do sexo masculino, mas, sim, a qualquer pessoa humana. Dessa maneira, após várias oposições com relação à nomenclatura adotada, os direitos do homem passaram a ser chamados de direitos fundamentais, os quais se ocupam do plano constitucional e visam assegurar e proteger os direitos inerentes a cada ser humano para que possam usufruir de uma vida digna. Não sendo diferente da finalidade dos direitos humanos que, diferentemente dos direitos humanos, figuram no plano internacional. E ainda, segundo o doutrinador PÉREZ-LUÑO^2 , os direitos fundamentais e os direitos humanos não se diferem apenas pela suas abrangências geográficas, mas também pelo grau de concretização positiva que possuem, ou seja, pelo grau de concretização normativa. Os direitos fundamentais estão duplamente positivados, pois atuam no âmbito interno e no âmbito externo, possuindo maior grau de concretização positiva, enquanto que os direitos humanos estão positivados apenas no âmbito externo, caracterizando um menor grau de concretização positiva. Isto exposto, a posição de direitos humanos que se adotará será a dos direitos humanos propriamente dito, ou seja, aquele que vinculado ao âmbito externo, e, portanto com abrangência internacional. Após essa breve análise é possível introduzir o presente estudo. O primeiro capítulo abordará sobre a evolução histórica dos direitos humanos, tendo como

(^2) PÉREZ-LUÑO. Antonio. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 46-47.

A idéia de direitos humanos ganhou demasiada importância ao longo da história, tendo em vista que seus pressupostos e princípios têm como finalidade a observância e proteção da dignidade da pessoa humana de maneira universal, ou seja, abrangendo todos os seres humanos. Assim, para a compreensão deste estudo, faz-se necessário passar pela evolução histórica dos direitos humanos e por posicionamentos doutrinários acerca do tema, como se verá a seguir. Preliminarmente, é importante salientar que não serão abordados, especificamente, todos os fatores que influenciaram na construção da visão contemporânea de direitos humanos, tendo em vista as limitações do presente trabalho. Portanto, serão explicitados os principais marcos históricos relevantes para a compreensão do tema. Parte-se do período axial, no qual K. JASPERS analisou o nascimento espiritual do ser humano, afirmando que tal período

(...) se situaria no ponto de nascimento espiritual do homem, onde se realizou de maneira convincente, tanto para o Ocidente como para a Ásia e para toda a humanidade em geral, para além dos diversos credos particulares, o mais rico desabrochar do ser humano; estaria onde esse desabrochar da qualidade humana, sem se impor como uma evidência empírica; seria, não obstante, admitido de acordo com um exame dos dados concretos; ter-se-ia encontrado para todos os povos um quadro comum, permitindo a cada um melhor compreender sua realidade histórica. Ora este eixo da história nos parece situar-se entre 500 a.C. no desenvolvimento espiritual que aconteceu entre 800 e 200 anos antes de nossa era. É aí que se distingue a mais marcante cesura na história. É então que surgiu o homem com o qual convivemos ainda hoje. Chamamos breve essa época de período axial.^3 E foi no período axial que foram instituídos os grandes princípios e diretrizes fundamentais de vida presentes até hoje^4 , no qual o indivíduo ousa exercer a sua faculdade crítica racional da realidade devido à substituição do saber mitológico da tradição pelo saber lógico da razão e as religiões tornaram-se mais éticas e menos rituais ou fantásticas. O ser humano passa a ser considerado como ser

(^3) LIBANIO. João Batista. Theologia: a religião do início do milênio. São Paulo: Loyola,

  1. p. 163. 4 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed., rev., e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 9.

