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Este artigo explora como a dinâmica de mercado influencia a prática do carnaval do rio de janeiro, uma das festas nacionais mais conhecidas no mundo, diferente do carnaval de oruro, barranquilla e negros e brancos, na colômbia. As festas populares contribuem para a construção da identidade e da cultura nacional, sendo elementos marcantes e constitutivos da vida. O carnaval pode ser entendido como um evento aglutinador, marcando as comunidades e seus praticantes, sendo elo identitário de pessoas e de grupos. As festas possuem dinâmica própria, transformando-se e atualizando-se lentamente, mas apresentam uma relação entre tradição e inovação.
Tipologia: Notas de aula
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LEITE, Edson, CAPONERO, Maria Cristina, PEREZ, Si- mone. Um carnaval fora da lista: quando a identida- de é criada para o mercado. Textos escolhidos de cul- tura e arte populares , Rio de Janeiro, v.7, n.2, p. 97- 108, nov. 2010.
FESTA, CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E CULTURA NACIONAL Não existe sociedade humana sem festas, sejam elas seculares, tradicionais ou modernas. Segundo Lanternari (apud FERREIRA, 2001), as festas populares contribuem para a construção da identidade e da cultura nacionais, sendo elemento marcante e constitutivo da vida, além de expressões vivas e dinâmicas da cultura popular. Por meio das festas se expressa o modo de vida dos povos e suas tradições, abrangendo todas as classes sociais, pois onde há alguma vida popular articulada há sempre uma cultura tradi- cional, material e simbólica com consciência de sua identidade. A festa pode ser entendida como elemento constitutivo do modo de vida especi- ficamente popular de uma nação, consistindo num conjunto de cerimônias, de rituais co- letivos, pois na festa há sempre algum motivo de agregação dos participantes, que reafir- mam laços sociais e aproximam os homens, traduzindo a cultura popular, a linguagem do povo e sua própria identidade. Trata-se, portanto, de eventos de grande poder aglutinador, marcando as comu- nidades e seus praticantes, sendo elo identitário de pessoas e de grupos, pois permitem criar culturas, símbolos e identidades, tornando necessários, em alguns casos, esforços coletivos de preservação. Elas estariam dentro de um quadro coletivo da memória, pois produzem e reproduzem a história e a memória, uma vez que todos os povos têm uma história, marcada por eventos distintos e refletida nas festas populares, demonstran- do que a agregação dos participantes não só pode gerar sentimento de identidade en- tre eles, como também pode ser influenciada e registrada tanto na memória individual quanto na coletiva. Em outras palavras, “qualquer que seja a relação da memória indivi- dual com a memória coletiva, é no âmago da primeira que se realiza de fato, a segunda” (MUKUNA, 2006, p. 59). Resgatando lembranças e emoções, as festas recriam algo que ficou na memória coletiva, sendo instrumentos valiosos de guarda dessa memória, pois não basta recons- truir pedaço a pedaço a imagem de um acontecimento passado, é preciso que essa re- construção funcione a partir de dados e noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros. As festas são sempre as mesmas, sem nunca ser iguais, pois são resultantes do aprendizado que se dá pela interação social. Possuem dinâmica própria, transformando- se, atualizando-se, de forma lenta, fora do ritmo acelerado das expressões massivas, em- bora apresentem uma relação entre tradição e inovação, o que constitui forte dinamis- mo, elemento de vitalidade da festa. Sob esse ponto de vista, pode-se afirmar que uma festa popular não é uma reprodução intacta de rituais passados; ela se mantém pela tra- dicionalidade e não pela sobrevivência do passado pois “a festa se apresenta como me- diação entre o passado e o futuro, realizada no presente e através da qual a humanida- de poderia caminhar no tempo, tanto para frente quanto para trás” (ELIADE, 2002, p.55). As festas populares podem ser entendidas como “um conjunto de práticas, normalmen- te reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas, tais práticas de natureza ritual ou
