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Um olhar sobre a abordagem educacional de Reggio Emilia1, Resumos de Arquitetura

Mas nada se compara com a possibilidade de ir à Reggio Emilia e ver de perto as escolas de lá, a arquitetura, o ambiente, a documentação, as interações, a ...

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aquarela
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Paidéia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc . e da S aú., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 7 n. 8 p. 55-80 jan./jun. 2010
Um olhar sobre a
abordagem educacional
de Reggio Emilia1
al e s s a n d R a la ta l i s a d e sá*
Há tempos venho me aproximando e me apropriando da abordagem educacional
desenvolvida nos centros de infância e pré-escolas de Reggio Emilia por meio
de leituras, debates, trocas de relatos, experiências e imagens. Mas nada se
compara com a possibilidade de ir à Reggio Emilia e ver de perto as escolas de
lá, a arquitetura, o ambiente, a documentação, as interações, a movimentação
dos educadores, a coerência, a estética e a beleza deste trabalho. neste artigo,
apresento parte dessa vivência, apoiando-me nas anotações das palestras, nas
observações e nas imagens registradas nessa viagem, bem como os estudos
realizados sobre a abordagem educacional de lá. Inicialmente, faço breve apre-
sentação geográfica e histórica da região de Reggio Emilia e a contextualização
da origem de suas escolas; em seguida, apresento o percurso dessas escolas
e a organização no atendimento às crianças; posteriormente, caracterizo alguns
pontos principais da abordagem educacional de Reggio Emilia; e, por fim, exponho
alguns dos aspectos observados nas visitas guiadas à Scuola nido Salvador
Allende e à Scuola Dell’infanzia comunale Paulo Freire.
Palavras-chave: Abordagem educacional. criança. Educação Infantil. Infância.
Linguagens. Projetos.
Resumo
* Doutora em Educação pela FaE/UFMG. Pedagoga. Professora do Curso de Pedagogia da FCH/FUMEC. Coordenadora
da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho-BH.
1 Este artigo é resultado da palestra que proferi no Seminário Temático do curso de Pedagogia, intitulado Abordagem
Reggio Emilia (Itália) e proposições curriculares para educação infantil em BH: um debate possível, realizado no dia 28
de março de 2009, na Universidade FUMEC, o qual também contou com palestra ministrada pela professora convidada
Mayrce Terezinha da Silva Freitas, pedagoga e gerente de coordenação da Educação Infantil da Secretaria Municipal
de Educação de Belo Horizonte (SMED/BH), que apresentou a experiência de parceria entre a SMED/BH e uma ONG
de Reggio Emila.
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Um olhar sobre a

abordagem educacional

de Reggio Emilia

alessandRa latalisa de sá

Há tempos venho me aproximando e me apropriando da abordagem educacional desenvolvida nos centros de infância e pré-escolas de Reggio Emilia por meio de leituras, debates, trocas de relatos, experiências e imagens. Mas nada se compara com a possibilidade de ir à Reggio Emilia e ver de perto as escolas de lá, a arquitetura, o ambiente, a documentação, as interações, a movimentação dos educadores, a coerência, a estética e a beleza deste trabalho. neste artigo, apresento parte dessa vivência, apoiando-me nas anotações das palestras, nas observações e nas imagens registradas nessa viagem, bem como os estudos realizados sobre a abordagem educacional de lá. Inicialmente, faço breve apre- sentação geográfica e histórica da região de Reggio Emilia e a contextualização da origem de suas escolas; em seguida, apresento o percurso dessas escolas e a organização no atendimento às crianças; posteriormente, caracterizo alguns pontos principais da abordagem educacional de Reggio Emilia; e, por fim, exponho alguns dos aspectos observados nas visitas guiadas à Scuola nido Salvador Allende e à Scuola Dell’infanzia comunale Paulo Freire. Palavras-chave: Abordagem educacional. criança. Educação Infantil. Infância. Linguagens. Projetos.

