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A análise de rui pina coelho sobre a representação da violência na dramaturgia britânica do pós-segunda guerra mundial. Ele discute os modos de representação artística da violência no teatro inglês, relacionando-a à sua transposição cênica e discutindo as formas possíveis de figuração da violência em outros campos artísticos. O texto também aborda a importância da criatividade na pesquisa acadêmica.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 07/11/2022
4.5
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Não perca as partes importantes!
Transforma-se o amador na coisa amada..... Maria Helena Serôdio Leituras Sinais de cena 21. 2014 cento e sete
O título, a que aqui deitei mão, cita um verso camoniano bem conhecido – evocando Petrarca, aliás – que, embora vindo da escrita de um tempo já longínquo, faz ainda sentido e oferece a plena espessura de uma coisa vivida. É de amor, de Eros, que fala Camões, como sabemos, mas julgo poder transferir este verso, e esse sentido do amor, que transfigura, para um outro campo: o do leitor que se faz escritor. Porque a verdade é que continua a reportar-se, na cena da leitura e da escrita, a um idêntico deslizamento de sentidos e de gestos que opera por uma alquimia especial de atracção e identificação: instala-se o gosto, avança a interpelação, cria-se o lugar da fala
própria. Que não deixa, como é obvio, de provar que a cultura e as artes são feitas destes "transbordamentos", de que fala Jean-Pierre Sarrazac quando se refere ao "drama na vida" (2002: 229), mas de que falou também, muito antes, T. S. Eliot quando analisou a relação entre o talento individual e a tradição (1983 [1920]). Rui Pina Coelho (RPC) é, de há muito, um leitor entusiasta de textos para teatro e tradutor de peças recentes (neste campo, a quatro mãos, com a Ana Raquel Fernandes). É um conhecido crítico da cena teatral, investigador atento às dramaturgias contemporâneas e professor enamorado pelo contacto vivo com as novas gerações (de futuros actores e críticos). E conhecemos agora também a sua valência de dramaturgo, que, aliás, já vinha fazendo caminho em pequenas aventuras, peças curtas e breves apresentações públicas. É, então, sobre essa nova figuração – ou melhor, transfiguração – que gostaria de deixar aqui algumas breves notas. O tópico é, portanto, Já passaram quantos anos, perguntou ele... O ponto de partida terá sido Look Back in Anger , de John Osborne, que, em 1956, iniciou e cunhou o novo drama do pós-guerra inglês e que em Portugal se fez em palco com títulos diferentes como se poderá perceber na consulta da CETbase^1 : O tempo e a ira (em 1967 e 1968, na tradução de José Palla e Carmo, respectivamente pelo Teatro Experimental do Porto e pelo Teatro Experimental de Cascais), O tempo da ira (pela Companhia de Teatro de Braga, em 1992) e Dá raiva olhar para trás... (com tradução de Gustavo Rubim para a Companhia de Teatro do Chiado, em 1996). Aliás, foi sobre essa matéria – e a sua avaliação de encontro a questões culturais, políticas e artísticas – que RPC fez a sua tese de doutoramento, com um título de "inspiração narrativa", por ser tão longo, explícito e curioso: Dias difíceis: A representação da violência na dramaturgia britânica de matriz realista do pós-Segunda Guerra Mundial (1951-1967)^2. Em aparte, e só por essa circunstância, vale a pena insistir no facto de que o estudo – sério, aprofundado, interrogativo – não inibe, por si próprio, a criatividade, nem retira o gosto pela interpelação criativa, como, por vezes, o preconceito anti-culturalista pretende advogar. E aí está a escrita de RPC para provar isso mesmo. Na tese, que apresentou, procedeu à análise dos modos de representação artística da violência no teatro inglês
(^1) http://ww3.fl.ul.pt// CETbase/
(^2) Apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e que no conjunto das provas, foi classificada como “aprovada com distinção e louvor por unanimidade”.