dotado de liberdade e razão em sua igualdade essencial, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais.^5 Levando em consideração o caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor próprio, que veio demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo^6 , Celso LAFER afirma que “o individualismo é parte integrante da lógica da modernidade, pois o mundo não é um cosmos – um sistema ordenado – mas sim um agregado de individualidades isoladas que são a base da realidade”.^7 Tendo em vista a influência do pensamento religioso e do sistema político, as diversas teorizações sobre direitos humanos encontravam-se profundamente relacionadas às prerrogativas estamentais e à hierarquia secular. Assim, com a Reforma Religiosa ocorreu uma importante ruptura nessa ligação, da qual foi reivindicado o primeiro direito fundamental - o da liberdade religiosa.^8 E ainda, ao longo da história, diversos documentos contribuíram para a concretização dos direitos humanos como antecedentes das declarações positivas de direitos. Porém, esses documentos não eram cartas de liberdade do homem comum, mas sim, contratos feudais escritos nos quais o rei comprometia-se a respeitar os direitos de seus vassalos. Portanto, não afirmavam direitos humanos, mas direitos de estamentos.^9 No sentido moderno, o nascimento da lei escrita cria uma regra geral e uniforme que diz que todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada ficam sujeitos a ela.^10 Portanto, somente com a positivação das teorias filosóficas de

(^5) Ibidem, p. 10-11. (^6) Ibidem, p. 31. (^7) LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos : um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1981. p. 120. 8 9 Ibidem, p. 41. 10 COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 40. Ibidem, p. 10-11.

Já, segundo a visão ética kantiana, afirma-se que a dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em sim mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.^17 Portanto, para esse doutrinador, o homem não pode ser utilizado como meio para obter determinados fins, tendo em vista que esse possui um valor intrínseco caracterizado pela sua dignidade, o qual não admite ser substituído por quaisquer equivalentes.^18 Dessa maneira, as teorizações de Kant tiveram, e ainda têm grande importância no processo de evolução dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, pois a filosofia jurídica da segunda metade do século XX, a partir da premissa de que o homem possui um valor intrínseco, abre-se para a seara axiológica. Assim, a percepção axiológica intitulou os direitos humanos e os direitos fundamentais a principais valores do ordenamento jurídico e da convivência humana.^19 É importante salientar que tanto o pensamento de Kant quanto todas as outras concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana, podem estar sujeitas à crítica de um excessivo antropocentrismo, pois tais posicionamentos colocam a pessoa em lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos, tendo em vista sua racionalidade.^20 Porém, atualmente, o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não há uma preocupação apenas com a vida humana, mas também com a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as

(^17) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 21. (^18) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2 19 006. p. 49. 20 Ibidem, p. 51. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2004. p.

formas de vida existentes no planeta.^21 Assim, a tendência contemporânea é de uma proteção constitucional e legal da fauna e flora, bem como dos demais recursos naturais, inclusive contra atos de crueldade praticados pelo ser humano.^22 Porém, tal crítica não será aprofundada, tendo em vista não fazer parte do presente estudo. A passagem do Estado absoluto ao Estado liberal da modernidade se preocupou em estabelecer limites ao exercício do poder político. Nesse sentido, o filósofo John Locke, ao final do século XVIII, estava preocupado em defender os interesses individuais em face dos abusos governamentais, sendo ele considerado, portanto, o precursor no reconhecimento de direitos naturais e inalienáveis do homem.^23 Portanto, o indivíduo possui direitos, bem como valor em si mesmo, estando em primeiro lugar em relação ao Estado. Os direitos humanos deixam de ser exclusivos das elites, mas sob a denominação de direitos do homem, conforme explica ALMEIDA, na leitura de Melina Girardi FACHIN, “são uma conquista de uma classe emergente como dona do poder econômico e que se torna dona também do poder político”.^24 Salienta PÉREZ-LUÑO que

