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Análise Sociosemiótica do Amor na Obra 'O Paraíso São Os Outros' de Valter Hugo Mãe, Notas de aula de Literatura

Uma análise sociosemiótica da representação do amor na obra 'o paraíso são os outros' de valter hugo mãe, utilizando a perspectiva da linguística sistêmico-funcional e da gramática do design visual. O autor busca entender como as representações textuais e imagens trabalham juntas para construir o significado da obra, enfatizando a importância da interação entre linguagem e contexto social e cultural.

O que você vai aprender

  • Quais são as implicações da análise para a compreensão da obra?
  • Como as representações do amor variam entre texto e imagens?
  • Qual é a perspectiva teórica utilizada na análise do texto?
  • Como as representações textuais e imagens trabalham juntas na obra?
  • Quais são as funções da linguagem utilizadas na análise?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Wanderlei
Wanderlei 🇧🇷

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ARTÍCULO
Representações do amor em “O paraíso são
os outros” de Valter Hugo Mãe: um olhar
sociossemiótico para a literatura infantojuvenil
Representations of love in Valter Hugo Mãe novels
“O paraíso são os outros”: a sociosemiotic approach
to childrens literature
ODETE FIRMINO ALHADAS SALGADO
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio
Brasil
Recibido: 12 de enero de 2018 | Aceptado: 18 de mayo de 2018
VOL. 18 1 2018
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ARTÍCULO

Representações do amor em “O paraíso são

os outros” de Valter Hugo Mãe: um olhar

sociossemiótico para a literatura infantojuvenil

Representations of love in Valter Hugo Mãe novel’s

“O paraíso são os outros”: a sociosemiotic approach

to children’s literature

ODETE FIRMINO ALHADAS SALGADO

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio

Brasil

Recibido: 12 de enero de 2018 | Aceptado: 18 de mayo de 2018

VOL. 18  1  2018

RALED

Representações do amor em “O paraíso são os outros” de Valter Hugo Mãe...

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RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar as representações do amor em “O paraíso são os outros”, último romance do escritor português Valter Hugo Mãe dedicado ao público infantojuvenil. No Brasil, a obra foi publicada pela Editora Cosac Naify com as ilustrações do artista plástico Nino Cais, que também serão observadas. O aporte teórico se alinha com uma perspectiva sociossemiótica, utilizando o embasamento da Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday e Matthiessen 2004) e da Gramática do Design Visual (Kress e van Leeuwen 1996; 2006) a partir de uma metodologia qualitativa de trabalho com texto e imagem. Os resultados desta análise sugerem que as represen- tações criadas pelas imagens não estão em harmonia com as representações propostas pelo texto, reforçando estereótipos de um ideal de família e de amor romântico.

PALABRAS CLAVE: Literatura infantojuvenil, O paraíso são os outros, Valter Hugo Mãe, Linguís- tica sistémico-funcional, Multimodalidad.

PALAVRAS CHAVE: Literatura infantojuvenil, O paraíso são os outros, Valter Hugo Mãe, Linguís- tica Sistêmico-Funcional, Multimodalidade.

RESUMEN

El propósito de este trabajo es analizar las representaciones de amor en “O paraíso são os outros” última novela del escritor portugués Valter Hugo Mãe dedicada a los niños y el público adolescente. En Brasil, la obra fue publicada por la Editora Cosac Naify con las ilustraciones del artista plástico Nino Cais, que también serán observadas. El aporte teórico se alinea con una perspectiva sociose- miótica, utilizando el fundamento de la Lingüística Sistémico-Funcional (Halliday y Matthiessen

  1. y de la gramática del diseño visual (Kress y van Leeuwen 1996; 2006) a partir de una meto- dología cualitativa de trabajo con texto y la imagen. Los resultados de este análisis sugieren que las representaciones creadas por las imágenes no están en armonía con las representaciones propuestas por el texto, reforzando estereotipos de un ideal de familia y de amor romántico.

