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Guias e Dicas
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Trabalho Emocional e Corporal na Profissão de Manicura: Análise das Interações de Trabalho, Esquemas de Estética

Uma análise das condições de trabalho e emprego da manicura, destacando a influência do tipo de contrato e da interação face-a-face no trabalho. O autor também discute o trabalho emocional e corporal na profissão, baseado em pesquisas realizadas em são paulo e montréal.

O que você vai aprender

  • Como as relações sociais de gênero, classe e raça se manifestam nas condições de trabalho e de emprego da manicura?
  • Quais são as escalas de medida de intensidade do trabalho emocional e como elas são utilizadas?
  • Qual é a influência do tipo de contrato de trabalho na forma como a manicura executa seu trabalho?
  • O que é o trabalho emocional e como ele é observado nos estudos sobre trabalho em serviços?
  • Como a interação face-a-face é central na atividade de trabalho em serviços interpessoais?

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Botafogo
Botafogo 🇧🇷

4.5

(118)

218 documentos

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Não perca as partes importantes!

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JULIANA ANDRADE OLIVEIRA
Fazendo a vida fazendo unhas
Uma análise sociológica do trabalho de manicure
São Paulo – SP
USP
Agosto de 2014
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Baixe Trabalho Emocional e Corporal na Profissão de Manicura: Análise das Interações de Trabalho e outras Esquemas em PDF para Estética, somente na Docsity!

JULIANA ANDRADE OLIVEIRA

Fazendo a vida fazendo unhas

Uma análise sociológica do trabalho de manicure

São Paulo – SP

USP

Agosto de 2014

JULIANA ANDRADE OLIVEIRA

Fazendo a vida fazendo unhas

Uma análise sociológica do trabalho de manicure

São Paulo - SP

USP

Agosto de 2014

“Eu nunca vou deixar de ser uma manicure. Uma manicure nunca deixa de ser manicure. Ela sempre vai olhar um esmalte e comentar e levar. Eu vou parar de ganhar o meu sustento com unha, mas eu nunca vou parar de fazer unha. Eu não quero é ter que ganhar pouco pelo resto da minha vida, estragar a vista ou a coluna”. Manicura A. (19 anos)

“Sociology is something that you do, not that you read” Erving Goffman^1.

(^1) In SMITH, Greg. Erving Goffman. Routledge, 2006, p.4.

RESUMO O objetivo desta tese é apresentar a análise da interação social como um meio de explicar a atividade de trabalho de manicure e a forma social que assume no Brasil. Por meio do relato das manicuras, examina as condições interacionais nas quais o trabalho é realizado associando-as às suas condições de contratação. A explicação se passa dividida em dois momentos: um sobre como o trabalho acontece e outro sobre como o trabalho é organizado socialmente, isto é, as relações sociais que o mantêm sem uma imagem profissional, mal remunerado e precário ante os riscos à saúde para trabalhadoras(es) e clientes. O primeiro capítulo apresenta dados socioeconômicos sobre o setor de embelezamento pessoal no Brasil e como o serviço de manicure tem sido abordado na literatura sociológica, verificando como os conceitos de “trabalho emocional”, “trabalho estético” e “trabalho corporal” foram formulados e aprimorados para explicar o trabalho nos serviços interpessoais, nos quais se incluem os serviços de beleza pessoal. A partir das questões presentes e ausentes dessa bibliografia, o segundo capítulo apresenta a pesquisa de campo e os pressupostos teóricos que formam a análise. O terceiro refere-se às condições do emprego de manicura encontradas na pesquisa de campo, destacando a influência do contrato de trabalho estabelecido na atividade de trabalho. Comenta-se o serviço de manicure em Montréal comparando-o em linhas gerais com o brasileiro. O quarto capítulo é dedicado a propor a interação face-a-face como um aspecto central da atividade de trabalho em serviços interpessoais, e o faz por meio da análise do relato das manicuras sobre o próprio trabalho. Por fim, o último capítulo traça algumas considerações sobre o que as interações sociais do trabalho de manicurar e as suas condições de emprego dizem da sociedade em que as manicuras trabalham e vivem.

Palavras-chaves: manicure, interação pessoal, salão de beleza, atividade de trabalho, condições de trabalho.