movimentando a economia local na recepção de fluxos turísticos pelos hotéis e restau- rantes da cidade e demais serviços de infraestrutura. Essas festas se tornaram espetácu- los capazes de atrair multidões. Por que o Carnaval do Rio de Janeiro não é reconhecido como patrimônio nacio- nal como o Círio e a Festa do Divino e não está inscrito na Lista de obras-primas do patri- mônio oral e imaterial da humanidade da Unesco, tal como o Carnaval de Oruro (Bolívia), o de Barranquilla e o de Negros e Brancos (ambos na Colômbia)? O Carnaval do Rio não está enquadrado no conceito de formação de capital simbólico? O CARNAVAL DE ORURO, OU LLAMERADA , NA BOLÍVIA O Carnaval de Oruro, ou Llamerada , foi inscrito na Lista em 2001. A festa existe desde o século XVII. Em 1606 o lugar foi tomado pelos espanhóis, que a proibiram, mas a festa persistiu sob as aparências da liturgia cristã, fazendo com que os deuses locais ado- tassem a fisionomia dos ícones cristãos, transformando-se em santos católicos. É a maior e mais significativa festa popular boliviana e o único carnaval no mun- do que tem sentido religioso; em devoção à Virgem del Socavón, constitui magnífica de- monstração do sincretismo religioso-pagão, manifestação da cultura e expressões folcló- ricas, atraindo a participação de pessoas de todas as idades sem distinção de classes so- ciais ou políticas. O Carnaval de Oruro ocorre uma vez por ano e dura dez dias, ao longo dos quais há o desdobramento de diversas artes populares. Durante a festa ocorrem inúmeros des- files e danças típicas. Vários grupos folclóricos apresentam coreografias dedicadas intei- ramente à Virgem. Há forte culto ao diabo, representado em fantasias com chifres e em máscaras horrendas utilizadas nas danças dos diabos ou diabladas , que simbolizam a luta do bem contra o mal. Na coreografia, os diabos avançam em colunas correspondendo aos sete pecados capitais. É uma verdadeira encenação teatral em que os dançarinos re- presentam a luta entre os seres do inferno, o mal e as fúrias. Também há fantasias que simbolizam o culto andino, na pessoa de bruxos e feiti- ceiros. Os mitos locais, como o sapo, a víbora, o condor, o lagarto e as formigas também estão presentes para a realização da challa como agradecimento à pátria mãe. Outras danças de grande significado que se fazem presentes são, entre outras, morenada , tobas , caporales , waca-waca , tinku , suri sicuri , algumas originárias da tradi- ção cultural afro da Bolívia. O CARNAVAL DE NEGROS E BRANCOS, NA COLÔMBIA O Carnaval de Negros e Brancos ( El Carnaval de Negros y Blancos ), realizado des- de 1928 em San Juan del Pasto, cidade andina no sudoeste da Colômbia, é considera- do Patrimônio Cultural da Nação desde 2002, além de estar inscrito na Lista desde 2009. Surgido das tradições nativas andinas e hispânicas, o Carnaval de Negros e Brancos atrai pessoas de todas as classes sociais, fazendo com que participem ativamente, seja como
protagonistas principais ou secundários, cada um desempenhando um papel para tornar esse carnaval não apenas uma manifestação popular regional, mas do mundo todo. Em seu primeiro dia, celebra o Carnaval da Água, quando se borrifa água nas ruas e casas para criar uma atmosfera lúdica. Em 31 de dezembro ocorre o Desfile do Ano Ve- lho, do qual as pessoas participam carregando pelas ruas bonecos satíricos representan- do personalidade ou eventos atuais. Essa jornada é finalizada com um ritual de cremação do ano velho. Os dois últimos dias de Carnaval são os mais importantes, quando todos os participantes independentemente da raça se maquiam de negros no penúltimo dia, pin- tando os rostos e braços uns dos outros até que todos fiquem pintados de negro para se “sentir afro-colombianos por um dia”, como dizem. No último dia, jogam talco uns nos outros para todos se tornarem brancos, simbolizando assim a igualdade e unindo todas as pessoas sem distinção étnica ou cultural. Durante o Carnaval de Negros e Brancos todos os turistas nacionais e estrangei- ros podem apreciar o talento e a criatividade dos artesãos, em festa que tem como com- ponentes as fantasias individuais e dos grupos, as bandas dos músicos ambulantes e os carros alegóricos, fazendo desse evento um período de convivência intensa, no qual tudo se converte em apresentação das artes carnavalescas envoltas em muita alegria, serpen- tina e talco ao som das orquestras locais e estrangeiras. O CARNAVAL DE BARRANQUILLA, NA COLÔMBIA O Carnaval de Barranquilla, cidade colombiana com maior diversidade cultural e comercial, ocorre desde o século XIX. Durante os quatro dias que antecedem a Quaresma Barranquilla fica repleta de cores e muita diversão, atraindo milhões de pessoas da cida- de, da região, do próprio país e até estrangeiras, gerando comércio informal e pequena indústria que trabalha o ano todo para suprir a demanda de insumos para o carnaval que ocorre