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O resumo de um caso judicial ocorrido na cidade de araguari, minas gerais, durante a década de 1930, envolvendo os irmãos sebastião naves e joaquim rosa naves, acusados de homicídio. O advogado joão alamy filho defendeu-os em dois julgamentos, mas as decisões favoráveis foram indeferidas pela polícia. O documento analisa as contradições do processo e os eventos relacionados à perseguição sem sentido, destacando o erro judiciário como um ponto chave do caso. Além disso, o texto discute a confissão mediante ameaça e tortura, o uso ilícito de provas forjadas, a ausência de corpo de delito e das réus, e as práticas justificadas na sentença de pronúncia.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
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Guilherme Marchiori de Assis: Doutorando em História do Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Resumo: O suposto crime que deu início ao processo criminal dos irmãos Sebastião Naves e Joaquim Rosa Naves ocorreu na comarca de Araguari/MG, durante o período do Estado-Novo. Os irmãos foram inquiridos pelo delegado-tenente Francisco Vieira dos Santos, sendo acusados pela morte do primo da esposa de Sebastião, Salvina Olina de Jesus, cujo nome era Benedito Pereira Caetano. Este desaparecera levando consigo noventa e dois mil contos de réis, sacados de um banco local. Durante a investigação policial, nenhum vestígio do crime fora encontrado: nem o cadáver, tampouco o dinheiro, supostamente roubado. Sob tortura, violência e privação de liberdade, os irmãos confessaram o crime de latrocínio. O advogado João Alamy Filho os defendeu, mas todas as decisões favoráveis para a soltura dos acusados decididas pelo juiz de Uberlândia/MG não foram acatadas pela polícia. Condenados a cumprir uma pena de vinte e cinco anos e seis meses de reclusão, os dois irmãos foram postos em liberdade condicional. Joaquim faleceu num asilo e Sebastião reencontrou o “morto-vivo” em Nova Ponte/MG. Palavras-chave: Tortura; Erro judiciário; Humanidade da pena. Abstract: The alleged crime that began the criminal process of the brothers Sebastião Naves and Joaquim Rosa Naves occurred in the region of Araguari/MG during the period known as the New State. The brothers were tortured by the lieutenant Francisco Vieira dos Santos, witch accused them to be responsible for the death of the cousin of Sebastião's wife, Salvina Olina de Jesus, whose name was Benedito Pereira Caetano. This man disappeared taking with him ninety-two thousand contos de réis, withdrawn from a local bank. During the police investigation no trace of the crime had been found: neither the corpse nor the money, allegedly stolen. Under torture, violence and deprivation of liberty, the brothers confessed to the crime of robbery and murder. The lawyer João Alamy Filho defended them, but all the favorable decisions for the release of the defendants decided by the judge of Uberlândia/MG, were unfulfilled by the police. Joaquim died in an asylum and Sebastião reunited the "undead" in Nova Ponte/MG. He was sentenced to twenty-five years and six months' imprisonment. Keywords: Torture; Judicial error; Humanity of the imprisonment.
Considerações iniciais Para melhor compreender a dimensão dos fatos, do inquérito e dos posteriores julgamentos, dois pelo Tribunal do Júri (26 e 27 de agosto de 1938 e 21 de março de
E, por fim, verificar até que ponto a confissão está atrelada ao sujeito que a profere e em qual momento do processo penal é possível retratar-se. Como se verá, para os irmãos Naves essa possibilidade surge com o interrogatório realizado no primeiro julgamento mencionado. Todavia, no caso em tela, somente na análise do livramento condicional essa mudança factual ocorreu. O processo e o erro judiciário O referido Caso ocorreu na cidade de Araguari/MG (1937), em plena ditadura Vargas, quando os irmãos Sebastião Naves e Joaquim Rosa Naves foram indiciados pelo tenente Francisco Vieira dos Santos de terem sido os responsáveis pela morte do primo da esposa de Sebastião, Salvina Olina de Jesus, cujo nome era Benedito Pereira Caetano. Benedito desaparecera levando consigo noventa e dois mil contos de réis. Durante a investigação, nenhum vestígio do crime fora encontrado: nem o cadáver, tampouco o dinheiro. Sob tortura, violência e privação de liberdade, os irmãos confessaram o crime de latrocínio, crime que nunca existiu. O advogado João Alamy Filho os defendeu em dois júris, mas todas as decisões favoráveis para a soltura dos acusados foram indeferidas de plano pela polícia. O inquérito policial fora maculado pela tortura e tratamento degradante dos réus, testemunhas e de seus familiares, culminando em declarações