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Dois casos de tricotilomania, um transtorno psiquiátrico subdiagnosticado que pode estar associado a problemas sociais e clínicos relevantes. Os casos descrevem as características clínicas das pacientes, a importância do diagnóstico precoce e as implicações para a evolução das pacientes.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Trichotillomania: difficulties in diagnosis and report of two clinical cases Maria Cristina P. Lima^1 , Érica Vasques Trench^2 , Louise Lopes Rodrigues^3 , Lidiane Affonso de S. Dantas^3 , Gustavo Bigaton Lovadini^3 , Albina Rodrigues Torres^4 Instituição: Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, SP, Brasil (^1) Médica; Professora Doutora do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, Botucatu, SP, Brasil (^2) Médica; Professora do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psi- quiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, Botucatu, SP, Brasil (^3) Acadêmico de Medicina da Unesp, Botucatu, SP, Brasil (^4) Médica; Professora Doutora do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp, Botucatu, SP, Brasil Endereço para correspondência: Maria Cristina P. Lima Rubião Júnior, s/n CEP 18618-970 – Botucatu/SP E-mail: mclima@fmb.unesp.br Conflito de interesse: nada a declarar Recebido em: 19/12/ Aprovado em: 25/4/ Resumo Objetivo: Relatar dois casos de tricotilomania, um transtorno psiquiátrico ainda subdiagnosticado e que pode estar associado a problemas sociais e clínicos relevantes. Pretende-se destacar as características clínicas, discutindo as implicações do diagnóstico precoce para a evolução dos pacientes. Descrição do caso: Uma adolescente com diagnóstico de tricotilomania “pura” e outra menina cujo quadro estava associado ao transtorno obsessivo-compulsivo. Embora com o tratamento, a evolução de ambas tenha sido favorável, houve demora significativa para estabelecer o diagnóstico e encaminhá-las a um serviço de saúde mental, com prejuízos escolares e sociais. Comentários: A tricotilomania difere dos quadros benig- nos e transitórios de arrancar cabelos observados nos primei- ros anos de vida e ainda é subdiagnosticada. A vergonha dos sintomas observada nos portadores e o desconhecimento por parte dos profissionais de saúde contribuem para essa situa- ção. O quadro pode ser grave, particularmente se acompanha- do de tricofagia. Profissionais da saúde precisam identificar o transtorno precocemente e encaminhar as crianças para tratamento especializado antes das possíveis complicações clínicas e repercussões psicossociais. Palavras-chave: tricotilomania; transtorno obsessivo- compulsivo; criança. AbstRAct Objective: To report two cases of trichotillomania, an underdiagnosed psychiatric disorder that may be associated with important social and clinical problems. The clinical features will be highlighted considering the implications of early diagnosis on patients’ outcome. Case description: An adolescent with isolated trichotil- lomania and another girl whose symptoms were associ- ated with obsessive-compulsive disorder are described. Although both patients presented a favorable outcome with treatment, there was a significant delay in establish- ing the diagnosis and in referring them to a mental health service, leading to negative impact in educational and social domains. Comments: Trichotillomania differs from the benign and transitory hair pulling habits observed in the first years of life, and it is still underdiagnosed. The embarrassment related the patients’ symptoms and the lack of knowledge of health professionals contribute to this situation. The condition may be severe, particularly if associated with trichophagia. Health care professionals need to identify the disorder early and refer these children to specialized treatment before clinical complications and psychosocial problems occur. Key-words: trichotillomania; obsessive-compulsive disorder; child. Relato de caso
A tricotilomania foi descrita pela primeira vez em 1889 por Hallopeau(1), sendo atualmente classificada entre os trans- tornos de hábito e de controle de impulsos(2). Os pacientes referem sentir uma urgência ou necessidade incontrolável de arrancar os próprios pelos, principalmente os cabelos, po- dendo também envolver sobrancelhas, cílios, pelos pubianos ou de qualquer outra parte do corpo. Não raro, os pacientes ingerem os fios de cabelo arrancados ou parte desses, carac- terizando a tricofagia(3). Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), 4 th^ edition (4), a tricotiloma- nia se caracteriza por comportamento recorrente de arrancar cabelos, com perda capilar perceptível; aumento da tensão imediatamente antes de arrancar o cabelo ou quando tenta resistir ao comportamento; prazer, satisfação ou alívio após arrancar os cabelos. O transtorno não é explicado por outro transtorno mental e não se deve a condições médicas gerais (por exemplo, outras condições dermatológicas) e causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcio- namento social, ocupacional ou de outras áreas importantes na vida da pessoa. Nos primeiros anos de vida, o comportamento de arrancar cabelos é usualmente uma manifestação clínica autolimitada, de pouca gravidade e evolução benigna, associada à busca de conforto e acompanhada de outros comportamentos com finalidade semelhante, como a sucção do polegar, por exemplo(5). Sua ocorrência mais tardia, porém, pode estar relacionada a eventos estressantes e ser acompanhada de prejuízos importantes. Um estudo que avaliou 133 crianças e adolescentes entre dez e 17 anos encontrou elevada preva- lência de sintomas depressivos e ansiosos(6). Nessa população, o início mais tardio da tricotilomania foi um preditor para sintomas depressivos e ansiosos, independentemente da du- ração da doença(6). Além de danos estéticos e psicossociais, podem ainda ocorrer complicações clínicas decorrentes da ingestão dos pelos e cabelos, uma característica comum nos portadores de tricotilomania(7). O tricobezoar é uma massa formada a partir de pelos e cabelos deglutidos impactados no interior do trato gastrointestinal e pode assumir, muitas vezes, formas graves, nas quais o bolo de cabelo ingerido ocupa uma parte importante do intestino, causando dores abdominais, náuseas, vômitos, anemia, hematêmese, úlce- ras, pancreatite e até mesmo perfuração intestinal e abdome agudo obstrutivo(8). Algumas vezes, esses tricobezoares se estendem da massa principal localizada no estômago até o cólon por meio de uma extensa cauda de fios, recebendo a denominação de Síndrome de Rapunzel, em alusão à princesa dos contos de fadas(9). A idade média de início do distúrbio varia entre nove e 13 anos, apesar de haver um grupo de início precoce, na fase pré-escolar(10). Quando os sintomas aparecem em idades mais tardias, a tricotilomania é frequentemente associada a outras doenças psiquiátricas como depressão, transtorno obsessivo- compulsivo e outros transtornos de controle de impulso, como o skin picking (10-13). A prevalência de tricotilomania em crianças tem sido relatada em 1%; entretanto, é possível que esse percentual seja subestimado, já que é um transtorno frequentemente secreto e nenhum estudo epidemiológico amplo para essa faixa etária foi realizado(14). O objetivo do presente trabalho foi descrever dois casos de tricotilomania acompanhados no serviço de Psiquiatria Infan- til da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), destacando suas características clínicas e discutindo as implicações do diagnóstico precoce para a evolução das pacientes.
Caso 1 Paciente do sexo feminino, 11 anos, encaminhada pela psicóloga de sua escola, com queixa de arrancar os cabelos. Os pais contavam que, sem nenhum desencadeante ambien- tal, há cinco meses a garota havia começado a arrancar fios de cabelo, apresentando extensas áreas de alopecia em todo o couro cabeludo. A menina referia sentir uma necessidade urgente e incontrolável de arrancar os cabelos, seguida de alívio momentâneo. Consultou-se com dois pediatras, que orientaram a mãe sobre a benignidade do quadro e que, com o tempo, a menina espontaneamente interromperia esse comportamento. A família negava qualquer dificuldade de relacionamento em casa ou em outros contextos sociais. A garota se relacionava bem com seus amigos e, embora não deixasse de frequentar a escola, ficava mais isolada do que o habitual, pois se incomodava com as perguntas a respeito de seu cabelo. A mãe notou que ela arrancava mais cabelos quando ficava ansiosa por algum motivo. Ao final da primeira consulta, depois de receber orientação sobre o transtorno e os riscos associados, a paciente revelou que engolia os pe- dacinhos da “raiz” ou bulbo dos cabelos. Negava, porém, sintomas gastrintestinais. Foi encaminhada para psicoterapia, introduzindo-se clomipramina gradualmente até a dose de 1,5mg/kg/dia. Após cinco meses de tratamento, a paciente não apresentava mais nenhuma área de alopecia, todavia Maria Cristina P. Lima et al
do corpo. Toledo e Cordás(17)^ propuseram seis perguntas que podem auxiliar o médico no diagnóstico, quando há suspeita de tricotilomania (Quadro 1). Enquanto nas formas benignas que ocorrem na primeira infância, mudanças da rotina de cuidados podem ser suficientes para abolir os sintomas, nas manifestações mais tardias é muitas vezes necessário o uso de medicamentos ou psicoterapia. Embora as melhores formas de tratamento ainda não estejam bem estabelecidas, a importância do diagnós- tico precoce da tricotilomania é consensual, tanto pelas potenciais complicações clínicas quanto pelo prejuízo psicossocial. Esse fato torna extremamente importante a compreensão não só da tricotilomania, mas também das inúmeras alterações psicopatológicas que podem ocorrer no continuum do desenvolvimento das crianças. Em relação à tricotilomania, é fundamental que os pediatras estejam atentos para diferenciar o quadro benigno e transitório de arrancar cabelos que ocorre na primeira infância e a trico- tilomania de início mais tardio, muitas vezes de evolução crônica, potencialmente grave e geradora de sofrimento e impacto relevantes. Quadro 1 – Perguntas que não podem faltar na anmnese.