nesse espaço cultural. O Carnaval de Barranquilla é conhecido por ser uma das expressões mais autênti- cas do povo colombiano e um dos mais populares do mundo. Não se trata de uma trans- plantação de fantasias, danças e músicas, mas de um espaço de reivindicação de liberda- de e convivência como alternativa para a construção do tecido social e a criação simbóli- ca, através da festa, como forma de evocar e também de caricaturizar a dor. É manifestação cultural resultante da tríplice fusão cultural: europeia, africana e indígena, na qual as festividades católicas trazidas pelos espanhóis se misturaram aos ce- rimoniais aborígenes e à herança musical dos escravos africanos, como forma de resis- tência dos povos que perderam seus mitos, crenças e expressões culturais frente a uma cultura dominante, no caso espanhola. Barranquilla sempre fez de seu carnaval mais do que manifestação cultural – suas danças e músicas contribuíram para a formação da identidade colombiana. O carnaval está imerso na vida das pessoas não apenas em sua participação, mas também na exe- cução das danças, na elaboração das máscaras, na execução das roupas e outras ativida-
rizar “as manifestações carnavalescas mais ligadas à cultura do interior do país, que ex- pressassem a essência da alma brasileira” (FERREIRA, 2004, p. 250). Já em âmbito internacional outros fatores contribuíram para que o carnaval pas- sasse a ser visto dentro e fora do Brasil como um produto brasileiro. Segundo Ferreira (2004), um desses fatores foi a valorização da cultura negra que surgiu na Europa no iní- cio do século XX conhecida, principalmente na França, como “negrofilia”, que constituiu um dos elementos que a vanguarda parisiense alastrou e que ajudou a disseminar no mundo a visão do carnaval brasileiro. Segundo Nogueira (2008), o processo de organização da nova festa carnavales- ca, pautada na junção de interesses das manifestações do Grande e do Pequeno Carna- val, representados por elite e povo, respectivamente, dar-se-ia a partir do século XX com a imposição gradativa de regulamentações cada vez mais estruturadas por parte do po- der público como, por exemplo, policiamento ostensivo nos locais da festa, definição pré- via do itinerário dos grupos carnavalescos e roteirização dos logradouros. O novo carna- val vai-se estabelecendo, desse modo, não como simples imposição da civilidade con- tra a barbárie ou como uma reação dos grupos populares a uma espécie de assalto às eli- tes, mas sim como uma festa negociada entre ambas as partes, dominada pelas elites, que também expressavam gostos populares. Dessa forma, a relação desse conjunto de interesses com outros elementos que contribuíram nesse processo de elaboração do car- naval como fato social brasileiro, e com estas manifestações populares antes vistas com preconceito, passou a ser detentora do espírito da nação, fruto do amálgama e da hibri- dação cultural de nosso país. Esse projeto de criação de um espírito de grupo foi bastante encampado pelo Estado brasileiro. Tomando-se como referência conjectural a constitui- ção do Estado Novo e posteriormente o golpe de 64, percebemos que a relação entre a cultura popular e o poder público se estabelece a partir da expansão de uma rede de ins- tituições culturais, pela criação de cursos de ensino superior e através da elaboração de uma ideologia da cultura brasileira (ORTIZ, 1994). A cultura, entremeando esses dois momentos, passou a ser a base para a integra- ção nacional, dentro de perspectiva autoritária que atendesse a objetivos nacionais espe- cíficos na noção de comunidade nacional. Nesse momento histórico a fórmula ideológi- ca do Estado girava em torno da unidade nacional: o Brasil como país mestiço. A temáti- ca, tratada desde o final do século XIX, ganhou novas abordagens, já equacionadas até os anos 30, pela ideia de país formado pela fusão de três etnias (brancos, negros e índios) e o Estado, assume o argumento da unidade na diversidade, tornando-se brasi- leiro e nacional e ocupando uma função neutra de salvaguarda da identidade definida pela história. O carnaval adquire, neste cenário, um papel sintetiza- dor de identidades e símbolos. (...) Através da dramatização inerente nos ritu- ais, estas podem ser transformadas em instrumentos capazes de individualizar a coletividade como um todo, dando-lhe identidade e singularidade. Elemen- to, portanto, representativo da alma social brasileira, baseada na relação har- mônica da miscigenação étnica e da diversidade cultural que compõem o país (NOGUEIRA, 2008, p. 52).
