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Este documento pertence a um caderno de ética e filosofia política e discute a história de valério, uma pessoa que se disfarça de mulher para ser amada. O texto explora as reações de angélica, lucinda e outros personagens ao descoberto disfarce. O retrato de valério é um ponto chave na história, representando a aparência enganosa que valério mantém.
O que você vai aprender
Tipologia: Slides
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Não perca as partes importantes!
Jean-Jacques Rousseau
Lisimon Valério (filho de Lisimon) Lucinda (filha de Lisimon) Angélica (pupila de Lisimon e irmã de Leandro) Leandro (pupilo de Lisimon e irmão de Angélica) Marta (criada) Frontim (valete de Valério)
Acabo de ver meu irmão caminhando pelo jardim, apressemo-nos em colocar seu retrato sobre a penteadeira antes do seu retorno.
Ei-lo, senhorita, modificado em sua aparência de modo a ficar irreconhecível. Mesmo que seja o mais garboso homem do mundo, ele resplandece aqui como mulher dotada de novas graças.
Valério, por sua delicadeza e pela afetação de suas vestimentas, é uma espécie de mulher escondida sob roupas masculinas, e esse retrato, assim modificado, parece menos disfarçá-lo do que devolvê-lo ao seu estado natural.
Pois bem, e que mal há nisso? Visto que as mulheres hoje em dia procuram aproximar- se dos homens, não é mais conveniente que eles façam a metade do caminho, dedicando-se a ganharem em atrativos a porção que elas buscam de solidez? Graças à moda, todos se encontrarão no mesmo nível.
Não suporto modas tão ridículas. Talvez nosso sexo possa alcançar a felicidade de não agradar menos, ainda que ele se torne mais estimável. Porém, quanto aos homens, tenho piedade de sua cegueira. O que pretende essa juventude aturdida ao usurpar todos os nossos direitos? Esperam agradar mais as mulheres por um esforço que os tornam semelhantes a elas?
Agindo desse modo estariam errados, e as mulheres odeiam-se demais para amarem alguém que se assemelhe a elas. Mas voltemos ao retrato. Não temeis que esta pequena chacota possa enraivecer o senhor cavaleiro?
Não, Marta. Meu irmão é naturalmente bom, ele é mesmo razoável, quase até demais. Ele perceberá que usando esse retrato para realizar uma reprimenda muda e jocosa, não espero nada além de curá-lo de um pequeno defeito que choca até mesmo a terna Angélica, essa amável pupila de meu pai, que Valério esposa hoje. É prestar-lhe um serviço corrigir os defeitos de seu amado, e sabes o quanto eu preciso do auxílio desta querida amiga para escapar de Leandro, seu irmão, com quem meu pai deseja que eu me case.
Então, esse jovem desconhecido, esse Cleonte que vistes no último verão em Passy, vosso coração ainda bate forte por ele?
Não o nego. Conto mesmo com a palavra que ele me deu de logo retornar, e com a promessa feita por Angélica de engajar seu irmão a renunciar-me.
Renunciemos, vos suplico, a essa brincadeira frívola. Sinto que não posso divertir-me arriscando a tranquilidade do meu coração.
Como sois tímida! Valério vos ama demais para tomar como algo ruim qualquer coisa que façais, contanto que sejais apenas sua amante. Tende em mente que contais apenas com um dia para dar continuidade às suas fantasias, e que as dele não tardarão a chegar. Ademais, trata- se de curá-lo de uma fraqueza que o expõe à chacota, e eis que esta é propriamente a obra de uma amante. Podemos corrigir os defeitos de um amado. Mas quê! É preciso suportar os defeitos de um marido.
Afinal, o que há de tão ridículo nele? Sendo ele amável, estaria tão errado em amar-se, e não damos a ele o exemplo? Ele deseja agradar. Ah, se isso é um defeito, que virtude mais encantadora um homem poderia oferecer à sociedade!
Sobretudo em uma sociedade de mulheres.
Enfim, Lucinda, se acreditais em mim, daremos cabo desse retrato e de todo esse ar de chacota que pode ser tomado tanto por um insulto quanto por uma correção.
Oh! Não. Não desperdiçarei tanto empenho. Porém, quero, sozinha, correr os riscos do sucesso, e nada vos obriga a ser cúmplice de um estratagema do qual podeis ser apenas testemunha.
Bela distinção!
Regozijo-me em ver a atitude de Valério. Independentemente do modo como ele abordar a situação, será uma cena bem engraçada.
Compreendo. O pretexto é de corrigir Valério, mas o verdadeiro motivo é rir à sua custa. Eis o gênio e a felicidade das mulheres. Elas frequentemente corrigem o ridículo pensando apenas em sua diversão.
Enfim, façais como desejarem, mas eu as advirto de que, a depender do desfecho, tereis que se ver comigo.