ABSTRACT

This article aims to analyze the representations of love in “O paraíso são os outros”, the last novel of the Portuguese writer Valter Hugo Mãe dedicated to children and young. In Brazil, Cosac Naify published the book with illustrations by the plastic artist Nino Cais, which also will be observed. The theoretical approach combines ideas from Systemic-Functional Linguistics (Halliday and Mat- thiessen 2004) and the Grammar of Visual Design (Kress and van Leeuwen 1996; 2006), aligned with a sociosemiotic perspective and using a methodological paradigm from qualitative research to analyze text and image. The results of this analysis suggest that the representations created by

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Introdução: um olhar para a literatura infantojuvenil 26

Na atualidade, escrever para crianças e jovens parece, muitas vezes, uma tarefa desafiadora. Um dos grandes impasses, em meu entendimento, é vencer o mito de que este não é um público leitor, quando, na verdade, crianças e jovens representam uma grande parcela desse grupo. Sendo assim, a literatura infantojuvenil, doravante LIJ, quase sempre é relegada a um patamar de marginalidade ou de literatura menor (Lajolo e Zilberman 2007: 10; Oliveira 2014: 11). Entretanto, Lajolo e Zilberman (2007: 09) mostram que a produção de livros para crianças se transformou em um dos segmentos economicamente mais relevantes da indústria editorial brasi- leira nos últimos anos, integrando muitos currículos universitários e tornando-se objeto de teses, congressos e seminários (Lajolo e Zilberman 2007: 09). Isso se deve, em parte, ao caráter didático ou educativo assumido pela LIJ. Segundo Oliveira (2014: 30):

Na elaboração da literatura voltada para o público infantojuvenil pode ser entrevisto um pro- pósito educacional, com objetivo de instruir e/ou transmitir valores. Assim, a LIJ, além de pertencer ao sistema literário, também transita pelo sistema sócioeducacional, tendo então como funções a educação e socialização de crianças e jovens, e ainda entretenimento e diver- são. (Oliveira 2014: 31)

Contudo, além desse caráter educativo, qual a especificidade de uma obra para que ela seja classi- ficada LIJ? Segundo Oliveira (2014, p. 30), é considerada uma obra de LIJ aquelas cujo público alvo são crianças e jovens. Oliveira (2014, p. 30), frisa que essa característica não deve ser atribuída às obras lidas por crianças e jovens, mas sim às obras que são elaboradas e publicadas especialmen- te para esse público. (Oliveira 2014: 30). Para Lajolo e Zilberman (2007: 10), por sua vez, a LIJ se define mais pela natureza peculiar de sua circulação do que por determinados procedimentos internos e estruturais alojados em obras dedicadas a crianças. Todavia, as autoras acreditam que al- guns elementos internos, como as ilustrações, parecem delinear as feições de uma obra de natureza infantil. (Lajolo e Zilberman 2007: 10). Nesse contexto, minha proposta é analisar a obra “O paraíso são os outros”, último romance do escritor português Valter Hugo Mãe dedicado ao público infantojuvenil. O escritor foi vence- dor do Prêmio Literário José Saramago em 2007 com a obra “O remorso de Baltazar Serapião” e do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2012 com o título “A máquina de fazer espanhóis”, ambos para o público não infantil. Lajolo e Zilberman (2007: 11) sugerem que o trânsito livre de autores de literatura não infantil que vêm-se dedicando à escrita de textos para crianças mostra a importância que a produção literária infantil tem assumido em termos de mercado e de oportuni- dade para a profissionalização do escritor. Em “O paraíso são os outros”, Valter Hugo Mãe se propõe a revisitar um dos temas mais em- blemáticos da humanidade, o amor, em uma história curta, de 18 capítulos, narrados pelas digres- sões de uma jovem narradora. No Brasil, o livro foi publicado pela editora Cosac Naify, contando com as ilustrações de Nino Cais que também serão analisadas, visto que tanto a linguagem verbal quanto as imagens são partes fundamentais para as representações criadas na obra. Penso que, no âmbito da literatura infantil, as ilustrações são essenciais para a construção de sentidos, realçando a experiência promovida pela palavra.