controvertidas pela mente de um delegado-militar arbitrário. A opinião pública sensacionalista da época e pelo regime político em formação, em fase de investigação já havia julgado os réus, impondo- lhes uma pena sobre o corpo e mente, destruindo-lhes a identidade social e culminando no erro judiciário que viria, indubitavelmente (FOUCALT, 2003, p. 3 1). O militarismo da Ditadura Vargas (1937-1946) fora baseado num autoritarismo legiferante. Contudo, as arbitrariedades empreendidas no processo, ultrapassam as torturas e maus tratos dos acusados. A legislação penal do período tampouco auxiliava-os. Durante a fase inicial do processo criminal vigia a Constituição Federal de 1937, ou “polaca”, pois baseara-se no regime semi-facista polonês. Era a quarta Constituição do Brasil e a terceira da república de conteúdo pretensamente democrático. Será, no
entanto, uma carta outorgada e mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. Outra legislação que fora utilizada, denomina-se Consolidação das leis penais: Decreto 22.213 de 14 de dezembro de 1932. Era uma tentativa de reunir as leis penais vigentes ao tempo do Império e combinar essas mesmas leis com o Código Penal Republicano de
Fig 03. Autos do processo dos irmãos Naves, folhas 157 e 158 – primeiro volume. A tortura é utilizada pelo tenente e seus capangas para retirar a dignidade e a própria dignidade de Sebastião, fazendo com que seus atos tenham certa legitimidade, pugnando de Sebastião os malditos 90 contos. Levado à desértica região ao norte de Araguari, o tenente Vieira surra Sebastião até o limite do possível, vez que para o militar, o acusado saberia onde estava escondido a vultosa quantia. Dado como morto pelo tenente, Sebastião é ajudado pelo fazendeiro Zeca Pólvora e retorna após alguns dias de convalescência à delegacia, por conta própria. O ponto motivador de Sebastião é a prova de sua inocência e de sua família. Contudo, o que está por trás de todos esses fatos é a honra do homem surrado, enganado e diminuído. No dia 16 de abril de 1938 o escrivão Moisés Rodrigues Alves consigna nos autos que o réu Sebastião fora recapturado (Autos do processo dos irmãos Naves, folha 5 do segundo volume). Após a “recaptura” de Sebastião, termo usado nos autos, inicia-se o primeiro julgamento pelo Tribunal do Júri (páginas 40 a 59 do primeiro volume dos autos), nos dias 26 e 27 de junho de 1938. Para a acusação, movida pelo Promotor de Justiça Dr. Moisés Rodrigues Alves e pelo e o auxiliar de acusação Dr. Oswaldo Pieruccetti, não havia dúvida da existência de autoria e materialidade do crime, assim como não obstaram ao juiz em requerer a pena máxima aos réus, ou seja, trinta anos, por roubo, seguido de morte e ocultação de cadáver.
Importa salientar que em nenhum momento abordam as torturas sofridas pelos acusados durante o Inquérito Policial em suas peças acusatórias. No que diz respeito à defesa oral promovida pelo Dr. João Alamy Filho são necessárias algumas observações que transcendem o próprio julgamento. Cabe ressalvar a repentina aparição no dia 26 de junho de 1938 do Tenente Vieira ao julgamento, com o objetivo profícuo de interferir na liberdade de expressão que parecia transcorrer no julgamento. Essa aparição revela-se, contudo, de suma importância. Até o momento de sua entrada em plenário, o Dr João Alamy Filho partiu para uma defesa técnica, com análise das provas e dos supostos indícios, assim como a manipulação das testemunhas de acusação. De súbito, vendo ele o delegado militar, resolve modificar a linha de defesa, partindo para a análise das torturas realizadas contra a família dos irmãos Naves e deles próprios, insuflando nos jurados o sentimento de piedade ao próximo. Ora, a confissão era nula de pleno direito, obtida que fora por meio de tortura, ainda que justificada pelo juiz na pronúncia, como acima foi posto. Antes da réplica o juiz determinou a oitiva das testemunhas de acusação (6 ao todo) e da defesa (4 ao todo). Após a réplica da acusação e do assistente ocorreu a tréplica da defesa. A grande questão aqui é que o testemunho das pessoas arroladas pelo advogado, todas presas juntamente com os irmãos Naves na delegacia de Araguari, marcaram dolorosamente os autos, influindo no convencimento dos jurados. Até mesmo a testemunha de acusação Miguel Camarano afirma veementemente que a tortura como forma de obtenção da confissão dos acusados era do conhecimento geral do povo de Araguari e de usual utilização pela polícia. Como o processo foi instruído e julgado antes da promulgação do Código de Processo Penal de 03/10/1941, sob a égide da Consolidação das leis penais de 1932, a instrução do processo valorizava mais o debate da acusação e da defesa do que propriamente a oitava das testemunhas.