Quem também ajuda a desmitificar a ideia de originalidade cultural do ser brasi- leiro é Pierucci ao afirmar que alguns componentes integrantes do repertório de brasili- dade são muito mais recentes e atuais do que podemos imaginar. Isso derruba a concep- ção de historicidade inserida no carnaval carioca. Ele nega a antiguidade dos traços cultu- rais, ou seja, a vontade de identidade nacional transforma o recente no antigo, a novida- de em tradição, dessa forma: os elementos que ajudam a formar a nossa identidade teriam sido forjados de maneira proposital, possivelmente pelo Estado (...) para criar inconscien- temente uma identidade nacional que remonta a um passado mais antigo do que é de fato. Assim, fenômenos sociais, muitas vezes, revestidos pela aura de memória nacional, que se incorporam em nossa consciência identitária como símbolos de brasilidade são calcados por elementos contemporâneos, bem mais recentes que o mito de origem. Estes elementos, tidos como símbolos de brasilidade, foram rapidamente absorvidos, na sociedade de consumo, pelo Turismo. Já em fins dos anos de 1920, o Rio de Janeiro começava a se projetar como polo turístico internacional. Neste momento, o carnaval carioca, além da beleza natural da cidade, começava a se configurar como um atrativo capaz de fazer com que o visitante passasse uma temporada maior (PIERUCCI, apud NOGUEIRA, 2008, p. 2). Nogueira (2008) cita dois jornais: um do final da década de 1920 e outro do início da década de 1930, que mostram o empenho do prefeito do Rio de Janeiro em tornar o carnaval uma festa oficial da cidade e cada vez mais conhecida no país e no mundo. O ar- tigo O carnaval e o turismo, do jornalista Nóbrega da Cunha, escrito para O Jornal de 10 de fevereiro de 1929, explica o seguinte: esses turistas estavam aqui não por causa dos bailes de máscaras, do corso ou da decoração da cidade, elementos comuns nas festas carnavalescas do exte- rior, mas sim para ver o carnaval “tipicamente brasileiro” (...) o grande objetivo por trás de todo esse investimento em dinheiro e em organização era a obten- ção de divisas provenientes de um produto cada vez mais valorizado em esca- la mundial: uma festa “popular” como não existia outra no mundo (NOGUEI- RA, 2008, p. 54). Já a segunda matéria, publicada no Diário de Notícias de 4 de fevereiro de 1932, escrita por Berilo Neves, afirma que a oficialização da festa não significava a perda da espontaneidade ou da alma da festa, já então simbolizada pela miscigenação das três etnias que compunham a identidade nacional. Essa natureza, tal como abordada no tex- to, era o que diferenciava a folia brasileira das outras festas carnavalescas importantes. Nos dois textos se evidencia a tentativa de valorizar argumentos históricos para obtenção da grande vantagem econômica que a festa poderia trazer para o país, princi- palmente no período em que o carnaval ganhou força, época em que se buscava organi- zar a economia dentro dos novos parâmetros da industrialização. Nogueira afirma que gerar divisas e atrair dólares e libras (nessa época o euro ainda não existia) era o argu- mento final e avassalador que justificaria todo o investimento da festa carioca. O carnaval do Rio de Janeiro emprega, atualmente, sete mil pessoas, calculan- do-se que cada uma das 14 escolas de samba do Grupo Especial deve contratar em mé-
grupos que mantêm intacta a tradição. A comercialização do Carnaval de Barranquilla en- frenta a imposição de cores próprias da imagem corporativa das empresas patrocinado- ras dos grupos folclóricos como contrapartida do financiamento da festa, o que desconfi- gura a ancestralidade e o simbolismo ritual das cores particulares que cada manifestação possui, segundo a tradição transmitida oralmente por diversos séculos. Para combater o uso publicitário nesse nível seria preciso maior apoio financeiro de órgãos públicos. Na série de fatores ameaçadores às festas na Colômbia também não podemos deixar de considerar a violência resultante do conflito armado em que vive o país e que impõe ameaça imediata ao espaço cultural. Esse fator só não é mais grave porque em muitas regiões o espaço cultural é considerado um território de paz, embora nos últimos anos os atores desses conflitos armados não tenham respeitado essa consideração como antes. Muitas famílias depositárias dessas tradições e que vivem em áreas periféricas se sentem mais expostas à violência armada e acabam abandonando suas origens e migran- do para outras regiões, deixando para trás a memória e a tradição locais. Entre os fatores que ameaçam o Carnaval de Barranquilla está a influência do mundo globalizado e a penetração de uma cultura homogeneizadora imposta pelos paí- ses do primeiro mundo. Há uma pressão para que esse espaço cultural imite outros