Odete Alhadas:

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Desde a origem dos contos de fadas, em que as narrativas orais eram contadas para as crianças 27

usando a expressão facial e o próprio corpo, é possível observar que a LIJ se utiliza de vários modos no processo de significação da obra. Neste sentido, livros destinados a crianças e jovens vêm-se constituindo como objeto multimodal, em que diferentes semioses são combinadas a favor de um maior potencial comunicativo. Sendo assim, assumo uma perspectiva sociossemiótica, considerando que texto e imagem, en- quanto modos de significar, são semioses construídas socialmente. Os significados construídos pelo autor em seu discurso literário^1 estão intimamente ligados ao contexto de produção e circulação da obra, ou seja, texto e imagem ganham sentido em seu ambiente social. Neste trabalho, portanto, busco o embasamento teórico da Linguística Sistêmico-Funcional, doravante LSF, (Halliday e Ma- tthiessen 2004) para a análise das representações textuais, visto que essa teoria concebe a linguagem como um sistema de construção de significados (Halliday 1994). Para a análise das imagens, utilizo a Gramática do Design Visual, doravante GDV, (Kress e van Leeuwen 1996; 2006), que adapta conceitos da Gramática Sistêmico-Funcional, doravante GSF, para a linguagem visual, com vistas a informar a análise de textos multimodais (Oliveira 2006: 533). De acordo com Nascimento, Bezerra e Heberle (2011: 532), as imagens, assim como a lin- guagem verbal, devem ser entendidas enquanto um sistema semiótico, ou seja, como um conjunto de signos socialmente compartilhados e regidos por determinados princípios e regularidades, utili- zado para representar experiências e negociar nossas relações interpessoais (Nascimento, Bezerra e Heberle 2011: 532). A partir de minha leitura de “O paraíso são os outros”, que motivou em primeira instância esta análise, pude observar a ausência de estudos sobre a obra, seja no campo dos estudos literários ou dos estudos da linguagem, o que torna relevante esta investigação. Além disso, penso que este estudo se justifica pela importância de uma visão crítica da LIJ, observando como recursos multi- modais podem contribuir para um olhar mais aprofundado para o texto literário, ultrapassando o simples consumo do texto e a leitura superficial (Cosson 2014: 47).

1. Uma perspectiva sociossemiótica

Uma perspectiva sociossemiótica preocupa-se com os significados sociais construídos por meio das diversas semioses, observando como se dá a construção de sentidos em seu contexto. Segundo Maroun (2006: 46), estudos em semiótica social procuram englobar diferentes modos de repre- sentação em um campo mais abrangente do que o até então chamado de língua. Ainda, de acordo com a autora (2006: 46):

1 Compreendo o termo “discurso literário” não como a designação do fenômeno literário, mas como a produção de significados que abrange questões ideológicas, contextuais e a própria materialidade do texto literário do autor. Desse modo, discurso literário é uma prática social que constrói representações e relações em uma mensagem textualmente organizada.

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função Ideacional e do seu sistema de Transitividade; o significado interpessoal (estabelecimento 29

e manutenção das relações sociais), na Metafunção Interpessoal e no seu sistema de Modo; e o significado textual (organização das mensagens), por meio da Metafunção Textual e do seu Sistema de Tema e Rema. Neste trabalho, minha análise pretende lançar luz sobre as representações do amor na obra “O paraíso são os outros” de Valter Hugo Mãe. Sendo assim, me deterei a explicitar, em maior detalhe, a Metafunção Ideacional, que corresponde, como disse acima, às representações e construções dos significados da experiência do mundo, i.e., constituem um modo de representar a realidade por meio da língua. Halliday e Matthiessen (2004) compreendem que a linguagem tem a capacidade de criar sig- nificados de nossa experiência e a oração é o meio pelo qual isso se materializa, uma vez que nela se encontram os processos, os participantes e as circunstâncias que codificam a representação do mundo por meio da linguagem. Nesse caso, a oração assume um papel central, porque ela incorpo- ra um princípio geral para modelar a experiência – o princípio de que a realidade é constituída de processos, pois ela é basicamente sobre o evento ou estado no qual os participantes estão envolvidos (Thompson 2004: 87). Sendo assim, por meio do Sistema de Transitividade podemos identificar que ações e ativi- dades são representadas no discurso e que realidade está sendo retratada, por intermédio de três componentes básicos: os participantes do discurso (agentes ou pacientes afetados), os processos (tipos de verbos) e as circunstâncias (advérbios ou locuções adverbiais). Esse sistema é composto por seis tipos de processos, representados por um espaço semiótico arredondado que sugere uma ideia de continuidade, isto é, apesar da existência de processos prototípicos, as fronteiras entre eles não significam categorias rígidas (Halliday e Matthiessen 2004). Por uma questão de espaço, expli- citarei esse sistema e seus processos de forma mais detalhada ao longo da análise, quando necessário. Com base nos estudos de Halliday, outras teorias foram desenvolvidas, como a GDV (Kress e van Leeuwen 1996; 2006). Os estudos de Kress se alinham a uma perspectiva sociossemiótica, pois observam os sistemas semióticos em sua relação com as diversas práticas sociais (Balloco, 2005, p. 67). De acordo com Kress et al (1997: 270 apud Balloco 2005: 65), “a linguagem sozinha não é mais suficiente como foco de atenção para aqueles ingressados na construção e reconstrução social do significado”. Segundo os autores (Kress et al 1997: 270), é preciso analisar a forma como a linguagem e os elementos visuais se articulam em um texto, funcionando como ancoragem para leituras ideologicamente marcadas (Balloco 2005: 65). Kress e van Leeuwen (1996; 2006) adaptaram as funções da linguagem verbal descritas por Halliday (1994) e Halliday e Matthiessen (2004), com vistas a informar a análise de textos mul- timodais. Tanto a linguagem verbal como a visual permitem construir representações de mundo (função representacional ligada à Metafunção Ideacional), atribuir papéis aos participantes repre- sentados – pessoas, objetos, instituições – e estabelecer diferentes relações entre os participantes no texto, bem como entre esses e o leitor (função interativa ligada à Metafunção Interpessoal), e ainda organizar esses sentidos na forma de um todo que entendemos por texto (função composicional ligada à Metafunção Textual) (Nascimento, Bezerra e Heberle 2011: 533; Novellino 2011: 84). Quanto à capacidade de representar a experiência, foco desta análise da obra “O paraíso são os outros”, Novellino (2007: 54) mostra que a função representacional é obtida nas imagens por meio dos participantes representados que podem ser pessoas, objetos ou lugares. Segundo a au-

