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uma análise de Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos, Notas de estudo de Estilística

Resumo. Esta Monografia de Conclusão de Curso tem o intuito de explorar a obra Dois perdidos numa noite suja e analisar a forma estilística e literária pela ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Michelle87
Michelle87 🇧🇷

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara – SP
KLEITON FERREIRA DE OLIVEIRA
O retrato dramático da violência: uma análise de
Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos
ARARAQUARA – S.P.
2017
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Baixe uma análise de Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos e outras Notas de estudo em PDF para Estilística, somente na Docsity!

UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara – SP

KLEITON FERREIRA DE OLIVEIRA

O retrato dramático da violência: uma análise de

Dois perdidos numa noite suja , de Plínio Marcos

ARARAQUARA – S.P.

KLEITON FERREIRA DE OLIVEIRA

O retrato dramático da violência: uma análise de

Dois perdidos numa noite suja , de Plínio Marcos

Monografia de Conclusão de Curso (MCC), apresentado ao Conselho do curso de Letras da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras.

Orientadora: Profª Drª Silvia Beatriz Adoue

ARARAQUARA – S.P.

Aos meus professores de teatro, que fizeram com que eu encontrasse em mim a plenitude do amor por esta arte.

Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, à minha mãe Cleuza Pereira de Oliveira, que proporcionou e apoiou toda a minha vida universitária. Agradeço também à minha orientadora Silvia Beatriz Adoue, por me apresentar a obra de Plínio Marcos, por sua confiança em mim na realização deste trabalho e por sua amizade e compreensão.

Agradeço imensamente a todos os meus amigos que me proporcionaram enormes experiências e a coragem para caminhar pelos palcos de teatro. Eles alimentaram meu amor a esta arte, do mesmo jeito que a minha escolha pelo tema desta monografia, principalmente no que concerne à visão crítica da sociedade. Em especial, agradeço à Mayara Cardoso, grande amiga, que mesmo longe, sempre esteve perto para o que fosse preciso. E a Adrianny Torre, por me mostrar os mais sublimes passos de dança, que fazem parte da minha essência. Agradeço, nomeadamente, aos meus amigos do curso de Letras e, hoje em dia, do curso da vida. Juntos, fizemos uma graduação, estágios, festas e reuniões. Lutamos por melhores condições na universidade, por melhorias no curso e pela permanência estudantil. Deste modo, dedico estas palavras a Marília Guimarães, grande mulher com quem pude dar significado à palavra “companheirismo”, por nossa convivência dentro de casa há três anos. Isabela Salvino, que irradiou com seu astral os momentos mais difíceis da graduação. Mariana Fernandes, amiga que me inspirou para grandes planos e viagens. Rebeca Chibeni, que me proporcionou tantos sorrisos entusiasmados. Marco Túlio, que me encantou e me iniciou na poesia. Heitor Quimello, que me demonstrou tantas e variadas formas de expressão artística. Darlan Xavier, meu veterano, que abrilhantou meus dias com seu vasto conhecimento. E, para não perder a chance, agradeço também aos amigos com quem morei nos meus últimos dois anos de graduação, naquele lugar que, hoje em dia, eu chamo de lar: Alexandre (Charles), Alexandre (Fly), André (Rasta) e Andrey.

Não poderia deixar de agradecer, também, a todas as pessoas que de certo modo contribuíram para a minha formação artística, ponto de partida para a produção deste trabalho. Agradeço aos companheiros da moradia estudantil da UNESP e pela realização dos eventos culturais que proporcionaram tantas oportunidades de expressão. Dentre outros, agradeço aqui a Ayra Monteiro, Amanda Barbosa, Jô Antunes, Mayara

“A arte é uma magia; a gente aprende, mas ninguém ensina” Plínio Marcos

Resumo

Esta Monografia de Conclusão de Curso tem o intuito de explorar a obra Dois perdidos numa noite suja e analisar a forma estilística e literária pela qual Plínio Marcos representa a violência dentro do subúrbio. Após contextualizar o teatro de Plínio Marcos na dramaturgia brasileira, buscaremos compreender a irrupção da violência no horizonte psicológico das personagens, assim como em sua relação com o ambiente social em que se inserem, denominado neste trabalho de lugar marginal. Com base no modelo de análise dramática de Jean-Pierre Ryngaert, compreendemos o texto por meio do cenário, ambientação, diálogos e principalmente suas personagens, destrinchando, portanto, o enredo da peça. Assim, partirmos para a elucidação do contexto geográfico-social a que nos remete o enredo, tomando por base apontamentos sociológicos e psicanalíticos que exemplifiquem as ideias de violência sobre as quais discorremos.

