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Este artigo explora a relação entre a religiosidade e a identidade dos potiguaras, um povo indígena do nordeste do brasil, através da análise da planta jurema. Os autores discutem como a jurema serve como símbolo diferenciador entre os potiguaras e a sociedade abrangente, imprimindo fronteiras e marcando territórios. O texto também aborda a história da circulação da jurema entre os povos indígenas e a influência dos rituais comemorativos na construção da identidade.
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Tipologia: Esquemas
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Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017
Reflexões sobre a religiosidade e identidade Potiguara Territoriality, diacrytic signs and Jurema: reflections on religiosity and Potiguara identity Geraldo de França Alves Júnior Mestrando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, Bolsista CAPES/CNPq. Caio Nobre Lisboa Mestrando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, Bolsista CAPES/CNPq. Márcia Alexandrino de Lima Mestranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, Bolsista CAPES/CNPq. RESUMO. Historiograficamente registrada desde o início da colonização portuguesa no Nordeste brasileiro, a jurema ( Mimosa tenuiflora [Willd.] Poir., Mimosa verrucosa Benth. e Vitex agnus-castus L.) apresenta grande importância para os povos indígenas dessa região. Neste trabalho, refletir-se-á acerca dos vários aspectos e usos da jurema, em especial para o Povo Indígena Potiguara, localizado no Litoral Norte do Estado da Paraíba. Consiste em uma pesquisa teórica e bibliográfica e de experiências etnográficas pontuais que pretende ser ponto de partida para futuros debates, reflexões, questionamentos e pesquisas. As questões centrais exploradas nesse artigo remetem à religiosidade, identidade e construção de uma territorialidade desse povo. Nesse sentido, trabalhamos com a hipótese de que os rituais associados com a jurema têm como um de seus possíveis corolários a afirmação de diferenças interétnicas, em vista da existência de uma baixa contrastividade cultural desse grupo para com a sociedade abrangente. PALAVRAS-CHAVE: Jurema. Povo Potiguara. Territorialização. Identidade.
231 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 ABSTRACT. Historiographically recorded since the beginning of Portuguese colonization in the Brazilian Northeast, the jurema ( Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir., Mimosa verrucosa Benth., and Vitex agnus-castus L.) presents great importance to the indigenous peoples of this region. This work will reflect on the various aspects and uses of jurema, especially for the Potiguara Indigenous People, located in the Northern Coast of the State of Paraíba. It consists of a theoretical and bibliographical research, and of punctual ethnographic experiences that is intended as a starting point for future debates, reflections, questionings and researches. The central questions to be explored in this article remit to the religiosity, identity and construction of a territoriality of this people. In this sense, we work with the hypothesis that the rituals associated with jurema have as their greatest result the affirmation of interethnic differences, in view of the existence of a low cultural contrastivity of this group towards the comprehensive society. KEYWORDS: Jurema. Potiguara People. Territorialization. Identity. INTRODUÇÃO O presente artigo teve início a partir da experiência de campo realizada no dia 08 de abril de 2017 junto ao Povo Indígena Potiguara, nos municípios de Rio Tinto e Baía da Traição, Estado da Paraíba. Essa experiência de campo ocorreu no âmbito da disciplina “Modelos dominantes de ‘desarrollo’ vs. Modelos de los movimentos sociales: territorio, medio ambiente y luchas sociales”, ministrada pela professora Dra. María Elena Martínez Torres (CIESAS/EAE/CAPES)^1. Esse encontro com os Potiguara nos inquietou no sentido de explorar os possíveis significados que conferem aos seus símbolos representativos, sobre a terra e suas tradições. Para tanto, ocorreram outras duas idas a campo, mais especificamente ao Terreiro Sagrado