(...) o traço básico que marca a origem dos direitos humanos na modernidade é precisamente seu caráter universal; o de serem faculdades que deve reconhecer-se a todos os homens sem exclusão. Convém insistir neste aspecto, porque direitos, em sua acepção de status ou situações jurídicas ativas de liberdade, poder, pretensão ou imunidade existiram desde as culturas mais remotas, porém como atributo de apenas alguns membros da comunidade (...). Pois bem, resulta evidente que a partir do momento no qual podem-se postular direitos de todas as pessoas é possível falar em direitos humanos. Nas fases anteriores poder-se-ia falar de direitos de príncipes, de etnias, de estamentos, ou de grupos, mas não de direitos humanos como faculdades jurídicas de titularidade universal. O grande invento jurídico-político da modernidade reside, precisamente, em haver ampliado a titularidade das posições jurídicas ativas, ou seja, dos direitos a todos os homens, e em conseqüência, ter formulado o conceito de direitos humanos.^25

(^21) Idem. (^22) Ibidem, p. 35. (^23) Ibidem, p. 44-45. (^24) Ibidem, p. 47. (^25) PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. La universidad... p. 24-25.

direitos humanos acabam por transcender e extrapolar o domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva. Em razão disso, é criado um código comum de ação composto por parâmetros globais de ação estatal, ao qual deve haver a conformação dos Estados, no que diz respeito à promoção e proteção dos direitos humanos.^30 Tal afirmação se deve ao fato de que o totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, pois negou o valor da pessoa humana como fonte de direito. Portanto, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral, ou seja, o direito a ter direitos, ou ainda, o direito a ser sujeito de direitos, segundo Hannah ARENDT na leitura de Flávia PIOVESAN.^31 Dessa maneira, é possível sustentar que a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos e o pós-guerra deveria significar sua reconstrução.^32 Nesse sentindo, Fábio Konder COMPARATO sustenta que

após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio a aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos.^33 Dessa maneira, a autora afirma que “é essa conjuntura que fornece o alicerce fático, no âmbito do Direito Internacional, para que se esboce um sistema normativo internacional de proteção aos direitos humanos”.^34 Norberto BOBBIO complementa dizendo que o início da era dos direitos é reconhecido com o pós-guerra, já que “somente depois da 2ª. Guerra Mundial é que

(^30) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional ... p. 5. (^31) Ibidem, p. 116. (^32) Ibidem, p. 117. (^33) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 54. (^34) FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos... p. 59.

esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo – pela primeira vez na história – todos os povos”.^35 Tal processo de internacionalização possui uma base dual, tendo em vista que a restrição da soberania estatal, considerando que é justamente o Estado que passa a ser um dos principais violadores de direitos humanos e pela concepção universal acerca desses direitos que deveriam ser estendido a todos.^36 Pode-se citar como exemplo referente à limitação da soberania estatal, o Tribunal de Nuremberg, o qual se caracteriza por ser um tribunal militar com competência para julgar os responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade perpetrados pelas antigas autoridades políticas e militares da Alemanha nazista e do Japão imperial^37 , tendo sido instalado entre os anos de 1945 e 1946 e, que apesar de duras críticas , possui grande relevância para o fortalecimento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no plano internacional.^38 Esse Tribunal não apenas consolida a idéia da necessária limitação da soberania nacional, como reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo direito internacional.^39 Assim, a violação dos direitos humanos não é mais concebida como questão interna de cada Estado, pois se tornou uma preocupação no âmbito da comunidade internacional devido a sua importância.^40 Fez-se necessário, portanto, a criação de uma medida internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos, a qual ajudou no processo de internacionalização desses direitos. Tal situação resultou na construção sistemática normativa de proteção internacional, e, consequentemente, quando as instituições nacionais se mostram

(^35) BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 49. (^36) FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos... p. 58. (^37) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 446. (^38) FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos... p. 58. (^39) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional... p. 123. (^40) Ibidem, p. 117.