Foi relembrado pelo causídico aos juízes de segunda instância, a ausência do exame de corpo de delito, bem como as torturas e ausência de provas. Gritou nos autos a inocência dos réus, repetindo o que já havia feito largamente nas páginas anteriores. Importa relembrar que os réus confessaram sob tortura uma vez na delegacia de polícia, à exceção de sua mãe Ana Naves Rosa, porém se retrataram nos dois júris em que foram absolvidos, assim como o desrespeito do Tenente Vieira ao não cumprir o alvará de soltura dos acusados em dois habeas corpus impetrados pela defesa, conforme certidão nos autos, página 177 do primeiro volume e 128 do segundo volume. Sendo assim, ocorre a distribuição dos autos ao Procurador-Geral em 26 de outubro de 1938 exarando parecer no sentido de anular o julgamento pelo júri em 08/11/1938 pelo MM. Juiz não ter apresentado o quesito de autoria incerta^2 que na visão do Procurador- Geral era imperiosa ao caso (página 73 do segundo volume dos autos). No acórdão proferido em vinte e cinco de novembro de 1938 o Tribunal acolhe o parecer ministerial e anula o júri anteriormente feito (páginas 74 e 75 do segundo volume dos autos). Importa ressaltar que a própria lei 167/1936 não autorizava a anulação do júri, salvo quando o veredicto era estritamente contrário às provas dos autos ou quando não encontrava nenhum apoio nos mesmos. Não foi o que havia ocorrido, mas para o Tribunal de Apelação o parecer do Procurador-Geral era mais incisivo que o julgamento em si. Os autos retornam aos dois de fevereiro de 1939 para a Comarca de origem, retomando- se o trabalho do júri em 21 de março de 1939 pelo MM. Juiz Merolino Raimundo de Lima Corrêa. O Conselho de Sentença é selecionado no mesmo dia. Compareceram ao julgamento os réus que já haviam sido recolhidos à prisão, bem como o advogado de defesa Dr. João (^2) Autoria incerta no contexto específico do júri realizado em face dos irmãos Naves, refere-se à necessidade do juiz presidente do Tribunal do Júri indagar aos jurados se o suposto homicídio fora cometido por um agente desconhecido.
Alamy filho, o Dr. Promotor de Justiça adjunto e farmacêutico Moisés Rodrigues Alves e o auxiliar de acusação Dr. Oswaldo Pieruccetti (páginas 91 a 108 do segundo volume dos autos). É muito importante o testemunho da esposa de Joaquim, Antônia Rita de Jesus, porque esclarece a tortura sofrida por ela e sobre seu esposo e cunhado de uma forma distinta, ou seja, de alguém que não fora ré em nenhum momento do processo, mas mesmo assim sofreu agressões físicas e verbais. Vale lembrar que a mesma não prestou oitiva no primeiro julgamento pelo júri, por questões de saúde. Fig 04. Trecho da oitiva da esposa de Joaquim – Sra. Antonia Rita de Jesus (página 101 do segundo volume dos autos) A resposta dos jurados aos quesitos formulados pelo juiz presidente foi a mesma: 6 votos negando os fatos e 1 afirmando. A única diferença fora em relação ao primeiro quesito, referente à questão do roubo dos 92 mil contos de réis, onde os jurados votaram 4x2 em relação a Joaquim. Não obstante, a segunda absolvição, a acusação novamente recorre ao Tribunal de Apelação de Minas Gerais em 31 de março de 1939, agora subscrita somente pelo Dr. Moisés Rodrigues Alves, promotor adjunto. A nova questão trazida pelo recurso é pautada no delegado civil Dr. Ismael Nascimento à frente do inquérito. Para a acusação esse não teria competência técnica para apurar os fatos, além de ter posto em liberdade os acusados que teriam subtraído o dinheiro e desaparecido com os vestígios do crime (página 118 do segundo volume dos autos).