das Furnas na Aldeia São Francisco, localizada na Baía da Traição, nos dias de 19 de abril de 2017 e 19 de abril de 2018^2. Dessa forma, nesse artigo tentamos refletir, explorar e entender o fenômeno da Jurema^3 , que se mostra dentre os índios do Nordeste como parte do seu universo (^1) A professora Dra. Maria Elena Martinez Torres é Subdiretora de Docência do Centro de Investigação e Estudos Superiores de Antropologia Social (CIESAS), México. O curso monográfico foi realizado em uma parceria da Escola de Altos Estudos (EAE), México e os Programas de Pós-Graduação de Antropologia (PPGA), Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e PRODEMA da Universidade Federal do Ceará/UFC. O curso foi realizado no período de 03 a 12 de abril de 2017. (^2) Data comemorativa em que povos indígenas de todo o país celebram o Dia do Índio. (^3) Ao longo deste artigo, empregaremos dois modos de nominá-la: jurema , com “j” minúsculo, para designar a planta em seus aspectos estritamente biológicos, químicos e utilitários; e Jurema , com “J” maiúsculo,
233 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 O Povo Indígena Potiguara, assim como muitos outros povos indígenas, sofreu com os contatos com a sociedade colonizadora. Em sua situação colonial (STOCKING JR., 1991; OLIVEIRA, 1998), travaram muitos embates contra os portugueses, a quem tinham uma particular aversão. Os Potiguara só conseguiram resistir até aproximadamente 1584, após várias tentativas frustradas dos portugueses. Entretanto, também fizeram muitas alianças – e essa é uma característica histórica peculiar desse grupo – , como por exemplo, com os franceses, que eram interessados na exportação do pau-brasil, e depois com os holandeses por volta de 1630 e 1654. Como coloca Andrade (2008, p. 7): Há registros de que, em uma de suas primeiras incursões em 1625, os holandeses levaram alguns Potiguara de Baía da Traição, sendo que três deles voltaram em 1630. Esta aproximação com os holandeses custou caro aos Potiguaras, quando da expulsão dos primeiros, que foram em grande parte massacrados ou fugiram para o interior enquanto os remanescentes foram reunidos em aldeamentos submetidos à fiscalização militar e ao controle de missionários católicos. Esse mesmo autor nos informa que durante todo século XVII, em decorrência desses grandes embates, o Povo Potiguara sofreu muito com a dominação da sociedade branca e do governo colonial português, refletindo em marcas profundas em suas configurações sociais e culturais. Foi assim que, a partir de vários instrumentos, os Potiguara foram colonizados, sujeitos à interação com a sociedade colonizadora e suas formas de dominação e assimilação, como os aldeamentos e tutelas da Igreja Católica, por exemplo. Esses detalhes do processo de colonização e dominação, conforme Oliveira (1998), demonstram uma das estratégias coloniais de aniquilamento das populações indígenas pela dita sociedade “civilizada” e colonizadora, uma ideologia que perdurou durante muitos séculos, mesmo após a rejeição desse regime político. Nesses aglomerados, regidos por agentes da instituição religiosa dominante, projetava-se uma interação maior dos povos indígenas com o homem branco e as transformações dos sinais que os distinguiam, visando um projeto de civilização inculcado a partir da educação oferecida e do trabalho, muitas vezes forçado, nessas instituições. O que importa notar aqui é que por meio desses vários processos de iniciativa colonizadora sobre esse povo, muitos dos traços socioculturais e específicos dos indígenas Potiguara foram condenados e reprimidos. No decorrer desse processo
