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Guias e Dicas
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Um estudo da visualidade poética em A Cachoeira de Paulo ..., Slides de Poesia

Castro Alves (USP) e a de Valter Gomes Dias Junior, Poesia e identidade em Castro Alves (UFPB), que dedica páginas de análise a alguns poemas d'A Cachoeira ...

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
GIOVANNA GOBBI ALVES ARAÚJO
A PINTURA DAS ÁGUAS:
Um estudo da visualidade poética em
A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves
Exemplar corrigido
São Paulo
2016
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA

GIOVANNA GOBBI ALVES ARAÚJO

A PINTURA DAS ÁGUAS:

Um estudo da visualidade poética em

A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves

Exemplar corrigido

São Paulo

GIOVANNA GOBBI ALVES ARAÚJO

Exemplar corrigido

De acordo, ________ Prof. Dr. Ricardo Souza de Carvalho.

A PINTURA DAS ÁGUAS:

Um estudo da visualidade poética em

A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Literatura

Brasileira do Departamento de Letras Clássicas

e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Souza de Carvalho

São Paulo

FOLHA DE APROVAÇÃO

Nome: Giovanna Gobbi Alves Araújo Título: A pintura das águas: um estudo da visualidade poética n’ A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Data de aprovação: ________________________

Banca Examinadora

Prof. Dr.: ______________________________________________________________ Instituição: ____________________________ Julgamento: ___________________ Assinatura:_____________________________________________________________

Prof. Dr.: ______________________________________________________________ Instituição: ____________________________ Julgamento: ___________________ Assinatura:_____________________________________________________________

Prof. Dr.: ______________________________________________________________ Instituição: ____________________________ Julgamento: ___________________ Assinatura:_____________________________________________________________

Para Jony comigo, vida e mundo afora

Kein Mensch muss müssen.

Lessing, Nathan der Weise.

O poeta é — o moderno estatuário Que na vigília cria solitário Visões de seio nu! O mármore da Grécia — é o novo drama! Mas o raio vital quem lá derrama?... É Júpiter!... És tu!...

Castro Alves

ARAÚJO, Giovanna Gobbi Alves. A pintura das águas : um estudo da visualidade poética n’ A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves. 2015. 195f. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2015.

RESUMO

A presente dissertação propõe um estudo da visualidade poética n’ A Cachoeira de Paulo Afonso de Castro Alves (1847-1871), abrangendo definições, aplicações e desdobramentos estéticos da figura da enargeia ( evidentia ), ou ainda “pintura viva”, nas descrições da natureza encontradas na obra, particularmente na configuração poética do elemento aquático. N’ A Cachoeira de Paulo Afonso , a representação poética do meio natural ganha relevo através da vivificação enargética de ênfase sensorial e plástica que, em associação ao estilo sublime, encena liricamente o drama trágico da escravidão. Entendemos que o poema se insere em meio a uma tradição narrativa e iconográfica de representação de ideias nacionais associadas às águas do Rio São Francisco e aos esforços institucionais pela legitimação do poder imperial no Segundo Reinado. Partindo da compreensão da figura da enargeia nos antigos e nos modernos, examinamos três expressões da descrição enargética n’ A Cachoeira de Paulo Afonso : a ekphrasis , o monólogo e o diálogo. Por meio da teorização do sublime em Kant e Schiller, analisamos as figurações enargéticas dos elementos naturais n’ A Cachoeira de Paulo Afonso , que cumprem a função de potencializar a capacidade persuasiva do texto poético, além de materializar um posicionamento estético do eu poético acerca do sublime na obra de arte como veículo privilegiado vinculado à liberdade moral do homem. Ao encenar a expressão enargética da violência, a “pintura” das águas atua de modo a colocar diante dos olhos internos do público oitocentista o drama humano da escravidão.

Palavras-chave: Castro Alves; natureza; enargeia ; evidentia ; sublime; visualidade poética.

L ISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 - Página do manuscrito de A Cascata de Paulo Afonso. 1870. Fonte: Acervo Fundação Biblioteca Nacional ........................................................................... 24

Imagem 2 - D. Pedro II. Desenho da Cachoeira de Paulo Afonso. Outubro de 1859. Fonte: Acervo Museu Imperial ..................................................................................... 29

Imagem 3 - Auguste T. C. Stahl. Desembarque da família imperial. Recife (PE). 1859. Fonte: Acervo Instituto Moreira Salles ......................................................................... 39

Imagem 4 - Auguste T. C. Stahl. Stahl & Cia., Fotógrafos de S. M. o Imperador do Brasil. “Cachoeira de Paulo Afonso”. c. 1860. Coleção D. Thereza Christina Maria. Fonte: Acervo Fundação Biblioteca Nacional ................................................... 38

Imagem 5 - Auguste T. C. Stahl. Stahl & Cia., Fotógrafos de S. M. o Imperador do Brasil. Detalhe de “Cachoeira de Paulo Afonso”. c. 1860. Coleção D. Thereza Christina Maria. Fonte: Acervo Fundação Biblioteca Nacional ...................................... 39

Imagem 6 - Hermann (Germano) Wahnschaffe. Cachoeira de Paulo Afonso. c. 1861. Coleção Brasiliana. Fonte: Acervo Banco Itaú ............................................................. 43

Imagem 7 - Hermann (Germano) Wahnschaffe. Detalhe de “Cachoeira de Paulo Afonso”. c.1861. Coleção Brasiliana. Fonte: Acervo Banco Itaú ..................................... 44

Imagem 8 - E. F. Schute. “Cachoeira de Paulo Afonso”. 1850. Óleo sobre tela. Fonte: Coleção MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand ............ 45

Imagem 9 - E. F. Schute. Detalhe de “Cachoeira de Paulo Afonso”. 1850. Óleo sobre tela. Fonte: Coleção MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand .... 46

Imagem 10 - P. Skelton; R. Knight. Calcogravura da cachoeira de Paulo Afonso, “The Paulo Affonso, King of the Rapids, The Niagara of Brazil”, Explorations of the highlands of the Brazil , 1869. Church Collection. Courtesy of the Brown University Library ............................................................................................. 49

Imagem 11 - P. Skelton; R. Knight. Detalhe da calcogravura da cachoeira de Paulo Afonso., “The Paulo Affonso, King of the Rapids, The Niagara of Brazil”, Explorations of the highlands of the Brazil , 1869. Church Collection. Courtesy of the Brown University Library ........................................................................................... 50

Imagem 12 - George Barker. “Horseshoe Falls. n. 3. c. 1885. Prints and Photographs Division. Courtesy of the Library of Congress, Washington, D.C., LC-USZ62- 79694 ............................................................................................................... 51

S UMÁRIO

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I NTRODUÇÃO

Um exame, ainda que breve, da fortuna crítica do poeta Castro Alves (1847-1871) constataria que, de forma geral, seu foco esteve por muito tempo voltado à poesia de maior consagração e prestígio social, a poesia dita abolicionista, que lhe reservou a alcunha de “poeta dos escravos”. Grosso modo, a crítica se dividiu em dois grupos majoritários. Para uns, a função humanitária atribuída à poesia “social” de Castro Alves lhe conferiu a condição de uma espécie de herói nacional, de modo que os defeitos lhe eram amenizados em nome do propósito messiânico de sua poesia e dos valores que ela enaltecia. Para outros, as hipérboles condoreiras e outros exageros de linguagem do poeta serviram para empobrecer o valor estético de sua produção; portanto, desviando sua obra do raio de escrutínio de tais críticos, que lhe dedicaram poucas páginas de análise^1. De certa maneira, ambas as abordagens acabaram por prejudicar o julgamento crítico íntegro da produção literária de Castro Alves, como coloca o crítico Jon M. Tolman

Uma das desvantagens da consagração literária é o peso do julgamento crítico que interfere muitas vezes com a justa apreciação do texto escrito. Dentre muitos outros autores brasileiros convenientemente encaixotados pela crítica podemos destacar Castro Alves.^2

e assim como aponta Fausto Cunha afirmando que o poeta

paga preço excessivo pela tradição que, exibindo o homem como figura representativa, deforma e atraiçoa a personalidade do criador. Se a crítica estética não consegue diminuí-lo exceto do gigantesco assoprado pelos idólatras, o abandono da crítica histórica invalida grande parte de sua obra, a que vive do circunstancialismo.^3