RESUMEN El objetivo de esta tesis es presentar el análisis de la interacción social como un medio de explicar la actividad del trabajo de manicura en Brasil y el porqué de la forma social que asume. Mediante el relato de las manicuras, examina las condiciones de interacción en las cuales es realizado, asociándolas a sus condiciones de contratación. La explicación se da dividida en dos momentos: el primero sobre cómo el trabajo se realiza y el segundo sobre cómo es organizado socialmente, es decir, las relaciones sociales que lo mantienen sin una imagen profesional, mal pagado y precario ante los riesgos a la salud para trabajadores y clientes. El primer capítulo presenta datos socioeconómicos sobre el sector del embellecimiento personal en Brasil y cómo el servicio de manicura ha sido planteado en la literatura sociológica. La estadía en la Universidad de Québec en Montréal (UQAM) ha permitido agrandar la investigación bibliográfica y constatar cómo los conceptos de "trabajo emocional", "trabajo estético" y "trabajo corporal" han sido formulados y mejorados para explicar el trabajo en los servicios interpersonales, en los cuales se incluyen los servicios de belleza personal. Partiendo de los puntos presentes y ausentes de esta bibliografía, el segundo capítulo presenta la investigación de campo y las premisas teóricas que forman el análisis. El tercero dice respecto a las condiciones de empleo de manicura encontradas en la investigación de campo, subrayando la influencia del contrato de trabajo establecido en la forma como es ejecutado. Se comenta el servicio de manicura en Montréal comparándolo con la forma social que ha asumido en Brasil. El cuarto capítulo se dedica a proponer la interacción cara a cara con un aspecto central de la actividad de trabajo en servicios interpersonales, y lo hace por medio del análisis del relato de las manicuras sobre el propio trabajo. Finalmente, el último capítulo traza algunas consideraciones sobre lo que las interacciones sociales del trabajo de realizar la manicura y sus condiciones de empleo dicen de la sociedad en que vivimos.

Palabras clave: manicura, interacción personal, servicios interpersonales, actividad de trabajo, condiciones de trabajo.

RESUMÉ

Cette thèse a pour but de présenter une analyse de L'interaction sociale comme un moyen d'expliquer le travail de manucure et la forme sociale que ce travail prend au Brésil. Partant du compte-rendu détaillé d'expériences de manucures, cette thèse examine les conditions interactives dans lesquelles ce travail est effectué, en associant ces conditions de travail avec celles des travailleurs du même secteur. L'analyse est menée sur deux niveaux : d'abord elle montre comment s'effectue ce travail, ensuite comment il est socialement organisé, montrant en quoi les relations sociales empêchent la manucure d'obtenir une image professionnelle et un bon salaire, et les soumettent à des conditions de travail précaires et de hauts risques sanitaires comparé aux travailleurs brésiliens et aux consommateurs. Le premier chapitre fournit des données socio- économiques concernant l'industrie de la beauté et les services d'embellissement au Brésil, incluant les manucures. Ceci inclut une revue littéraire qui examine comment les concepts de "labeur émotionnel", "labeur esthétique" et "travail du corps" sont formulés et affinés pour expliquer le travail de service personnel, dont le service de beauté fait partie. De cette étude, le deuxième chapitre expose des hypothèses théoriques et le champs de travail qui construisent cette analyse. Le troisième chapitre étudie les conditions de travail considérées dans le champ de recherche, mettant en exergue l'influence du contrat de travail dans l'activité de travail. Ce chapitre inclut également une analyse de la forme sociale du travail dans le secteur de la manucure à Montréal pour en identifier les différences avec celle du Brésil. Le quatrième chapitre réfléchit à l'interaction avec les clients comme un aspect central du travail dans les emplois du service en analysant les rapports personnels des manucures durant leur travail. Finalement, le dernier chapitre prend en considération la nature des interactions dans les emplois du secteur du service, et les conditions de travail des manucures, et comment les relations sociales y sont construites dans la société brésilienne.

Mots-clés: manucure, interaction personnelle, service de la beauté, activité de travail, conditions de travail.