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 histórico, parte de sua população foi dizimada e muitos de seus traços característicos se transformaram ou foram suprimidos – embora não erradicados – , como sua língua materna^5 , diminuindo assim a sua diferenciação cultural junto à sociedade extensa. Esse processo ocorreu também com a Jurema, expressão religiosa indígena que foi severamente combatida. Como nos relata Salles (2010, p. 39): [...] em 1741, uma carta a D. João V, enviada por Henrique Luís Pereira Freire de Andrada, Governador da Capitania de Pernambuco, já alertava sobre os riscos da bebida. A comunicação versava sobre a prisão de “índios feiticeiros” na Capitania da Paraíba, relatando que “nas aldeias usaram a maior parte dos índios de uma bebida chamada jurema”. Nesse momento nos permitimos fazer um salto histórico sem, contudo, desconsiderar as mudanças profundas que se deram com o fim da colonização portuguesa, marcando o início do período imperial brasileiro e, posteriormente, o advento da República – e os sucessivos golpes que esta sofreu, os quais ainda perduram. Foi em meio a conturbadas transformações e imposições sociais, culturais, econômicas e políticas que, no início do século XX, diante de uma série de conflitos fundiários e identitários, o Povo Potiguara ressurgiu com uma força e resistência semelhante aos relatos coloniais, frente aos modos como se davam a exploração e a dominação de suas terras, pela chegada e expansão de indústrias, dentre elas a Companhia de Tecidos Rio Tinto e, posteriormente à sua falência, a expansão das usinas de cana-de-açúcar pelo Litoral Norte^6. (^5) A esse respeito, transcrevemos aqui o parágrafo 6 do chamado Diretório dos Índios , um alvará com força de lei de 7 de junho de 1755, promulgada por D. José I durante o governo do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, a ser observado no Estado do Grão-Pará e Maranhão, e que trata, dentre outras questões, do regime de trabalho que pretendia instituir, o incentivo ao casamento entre brancos e índios, a distinção entre negros e índios, a proibição da vivência comunitária e doméstica tradicional, e a conversão ao cristianismo (Cf. SILVA, 1830, p. 507-530): “Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que conquistárão novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seo próprio idiôma, por ser indisputavel, que este he hum dos meios mais eficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se introduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radica tambem o affecto, a veneração, e a obediencia ao mesmo Principe. Observando pois todas as Nações polida da Mundo este prudente, e sólido systema, nesta Conquista se praticou tanto pelo contrario, que só cuidarão os primeiros Conquistadores estabelecer nella o uso da Lingua, que chamarão geral; invenção verdadeiramente abominável, e diabolica, para que privados os Indios de todos aquelles meios, que os podião civilizar, permanecessem na rustica, e barbara sujeição, em que até agora se conservárão. Para desterrar este perniciosissimo abuso, será hum dos principaes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o uso da Lingua Portugueza, não consentido por modo algum, que os Meninos, Meninas, que pertencerem ás Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucção nesta materia, usem da Lingua propria das suas Nações, ou da chamada geral; mas unicamente da Portugueza, na fórma, que Sua Magestade tem recommendado em repetidas Ordens, que até agora se não observárão com total ruina Espiritual, e Temporal do Estado” (SILVA, 1830, p. 508-509). (^6) Cf. RODRIGUES, 2008.
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 De acordo com Grünewald (2008), a Jurema pode ser uma planta, uma bebida e uma entidade. Enquanto planta, ela pertence à família das leguminosas^9 , sendo que algumas espécies são cultivadas para alimentação e possuem certas propriedades psicoativas. Segundo Silva, Santos e Almeida (2010, p. 3 ) “[...] a Jurema é mais do que uma planta: é representação, divindade, mulher, vinho. Neste sentido, todo um conjunto de crenças é associado à mesma”. Mas é importante notar que, enquanto planta, a jurema ocupa, com efeito, um papel de destaque na flora nordestina pela referência mágico- religiosa que possui. Segundo o “Dicionário de Nomes Próprios ”^10 , a palavra jurema significa: “árvores de espinhos de odor desagradável”. O nome jurema tem origem no tupi Yu-r- ema , composto pela união dos elementos yu, ju , que quer dizer espinho , e rema , que significa odor. A planta é considerada sagrada pelos povos indígenas do Nordeste^11 , sendo referenciada nos cânticos e como elemento étnico, como no trecho de canção transcrita abaixo, registrada durante o início do Toré do dia 19 de abril de 2018, pela parte da manhã, nas