Resumo

  • (^) Doutora em Educação pela FaE/UFMG. Pedagoga. Professora do Curso de Pedagogia da FCH/FUMEC. Coordenadora da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho-BH. (^1) Este artigo é resultado da palestra que proferi no Seminário Temático do curso de Pedagogia, intitulado Abordagem Reggio Emilia (Itália) e proposições curriculares para educação infantil em BH : um debate possível , realizado no dia 28 de março de 2009, na Universidade FUMEC, o qual também contou com palestra ministrada pela professora convidada Mayrce Terezinha da Silva Freitas, pedagoga e gerente de coordenação da Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED/BH), que apresentou a experiência de parceria entre a SMED/BH e uma ONG de Reggio Emila.

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Alessandra Latalisa de Sá

Introdução

Na Escola Balão Vermelho, seguimos, há vários anos, estu- dando e criando alternativas didáticas baseadas na abordagem educacional de Reggio Emilia. Como deve ser, ancoramo-nos em nosso contexto, em nossa história pedagógica para renovar e criar novas possibilidades, num processo contínuo e singular de exploração, pesquisa e experimentação; portanto não se trata de uma transposição direta, e, sim, de um esforço intenso e coletivo de interpretação e criação, visto que temos diferenças sociocul- turais e institucionais. De 23 a 27 de fevereiro deste ano, em Reggio Emilia, na Itália, participei do grupo de estudos denominado “Diálogo sobre a edu- cação”, organizado por RedSOLARE 2 para a América Latina. Es- tiveram lá cerca de 40 participantes, entre mexicanos, argentinos, colombianos e brasileiros, estudando, debatendo, encantando-se, participando daquela experiência. Foi surpreendente estar em Reggio Emilia, acompanhando o trabalho inspirado na obra pedagógica de Loris Malaguzzi 3 e as atividades pedagógicas dos centros de infância e pré-escolas daquela municipalidade – antes vistos por meio de leituras, de- bates, trocas de relatos, experiências e imagens. Nas escolas de lá, a arquitetura, o ambiente, a documentação, as interações e a movimentação dos educadores evidenciam, com coerência, estética e beleza, a abordagem educacional. Neste artigo, apresento parte do que vivenciei. Para isso, conto com as anotações que fiz das palestras 4 , as observações e as imagens registradas e os estudos realizados na Escola Balão Vermelho. Antes, porém, faço uma breve apresentação geográfica e histórica da região de Reggio Emilia e a contextualização da ori- gem de suas escolas; o percurso dessas escolas e a organização no atendimento às crianças; a caracterização de alguns pontos

(^2) A RedSOLARE é uma rede latino-americana que facilita e apoia a comunicação, a cola- boração e o intercâmbio de informações e expe- riências em defesa e promoção do potencial e dos direitos de meninos e meninas. É inspirada na obra pedagógica de Loris Malaguzzi e nas experiências dos centros de infância e pré-escolas da municipalidade de Reggio Emilia, Itália. Atualmente há represen- tantes da Red no México, no Brasil, no Peru, na Colômbia, na Argentina, no Uruguai, no Chile, no Paraguai e na República Dominicana. (Cf. Re- deSOLARE. Disponível em:<www.redsolare- brasil.com.br>. Acesso em: 21 jan. 2010)

(^3) Pedagogo e psicólogo italiano, fundador e prin- cipal responsável pela abordagem educacional Reggio Emilia. Dedicou sua vida à construção de uma experiência edu- cativa de qualidade.

(^4) Principalmente das se- guintes palestras: Cara- cterísticas pedagógicas da experiência dos cen- tros e escolas de infân- cia da municipalidade de Reggio Emilia , por Tiziana Filippini, pedago- gista; Formas arquitetô- nicas e administrativas: o público e o privado na experiência educativa , por Sandra Piccinini, presidente da Instituição das escolas e centros de infância; A pedagogia da escuta , por Carla Rinaldi, pedagogista e presidente de Reggio Children. Para melhor compreensão da língua italiana, hou- ve tradução simultânea durante toda a semana de estudo, inclusive nas visitas às escolas.