cento e oito Sinais de cena 21. 2014 Leituras
do pós-Segunda Guerra Mundial, partindo de um levantamento exaustivo dos textos dramáticos em que se pode identificar esta temática, mas ponderando igualmente a relação entre essa representação e a sua transposição cénica, e discutindo ainda as formas possíveis de figuração da violência noutros campos artísticos, como são os casos do cinema e das artes plásticas, por exemplo. Restringiu ainda, de modo pertinente, o universo dramático a estudar àquele que trabalha a violência no âmbito da matriz realista e procedeu ao estabelecimento das diferentes tipologias que enformam os textos que analisou. E fê-lo de uma forma rigorosa e num estilo cativante. No conjunto das peças reunidas no volume, que o TEP agora lançou, pressentimos uma competência de escrita que, desassombradamente, se afirma a partir de um ponto de vista geracional, dando voz e "corpo" a jovens artistas que trabalham no teatro e o entendem como uma prática holística: da aprendizagem da escrita à leitura e prática cénica e, em todos os níveis, procurando a voz, o corpo, o ritmo e os afectos de quem se revê nos problemas de muitos. E, entre esses muitos, está o jovem licenciado (às vezes já Mestre ou mesmo Doutorado) que vê fecharem- se à sua frente as portas de emprego para as quais se preparou com esforço e dedicação durante anos. A peça maior deste volume – Já passaram quantos anos, perguntou ele... – recupera claramente algumas dessas problemáticas referidas ao pós-guerra, mas incorpora já a consequência das derivas económicas e sociais que entretanto avançaram para um grau mais sofisticado de exploração e se instituíram, naturalmente, também entre nós. Essa mais radical exposição às condições de instabilidade e a uma quase extrema declaração de impossibilidade de futuro ( no future ) para os mais jovens, parece ajustar-se melhor à opção dramatúrgica do autor que apresenta uma composição mais livre, fluindo ao ritmo trepidante das músicas e canções anglo-americanas que invadem o espaço da cena e que parecem recobrir a
zoeira de sentidos, que acompanha esse aceleramento, marcada pela de impotência e desânimo. Não falta, de facto, nesta peça uma maior consciência de um desabar de esperanças de tonalidade apocalíptica, que parece concretizar-se com as repetidas "ameaças" de um fim de mundo que a internet vai "generosamente" anunciando a partir de todas as pragas e infortúnios que ocorrem no planeta Terra: asteróides em rota de colisão com a terra, pássaros e peixes que aparecem mortos às centenas... Prolonga, é certo, uma visão milenarista que já vem do passado, em geral, até porque é razão e consequência da capacidade humana de lembrar o passado e pensar o futuro, só que o faz hoje a partir de meios mais sofisticados e que têm uma capacidade de penetração acrescida, quase viral. Não é de excluir que a insistência nesse processo de pensar o futuro funcione não apenas para exorcizar medos apocalípticos, mas também para os redireccionar para questões que ultrapassam muitas vezes a possibilidade de actuação humana, e, assim, distraindo- nos da real possibilidade de "fazermos" – ou ajudarmos a fazer – o nosso futuro. O título da peça "cita" uma pergunta: Já passaram quantos anos, perguntou ele... Pode ser aquela frase, muitas vezes repetida por amigos e familiares quando se reencontram, esperada ou inesperadamente. Fazem-no porque querem, de facto, saber o que se passou entretanto: "Revisão da vida vivida", escreveria, provavelmente, uma professora no sumário da aula que estudaria esse tempo e esse lugar de vida na conversa entre amigos. Mas é também importante atender à notação introduzida pelas duas últimas palavras do título – "perguntou ele" –, uma vez que, em si, elas asseguram uma possível intervenção do "repórter", ou do "narrador", dialogando assim com a matéria jornalística e/ou dramática, ou seja, integrando- se no que Sarrazac diz ser o "drama na vida", extensivo ao nosso tempo e às novas gerações. É, de facto, legível no procedimento dramatúrgico da
Maria Helena Serôdio Transforma-se o amador na coisa amada.....
Já passaram quantos anos, perguntou ele , de Rui Pina Coelho, enc. Gonçalo Amorim, Teatro Experimental do Porto, 2011 (Raquel Castro, Carlos Marques e Luís Araújo), fot. José Martins.