Que seja.
Desde que estamos juntas, me pregastes mais de cem peças cuja punição vos é devida. Se essa brincadeira me causar o menor desentendimento com Valério, cuidado.
Sim, sim.
Pensai um pouco em Leandro.
Ah! Minha cara Angélica...
Sangarida, esse é um grande dia para vós 1.
Sangarida, quer dizer, Angélica. Sim, a noite de núpcias é um grande acontecimento, o diabo são os dias que dela se seguem.
Como terei prazer em fazer Angélica feliz!
Gostaríeis de torná-la viúva?
Impertinente piadista. Sabes a que ponto a amo. Diga-me, conheces qualquer coisa que possa faltar à sua felicidade? Com muito amor, um pouco de espírito, e essa feições... como vês. Pode-se, acredito, estar seguro de agradar.
Isso é inquestionável, e sois o primeiro a prová-lo.
O que me desagrada em tudo isso é que não sei quantas pessoas vão secar de desespero com meu casamento, que não saberão mais o que fazer de seus corações.
(^1) Valério entra cantando esses versos de Atys , ópera de Quinault, ato I, cena VI (nota traduzida da edição da Pléiade, 1964, t. II, p. 1867).
Oh, sem sombra de dúvida! Aquelas que vos amaram, por exemplo, se ocuparão a detestar vossa cara-metade. As outras.... mas onde diabos estão essas outras?
A manhã avança. É tempo de me vestir para ir ter com Angélica. Vamos. (Ele se dirige até a penteadeira.) Como achas que estou nesta manhã? Não há brilho em meus olhos, tenho a pele desgastada. Me parece que não estou como de costume.
Como de costume? Pois estais justamente como de costume.
O uso do rouge 2 é um péssimo hábito. Contudo, hoje terei que me servir dele, pois sem isso ficarei pavoroso. Onde estará minha maquiagem? Mas o que vejo? Um retrato... ah! Frontim, que objeto deslumbrante... onde pegastes esse retrato?
Eu? Que eu seja enforcado caso saiba sobre o que me falais.
O quê! Não fostes tu aquele que pendurou esse retrato sobre minha penteadeira?
Não, por minha vida.
(^2) No original, o personagem pede pelo ‘ rouge’. Esse termo, em francês, significa tanto a cor vermelha quanto um tipo de maquiagem, empregado para ruborizar as maçãs do rosto, hoje comumente conhecido como blush. Na França do século XVIII, principalmente entre os membros da corte, o uso desse tipo de maquiagem era difundido tanto entre homens quanto entre mulheres.
Não me engano! É ele... é ele mesmo. Como está enfeitado! Quantas flores! Quantos adereços! Isso tem, sem dúvida, o dedo de Lucinda. Marta é ao menos cúmplice. Não interrompamos sua chacota. Minhas indiscrições anteriores custaram-me caro demais.
Pois então? O senhor Frontim reconheceria o original dessa pintura?
Ora essa! Se o conheço! Algumas centenas de pontapés e uns outros tantos tapas que tive a honra de receber dele sedimentaram nossa relação.
Uma moça... pontapés! Isso é um pouco libidinoso.
São apenas pequenos desentendimentos domésticos sem maiores consequências.
Mas como? Você trabalhou para ela?
Sim senhor, e tenho a honra de ainda ser seu muito humilde servidor.
Seria muito engraçado se houvesse em Paris uma moça tão bela que não fosse de meu conhecimento! .... Sejas sincero. O original é tão amável quanto o retrato?
(^3) Toda essa réplica de Frontim é à parte. As edições de 1764, 1769 e 1772 indicam: Frontim, à parte (nota traduzida da edição da Pléiade, 1964, t. II, p. 1867).
Como, amável! Sabeis, senhor, que se alguém pudesse aproximar-se de vossas perfeições, somente ele estaria em condições de comparação.
Meu coração não resiste... Frontim, diga-me o nome dessa bela.
Ah! Por minha fé, fui pego de calças curtas.
Como ela se chama? Vamos, fale!
Ela se chama... ela se chama... ela não se chama. É uma moça anônima como tantas outras.
Em que horríveis incertezas esse velhaco me lança! Seria possível que feições tão encantadoras pertencessem a uma voluptuosa?
Por que não? A beleza se agrada em adornar os semblantes que tiram seu orgulho somente dela.
O que, ela é...
Não vês que sois vós mesmo que me as fornece? Existe alguém no mundo que seja mais ridículo do que isso?
O quê! Não poderia descobrir de onde vem esse retrato? O mistério e a dificuldade irritam meu entusiasmo, pois te confesso, estou realmente enamorado.
A coisa é impagável! Ei-lo apaixonado por si mesmo.
Entretanto, Angélica, a charmosa Angélica... na verdade, não entendo nada do meu coração e preciso ver essa nova amada antes de me determinar quanto ao meu casamento.