parecer da Procuradoria-Geral de Minhas Gerais de (páginas 129 a 131 do segundo volume). A anulação do julgamento pelo segundo júri, violou diretamente a soberania dos veredictos, e altera a formação de culpa dos acusados (PAINE, 2005). Ao atentar para uma possível nulidade, incoerente a nosso ver, deveria o tribunal ad quem remeter os autos ao Tribunal do Júri pela terceira vez. Houve uma violação à soberania dos veredictos, apenas prevista nominalmente na Constituição Federal de 1937. Considerações finais Feita uma análise do processo, é importante apresentar seu desfecho, conforme proposta. Diante da condenação proferida pelo Tribunal de Apelação, o Dr. João Alamy filho propõe a Revisão Criminal em vinte de janeiro de 1940, redigida na Penitenciária de Neves e subscrita pelos condenados (páginas 2 a 23 do terceiro volume dos autos). O advogado de defesa procura apontar os erros, nulidades e violências perpetradas contra os réus e suas famílias, bem como novas provas produzidas de ainda mais violências contra os réus na penitenciária com a justificação do juiz. Sendo assim, os autos são encaminhados para análise do Tribunal de Apelação. O julgamento do pedido de revisão criminal ocorreu em 14 de agosto de 1940 (páginas 26 e 27 do terceiro volume dos autos). Manteve-se a condenação, tendo em vista serem as confissões corroboradas pelas demais provas dos autos na visão dos julgadores, mesmo que tenham entendido ter havido as coações físicas e verbais contra os mesmos. Por fim, diminuem a pena anteriormente fixada para 16 anos e seis meses a ser cumprida na aludida penitenciária. Diante de todos os episódios aqui narrados os irmãos Naves rejeitam pedido de indulto ao Presidente Vargas em 18 de outubro de 1942, por se considerarem inocentes. O maior objetivo do indulto era a liberdade para poderem procurar e encontrar Benedito, mas não os absolvia. De qualquer sorte, fora protocolizado no Conselho Penitenciário a 25 de maio de 1943, Diário da Justiça 1ª S/P 25.026/42 nº 4596 (página 28 do terceiro volume dos autos).
Fig 05. Certidão exarada pelo Escrivão Gastão de Lima onde consta o pedido de indulto, mas oculta os motivos da rejeição. A motivação da rejeição do pedido de indulto posta acima, somente foi possível diante da obra escrita pelo Dr. João Alamy Filho, intitulada O caso dos irmãos Naves: o erro judiciário de Araguari, onde essa necessidade de demonstrar a inocência é explicitamente apontada (ALAMY, 1960, p. 332). Diante do comportamento exemplar dos condenados e parecer favorável do promotor de justiça, Dr. João Nascimento Godoy, o pedido de Livramento Condicional proposto pelo advogado de defesa é deferido pelo Conselho Penitenciário que resolve aprovar por unanimidade o livramento em 25 de maio de 1946. Os condenados cumpriam todos os requisitos do Código Penal de 1940, já em vigor, para terem direito ao benefício (página 28 do terceiro volume dos autos). Aos 25 de maio de 1948 morre o Tenente Vieira. Quase um ano após sua morte, esse tenente que brutalmente o torturou, humilhou e tolheu sua liberdade, Joaquim também vem a falecer, aos 28 de agosto de 1949 (página 32 do terceiro volume). Com a revisão criminal e análise dos autos, os irmãos são inocentados da morte de Benedito, que reaparece somente em 1952. O lapso temporal entre os julgamentos pelo Tribunal do Júri e o reaparecimento de Benedito em 1952 é horrivelmente longo e terrível para os acusados, que apenas com o aparecimento da suposta vítima conseguiram provar a inocência devida, Joaquim Naves post mortem.
OLIVEIRA FILHO, João de. Código de Processo Penal de Minas Gerais. São Paulo: Casa Duprat e Casa Mayença, 1927. PAINE, Thomas. Direitos do Homem : traduç ã o e textos adicionais Edson Bini. Bauru: Edipro, 2005.