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tora (Novellino 2007: 55), os participantes podem estabelecer uma relação entre si no que Kress 30

e van Leeuwen chamam de representações narrativas, nas quais esses participantes se engajam em eventos e ações. As representações narrativas constroem a experiência como um evento que se desencadeia no espaço e no tempo, ou seja, retratam participantes realizando ações sobre outros participantes ou envolvidos em acontecimentos. Essas representações podem ser realizadas por quatro tipos de processos também apresentados de forma ampliada na análise: (i) processos de ação; (ii) processos de reação; (iii) processos mentais; e (iv) processos verbais (Nascimento, Bezerra e Heberle 2011: 534-535). Além disso, os participantes também podem ser mostrados de maneira mais geral, ou concei- tual. Nesse caso, eles não são representados executando ações, mas como sendo algo, significando alguma coisa, fazendo parte de uma categoria ou apresentando certas características ou compo- nentes (Novellino 2007: 55). Ou seja, nesse tipo de representação são evidenciadas características individuais, identidades, ou traços compartilhados com outros participantes, que nos permitem percebê-los enquanto membros de um grupo. Essas representações podem ser realizadas por três tipos de processos: (i) processos classificatórios; (ii) analíticos; ou (iii) simbólicos (Nascimento, Bezerra e Heberle 2011: 536-537). É importante reforçar que análises desse cunho podem contribuir para um maior desenvolvi- mento de possibilidades interpretativas críticas da LIJ, observando como texto e imagem trabalham em conjunto na construção de sentidos. Segundo Kress (1998: 21 apud Heberle e Constanty 2016: 106), um texto, qualquer texto, é um microcosmo do mundo social no qual ele foi produzido. Dessa forma, ao olhar para as representações do amor, tema da obra “O paraíso são os outros”, é possível lançar um olhar crítico e reflexivo para a LIJ, observando como essas representações estão intimamente ligadas com o contexto de produção e de circulação da obra, assim como o contexto mais amplo, entendido como contexto de cultura (Halliday 1994; Halliday e Matthiessen 2004). Na próxima seção, após essa breve explanação teórica que embasa minha análise, passo à metodo- logia e análise dos dados.