Furnas da Aldeia São Francisco. O galo cantou, o dia nasceu (2x) Quem chegou aqui, agora aqui chegou foi eu (2x) Eu tava na Jurema, porque mandou me chamar (2x) Quem chegou aqui, agora aqui chegou foi eu (2x) O habitat desse vegetal é a caatinga do Nordeste brasileiro, especificamente nos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Paraíba. Ela adapta-se a longos períodos de estiagem e possui folhas pequenas, compostas de numerosos folíolos com vários pares de pinas opostas e espinhos. No entanto, “[...] sabendo dos vários deslocamentos de grupos indígenas movidos pela colonização e os aldeamentos missionários” (OLIVEIRA, 1998, p. 57), bem como a circulação de indígenas motivadas pelas trocas, encontros e conflitos que a literatura existente demonstra ter existido entre esses povos no período colonial, inferimos, portanto, que pode ter sido de tal modo que essa espécie chegou até o litoral paraibano^12. (^9) As Fabaceae ou Leguminosae representa uma grande e importante família das Angiospermas, que inclui as vagens , ervilhas e feijões, por exemplo. (^10) Ver referências. (^11) E também para os religiosos indígenas e não-indígenas praticantes da jurema entre os Umbandistas da região Nordeste, no que também é conhecido por Catimbó – Jurema (SAMPAIO, 2016). (^12) Como João Azevedo Fernandes (2004, p. 69) nos informa sobre as disputas pelas matas de caju presentes nas terras Potiguara: “As matas de cajueiros, e suas enormes concentrações de alimentos, na forma de frutos
237 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 Na composição molecular da jurema existem algumas substâncias que proporcionam efeitos. É o componente chamado Dimetiltriptamina (DMT)^13 que é derivado da triptamina. Esse composto químico também é encontrado em algumas espécies de fungos e plantas. O preparo do vinho da jurema varia consideravelmente e a mistura vegetal é necessária para intensificar os efeitos do DMT (GAUJAC, 2013). Esse princípio ativo também é encontrado na ayahuasca. Segundo Gaujac (2013, p. 16) “[...] ao contrário do preparo da ayahuasca, os aditivos utilizados no preparo do vinho da jurema são mantidos em segredo, tanto pelos povos indígenas como pelos afrodescendentes”. Existem ao menos sete espécies de árvores ou arbustos conhecidos, usados e classificados como jurema. Entretanto, cientificamente são três as espécies utilizadas nos rituais dos índios da região Nordeste e nos cultos afro-brasileiros: a Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir., essa seria a jurema preta; a Mimosa verrucosa Benth, conhecida popularmente como jurema-branca; e a Vitex agnus-castus , uma Verbenaceae , usada entre os Cariri-Xocó, como jurema branca ou liamba. Na classificação popular são conhecidas como: jurema mansa, jurema branca, jurema de caboclo, jurema de espinho, jurema preta, jurema das matas e jureminha (MOTA; BARROS, 2002 apud SILVA; SANTOS; ALMEIDA, 2010 ). Para Grünewald (2008), a Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. é uma das que mais chamam a atenção pela alta concentração de Dimetiltriptamina (DMT)^14. e castanhas, eram ferozmente disputadas pelos diferentes povos indígenas: ‘[...] ser senhor de um destes cajuais para efeito dele ( do vinho ), é ter o morgado mais pingue’. Os Potiguara eram os senhores das melhores áreas – entre Itamaracá e Rio Grande do Norte – mas tinham que defendê-las de povos aparentados, como os Caeté e os Tabajara, e também dos tapuias do sertão, que na estação do caju (entre novembro e janeiro) desciam às praias, ‘porquanto pouco ou nenhum caju se encontra muito para o interior’”. (^13) O intuito de falar brevemente do DMT é situar o leitor ao contexto bioquímico dos possíveis reflexos da bebida nos rituais aqui mencionados, mas, especificamente, nossa pretensão neste artigo é analisar o aspecto cosmológico do uso do vinho da jurema nos rituais religiosos. (^14) Classificada taxonomicamente da seguinte forma: “Reino – Vegetal; Divisão – Magnoliophyta; Classe – Magnoliopsida; Ordem – Fabales; Família – Fabaceae; Gêneros - Mimosa e Vitex; Espécies - Mimosa hostilis Benth, Mimosa verrucosa Benth, Mimosa tenuiflora (Willd). Poir, Vitex agnus-castus L ” (ITIS, 2009 apud SILVA et al., 2010).