Jussara Soares e Thais Placca Ferraz, muito obrigada pelo trabalho cuidadoso e criterioso ao administrar os procedimentos institucionais desta tese frente em relação à Fundacentro. Da mesma forma, pelo mesmo trabalho bem feito, agradeço aos funcionários do Departamento de Sociologia Gustavo Mascarenhas e Ângela Ferraro. Agradeço também aos coordenadores do Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, Paulo Menezes, Maria Helena Oliva Augusto (até 2013) e Vera Telles e Ruy Braga, que trabalharam para manter o nível de excelência do curso, conhecido de todos.

Daniela Sanches Tavares, além de uma ótima colega de trabalho, foi uma interlocutora e uma grande amiga. Agradeço imensamente a sua companhia e os nossos diálogos, que tantas vezes aliviaram-me da solidão do trabalho intelectual e abriram-me os olhos para aspectos importantes da pesquisa.

Agradeço aos colegas da Fundacentro que torceram por mim, apoiaram-me em momentos difíceis, e pela companhia agradável que eles sempre são. Entre tantos amigos torna-se difícil mencionar todos os nomes sem o risco de esquecer-me de algum, e por isso peço desculpas por não citá-los cada um.

Agradeço a Angelo Soares por ter proporcionado minha estadia na UQAM, em Montréal, pelo conforto da acolhida nas minhas primeiras semanas no Canadá, pela sua preocupação com o meu bem-estar e com a pesquisa.

Agradeço a Maíra Muhringer, Mariana Thibes, Pedro Mancini, Regina Carrielo pelos encontros no qual discutíamos nossas pesquisas e compartilhávamos os prazeres e os desafios de exercer a sociologia. Agradeço por todas as importantes observações recebidas e pelo companheirismo.

Agradeço a Helena Hirata pelas suas passagens no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. Ser sua aluna proporciona a qualquer um grande aprenzidado intelectual. Não fosse por ela, e pelo esforço de Nadya Araújo Guimarães, eu não teria conhecido importantes pesquisadoras e seus belos estudos sobre gênero e trabalho.

Tive a sorte de contar com uma excelente Banca de Qualificação. Agradeço Liliana Segnini e Suzanna Sochaczewski pela avaliação, que foi essencial para o desenvolvimento da pesquisa, pois ofereceu questões e alertas valiosos.

Obrigada a Paulo Rogers Ferreira pelas provocações intelectuais que me fizeram muito bem! Obrigada a Maíra Muhringer e Danilo França pela leitura e pelos comentários sobre a tese.

Foram quatro anos pensando nas manicuras e no trabalho delas, fazendo perguntas a quem quer que fosse sobre isso, e nos últimos meses recusando convites carinhosos e divertidos para entregar-me à companhia da escrita. Obrigada Sharlene Tavares Silva, Lara Damha, Diogo Oliva, Juliana Ventura de Souza Fernandes, Aline Banchieri, Danilo França, Virginia Ferreira, Francisco Veiga, Sandro Detoni, Natália Frizzo, Djalma Das Oliveira, Crisleine Yamaji, Graziela Henke e Leandro Siqueira, Erica Lippert, Carolina Gigek, Elizabeth Chen, Raquel Duaibs, Edgardo Alvarez Puga, Selvino Heck, pelas energias positivas, pela torcida, pela honra das suas amizades. Também aqui corro o risco de não haver mencionado outras pessoas importantes, e peço desculpas antecipadamente.

Viver um ano em Montréal foi uma experiência muito importante na minha vida e não teria sido maravilhosa se não fosse pela amizade e carinho de Amelie Nadeau, ma colocataire parfaite! Merci aussi a Anne Latemdresse, Catherine Rodriguez, Madeleine Delisle, Jorge Falah Luke, Yuki Isami, Alice C. H, Oskar Urbina, Olga Sola, Silvestre Neto, Maíra Diniz, Andressa Lage, Raphael Callou, Clara Pacheco, Juliana Trevas, Lissiene Neiva, Arthur Mesquita, e novamente a Grazi Henke, Elizabeth Chen e Carolina Gigek. Vocês deixaram saudades!

Lucinete Carvalho e Yvi Kervin foram fundamentais no bom andamento da pesquisa de campo em Montréal. Muito obrigada por terem sido tão gentis!

Regina Torres Freire, obrigada por manter “minha espinha ereta e meu coração tranquilo” por tantas vezes, até mesmo ajudando-me a encontrar manicuras para participar da pesquisa.