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Atraído pelo projeto educativo, Loris Malaguzzi seguiu para Villa Cella e se encantou com tal experiência. Novas escolas foram construídas, todas operadas por pais e com o auxílio do Comitê Nacional para Libertação. Por meio desse processo de construção e ampliação das escolas, o maior ensinamento que os pais pas- saram a seus filhos foi a possibilidade de reconstrução com base nas ruínas e no sentido de coletividade e união para se alcançar um objetivo. Portanto, a escola de Reggio Emilia é inovadora também porque os pais dos alunos fazem parte dela; porque os eventos são organizados pelas famílias, professores e alunos, objetivando a integração e a coletividade; porque constitui uma continuidade do lar; e por causa da crescente intensificação do seu papel so- ciocultural naquela sociedade. Após permanecer por sete anos em Villa Cella, Malaguzzi (1999, p. 60) deixou para trás a cidade e a crítica a uma escola operada pelo Estado, a qual adere a uma “[...] estúpida e intolerável indife- rença para com as crianças, à sua atenção oportunista e obse- quiosa para com a autoridade e à sua esperteza autoaproveitadora, empurrando um conhecimento pré-embalado”.

O percurso das escolas em Reggio Emilia

à época em que Malaguzzi começou a acompanhar de perto a construção desse projeto educativo, os professores eram formados pelas escolas católicas e eram muito receptivos à ideia de ensinar as crianças enquanto eles mesmos aprendiam. Nesse quadro, a perspectiva que emerge é a de aprender por meio da escuta, marcada pela disposição do professor em aprender enquanto en- sina. A finalidade era que o educador aprendesse com a criança a dar aulas, mediante seu esforço em compreender a lógica de aprendizagem dela, e, a partir daí, a pensar alternativas eficientes

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para ajudá-la a continuar aprendendo. Nesse sentido, houve uma inversão de posição com relação ao detentor do saber, atribuindo mais valor ao conhecimento da criança. Reggio Emilia é uma escola em contínua mudança, que se propõe a repensar-se e reconstruir-se constantemente; que con- sidera fundamental a interação entre sistema de escolarização e o mundo da família, de modo integrado e participativo; que ressalta a centralidade da criança no processo educativo, mas também a integração com os professores e as famílias. Por natureza, é uma escola inovadora, na qual criança, professor e família se relacionam de modo integrado e coletivo. Inicialmente, um grande desafio enfrentado foi o de lidar com o distanciamento entre a língua italiana oficial e o dialeto local, falado pelas crianças. Concretamente, configurou-se a necessidade de ajuda dos pais, embora a parceria estivesse na base do projeto educativo, e tal desafio o fortaleceu: juntos descobriram um modo de trabalhar cooperativamente, rompendo, definitivamente, com os padrões tradicionais de educação. Em 1963, foi inaugurada a primeira escola municipal dirigida para crianças pequenas, Robinson Crusoé, a qual nasceu da demanda clara das mulheres, que, no período pós-guerra, começando a trabalhar, precisavam de um lugar para deixar seus filhos. Movimentaram-se contra o sistema assistencialista vigente naquela época e lutaram por uma escola de qualidade, livre das tendências à caridade e às discriminações. Houve, então, a ruptura com o monopólio que a Igreja Católica exercia sobre a educação nos primeiros anos de vida das crianças. Foi nessa época que as famílias começaram a ver diferentes pos- sibilidades para a educação, o que também motivou a fundação de crescente número de escolas em Reggio Emilia. No entanto, tal movimento não escapou às críticas, vindas, principalmente, das escolas católicas. Como forma de resposta e, ao mesmo tempo, de fortalecimento da proposta, Malaguzzi (1999) trouxe os críticos

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municipais e 10 cooperativas. Com esse número, obtém-se nível alto de escolaridade, atendendo 40% das crianças até 3 anos e 94% de 3 a 6 anos. Segundo o autor, esse resultado indica resposta positiva sobre os serviços educacionais oferecidos. Nessas instituições, o número de alunos por escola é estável. Nas escolas denominadas Asilo Nido, que recebem crianças de 3 meses a 3 anos, são atendidas 70 crianças, distribuídas em quatro grupos de idade (seções), denominados Lactantes, Pequenos, Médios (pequenos e médios) e Grandes. As escolas da infância, que atendem crianças de 3 a 6 anos, também recebem 70 crianças, distribuídas em três ou quatro grupos de idade (seções): Peque- nos, Médios (pequenos e médios) e Grandes. O número de profissionais por criança também é estável, sendo, no Nido, 1 adulto para 7 crianças e, na escola da infância, 1 adulto para 13 crianças. A estabilidade numérica no atendimento edu- cacional é norma da região, sendo estável também a quantidade de profissionais que trabalham nessas escolas, os quais são distribuídos da seguinte maneira:

  • onze professores (dois para cada seção);
  • um professor com tempo longo (para atender as crianças de famílias que necessitam buscar seus filhos após as 16 horas);
  • um pedagogista 10 ;
  • um atelierista^11 ;
  • uma cozinheira (participa de forma ativa, atua como formadora por elaborar a dieta das crianças);
  • três auxiliares (ajudam as cozinheiras e a limpeza);
  • três auxiliares (trabalham à noite na limpeza completa e na manutenção da escola).