Como, senhor! O senhor não... ah! Fazeis um gracejo.
Não. Digo-te muito seriamente que não poderia oferecer minha mão a Angélica enquanto a incerteza de meus sentimentos for obstáculo para nossa felicidade mútua. Não posso esposá-la hoje e isso está decidido.
Sim, para vós. Mas o senhor vosso pai também fez ele mesmo suas resoluções, e de todos os homens do mundo ele é o menos propício a ceder às vossas. Sabeis que sua fraqueza não é a complacência.
É preciso encontrá-la a qualquer preço que seja. Vamos, Frontim, corramos, procuremos em toda parte.
Vamos, corramos, voemos. Façamos o inventário e o recenseamento de todas as belas moças de Paris. Raios! Que belo livro teríamos! Livro raro, cuja leitura não deixaria dormir.
Apressemo-nos. Termine de vestir-me rapidamente.
Esperai, eis bem a propósito o senhor vosso pai. Vamos inteirá-lo sobre o assunto.
Cale-se carrasco. Que infeliz contratempo.
Pois então, meu filho?
Frontim, uma cadeira para o senhor.
Quero permanecer de pé. Tenho apenas duas palavras para te dizer.
Pura tolice. Um pouco de negligência, às vezes, é bom para quem ama. As mulheres se importavam mais com nosso fervor do que com o tempo que perdíamos nos arrumando, e sem afetar tanta delicadeza nas vestimentas, tínhamos seu coração. Mas deixemos isso de lado. Pensei em postergar seu casamento até a chegada de Leandro, para que assim ele tenha o prazer de presenciá-lo, e para que eu tenha o prazer de casar você e sua irmã em um mesmo dia.
Frontim, que felicidade!
Ah sim, um casamento postergado é sempre tempo ganho sem arrepender-se.
Que dizes, Valério? Não me parece conveniente casar a irmã sem esperar o irmão, visto que ele está a caminho.
Digo, meu pai, que não poderíamos pensar em nada melhor.
Esse atraso não te causará transtorno?
O fervor que tenho em vos obedecer vence qualquer hesitação de minha parte.
Era, entretanto, por receio de te causar descontentamento que não havia nada proposto.
Vossa vontade não é menos a regra dos meus desejos do que aquela que pauta minhas ações. (Em voz baixa.) Frontim, que incrível é meu pai.
Estou encantado em te encontrar tão dócil, e por isso serás recompensado, pois, por meio desta carta recebida agora, Leandro me informa de que chega hoje.
É mesmo, meu pai?
É mesmo, meu filho, assim nada será alterado.
Como, quereis casá-lo assim que ele chegar?
Casar um homem cansado da viagem!
Não, isso não. Porque, além disso, Lucinda e ele nunca se viram, de modo que é preciso deixá-los se conhecer. Mas ele assistirá o casamento de sua irmã, e eu não serei cruel a ponto de deter o casamento de um filho tão obediente.
Senhor...
Nada tema. Conheço e aprovo teu fervor para que eu te prejudique.
Sabeis, senhor filósofo, que não há nenhuma diferença entre a minha vontade e o ato. Poderíeis ter deliberado quando vos propus o assunto, quando estavas, vós mesmo, tão disposto. Eu teria de bom grado escutado vossas razões, pois sabeis que sou indulgente.
Oh! Sim, senhor, estamos preparados a concordar nesse aspecto.
Mas hoje que tudo está arranjado, podeis especular à vontade. E isso não resultará em prejuízo para as núpcias.
O constrangimento redobra minha repugnância. Tende em mente, vos suplico, a importância do caso. Concedei-me alguns dias...
Adeus, meu filho. Tu te casarás essa noite ou.... sabes o que te esperas. Como fui enganado pela falsa obediência desse patife!
Céus! Em que embaraços me lança sua inflexibilidade!
Sim, casado ou deserdado! Esposar uma mulher ou a miséria! É de se hesitar.
Eu, hesitar! Não, minha escolha ainda era incerta. Ela foi determinada pela intransigência de meu pai.
Em favor de Angélica?
Ao contrário.
Eu vos parabenizo, senhor, por uma resolução assim tão heroica. Ides morrer de fome como um digno mártir da liberdade. Mas e se fosse o caso de esposar o retrato, hã? O casamento já não seria mais tão terrível?
Não. Mas se meu pai pretendesse me forçar, creio que resistiria com a mesma firmeza, e sinto que meu coração me levaria em direção à Angélica ainda que tentassem me afastar dela.
Que docilidade! Se não herdardes nenhum bem do senhor vosso pai, herdareis ao menos suas virtudes. (Olhando para o retrato.) Ah!
Que tens?
Desde nossa desgraça, esse retrato me parece ter tomado uma fisionomia famélica, um certo ar de prostração.