SUMÁRIO

A CONSUBSTANCIALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS EXPRESSA NO TRABALHO DE MANICURAR

  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • AGRADECIMENTOS
  • SUMÁRIO
  • APRESENTAÇÃO
    1. OS SERVIÇOS DE BELEZA PESSOAL E AS UNHAS
    • DADOS SOBRE A MÃO DE OBRA NOS SERVIÇOS DE EMBELEZAMENTO PESSOAL NO BRASIL
    • NEGÓCIO PARA IMIGRANTES
    • OS ESTUDOS SOBRE O SALÃO DE BELEZA
    • EMOÇÕES, CORPO E IMAGEM PESSOAL NO TRABALHO.....................................................
      • O trabalho emocional
      • Trabalho corporal
    • ESTUDOS SOBRE O TRABALHO NO SALÃO DE BELEZA
    • “MANICURES”, UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA.
      • A saúde segundo as manicuras entrevistadas
      • O trabalho emocional e os riscos à saúde.............................................................
    • COMENTÁRIOS GERAIS
    1. A PESQUISA E A FORMAÇÃO DE UM QUADRO DE ANÁLISE
      • Em busca de um quadro de análise para o serviço de manicure
    1. O EMPREGO DAS MANICURAS EM SALÕES DE BELEZA.
    • ESPAÇO
    • TEMPO
    • O SERVIÇO DE MANICURE NO QUÉBEC
    • TRABALHAR NA CASA DA CLIENTE
    1. A INTERAÇÃO PESSOAL COMO TRABALHO
    • AS INTERAÇÕES SOCIAIS DE SERVIÇOS
    • TIPOS DE INTERAÇÕES DE SERVIÇO
    • A INTERAÇÃO SOCIAL NO SALÃO DE BELEZA..................................................................
    • O GERENCIAMENTO DA INTERAÇÃO
    • A DEFINIÇÃO DA SITUAÇÃO E AS REGRAS DA INTERAÇÃO
    • O CONTATO ENTRE OS CORPOS
    • INTERAÇÕES DE RELAÇÕES E DE ENCONTROS COM NINGUÉM
    • QUEBRAS DE PROTOCOLO E INTIMIDADE
    • CARE E TRABALHO
    1. FAZENDO A VIDA FAZENDO UNHA
  • SER MANICURO
  • REFERÊNCIAS
    • IMAGENS EM MOVIMENTO (FILMES E PROGRAMAS DE TELEVISÃO)
    • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
    • ANEXOS
      1. ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA PARA MANICURAS E MANICUROS..............
    • TERMOS DE INFORMAÇÃO E CONSENTIMENTO
  • QUADRO DE MANICURAS ENTREVISTADAS

sensuais para a casa de homens ricos para que elas sejam suas manicuras e ganhem dinheiro dessa forma. O filme já mostra o início do cinema pornochanchada, tendência que dominou a produção nacional dos anos 1980.

No fim dos anos 1990, a manicura Babalu, interpretada por Letícia Spíller, na novela Quatro por Quatro , foi o personagem que deu fama à atriz. Babalu era moça pobre, muito sensual e desejada no seu bairro, de personalidade forte e engraçada, apaixonada por um mecânico que a traiu, e a quem ela jura vingança. Entre 2003 e 2004, na novela Celebridade, da mesma emissora, a manicura Jaqueline Joy (interpretada por Juliana Paes) é uma garota muito bonita, cujo sonho é ser famosa. Ela trabalha no mesmo salão que Darlene, interpretada por Debora Secco, uma manicura mais ambiciosa e agressiva no seu plano de ser famosa e conquistar um homem rico. Em 2008, Rakelly, manicura interpretada por Isis Valverde na novela Beleza Pura, é uma jovem muito bonita que trabalha no salão da mãe. A personagem é cômica com seus erros de vocabulário, sua maneira destrambelhada e pretensamente sensual de agir e pela sua paixão por um pedreiro. Com exceção de Debora Secco, todas as atrizes mencionadas ficaram famosas depois da interpretação das personagens citadas, que eram engraçadas, bonitas e fúteis.