das afirmações filosóficas para um verdadeiro e instituído sistema de direitos humanos positivos.^46 É possível afirmar que uma das causas que classificou os direitos humanos como de titularidade coletiva, foi a criação de novos Estados com base no princípio das nacionalidades em território dos antigos impérios multinacionais, nos quais residiam grupos humanos heterogêneos, pois não eram de uma única nacionalidade, por força de suas especificidades linguísticas, étnicas e religiosas.^47 É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea e que se manifesta a grande crítica e repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, confinando à ótica meramente formal, tendo em vista que o nazismo e o fascismo ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade e promoveram a barbárie em nome da lei.^48 Vale dizer, no âmbito do direito internacional, começa a ser delineado o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos. É como se projetasse a vertente de um constitucionalismo global vocacionado a proteger direitos fundamentais e limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de direitos.^49 Nesse mesmo sentido, Peter HABERLE propugna pela adoção de uma hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista ou à chamada sociedade aberta. Assim, a sua proposta é de uma democratização da interpretação constitucional, ou seja, uma hermenêutica constitucional da sociedade aberta.^50 Dessa maneira, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada unanimemente pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de

(^46) Ibidem, p. 43. (^47) LAFER, Celso. Op. cit., p. 141. (^48) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: desafios da ordem internacional contemporânea. In: _____. (Coord.). 49 Direitos humanos. Curitiba, Juruá, 2006. p. 17. 50 Idem. HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional : a sociedade aberta dos intérpretes da constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 9-10.

1948, foi a primeira organização internacional que abrangeu quase a totalidade dos povos da Terra, ao afirmar que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.^51 Portanto, essa declaração condensou toda a riqueza dessa longa elaboração teórica, ao proclamar, em seu artigo VI, que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa.^52

2 CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS A

PARTIR DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Como visto anteriormente, os direitos humanos nascem quando podem nascer^53 , portanto compõem um construído axiológico, fruto da nossa história, de nosso passado, de nosso presente, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. Dessa maneira, tendo em vista a pluralidade de significados concebidos até hoje, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.^54 A concepção dos direitos humanos é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, o qual é extremamente recente na história, como já mencionado, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo, levando em consideração que o Estado foi o grande violador de direitos humanos.^55 Segundo Norberto BOBBIO, “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica de conflitos”.^56

(^51) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 12. (^52) Ibidem, p. 32. (^53) BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 26. (^54) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: desafios da ordem internacional ... p. 16. (^55) Ibidem, p. 17. (^56) BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 30.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 acaba por inovar o conceito de direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, a qual é marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos.^63 Assim, o conceito de direitos humanos é dotado de universalidade, pois possui extensão universal, pois basta possuir condição de pessoa para ser titular de direitos. Portanto, o ser humano é visto como um ser essencialmente moral com unicidade existencial e dignidade.^64 Vale lembrar que a proteção internacional dos direitos humanos tem como objetivo a proteção ao indivíduo sem se preocupar com a sua nacionalidade ou com o país de sua origem.^65 Também é marcado pela indivisibilidade, tendo em vista que a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Dessa maneira, quando um deles é violado, os demais também o são. Dessa forma, os direitos humanos são vistos como uma unidade indivisível, interdependente e interrelacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.^66 Vale salientar que o processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos, o qual é composto por tratados internacionais de proteção que refletem a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, levando em consideração que instituem um consenso internacional acerca de temas centrais de direitos humanos com o objetivo de salvaguardar parâmetros protetivos mínimos, o chamado “mínimo ético irredutível”.^67

(^63) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: desafios da ordem internacional... p. 18. (^64) Idem. (^65) RAMOS, André de Carvalho. Op. cit., p. 22. (^66) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: desafios da ordem internacional ... p. 18. (^67) Ibidem, p. 19.