2. O amor em “O paraíso são os outros”: passos metodológicos e análise dos

dados

Como disse anteriormente, minha primeira motivação para trabalhar com a obra “O paraíso são os outros” de Valter Hugo Mãe aconteceu durante minha leitura, quando atentei para as possíveis representações criadas pelo texto e pela imagem, e, posteriormente, quando busquei por artigos acadêmicos que já tivessem detido-se nesta tarefa de análise. Com alguma surpresa, não encontrei trabalhos que tratem da obra direcionada ao público infantojuvenil do autor que já publica livros classificados como LIJ desde 2009. O objetivo de analisar as representações do amor advém da temática da obra. A narrado- ra, uma menina, investiga o comportamento de casais, descrevendo o que significa o sentimento amoroso para ela. Percebi, ao longo da leitura dos 18 pequenos capítulos, que as representações do amor, na obra, estão relacionadas ao termo “casal(is)”. Sendo assim, para observar a parte textual do livro, seleciono trechos em que aparecem as palavras “amor” e “casal(is)” a fim de exemplificar

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Nesse sentido, é preciso reiterar que esta análise não busca uma verdade única ou definitiva e 32

se pauta nas minhas próprias interpretações sobre a obra com base no arcabouço teórico da LSF (Halliday 1994; Halliday e Matthiessen 2004) e da GDV (Kress e van Leeuwen 1996; 2006). Tendo isso em mente, os passos seguidos para a análise da obra selecionada estão baseados em uma metodologia de trabalho de base qualitativa e interpretativista (Denzin e Lincoln 2006):

  1. Leitura da obra e percepção da relevância do trabalho, visto a ausência de estudos da obra do autor Valter Hugo Mãe destinadas ao público infantojuvenil;
  2. Seleção dos trechos textuais, a partir dos vocábulos “amor” e “casal(is), a serem analisados em 10 dos 18 capítulos do livro;
  3. Análise das representações textuais do amor na obra com base na LSF (Halliday 1994; Halli- day e Matthiessen 2004);
  4. Análise das representações do amornas 5 imagens que compõem a obra com base na GDV (Kress e van Leeuwen 1996; 2006);
  5. Discussão sobre as implicações para a LIJ, no âmbito pedagógico ou não, das representações criadas pela obra em seu contexto de circulação e produção.

Sendo assim, passo, a seguir, para a análise e discussão das representações do amor nas diferentes semioses presentes na obra.

2.1 O amor nas letras de Valter Hugo Mãe

Como mostrei acima, no arcabouço teórico da LSF, as representações do mundo são expressas pela Metafunção Ideacional, com seu Sistema de Transitividade. Diferentemente da descrição gra- matical tradicional, nesse sistema, o falante/escritor constrói representações por meio da escolha de um número tangível de tipos de processos, ou seja, de elementos verbais. Dentro do Sistema de Transitividade, cada proposição consiste de três elementos: o processo, seus participantes e as circunstâncias. Esses elementos permitem analisar “quem faz o quê”, “a quem” e “em que circuns- tâncias” (Salgado 2014: 31). Existem múltiplos tipos de ações e atividades que se desenrolam e acontecem no mundo e, ain- da, diversas formas de representá-las linguisticamente. Contudo, as gramáticas das línguas naturais organizam essas múltiplas formas de representação em um número reduzido de tipos de processos (Salgado 2014: 34). Halliday e Matthiessen (2004) elencam seis tipos de processos que compõem o Sistema de Transitividade: (i) material, processos do fazer, relacionados a ações do mundo físico; (ii) mental, processos de sentir, relacionados à representação do mundo interior, da experiência interna; (iii) relacional, processos de ser, ter e permanecer; (iv) verbal, processos de dizer; (v) comportamen- tal, processos que expressam comportamentos físicos e psicológicos; e (vi) existencial, processos de haver, existir e ter (em português brasileiro). Em relação às representações do amor no modo textual da obra de Valter Hugo Mãe, encon- trei um número notável de processos existenciais. Esses processos representam que algo existe ou acontece, possuindo apenas um único participante: o existente. Em “O paraíso são os outros”, o