Já no final dos anos 2000, parece ter havido mudanças nas características das personagens que trabalham em salões de beleza. Com a retomada da exibição do seriado “A Grande Família”, apareceu a manicura Bebel, uma jovem boa filha, apaixonada pelo marido, embora viva brigando com ele. Ela trabalha como manicura no salão de uma amiga da família, Marilda. Por fim, a aparição mais recente de uma personagem manicura em novelas da Globo foi em Avenida Brasil , exibida em 2012. Nela, um salão de beleza reúne um grupo de personagens em torno de Monalisa (interpretada por Heloísa Perissé), manicura de origem nordestina, que, com muito trabalho, e dispensando o dinheiro de Tufão (jogador de futebol bem sucedido), consegue montar seu próprio salão. Essa personagem é muito mais próxima da realidade das manicuras que entrevistei e, não por acaso, pertenceu a uma das novelas mais elogiadas pela crítica por ter retratado a chamada “classe C”, alcunha usada nos textos jornalísticos para

designar a grande quantidade de pessoas que passaram a ter poder de consumo nos últimos anos^3.

Durante 2010, o GNT, canal de televisão brasileira, pago, exibia um programa de televisão sobre o mundo do salão de beleza, o “Conversa de Salão”, às sextas-feiras, às 22h 4. O programa filmava mulheres em salões recebendo serviços de beleza e conversando. O assunto principal e mais frequente apresentado era o relacionamento amoroso entre heterossexuais. A partir do que se assistia nesse programa, o salão de beleza seria um lugar onde as mulheres vão para cuidar da aparência mas também para trocar conselhos sobre suas vidas amorosas. Em geral, as manicuras e cabeleireiras mostravam-se como mulheres que ouvem e aconselham, como se compartilhassem do mesmo mundo social da cliente. As experiências de cada uma sobre relacionamentos amorosos com homens tornavam-nas interlocutoras iguais, como se diferenças de classe social, capital escolar, e consequentemente, de capital simbólico^5 , fossem consideradas menores. Assim, o programa reforçava a ideia de que o salão de beleza é um tipo de arena de discussão do feminino, de afirmação de um tipo de feminilidade^6.

(^3) Conforme informa BBC Brasil - Notícias - ‘Avenida Brasil’ Reflete ‘Uma Classe C Que Quer Se Ver’”, publicação em 19/10/2012. (^4) Segundo informação do site do canal GNT, em 12/01/2012. Reprises eram exibidas em outros horários durante a semana. Hoje o programa está fora do ar (segundo o site , em 04/06/2012). (^5) As nocões de “capital escolar” e “capital simbólico”, derivadas de “capital social” são as propostas por Bourdieu para mostrar como as classes sociais existem não só no plano econômico mas também são afirmadas em luta num plano simbólico. O capital simbólico, comumente entendido como prestígio, é um conjunto de signos e práticas cotidianas que sinalizam o pertencimento a uma classe social. Sobre o capital simbólico como forma de distinção entre as classes sociais, ver Bourdieu (2013), onde se encontra a seguinte passagem: “Toda distribuição desigual de bens ou de serviços tende assim a ser percebida como sistema simbólico, ou seja, como sistema de marcas distintivas: distribuições como a dos automóveis, os lugares de residência, os esportes, os jogos de salão são, para a percepção comum, sistemas simbólicos em cujo interior cada prática (ou não prática) recebe um valor, e a soma dessas distribuições socialmente pertinentes desenha o sistema dos estilos de vida, sistema de separações diferenciais engendradas pelo gosto e por ele apreendidas como signos de bom ou mau gosto e ao mesmo tempo como títulos de nobreza capazes de gerar um lucro de distinção tão maior quanto maior for sua raridade distintiva, ou ainda como marca de infâmia” (p.111 – p.112). (^6) Segundo a explicação do próprio site do GNT, “Conversas de Salão” é uma “série documental sobre ser e se fazer mulher. Entre espelhos, jatos de água, esmalte, secadores e tinturas, o programa apresentará crônicas do universo feminino realizada a partir de encontros casuais entre personagens que frequentam salões de beleza. Cada episódio abordará um tema no qual todas as mulheres se reconhecem: o amor, a

de quem é servida, do ritmo do serviço, da garantia da continuidade daquela cena que não pode deixar de repetir-se.