O tempo de trabalho é distribuído em atendimento às crianças e em encontros semanais da equipe, totalizando 36 horas por semana. Dessas, 30 são com as crianças e 6 horas são dedicadas

(^10) Representa a função do coordenar pedagógico, atuando como consultor, facilitador e coordenador de diversas pré-escolas e creches.

(^11) Professor, na maioria das vezes, com for- mação em Educação Artística, encarregado do ateliê. Auxilia no desenvolvimento, na documentação e na cir- culação de ideias entre os professores.

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à formação profissional junto com os colegas, elaboração dos projetos e didática, preparação de encontros com os pais para socialização dos projetos e do desenvolvimento do trabalho e para elaboração da documentação pedagógica.

Principais características da abordagem educacional de Reggio Emilia

Imagem da criança e pedagogia da escuta

Segundo Fillipini (2009), a escola é vista como espaço de vida, acredita no potencial das crianças e tem dela uma imagem po- sitiva: “Cada um de nós tem o direito de ser protagonista, de ter papel ativo na aprendizagem na relação com os outros. Esse é o motor da educação”. Nessa abordagem educacional, a relação ensino-aprendizagem não tem um sentido único. São diferentes saberes que se esta- belecem por relação de reciprocidade e pelos quais se tenta com- preender quem é a criança, a família e como todos podem trabalhar juntos em prol do saber. Escutar as crianças ocupa centralidade nesse trabalho pedagógico^12. Trata-se de uma escuta recíproca, por meio da qual se interpretam significados. Nesse sentido, o valor atribuído ao diálogo e a atenção a ele dirigida não são improviso, pois, para esses educadores, as competências da criança se desen- volvem e são ativadas pela experiência na qualidade da interação; consequentemente, quanto mais se vê a criança como competente, mais competente devem ser a professora e a escola. Portanto, trata- se de uma educação baseada no relacionamento e na participação por meio de redes de comunicação e de encontros entre crianças, professores e pais. De acordo com Malaguzzi (1999, p. 76)

(^12) Sobre a pedagogia da escuta e a imagem da criança, apoiei-me em Rinaldi (2009). Mais informações sobre es- ses dois impor tantes aspectos da abordagem Regio Emilia podem ser encontradas em Edwards e Gandini (2002), bem como em Edwards, Gandini e Forman (1999).

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Os projetos

Os primeiros projetos desenvolvidos na escola Robinson Cru- soé foram baseados nas aventuras desse herói e de Pinóquio. Segundo Malaguzzi (1999), tal escolha não foi aleatória, mas planejada, incluindo as crianças na reconstrução da história, dos personagens e das aventuras do herói. Em torno dessa temática todos trabalharam cooperativamente, desenvolveram materiais, barcos, bonecos, maquetes, fizeram instalações pela escola, leram e releram várias vezes as histórias e as dramatizaram. Com a ida de Mallaguzzi à Genebra na década de 1960, onde ele se encantou, principalmente, pelas ideias de Piaget, houve mudança de rumo no projeto. Iniciou-se uma fase experimental, depois a descoberta de outros estudiosos, como Dewey, Vallon, Decroli, Vygotsky, Freinet e tantos mais, evidenciando a perspectiva teórica que viria alicerçar as reflexões seguintes. Com base nos depoimentos das educadoras nas escolas de Regio Emilia 13 , percebe-se que os projetos são vividos realmente como uma espécie de aventura e pesquisa. Não são criados ao acaso, ao contrário, emergem de um intenso percurso de obser- vação e exploração sobre o que é de fato relevante para a criança, sobre o que ela diz e o que ela não diz. O processo de escolhas e decisões ocorre em reuniões entre professores, pedagogista e atelieristas, contando com a participação das famílias. Segundo Rinaldi (1999), quando se trabalha com projetos, é necessário cuidar do planejamento e da organização de quatro aspectos: (I) trabalho em equipe, que trata do trabalho em tempos e modos de comunicação, buscando atingir os ideais de colegiado, da com- petência, do profissionalismo e da autonomia do professor; (II) a participação, apostando principalmente na relação família-escola; (III) o ambiente , investindo na arquitetura, nos espaços, nos móveis; e (IV) as atividades , envolvendo as crianças. Naturalmente, todos esses aspectos são interdependentes. Não pode haver, por exemplo, um planejamento de atividades sem o