Palavras chave: Plínio Marcos, teatro, violência, periferia, subúrbio.

SUMÁRIO

  • 1 INTRODUÇÃO
    1. O TEATRO DE PLÍNIO MARCOS
    1. ANÁLISE: DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA
    1. O RETRATO DRAMÁTICO DA VIOLÊNCIA
  • 4.1 O lugar marginal
  • 4.2 A violência e sua irrupção
    1. CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. Introdução

O teatro tem sua essência na tríade ator, texto e público. Para Anatol Rosenfeld, só existe teatro quando há a metamorfose do texto pelo ator em uma encenação. Portanto, é necessário tomar a consciência de que o texto dramático não é, por si próprio, teatro, mas objeto da literatura. E, como literatura, constitui suas significâncias pelo modo estilístico com que o texto foi produzido. O texto dramático tem o objetivo de representar, o que o torna, muitas vezes, arte transformável. Para além de ser uma arte icônica (2000, p. 21). Plínio Marcos, dramaturgo e parte essencial deste trabalho, além de autor e artista, era um assíduo manifestante de suas posições políticas. E seria por meio de seu teatro que ele iria destrinchar não apenas os seus, mas os sentimentos de muitos em relação à nossa sociedade. É possível enxergar de longe o caráter crítico em sua obra e fomentar diversas discussões que pairam sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. Nesta monografia, analisamos como o autor retrata a violência, tão presente em seus textos e em nossa realidade. E, também, analisamos as personagens, mais especificamente o caráter revoltoso que elas revelam por sua exclusão de um circuito social ativo. Abordar a violência é pôr em pauta questionamentos sobre sua fundamentação. Neste estudo, estará em foco como a violência emerge e se expande dentro de um contexto específico que é o da marginalidade social. Observamos como o texto dramático de Plínio consegue ilustrar, por sua escrita singular, a ambientação suburbana, a exploração do trabalho, a miséria social e, por consequência, a deflagração da violência. Sendo o teatro não apenas entretenimento, mas um propiciador de reflexões, ideologias e até mesmo da catarse – que para Aristóteles seria a purgação da alma –, encontramos a potencialidade que há na dramaturgia de Plínio em Dois perdidos numa noite suja. Uma obra de riquezas notórias na perspectiva dramática, assim como sua particularidade literária, desde a elaboração de seus discursos até o desenvolvimento de seu enredo.

Por meio de premissas sociológicas e algumas ponderações psicanalíticas, desenvolveremos uma análise dos conflitos presentes na peça em comparação com

2. O teatro de Plínio Marcos

Plínio Marcos de Barros, nascido na cidade de Santos no Estado de São Paulo, foi ator, palhaço, autor, jornalista e um homem de ideias fortes. Trouxe para o cenário do teatro brasileiro da sua época composições cênicas viscerais, nas quais o predomínio textual eram os palavrões e os diálogos concisos. Criou peças que exploravam as deficiências tanto da sociedade quanto da humanidade. Em textos vazados em linguajar popular, principalmente no que se refere a gírias e expressões de baixo calão, Plínio adentrou em discussões pertinentes em relação às classes sociais, sexualidade, marginalidade e violência:

À sua maneira, questionava as bases da sociedade, colocando, na boca de cada personagem, discursos que apontam para o exercício da democracia, da cidadania e da justiça. Assim, sua linguagem revela os conflitos das classes que estão à margem, de que resulta um caráter de autêntica denúncia contra as forças opressoras que permeiam o universo marginal e que implicam a desvalorização do indivíduo. (ENEDINO, 2002, p. 19)