Há convenções coletivas entre sindicatos de trabalhadores no setor de beleza que estabelecem um piso salarial para as manicuras^8. Está em curso a profissionalização desse serviço, que se originou do autocuidado em geral realizado pelas mulheres nelas mesmas, em familiares, em amigas ou na patroa – caso de muitas empregadas domésticas que se tornaram manicuras. Mesmo com a transformação desse autocuidado em embelezamento artístico, e com o surgimento de novas possibilidades de cores e texturas que tornam o serviço de manicure cada vez mais sofisticado, é bastante presente no senso comum, e mesmo entre as próprias manicuras, a ideia de que manicurar não é profissão, isto é, não permite uma carreira profissional com ganhos financeiros vantajosos e reconhecimento social. Isso ficou claro quando, no final das entrevistas, perguntei às manicuras^9 se gostariam que suas filhas ou filhos trabalhassem como elas.

Não. Porque eu quero que elas estudem. Tenham a profissão delas. Como que eu vou te explicar? Eu quero que elas estudem, que elas tenham mais oportunidade, entendeu? Porque eu comecei a estudar tarde. Eu não tive pai e mãe para me proporcionar estudo. Eu tive que pagar minha faculdade. Tive que ir atrás. Sempre teve interesse. E eu procuro proporcionar isso para elas. estudar, tempo para estudar. E eu quero que elas tenham uma outra profissão. (manicura Priscila)

Mas, ao mesmo tempo em que se vêem em baixa posição na hierarquia social das profissões, apontam que há uma mudança em curso na imagem da manicura, e não deixam de desejar a transformação desse status :

(^8) Atualmente o valor do salário de manicuras em convenção coletiva está em 926,14 reais para o município de São Paulo, de acordo com a informação disponível no site do Sindibeleza, em http://sindebeleza.g3wsites.com/convencoes-2/ , acesso em 27/05/ (^9) No segundo capítulo explicarei os procedimentos de pesquisa de campo. Dentre eles, houve entrevistas com manicuras.

Eu acho assim que as pessoas têm de mudar um pouco a visão em relação ao trabalho da manicura. Elas têm de mudar a visão. As pessoas gostam de tratar a manicure como um trabalho inferior. Na verdade não é. É um trabalho assim, digamos, menos remunerado do que o engenheiro, o médico, mas ele não é menos importante. Porque se eu vou até a cliente, é porque ela precisa do meu trabalho. Se a cliente vai até o médico, ela precisa. É uma via de duas mãos. Uma precisa da outra. Aquela hisória de que a manicura é fofoqueira, isso não existe mais. Mudou. Elas estão atualizadas. As manicuras de hoje que eu conheço, muitas sustentam suas casas. E têm salário muito maior do que uma pessoa que tem uma faculdade. Então eu acho que as pessoas, essas clientes, elas devem se atualizar em relação a essa profissão. Porque eu conheço uma manicura no Brasil, que eu me inspirei nela para trabalhar aqui. Porque eu sempre prestava atenção quando ela tirava cutícula. Achava interessante. Sempre gostei do trabalho dela. E ela conquistou tudo com esse trabalho. Ganhando muito mais do que eu que estava sentada numa mesa de secretária executiva. Ela comprou a casa dela. Ela comprou o carro dela. Ela sustentava a família dela. Ela pagou os estudos do filho dela. (manicura Priscila)

Quais caminhos estão disponíveis às manicuras para conquistarem algum reconhecimento social da importância de seu trabalho? Algumas sustentaram uma fachada profissional durante as entrevistas, citando cursos e esforços contínuos de aperfeiçoamento, procurando ressaltar que manicurar é uma técnica, uma arte com conhecimentos específicos.

São abundantes os cursos para manicure, vendidos não somente por escolas privadas, mas também oferecidos por órgãos públicos de recolocação profissional. Não é difícil encontrar reportagens que divulguem a profissão como uma saída para o desemprego e a exclusão social. O crescimento do setor de beleza tem feito o serviço de manicure aparecer como uma atividade promissora e assim cresce o mercado da “venda” de cursos.

Desde que iniciamos esta pesquisa, em 2010, encontramos diversas escolas que oferecem cursos de manicure e pedicure. Em geral, duram de dois a três meses, com