(^13) As visitas guiadas às escolas fizeram parte do encontro latino-ame- ricano e serão descritas mais à frente.

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rapport profissional entre os adultos e sem que o ambiente esteja organizado e enriquecido de modo a manter nossa abordagem educacional. (RINALDI, 1999, p. 118)

O elenco de critérios para a avaliação da qualidade do projeto é a motivação e o interesse da criança, a aproximação com sua experiência, as possibilidades de uso de recursos desconhecidos, a riqueza da investigação e a abertura para variadas experiências, exigências e formas de aprendizagem, incluindo a interação, a resolução de conflitos e a realização de múltiplas formas de re- presentação. Conclui-se que são utilizadas estratégias didáticas que facilitam à criança a aquisição de ferramentas fundamentais para seu desenvolvimento e aprendizagens. Para o sucesso do projeto, a observação e a documentação pedagógica tornam-se elementos fortes no contexto da aborda- gem educacional em Reggio Emilia.

Documentação pedagógica

Escutar a criança está diretamente ligado à observação e à documentação, esta última composta por materiais produzidos durante as seções – slides , gravações, vídeos, anotações, comen- tários, reflexões – por meio da intervenção e da observação. Como visto nas visitas às escolas, a documentação, que é transformada em cartaz ou em outro suporte de texto, é organizada seguindo, principalmente, três eixos: a escrita da interpretação da professora de uma situação dada; fotografias, quase sempre em sequência de duas ou três imagens, de um percurso; e a citação de falas das crianças. Durante a observação da documentação afixada nas paredes e disponível em pastas e plásticos, esclareceu-se o percurso da produção documental: primeiro, há o planejamento das seções, contendo objetivos, data, expectativas, possibilidades e mate- riais necessários – situação que ocorre entre os professores; em

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expor registros em que aparecem imagem e produção de todas as crianças do grupo ao mesmo tempo. Por exemplo, pode-se registrar o fragmento de uma discussão entre duas crianças ou o percurso individual de um trabalho de modelagem com argila. Esse protocolo pode estar tanto em uma pasta quanto em cartazes, mas ambos ficam disponíveis para quem quiser vê-los. Os pais estão permanentemente dentro da escola e se interes- sam em conhecer o registro documental, sendo ou não de seu filho, pois o que está em evidência é a busca de compreensão do percurso educativo vivenciado na escola, e não de cada filho em particular. Eles sabem que aquele registro, que pode, ou não, incluir de modo explícito seu filho, diz respeito ao processo educa- tivo vivenciado por todos e que o exposto é um exemplo apenas dessa vivência. Se o documento estiver em um suporte possível de ser levado para casa, as famílias, incluindo as que não têm filhos naquela escola, podem fazê-lo, para depois devolvê-lo no tempo determinado. Portanto, nas escolas de Reggio Emilia, o acesso à documentação é para todos, e não há documento individual para cada criança levar para casa.

Arquitetura e pedagogia

A arquitetura é mais um dos aspectos relevantes da abordagem de Reggio Emilia, o qual foi destacado por Piccinini (2009). Segundo a perspectiva apresentada, ao ambiente é atribuído grande valor educativo, devendo ser a escola um espaço se- melhante a um aquário, que permita ver as pessoas que vivem nela. Há clara defesa de que é necessário escutar as crianças para saber como vivem e interpretam o espaço arquitetônico da escola, e de que a criança tem direito a um espaço acolhedor e alegre. Segundo Filippini (1990 apud EDwARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 147),

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os educadores de Reggio Emilia falam do espaço como um container que favorece a interação social, a exploração e a aprendizagem, mas também vêem o espaço como conteúdo educacional, isto é, contendo mensagens educacionais e estando carregado de estímulos para a experiência interativa e a aprendizagem construtiva.