Sua estética superava o naturalismo em si, articulava o caráter dramático, quase trágico, à verossimilhança dos fatos em seus textos. Wagner Corsino Enedino diz que "não se pode negar que suas personagens são marcadas por influências do meio, seja pelo microcosmo em que se movem, seja pelo macrocosmo de quem fazem parte" (2002, p. 20). Estas personagens estão imersas, muitas vezes, dentro de um inferno no cotidiano; o dramaturgo enredava, na maioria dos casos, os dilemas de uma "estranha humanidade", como discerne Décio de Almeida Prado, personalidades marcadas pelas "prostitutas de terceira categoria, desocupados, cáftens, garçons homossexuais", que até então não faziam parte do imaginário dramático para a representação do povo nos palcos (2008, p.103). Acima de tudo, seu grande êxito literário estava na aspereza da linguagem, que se expressa pela revolta dos excluídos e marginalizados:

É verdade, todavia, que o estilo naturalista, na medida em que são observados seus limites e limitações, não permite ao autor ultrapassar o horizonte fechado de personagens quase sempre primitivas. Só elas podem manifestar-se e essa manifestação pode articular somente de forma obscura seu mundo opaco. Desse modo, o autor naturalista se veda a possibilidade de uma interpretação mais profunda da realidade e de um jogo mais livre da imaginação. Mas o talento de Plínio Marcos é suficientemente rico para, ainda assim, sugerir as

iniquidades da sociedade mais ampla ao apresentar os males e as misérias de suas existências marginais. (ROSENFELD,2000, p. 150) Um de seus textos de grande destaque e sucesso é Dois perdidos numa noite suja

- objeto de estudo neste trabalho. Numa trama que envolve apenas duas personagens dentro de um quarto, Plínio vai dilacerando as camadas psicológicas e sociais a cada cena escrita: "a economia verbal, representada pelo mínimo de palavras que as personagens balbuciam ou vomitam, intensifica a relação dramática, num ritmo bem equilibrado de clímax e relaxamento" (MAGALDI, 1998, p. 208). Como num jogo entre gato e rato, Tonho e Paco, as únicas personagens, duelam continuamente entre golpes físicos ou ataques verbais, revelando assim, ao leitor, a intensidade de suas posições, que vez ou outra são trocadas pelo manejo textual de Plínio. Na peça, Tonho e Paco são díspares porque representam culturas diferentes. O primeiro é proveniente de uma família tradicional, afeita a valores morais e éticos. Possui escolaridade básica e intenção de progredir socialmente. O segundo é ex- morador de um reformatório, não conheceu o pai, vivia como andarilho pelas ruas e não tem estudos. Com tais peculiaridades, ambas as personagens serão flagradas num convívio incinerado dentro de um cômodo. Sob o pretexto de um par de sapatos, as personagens se destruirão cena a cena, movidas pela decadência de suas realidades, até culminar na formulação e execução de crimes:

Plínio não injeta teoria sociológica na ficção. Mas está implícito que, na sociedade injusta em que se digladiam, Tonho e Paco não têm perspectiva normal. Quando se recusa ao indivíduo o mínimo de dignidade para sobreviver, está-se obviamente impelindo-o para o crime. Sob esse prisma, Dois Perdidos fixa, em microcosmo, aquilo a que os donos do poder estão condenando o Brasil inteiro. (MAGALDI, 1998, p. 218)

Escrita no período ditatorial (1966), assim como outras peças deste autor, Dois perdidos numa noite suja mostra toda a atmosfera opressora da época. O desalento, a individualização e principalmente a agressão denotam os valores dominantes naquele período histórico. Deste modo, Plínio traduz em sua peça "a inquietação, a perplexidade, os limites de seres divididos, enredados nas malhas dos interesses impostos por um mundo de mitos socioeconômicos e de decadência moral, que sufocam a autenticidade e a dignidade, gerando a angústia de viver" (ENEDINO, 2002, p. 20).