car- navais, como o brasileiro, que conseguiram êxito ou se inseriram na indústria cultu- ral universal, transformando-se em grandes espetáculos, o que desvirtua a essência das criações estéticas tradicionais. Já o Carnaval de Negros e Brancos, na Colômbia, se depara com forte campanha governamental buscando atrair turistas para conhecer a festa. Uma delas, divulgada logo após a festa ter sido reconhecida como Patrimônio da Humanidade, afirmava: “ Para co- nocer el Carnaval de Negros y Blancos hay que vivirlo ”. Cumpre recordar que, segundo Bourdieu (2001), o espaço social pode ser compa- rado a um mercado no qual os diversos atores são investidos de interesses e estratégias em busca de capitais específicos. No caso do carnaval como fenômeno social temos o ca- pital tradição e o empresarial. Capital tradição refere-se à legitimidade acumulada pe- los atores, e o capital empresarial refere-se à legitimidade acumulada pela utilização de um modelo organizacional difundido e estabelecido, ou seja, o modelo empresarial da organização. Quanto ao Carnaval de Oruro, ou Llamerada , na Bolívia, atualmente, encontra- se ameaçado. As transformações econômicas sofridas em âmbito mundial tornaram a so- brevivência difícil em Oruro por causa do declínio das atividades mineradoras e agríco- las tradicionais, assim como pela desertificação do altiplano andino que provoca emigra- ção em massa e pela urbanização que produziu a aculturação. Esses fatores se somam à exploração financeira da festa pelo turismo. Para evitar maior comprometimento do Car- naval de Oruro várias medidas de salvaguarda foram propostas, como uma lei de prote- ção da cultura nacional na Bolívia, um novo código de propriedade intelectual referente à cultura nacional e tradicional, em tentativa de preservação desse rico patrimônio cultu- ral imaterial boliviano.
Os carnavais de Oruro, de Barranquilla e de Negros e Brancos entraram para a Lista de obras-primas do patrimônio oral e imaterial da humanidade porque preenche- ram uma série de requisitos exigidos pela Unesco, entre eles o de que essas festas cen- tenárias ajudaram a construir a memória e a identidade do povo de seus países e tam- bém, em menor escala, a identidade do povo latino-americano. Ao serem considera- dos Patrimônio da Humanidade pela Unesco passou-se a buscar caminhos e mecanismos que garantam sua permanência e de toda a tradição neles contida sem que a globaliza- ção as desfigure, pela consequente adaptação à lógica do mercado globalizado, evitando a transformação dessas festas populares em meros produtos culturais por um lado e, por outro, assegurando a manutenção da tradição com o caráter identitário, com o mínimo de deturpação ou destruição de sua essência e respeitando-se a dinâmica da cultura, que jamais será imutável. Nesse caso, inseri-las na Lista de obras-primas do patrimônio oral e imaterial da humanidade é forma de ajudar sua salvaguarda e preservação. Não se deve considerar todo o carnaval brasileiro uma farsa, mas pensar que o carnaval carioca, assim como o baiano, já estão instituídos e se mantêm independente de registros. Além do que o samba-enredo é considerado patrimônio imaterial e o samba de roda do Recôncavo Baiano também foi recentemente registrado como patrimônio imate- rial pelo Iphan. Igualmente, não se pode ignorar o grande filão de mercado que as festas brasileiras têm alcançado e, ao contrário de Bolívia e Colômbia, o Brasil em alguns casos parece agir em conivência com os setores que geram lucro. Percebe-se, de forma mais ní- tida, a criação de uma “identidade-para-o-mercado” e o “pastiche da historicidade” (MA- CHADO, 2004, p. 208). Não se pode esquecer que as festas populares são fundamentais para a preserva- ção da memória e da identidade de uma comunidade ou nação, logo precisam de salva- guarda. Também não se deve engessar essa riqueza cultural como um passado imutável. A festa tem justamente o papel de reavivar esse passado na forma de presente para evi- tar um futuro sem memória. Ela deve estar atualizada sem perder suas raízes. Ela pode gerar lucro e movimentar a economia local, mas para isso é preciso que esteja protegida em sua essência para que não se desvirtue. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. O mercado dos bens simbólicos. In MICELLI, Sérgio (org.). A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 99-181. _________. A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região. In O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 4. ed. Rio de Janei- ro: Bertrand Brasil, 2001, p. 107-132. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. FERREIRA, Maria Nazareth. As festas populares na expansão do turismo. São Paulo: Arte &Ciência, 2001. HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.