Por meio da arquitetura, busca-se um diálogo entre o ambiente interior e o exterior que permita a interconexão entre dentro e fora. Para favorecê-la, nas construções há o uso intenso de transparên- cias, obtidas com vidros, plásticos, paredes vazadas e variedade de níveis, de onde podem ser observados vários espaços e ân- gulos. Filippini (2009), fazendo referência a Edwards, Gandini e Forman (1999) enfatiza: “Não é o espaço grande que é o bom, e sim o que as crianças podem fazer nesse espaço”. Outro ponto destacado por Piccinini (2009) é a relevância da cons- trução da identidade local. Para que as crianças possam admirar e explorar os lugares é necessário que se dê vida a eles por meio da participação de diferentes pessoas, como funcionários, pais, espe- cialistas, crianças. Além do trabalho e das interferências pessoais no ambiente, também a memória – vivências de diferentes gerações e atribuição de significado a elas – pode construir a identidade local, mediante relatos do passado, por exemplo. Piccinini (2009) enfatizou que a forma arquitetônica recente não é a mais moderna ou a mais bonita; é somente a mais recente. Em Reggio Emilia, com sua arquitetura antiga e moderna, conforme dito, as escolas interferem na vida da cidade e também sofrem a interferência dela constantemente. Escolas, praças, espaços públicos são transformados para e pelas crianças. Ficou evidente que a menina dos olhos do espaço escolar é o ateliê, equipado com grande variedade de materiais e recursos utilizados tanto pelas crianças quanto pelos educadores. Chama a atenção a grande quantidade e a variedade disponível de ele- mentos da natureza – por exemplo terras, areias, folhas, pedras,

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A visita às escolas

Durante o seminário, realizei visitas guiadas às escolas durante o período de seu funcionamento. Essa atividade foi dividida em três etapas: 1) reunião de apresentação do projeto educativo pelo atelierista junto com alguns educadores – numa delas houve a participação de um pai de aluno; 2) observação da escola, cada um ao seu modo e de acordo com sua necessidade; 3) por último, outra reunião com a equipe pedagógica para novo debate, agora com base nos dados observados e nas questões consequentes. Nos itens seguintes, trato de alguns dos aspectos observados na Scuola Nido Salvador Allende e Scuola Dell’infanzia Comunale Paulo Freire.

Scuola Nido Salvador Allende

Organização da seção de 3 anos

O foco desta observação foi o ambiente escolar, pois nossa visita aconteceu no final do turno de trabalho, quando já não havia quase nenhuma criança, apenas aquelas cujas famílias neces- sitavam utilizar o tempo estendido. A escola foi toda preparada para nos receber, como é preparada para receber as crianças, tal como nos esclareceram. Sobre a estrutura física, destacam-se a ausência de portas separando os ambientes; a integração dos ambientes, divididos por mobílias que não impedem a movimentação e a visão das crianças; a quantidade de vidros e paredes vazadas produzindo transparência e favorecendo a comunicação entre ambiente interno e externo; a presença de ateliê central e miniateliês nas seções; o espaço central na entrada da escola, denominado “praça”, semelhante a um salão, onde acontece a recepção das crianças

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e onde elas aguardam o início da aula; os espelhos de diversos tamanhos e formatos instalados em diferentes alturas e espaços, por exemplo uma tira de espelho no rodapé do corredor, espe- lhos que deformam as imagens, tornando-as mais compridas ou achatadas; a presença de muitas plantas em vasos espalhados por toda a escola; os móveis planejados, de tamanho reduzido adequado às crianças pequenas e também alguns produzidos ou doadas pelas famílias; banheiro adaptado, com mobília e louças menores; brinquedos grandes e vazados que interferem no am- biente, levando a criança a alterar seu caminho comum, por exem- plo, no corredor; área externa grande e com poucos brinquedos, denominada “bosque”; iluminação natural, principalmente por meio das grandes janelas que chegam próximas ao chão.