3. Análise de Dois perdidos numa noite suja

A peça que estudamos é um retrato dramático, cru e explícito da precariedade e dos limites da sanidade humana nos subúrbios das cidades. Seu texto possui uma linguagem simples, mas visceral, repleto de palavrões e gírias, o que produz uma grande verossimilhança nos diálogos, predominantemente curtos. Dividido em dois atos, sendo o primeiro repartido em cinco quadros, o enredo inteiro, como descreve o autor, se passa em um “quarto de hospedaria de última categoria”. Uma espécie de limbo, onde se observam apenas duas personagens: o protagonista Tonho e o antagonista Paco. Dois sujeitos de personalidades e histórias distintas que se encontram na mesma situação que inspira o próprio título da obra. Inspirado no conto de Alberto Moravia, Terror em Roma (2002) , Plínio “partiu da ideia do ficcionista, com o objetivo de realizar um texto que lhe permitisse excursionar pelo interior” de suas personagens (MAGALDI, p. 215). Ele traz os aspectos mais truculentos do submundo da sociedade, vemos as multifacetadas emoções que compõem o psicológico das personagens e as consequências trágicas que as mazelas do capitalismo provocam. Plínio exprime a mudança gradativa de Tonho e Paco – quando expostos ao limite de suas faculdades mentais – que interseccionam posições, primeiramente opostas na história, até culminarem na troca definitiva de suas personalidades. Ao mesmo tempo em que se enquadra como uma fotografia sensacionalista, a realidade banal da periferia é atravessada por discussões no que tange à necessidade de emprego, à opressão, ao machismo e à criminalidade – esta que desenha, sutilmente, o seu princípio no desespero pela mudança. Deste modo, dá o protagonismo aos marginalizados, provocando o leitor ou espectador a se colocar no lugar de seus protagonistas e questionar o sistema injusto e desigual que vivenciam. Assim, as personagens ganham acepção em seu caráter fictício, para além dos arquétipos propostos, mas também como uma alegórica insatisfação com o lugar subalterno na sociedade, onde não lhes resta mais nada a não ser a revolta:

Em vez de propósitos revolucionários, ou de uma encantadora ingenuidade, revelavam em cena um rancor e um ressentimento que, embora de possível origem econômica, não se voltavam contra os poderosos, por eles mal entrevistos, mas contra os seus próprios companheiros de infortúnio. Nessa luta áspera, cotidiana, a agressão verbal, o palavrão (usado se possível com certo requinte de maldade),

valia alguns pontos. A agressão física, muitos pontos. (PRADO, p.

Plínio circunscreve sua peça numa atmosfera strindberguiana, numa dramaturgia subjetiva, na qual a ação é substituída pelo perfil psicológico dos indivíduos retratados. As autobiografias de cada um dos dois, Tonho e Paco, sobrepõem-se ao diálogo, que por sistema expressa perspectivas egocêntricas e ataques pessoais contínuos, numa ritmada e estática moldura dramática:

A dramaturgia subjetiva leva (...) à substituição da unidade da ação pela unidade do eu. (...) As diferentes cenas não estão em uma relação causal, não engendram, como no drama, umas às outras. Antes, elas parecem pedras isoladas, enfileiradas no fio da progressão do eu. O caráter estático e a ausência de futuro das cenas, (...), relacionam-se com sua estrutura, determinada pela contraposição perspectiva do eu no mundo. A cena dramática extrai sua dinâmica da dialética. (SZONDI, p.60)

As cenas são como pedaços estilhaçados de cada dia na pavorosa situação das personagens. E em seu segundo ato, a intermitência da mudança não apenas os aprisiona dentro de seus dilemas como culmina num trágico rompante de ódio. A violência é a resposta de Tonho e Paco para o tortuoso convívio com o fracasso. E é, também, a pincelada bruta na pintura de uma tragédia moderna.

Enredo

Na cronologia real da peça, deduzida das menções presentes nos diálogos, é possível compreender todos os fatos ocorridos para além do que se passa dentro do quarto. Assim, sabemos que Tonho, após se formar no ginásio, saiu de sua cidade natal atrás de uma oportunidade de emprego, uma vez que onde vivia não havia mais trabalho. Como não tinha muito dinheiro, arrumou um trabalho informal no mercado e acabou por dividir um quarto com Paco. Este, por sua vez, sempre ganhou a vida tocando flauta pelas ruas, inclusive um par de sapatos novos que, no entanto, eram maiores que seus pés. Porém, certo dia sua flauta é roubada, o que o obriga a conseguir dinheiro de outro modo. Deste jeito vai trabalhar no mesmo lugar ao qual depois viria Tonho, assim como dividirá o quarto com ele.