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autor parece lançar mãos desses processos para dar maior naturalidade a existência de casais. Como 33

já mencionei anteriormente, em todo o livro, fica latente que a concepção do amor está fortemente relacionada com a formação de casais. Observando o contexto mais amplo de produção da obra, na concepção da Halliday (1994), o contexto de cultura, é preciso lembrar que os casais são formados a partir de uma instituição social denominada, em nossa sociedade, de casamento. Sendo assim, acredito que o autor escolheu esses processos, em detrimento de outros, na tentativa de suavizar ou naturalizar um acontecimento ou uma instituição que é social. Em outras palavras, o amor poderia ser retratado como um sentimen- to, ligado à emoção. Contudo, ao remeter à instituição do casamento, não se pode desprender da prática social que forma nossa cultura. É interessante notar, ainda nos processos existenciais, que o autor naturaliza também a forma- ção de casais de diferentes gêneros sociais ( casais de mulher com homem, de homem com homem e outros de mulher com mulher). Isso também é reiterado por meio dos processos relacio- nais, como veremos abaixo (Alguns casais de bicho também são de pinguim homem com pinguim homem, ou golfinho mulher com golfinho mulher). No contexto da LIJ, penso que os sentidos criados pelo autor são pertinentes, visto que, em um tempo de grande preconceito e luta de mino- rias, é importante mostrar a crianças e jovens que o amor entre pessoas é um sentimento inerente ao ser humano. No quadro 1, abaixo, elenco os exemplos do uso do processo existencial no texto.

“Reparei que desde pequena que os adultos vivem muito em casais. Mesmo que nem sempre sejam óbvios, porque algumas pessoas têm par mas andam avulsas como as solteiras, casais de mulher com homem, de homem com homem e outros de mulher com mulher”. (Capí- tulo 1).

casais que se conhecem num transporte público, numa praça ou no trabalho e ficam. Fi- cam casais, quero dizer”. (Capítulo 7).

casais que vivem num inferno, mas isso está errado. Pertencer a um casal tem que ser uma coisa boa”. (Capítulo 14).

casais que ficam sem ar, como quem andou a carregar tijolos”. (Capítulo 18).

QUADRO 1

Exemplo de processos existenciais na obra “O paraíso são os outros” | Fonte: a autora

O amor me parece um sentimento ligado aos processos mentais, do desejo, do querer, mostrando a experiência daquilo que se sente. Contudo, o autor escolheu representá-lo por meio dos proces- sos relacionais, que aparecem em maior número no texto. Os relacionais são processos de ser, ter e permanecer. Esses processos são aqueles que estabelecem e constroem relações, identificando ou classificando as entidades, ou seja, esses processos têm a capacidade de construir experiências do mundo exterior ou interior em uma relação de ser. Em “O paraíso são os outros”, Valter Hugo Mãe utiliza os processos relacionais, em meu entendimento, de forma a identificar o que é o amor ou os casais (O amor é um sentimento que não obedece nem se garante / Os casais são isso: gente muito perto) e, ainda, atribuir qualidades

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Os processos materiais são os processos do fazer, relacionados a ações do mundo físico. Esse pro- 35

cesso pode ser representado pelos verbos “fazer”, “acontecer”, “nadar”, “comprar”, entre outros, e seus participantes principais são o ator e a meta. O ator é aquele que realiza a ação e a meta é o participante para quem o processo é direcionado, i.e., é o afetado pela ação. No caso da obra em análise, a única ocorrência de um processo material é na oração “O amor constrói ”. (Capítulo 1), na qual o “amor” é o ator do processo material criativo intransitivo “constrói”. Esse processo cria uma ideia de que o amor, além de ser e de existir, faz alguma coisa no mundo. Os processos mentais, por sua vez, são processos de sentir, relacionados à representação do mundo interior, da experiência interna. Esses processos mostram a construção da consciência do falante/escritor, por meio de suas reações mentais, de seus pensamentos, sentimentos e percepções. Halliday e Matthiessen (2004, p. 208-210) dividem esses processos em quatro subtipos: processos mentais de cognição, relacionados à decisão e compreensão; processos mentais de percepção, rela- cionados à observação de fenômenos; processos mentais de afeição, relacionados aos sentimentos; e processos mentais de desejo. Como já expus, tratando-se do amor, um sentimento abstrato, é possível supor encontrar, ao longo do texto, inúmeros exemplos de processos mentais. Entretanto, em minha interpretação, apenas uma oração possui um processo mental: “Apenas doenças fazem mães e pais perderem o amor”. (Capítulo 6). Considerando que o amor não é algo material, tangível, e que se possa perder, de fato, o processo “per- derem” reflete um fenômeno (processo de percepção) que é sentido pelo experienciador “mães e pais”.