Pode-se afirmar, portanto, que num contexto global, a proteção dos direitos humanos torna-se essencial para a convivência dos povos na comunidade internacional, a qual é alcançada pela afirmação dos direitos humanos como agenda comum mundial, levando os Estados a estabelecerem projetos comuns, e, assim, poder superar as animosidades geradas pelas crises políticas e econômicas.^68 Tal situação gerou a existência de uma normatividade internacional sobre os direitos humanos que pode ser vista por uma dupla lógica: a lógica da supremacia do indivíduo, como ideal do direito internacional e a lógica realista, da busca da convivência e cooperação pacífica entre os povos, capaz de ser encontrada através do diálogo na proteção de direitos humanos.^69 Segundo Flávia PIOVESAN, “a concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se pelos processos de universalização e internacionalização destes direitos, compreendidos sob o prisma de sua indivisibilidade”.^70 Dessa maneira, os Estados têm a obrigação legal de promover e respeitar os direitos e liberdades fundamentais, não se limitando à sua jurisdição reservada. A intervenção da comunidade internacional deve ser aceita de forma subsidiária em face da emergência de uma cultura global que objetiva fixar padrões mínimos de proteção dos direitos humanos.^71 Assim, em 16 de fevereiro de 1946, durante uma sessão do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, ficou estabelecido que ao ser criada a Comissão de Direitos Humanos os seus trabalhos se desenvolveriam em três etapas. Na primeira, era necessário elaborar uma declaração de direitos humanos, de acordo com o disposto no artigo 55 da Carta das Nações Unidas. Em seguida, deveria ser produzido “um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração”, ou seja, um tratado ou convenção internacional. E, finalmente, era

(^68) RAMOS, André de Carvalho. Op. cit., p. 19. (^69) Ibidem, p. 20. (^70) PIOVESAN, Flávia. A universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos: desafios e perspectivas. In: BALDI, César Augusto (Org.). Direitos humanos na sociedade cosmopolita 71. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 57. Ibidem, p. 65.

Econômicos, Sociais e Culturais, o qual foi aprovado em 1966 e entrou em vigor em 3 de janeiro de 1976.^76 O primeiro foi completado por dois protocolos facultativos, um deles instituiu o direito de petição individual que entrou em vigor dia 23 de março de 1976 e o outro vedou a pena de morte que entrou em vigor 11 de julho de 1991. Esse conjunto de documentos expedidos pela ONU recebe o nome de Carta Internacional dos Direitos Humanos devido à origem comum, o caráter dito universal e a abrangência das espécies de direitos mencionados nos textos.^77 A elaboração de dois tratados e não de um só, compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático. As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam colocar em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais.^78 Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, “até o máximo dos recursos disponíveis” de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2°, alínea 1). De qualquer forma, o conjunto de direitos humanos cria um sistema indivisível, pois o preâmbulo de ambos os pactos é idêntico.^79 Assim, reafirma-se por meio da Flávia PIOVESAN que a Declaração não é um tratado, tendo sido adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas sob a

(^76) RAMOS, André de Carvalho. Op. cit., p. 27. (^77) Idem. (^78) COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 276. (^79) Idem.

forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei. Porém, a sua criação teve por objetivo promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU, particularmente nos artigos 1° e 55.^80 Portanto, mesmo não apresentando força de lei, a Declaração dos Direitos Humanos possui natureza jurídica vinculante, a qual é reforçada pelo fato de a mesma ter sido considerada como um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX e, também pelo fato de se ter transformado, ao longo dos cinqüenta anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e princípio geral do direito internacional. Portanto, é classificado como código de atuação e de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional, e ainda, exerce impacto nas ordens jurídicas nacionais, na medida em que os direitos nela previstos têm sido incorporados por Constituições nacionais, e, ainda, quando necessário, é utilizada como fonte para decisões judiciais nacionais.^81 Flávia PIOVESAN afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude, pois compreende um conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. Outra característica é a universalidade, tendo em vista que é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios no quais incide.^82 Dessa maneira, ela objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais.^83 É preciso salientar que a tal Declaração inova no que se refere à amplitude, tendo em vista que compilou em um único documento direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, rompendo, assim, com o cartesianismo

(^80) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional ... p. 137. (^81) Ibidem, p. 140. (^82) Ibidem, p. 130. (^83) Ibidem, p. 131.