Intriga

Como afirma Ryngaert (1996, p. 63), "fazer aparecer a intriga de uma peça consiste em colocar-se no núcleo da ficção e desenredar-lhe os fios para desnudar sua mecânica subjacente". Salvo que a intriga geralmente é dada em variadas camadas, os conflitos entre personagens estão ligados "à construção dos acontecimentos, a suas relações de causalidade, quando o enredo considera apenas uma sucessão temporal dos fatos.” O ponto de partida da peça é o desentendimento entre Tonho e Paco acerca da gaita que o segundo toca. Aqui é perceptível logo no início que a relação entre os dois não é nada agradável; é insuportável, exatamente como o som que Paco produz com o seu instrumento. Ao aprofundarmos esta cena inicial, é possível perceber que a insatisfação dos dois, principalmente a de Tonho, não é devida ao fato de a gaita ser ou não assoprada, mas à condição em que os dois estão. A individualidade se expressa pelo egocentrismo presente em ambos e pela falta de entendimento entre eles. A comunicação não flui, o discurso não enreda:

TONHO - Você não escuta a gente falar? PACO (CALMO) - Oi, você está ai? TONHO – Estou aqui para dormir. PACO – E dai? Quer que eu toque uma canção de ninar? TONHO – Quero que você não faça barulho. PACO – Puxa! Por que? TONHO – Porque eu quero dormir. PACO – Ainda é cedo. TONHO – Mas eu já quero dormir. PACO – E eu, tocar. (MARCOS, 79, p.12)

Como se estivessem presos dentro de um ringue, neste primeiro quadro se faz a pintura de um duelo entre duas bestas por um motivo irrisório. Já no segundo quadro, somos apresentados à primeira peripécia, que consiste no fato de Tonho ter feito um trabalho que seria de Negrão - um personagem apenas mencionado pelos protagonistas - , o que o irritou ao ponto de querer se vingar de Tonho. Paco, desta vez, parece se importar com Tonho ao alertá-lo sobre o caso; no entanto, em uma relação conflituosa como a dos dois, não há companheirismo, apenas a constatação do conflito. A gaita passa para o segundo plano, quando a vez na cena é a suposta ameaça que Tonho recebeu.

No terceiro quadro, vemos que a resolução de Tonho para o seu problema acarretou em outro: o fato de Tonho dividir o dinheiro do serviço com Negrão acarretará, adverte Paco, a sua submissão perante o segundo. Tonho não tem escapatória a não ser sair desse lugar, uma vez que ganhava pouco e se não pagasse Negrão acabaria sofrendo consequências. Neste quadro fica evidente que tanto Tonho quanto Paco querem mudar de vida; percebemos dois pontos de vista: Paco toca a gaita com o intuito de aprender e poder ganhar dinheiro com isso, enquanto Tonho quer um par de sapatos novos para conseguir um novo emprego. Os dois, desta vez, conseguem escutar um ao outro, pois a partir do cerco de Negrão, em que está envolvido Tonho, fica nítido que ninguém ali está blindado numa situação de opressão como esta. No quarto e quinto quadros entramos para um conflito moral, que seria a possibilidade da execução de um crime. Para Tonho, roubar um par de sapatos é a solução imediata para o seu problema, uma vez que, em sua imaginação, isso seria essencial para conseguir um novo emprego. E para Paco é a maneira de comprar uma flauta nova. No entanto, a ideia de roubar, por mais que pareça a solução mais fácil, é o que aflige Tonho. Já Paco não se preocupa com a ideia; na verdade, ao contrário, entusiasma-se ao ponto de sugerir violentar uma mulher ao assaltá-la. Tonho apresenta princípios morais que o impedem de concordar com tal ato e novamente os dois voltam a discordar:

TONHO – Não gosto disso. Só vou entrar nessa porque não vejo outro jeito de me arrumar. Se não fosse aquele maldito negrão, eu acabava me ajeitando à custa de trabalho. Também, se der certo, não me meto em outra, pode crer. PACO – Chega de ficar ai chorando como uma múmia. Vamos apanhar logo o trouxa. TONHO – Devagar com o andor. PACO – Devagar, nada. Vamos firme, que não tem mosquito. TONHO – É preciso bolar o plano. (...) TONHO – Nós vamos assaltar um casal de namorados. PACO – Até ai legal. TONHO – É o que tem de mais fácil. A gente fica em um lugar escuro, os namorados vão ali bolinar, a gente ataca. (...) TONHO – Entendeu a jogada? PACO – Estou inteirinho por dentro. A gente limpa o sujeito, espanta ele e passa a mulher na cara. TONHO – Ei! Nada disso! PACO – Não morei nessa. TONHO – Nada de fazer maldade com a moça. PACO – Mas que maldade, seu?