2.2 O amor nas imagens de Nino Cais

De acordo com Lajolo e Zilberman (2007: 10), uma vez que a literatura infantil se destina a crianças e se acredita na qualidade dos desenhos como elemento a mais para reforçar a história e a atração que o livro pode exercer sobre os pequenos leitores, fica patente a importância da ilustração nas obras a eles dirigidas. Além disso, segundo Kress (2004), escrever não é a mesma coisa que descrever com uma imagem. Para o autor (Kress 2004), ainda, cada modo nos obriga a certos tipos de compromisso com o significado criado, intencional ou não. A escolha do modo tem profundos efeitos sobre o significado, e designers de livros didáticos, por exemplo, precisam estar cientes de tais efeitos de significado de diferentes modos (Kress 2004). Tendo isso em mente, passo a análise das imagens que compõem a obra “O paraíso são os outros”. A obra em questão é ilustrada por 5 imagens fruto da obra do artista plástico Nino Cais. As imagens são uma composição de fotografias antigas de casamentos, na maioria com dedicatórias para familiares, com pedras sintéticas coloridas que cobrem o rosto das pessoas retratadas. É interes- sante mencionar que o trabalho de Nino Cais não foi feito especialmente para a obra de Hugo Mãe, mas é parte de uma série anterior chamada “Falsos Brilhantes”. A parceria para a edição brasileira de “O paraíso são os outros” surgiu após uma visita do escritor ao ateliê do artista. Em relação às representações criadas pelas imagens, Kress e van Leeuwen (1996; 2006) nos mostram que a função representacional é responsável pela natureza dos acontecimentos, pelos par- ticipantes e circunstâncias envolvidas. Como expus anteriormente, nessa função é possível catego- rizar as imagens em narrativa ou conceitual. Enquanto as imagens narrativas apresentam “ações e eventos de desdobramento, processos de mudança”, as conceituais representam “participantes em

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termos de sua essência mais generalizada e mais ou menos estável e atemporal, em termos de classe, 36

estrutura ou significado” (Kress e van Leeuwen 2006: 79). Sendo assim, nas 5 imagens incluídas na obra em análise, é possível observar imagens con- ceituais, nas quais os participantes são mostrados de maneira geral. Nesse caso, eles não são repre- sentados executando alguma ação, mas significando alguma coisa. Nas fotografias antigas, vemos a representação de noivos, uma mulher e um homem, criando significações que remetem ao casa- mento, prática social ligada à união amorosa em nossa sociedade.

IMAGEM 2

Ilustração da obra “O paraíso são os outros”. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/literatura/livro-procura-falar-de- -amor-com-simplicidade-desconcertante-c8i60u9ijhnm974gby7elhnqu Acesso em: 20 fev. 2017.

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Considerações finais 38

O ato da leitura, segundo Cosson (2014: 27), implica troca de sentidos entre escritor e leitor, e com a sociedade em que ambos estão localizados, pois os sentidos são o resultado do compartilha- mento de visões de mundo do homem situado historicamente no tempo e no espaço. Para o autor (Cosson, 2014: 40), ainda, ler é uma prática social, é uma interação entre autor e leitor mediada pelo texto. Sendo assim, os significados criados pelo escritor/artista plástico não estão colados ao texto de forma estanque, mas são construídos em sua interação com o leitor, inserido em determinada sociedade. Interpretar um texto é negociar o sentido, por isso se faz necessário um olhar crítico para obras literárias, que empodere leitores para ler o que está além do texto e da imagem. De acordo com Kress, empoderamento é “dar condições aos indivíduos de interpretarem os signos, portanto, os significados produzidos numa interação, e assim terem condições de modificar esses significados, reelaborando-os” (Novellino 2011: 77). É latente, portanto, a importância de se considerar como outros recursos semióticos, além da linguagem verbal, se inter-relacionam em textos. Para Nascimento, Bezerra e Heberle (2011: 532), é necessário olhar para essas diferentes semioses, visto que a realidade vivenciada, na sociedade contemporânea, por nós, e por nossos alunos no âmbito pedagógico, exige ações pedagógicas que estimulem o desenvolvimento da competência comunicativa multimodal (Nascimento, Bezerra e Heberle 2011: 532). Sendo assim, penso que esta análise serve para realçar como questões ideoló- gicas, relações de poder, questões de gênero, raça e etnia, por exemplo, são, muitas vezes, naturali- zadas em algumas obras. Essas questões devem ser trazidas à tona e discutidas para a formação de leitores críticos.

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