Caracterização do ambiente das seções

A seção é subdividida em três ou mais ambientes – por exem- plo, espaço para exploração de mesa de luz e/ou retroprojetor, miniateliê, espaço para história com livros disponíveis, degraus de madeira configurando arquibancada para assembleia, mesa e estante com materiais diversos e acessíveis às crianças. A divisão desses espaços pode ocorrer tanto pelos materiais que os compõem quanto por placas divisórias com tecido branco e papel manteiga. São poucos os armários com portas, e aqueles em que há são utilizados como escaninhos para cada criança guardar casaco, mochila, sombrinha. Há muitas estantes com prateleiras à vista. Há abundância de material industrial reaproveitável e da natureza, todos classificados pelos adultos por cor, tamanho ou forma, por exemplo, e dispostos de modo que as crianças consigam vê-los. São poucos os materiais comprados – papéis, canetinhas, cola, tesoura, pincel, instrumentos de arte. Há carrinhos móveis para suporte de material que podem ser deslocados para que fiquem

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Um olhar sobre a abordagem educacional de Reggio Emilia

Rotina

Há rotina planejada previamente para todos os dias da semana. Segundo os educadores, os planejamentos são ricos e abertos a novidades, podendo haver variações nas rotinas diárias e/ou semanais. Mesmo assim, a título de exemplo, os educadores da escola Nido Salvador Allende descreveram um dia típico:

  • 7h30 às 9 horas – acolhimento das crianças nas respectivas seções;
  • 9 horas às 9h30 – assembleia: todas as crianças se encontram na praça central, e frutas são servidas;
  • 9h30 às 11h30 – momento de pesquisa (as crianças se en- volvem em vários experimentos);
  • 11h30 às 13 horas – almoço servido (os pais podem buscar os filhos para almoçarem juntos);
  • 13 às 15 horas – momento de sono;
  • 15 às 16 horas – frutas são servidas e organiza-se a saída;
  • 16 às 18 horas – tempo estendido para as famílias que necessi- tam vir mais tarde, novas possibilidades de pesquisa às crianças.

Scuola Dell’infanzia Comunale Paulo Freire

  • 4 a 6 anos

No cotidiano do trabalho pedagógico, há momentos com grandes e com pequenos grupos. Segundo os educadores, o trabalho em pequenos grupos apresenta vantagens, dentre elas o acolhimento melhor dos interesses das crianças, suas possibili- dades e capacidades; mais facilidade de motivá-las em torno de um tema; e maior força da interação e possibilidade de escuta. Para eles, trabalhar junto é produzir junto, colocar todas as suas possibilidades na produção de um único resultado. Nessa escola, o foco de minha observação foi a organização do trabalho nas seções, para compreender melhor tais agrupamentos,

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a realização dos projetos diversificados e o papel dos educadores nesse trabalho específico.

O trabalho pedagógico

Após passar por todos os ambientes dessa escola, selecionei o trabalho que estava sendo realizado na seção de crianças de 4 e 5 anos, pois eu poderia acompanhá-lo do começo ao fim. As 22 crianças, junto de uma das duas professoras, encontra- vam-se no mezanino, em roda no chão, conversando com uma das professoras – é o que chamam de “assembleia”. Percebi 16 que uma das professoras retomou os diferentes trabalhos iniciados em dia anterior e lembrou quem estava fazendo o quê. Enquanto isso, a outra professora se encontrava na parte de baixo da sala organizando os ambientes. Em seguida, subiu e participou das decisões. As duas conversaram bastante entre si e definiram quem ia acompanhar cada seção (grupos). Elas permaneceram a maior parte do tempo em apenas uma seção e, vez ou outra, circulavam pelas outras seções. As crianças são agrupadas em seis seções (grupos):

  1. desenho de dinossauro, consultando imagens em revistas (quatro crianças);
  2. jardinagem (duas crianças);
  3. observação de folhas de árvore com lupa, consulta a desenho de folhas realizado em outro momento e modelagem com argila (quatro crianças);
  4. construção com toquinhos, apoiando-se em desenho rea- lizado pelas crianças em outro momento (quatro crianças);
  5. desenho do corpo humano com interferência de parte do corpo colada na folha, consultando imagens em livros cientí- ficos (quatro crianças);
  6. Projeto da reforma do bosque da escola no miniateliê (quatro crianças).

(^16) Permaneci sozinha nes- sa seção durante quase todo o tempo, portanto, sem o apoio de tradu- ção.