São quase 150 anos de história que nos separam do tempo em que viveu Castro Alves. Nesse período, forjou-se um mito em torno da figura do poeta e a tradição da crítica que se seguiu à sua morte foi fortemente influenciada por sua imagem de bardo abolicionista, profeta inspirado, defensor dos escravos. Acreditamos ser essa a razão pela qual grande parte da crítica da obra de Castro Alves debruçou-se sobre sua “missão” abolicionista em lugar da exegese dos expedientes discursivos de sua poesia, atribuindo a esta maior relevância literária

(^1) Representam tal posicionamento crítico Sílvio Romero e Wilson Martins. (^2) TOLMAN, Jon M. “Castro Alves, poeta amoroso”, p. 49. (^3) CUNHA, Fausto. O Romantismo no Brasil , p. 74.

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tão maior fosse seu propósito humanitário. Entretanto, a crítica dos últimos 50 anos tem revisado sua atuação e indicado a necessidade de se esquivar de estudos biografizantes e laudatórios sobre a poesia de Castro Alves, em detrimento da análise de novos temas e sentidos, conforme a avaliação que Cunha faz da fortuna crítica do poeta:

Castro Alves tem oscilado, entre os críticos, da exaltação à negação. Sobretudo atraída pelo aspecto biográfico, pela sua ideologia, pelo papel que desempenhou como poeta, máxime na propaganda abolicionista, a crítica brasileira dividiu-se muito tempo em uma polêmica sobre a superioridade poética de Castro Alves ou Gonçalves Dias. (...) Eram essas posições evidentemente acríticas, e a tendência mais recente mostra-as superadas, em proveito da análise e interpretação. Alguns estudos dedicados à sua obra ultimamente revelam preocupação mais crítica, indicando os rumos que deverão seguir-se em relação a uma poesia rica de sentido, e sobretudo extraordinariamente brasileira, pela sensibilidade, pela linguagem, pelo colorido, pela pujança, pelos ideais, pela correspondência com a Natureza.”^4

Dito isso, entendemos que a revisitação à obra de Castro Alves se faz necessária, no sentido de se aprofundar o entendimento a respeito de sua linguagem poética, deslocando-a da caracterização de subjetividade e espontaneidade a que foi, limitantemente, atribuída. Tamanha lacuna não apenas obscurece o julgamento crítico e estético da totalidade de seus escritos, como também acaba por fortalecer o mito do poeta-vate, consolidando um valor monocromático a sua poesia e legando o desconhecimento a outras facetas também relevantes de sua obra. Segundo o levantamento dos textos críticos recentes acerca da obra de Castro Alves, observamos que a constante parece recair sobre os estudos literários comparativos entre a obra castroalvina e a de autores europeus que o influenciaram, além da persistência dos estudos de ênfase biográfica^5. Apesar do interesse recente que as pesquisas acadêmicas brasileiras têm demonstrado em relação à obra de Castro Alves – tendo em vista um ligeiro acréscimo no número de defesas^6 que contemplem a poesia de Castro Alves nos últimos anos –, observa-se uma

(^4) CUNHA, Fausto. A Literatura no Brasil , p. 208. (^5) A esse respeito, podemos citar as publicações de Edilene Matos, Castro Alves: Imagens Fragmentadas de um Mito (2001); de Leyla Perrone-Moisés, Vira e mexe, nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário (2007), e de Mário Maestri, 6 A segunda morte de Castro Alves: genealogia crítica de um revisionismo (2011). Até o presente momento da pesquisa, constam oito dissertações de mestrado e três doutoramentos, que tiveram a obra castroalvina como objeto total ou parcial de estudo, defendidos entre o ano 2000 até 2014 no Brasil, além de uma dissertação defendida na Universidade de Coimbra em 2012. Dentre eles, destacamos a dissertação de Teresa Mauro, Entre a descrença e a sedução : Releituras do mito de Don Juan em Álvares de Azevedo e em Castro Alves (USP) e a de Valter Gomes Dias Junior, Poesia e identidade em Castro Alves (UFPB), que dedica páginas de análise a alguns poemas d’ A Cachoeira de Paulo Afonso.

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Não obstante sua breve duração, ocorre na obra poética de Castro Alves uma mudança estética identificada por Eugênio Gomes, que deu maior destaque à produção pós-1868 do poeta^9. Na mesma linha, Fausto Cunha declara que do ano de 1868 em diante, a “personalidade poética [de Castro Alves] se afirma com autonomia”^10. No ensaio “Castro Alves, poeta amoroso”, Jon M. Tolman propõe uma segmentação, a princípio, análoga ao que fizera Sílvio Romero em 1888^11 , em três fases da poesia castroalvina: “primeira fase amorosa”; “fase de transição: 1869” e “fase definitiva: 1870-1871”, sobre a qual comenta:

encontra-se no fim das Obras Completas que poucos leitores chegam a ler, especialmente em vista dos poemas na maioria medíocres que o poeta, por razões óbvias, não incluiu em Espumas Flutuantes , e que nada acrescentam a fama do poeta. Mas a experiência de juntar cronologicamente os poemas escritos nos últimos anos dá impressão poética bem diferente do estereótipo de fraqueza e aniquilamento que ainda predomina no julgamento crítico.^12

Contrariamente a Romero, que aponta o “cantar brilhante do socialista” como o maior legado de Castro Alves e o que o destaca na história da literatura brasileira, Tolman concentra-se na lírica amorosa de Castro Alves e considera a fase derradeira seu ápice, pois logra uma evolução estética responsável por uma poesia extremamente imagética e sensorial, como no exemplo dos versos de “Aves de Arribação”:

Às vezes, quando o sol nas matas virgens A fogueira das tardes acendia, E como a ave ferida ensanguentava Os píncaros da longa serrania,^13

Quanto à consideração da representação da natureza pela fortuna crítica de Castro Alves, podemos afirmar que, de uma maneira geral, a temática natural fora interpretada, de forma entusiasmada, por grande parte da crítica que nela viu a afirmação de um caráter nacional e, com base nessa poesia, advogou em defesa da nação brasileira. Participam dessa crítica, em maior ou menor grau, Afrânio Peixoto, Agripino Grieco, Sílvio Romero e, ainda,

(^9) GOMES, Eugênio. “Castro Alves e o romantismo brasileiro”. Obra completa , p. 39. (^10) CUNHA, Fausto. O Romantismo no Brasil , p. 29. (^11) Os ensaios de Sílvio Romero representaram um ponto de partida, na medida em que ofereceram uma estruturação da trajetória poética de Castro Alves. Em sua História da Literatura Brasileira , Sílvio Romero, ainda que seja sucinto e pouco profundo na apreciação da poesia de Castro Alves, realiza uma das primeiras tentativas de sistematização de sua obra, ao concluir que “a maior porção da obra do poeta e o que há de mais seleto” se encontra nos “tempos áureos do Norte” (1864-67) ou dos “melancólicos dias da Bahia” (1870-71). ROMERO, Sílvio. 12 História da literatura brasileira , p. 1287. 13 TOLMAN, Jon M. “Castro Alves, poeta amoroso”, p. 32. ALVES, Castro. Obra completa. p. 183.

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Jamil A. Haddad^14. Foi somente a crítica do final do século XX que realizou uma depuração parcial da representação paisagística na poesia de Castro Alves. Reforçamos o adjetivo ‘parcial’, pois não houve ainda publicação que se aprofundasse, com exclusividade, na representação da natureza na poética castroalvina. Eugenio Gomes, Antonio Candido, Fausto Cunha e João Adolfo Hansen, em contribuições de extensão e distanciamento variáveis, representam até os dias de hoje as contribuições mais significativas para os estudos do tema, conforme explanaremos ao longo da dissertação. Muito embora a crítica especializada aponte para uma natureza de traços marcadamente brasileiros configurada nos versos de Castro Alves^15 , entendemos que a representação poética da paisagem natural em sua poesia se relaciona menos com a concretude do espaço físico da natureza no contexto sertanejo do que com uma reconfiguração dos elementos naturais mediada pela subjetividade do eu poético em convergência com as convenções poético-retóricas em vigor, que considera uma percepção artística do mundo sensível permeada pelo debate com as tradições literárias atuantes em seu tempo e com os diálogos engendrados no interior de sua obra poética, na esteira do entendimento da concepção castroalvina da natureza por Luiz Dantas e Pablo Simpson:

Sem maior relutância, e até de boa vontade, reconhece-se a especificidade local e de inspiração, como se a deliciosa aquarela dos primeiros versos de “O Vidente” falasse mais perto a nossa expectativa crítica, sensível às marcas convincentes da nacionalidade, ou como se o pormenor localista e saboroso fosse índice de autenticidade ou vivência intensa. Esquece-se, outrossim, aquele veio de poesia sertaneja, influente sobre Castro Alves e tão notavelmente pormenorizado por Sílvio Romero. A verdade própria à poesia não procede, no entanto, de uma concordância ou ajuste entre as palavras de que se serve e o mundo. A sua probidade pertence a uma outra esfera, mais alta. Procede e emana da palavra poética, de suas conformações internas, agindo por dentro, criando, em seu sentido etimológico.^16

Assim sendo, convém acrescer que nossa perspectiva do tratamento da natureza em Castro Alves é pautada por uma noção de natureza romântica que considera, primordialmente, o papel da imaginação e do desejo do sujeito lírico de busca pelo infinito na relação com o

(^14) Embora excessivamente elogioso da poética castroalvina, seu estudo exaustivo tem o mérito de ter apontado facetas interessantes da natureza em Castro Alves, como as relações entre o elemento aquático e a morte. Ver HADDAD, 15 Revisão de Castro Alves , vol. II, p. 105. Nos textos de Eugênio Gomes “Castro Alves e o sertão” (in Prata de casa , p. 33), de Jon M. Tolman, “Castro Alves, poeta amoroso” (p. 30), de Leyla Perrone-Moisés, “Castro Alves e o aplicativo Victor Hugo” (in Vira e Mexe, nacionalismo 16 , p. 102 e 105). DANTAS, Luiz; SIMPSON, Pablo. “Introdução”, Castro Alves, Espumas Flutuantes e Os Escravos , p. XXIX.

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Quem possui este discernimento poético das coisas é capaz, quando livre do delírio verbal, de obter as imagens mais belas e ousadas, os mais ricos e sugestivos movimentos da composição. Na Cachoeira há um desses momentos (...) onde, (...) o poeta consegue uma demonstração de impecável maestria (...) e, num jato de imagens que se sucedem, descreve a natureza circundante com senso plástico admirável^21.

A propósito, o ensaio do crítico Antonio Candido na Formação da literatura brasileira sobre Castro Alves é, ainda hoje, central ao estudioso do poeta, porque aponta, com destreza, pontos fortes e fracos das composições castroalvinas e contribui com passagens analíticas breves, porém primorosas, sobretudo acerca de ACPA. Candido toma-a como “ponto central, o eixo de sua obra, enroupando o tema social do escravo no mais belo tratamento lírico, apesar de defeitos e irregularidades”^22. Aos objetivos do nosso estudo interessa especialmente sua argumentação sobre a dignidade conferida ao indivíduo negro por meio da poetização de sua vida afetiva, que o faz ascender ao estatuto de herói, além da observação a respeito da dialética da poesia castroalvina, que, concentrando-se menos na visão real do escravo propriamente dita, considera seus martírios sob a ótica do drama geral da existência humana, sujeita aos acontecimentos da história^23. Sob esse prisma, vale lembrar que a perspectiva romântica em relação ao gênio, que também é a de Castro Alves, concebia a poesia enquanto “instrumento de uma radical transformação no mundo. (...) A ideia do poeta que, como criador de mitos, é educador, político, herói exercerá durante longo tempo o seu fascínio nas literaturas europeias”^24. Tal ideia é expressa na epígrafe de ACPA , extraída dos Quadros de viagem ( Reisebilder ) de Heinrich Heine, em que o poeta afirma, pelo topos da falsa modéstia, ser a poesia uma forma de atingir um objetivo santo: o da luta pela liberdade dos homens, de modo a convencer o leitor de que seus versos estão a serviço de uma causa digna e superior a eles próprios:

Je ne sais vraiment si j’aurai merité qu’on dépose un jour un laurier sur mon cercueil. La poésie, quelque soit mon amour pour elle, n’a toujours été pour moi qu’un moyen consacré pour un but saint. Je n’ai jamais attaché un trop grand prix à la gloire de mes poèmes, et peu n’importe qu’on les loue, ou qu’on les blâme. Mais ce sera un glaive, que vous devez placer sur ma tombe, car j’ai été un brave soldat dans la guerre de déliverance de l’humanité.^25 (^21) CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. p. 253. (^22) Ibidem. p. 247-249. (^23) Ibidem. p. 241. (^24) D’ANGELO, Paolo. A estética do romantismo. p. 117-118. (^25) “Realmente não sei se mereço que uma coroa de louros seja depositada sobre o meu caixão. Poesia, por mais cara que me seja, sempre foi um meio sagrado de atingir um fim celestial. Nunca atribuí muito valor à uma reputação poética, e pouco me importa se minhas canções forem elogiadas ou denegridas. No entanto, vocês

19

Entretanto, é útil pensar, com Antonio Candido, que “a eficácia humana é função da eficácia estética, e portanto o que na literatura age como força humanizadora, é a própria literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes.”^26 Portanto, sem a adequação da forma à matéria poética, sem o emprego do rigor poético, cairia por terra qualquer objetivo humanista fosse deles o mais nobre. A fruição estética facultada pela ACPA evidencia a eficiente adequação do “ epos libertário” aos meios artísticos necessários (“linguagem forte e justa”^27 ) realizada por Castro Alves; de modo que uma análise que se concentrasse em quaisquer dos elementos constitutivos dessa poesia isoladamente – seja na mensagem ou nos meios em si – seria, por certo, ociosa, de acordo com que, muito apropriadamente, demonstrou Alfredo Bosi em sua História concisa da literatura brasileira. Como se sabe, a dramaturgia romântica, a partir do movimento “Tempestade e ímpeto” ( Sturm und Drang ), centrou-se, fundamentalmente, nos conflitos trágicos do indivíduo cerceado por tiranias. Tamanha inconformidade se transfigura em luta por liberdade nos mais variados segmentos da esfera humana: política, amorosa, religiosa e social^28 , cuja resolução culmina, em última instância, na morte. Leitor contumaz de teatro, principalmente de Shakespeare, Victor Hugo e Alexandre Dumas Filho, conforme comprovam seus textos em prosa^29 , Castro Alves focaliza, em sua obra, essa mesma desarmonia do indivíduo “resultante de lutas externas”, por meio da qual se manifesta o drama do destino humano subjugado aos condicionamentos da história^30. Diante desse contexto, a matriz da tragédia de Shakespeare – considerado o gênio por excelência pelos românticos, dos irmãos Schlegel a Victor Hugo^31 – forneceu o modelo do poema dramático, da matéria trágica e do referencial de visualidade poética^32. Não pertencendo ao escopo deste trabalho a investigação de tais relações, basta-nos constatar que, para os românticos, o paradigma para a criação artística era a proposta de fusão entre os gêneros, conforme enfatizavam as proposições de Victor Hugo no “Prefácio” de Cromwell : “a poesia dará um grande passo, (...) semelhante ao abalo de um terremoto, mudará toda a face do mundo intelectual. Ela se porá a fazer como a natureza, a misturar nas suas

devem colocar uma espada sobre minha tumba, pois fui um bravo soldado na luta pela liberdade da humanidade.” (tradução nossa). Apud ALVES, Castro. 26 Obra completa. p. 311. 27 CANDIDO, Antonio. “O direito à literatura”.^ Vários escritos. p. 250. 28 BOSI, Alfredo.^ História concisa da literatura brasileira. p. 122. 29 ROSENFELD, Anatol. “Da Ilustração ao Romantismo”.^ Autores pré-românticos alemães. p. 11. Encontram-se referências a esses e outros dramaturgos nos textos “O Eco” e “Impressões de teatro”, entre outros fragmentos em prosa. 30 31 CANDIDO, Antonio.^ Formação da literatura brasileira. v. II. p. 241. Em William Shakespeare , Victor Hugo elenca as qualidades que fazem de Shakespeare o gênio maior: “Shakespeare tem a emoção, o instinto, o grito verdadeiro, o acento justo, toda a multidão humana com seu rumor. Sua poesia é ele, e ao mesmo tempo, é você.” HUGO, Victor. 32 Shakespeare. p. 68. Para um estudo da enargeia em Shakespeare, cf. PLETT, Heinrich. Enargeia in classical Antiquity and the early Modern Age , 2012.