239 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 Os grupos indígenas que não usam essa bebida fazem referência constante à planta como dotada de forças mágicas ou cósmicas que são cultuadas ou, pelo menos, reconhecidas enquanto portadoras de influências oriundas das matas nativas. Há, por fim, a ideia de que jurema é uma entidade, uma personificação espiritual das citadas forças das florestas brasileiras. Este último sentido é mais próprio às religiões afro-ameríndias (ou afro-brasileiras), que substituíram a planta bebida por uma representação de forças nativas (2008, p. 47). Além do uso mágico-religioso, a jurema tem outras finalidades para o povo nordestino, e não apenas para os povos indígenas. Dentre elas, o uso da madeira propriamente dita, seus usos na medicina popular e na medicina veterinária, e na manutenção da biodiversidade. Por exemplo, de acordo com o Centro Nordestino de Informação Sobre Plantas (CNIP)^16 , sua madeira é utilizada para a produção de estacas, peças de resistência e móveis rústicos, fornecendo também lenha e carvão de alto poder de combustão. Já na medicina popular, a casca da planta é utilizada em tratamentos de queimaduras, acne e outros tratamentos dermatológicos, devido ao seu valor antimicrobiano, analgésico e regenerador de células^17. Combate ainda a febre e funciona como adstringente peitoral. Por sua vez, na medicina veterinária é utilizada como cicatrizante e para lavagens contra parasitas. A única ressalva é que não pode ser usada em excesso, pois pode causar cegueira noturna aos animais (CNIP, 2017). A jurema também é utilizada na manutenção da biodiversidade e no funcionamento do ecossistema, sendo em alguns casos utilizada em reflorestamento de matas ciliares da Caatinga (CNIP, 2017). Essas informações vão ao encontro do que Cacique Nathan nos relatou, quer dizer, que a jurema está presente em todo sistema Potiguara, sendo cosmológica, espiritual e natural: a planta pela qual alcançam a cura. Além de todas essas versatilidades da jurema, é dentro dos rituais indígenas, enquanto planta sagrada, que ela ganha maior força e representatividade. Entre os Potiguara, a Jurema está intimamente ligada aos rituais de Toré, acionado em variados momentos da vida comunitária, reforçando, junto a um conjunto de símbolos, a identidade desse grupo. (^16) A página reúne detalhes mais específicos relacionados à taxonomia e habitat em que a jurema é encontrada. (^17) Para informações mais aprofundadas sobre essas propriedades da jurema, Cf. SOUZA et al. , 2008; SILVA, 2012.
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 Viviane Martins Ribeiro, uma jovem liderança indígena Potiguara da Aldeia Cumaru, localizada na T.I. Potiguara da Baía da Traição, e bacharel em Antropologia pela UFPB, nos relatou a importância da jurema para o fortalecimento identitário e ritualístico dos Potiguara. Em suas palavras: A Jurema é a parte espiritual do Toré no ritual. Claro que existe outras coisas, mas aí é a Jurema forte. A mais forte presença é a Jurema. [...] É um momento de confraternização: o ritual é isso. É um momento de confraternização. Um momento de união. É a festa. Ela é celebrada dessa forma. Hoje o nosso ritual é dessa forma. Claro que antigamente como vocês sabem ele tinha outro sentido. Era para outras coisas, mas agora não. Agora é para isso. Como celebra? Tipo, quando vai para uma manifestação, buscar direitos, comemoração, início de evento, para pedir proteção, pedir que dê tudo certo. Ela está funcionando dessa forma aqui (RIBEIRO, 2018)^18. Para refletir melhor sobre esse fenômeno, ressaltamos o que Émile Durkheim apresenta sobre os ritos representativos ou comemorativos (20 03 , p. 403 - 423 ), que apesar de ser escrito em um contexto muito diferente e distante das manifestações que discutimos aqui, pode servir de instrumento teórico e reflexivo para os rituais de Jurema encontrados entre os índios do Nordeste, e especificamente os Potiguara. Pensando a Jurema como um símbolo de tradição , quer dizer, para além de seus efeitos químicos ou “enteogênicos”, ela se conecta a uma noção de espacialidade cosmológica e ancestral. São instrumentos de atualização da memória coletiva , que é por nós entendida, conforme os dizeres de Michael Pollak (1992), enquanto fenômeno individual e socialmente elaborado, indispensável para a transmissão de um sentimento de pertencimento e identidade dentre as pessoas de um agrupamento social qualquer – imagens essas formadas para si e para outrem, compondo um sentido de continuidade, coerência e fronteira entre um “nós” e um “outro” (POLLAK, 1992, p. 204). Dessa maneira, quando adentramos no universo da Jurema manifesta entre os Potiguara, percebemos que: [...] o rito é observado porque procede dos antepassados, é reconhecer que sua autoridade se confunde com a autoridade da tradição, coisa social em primeiro lugar. Celebram-no para permanecer fiéis ao passado, para preservar a fisionomia moral da coletividade, e não pelos efeitos físicos que ele pode produzir. Assim, a maneira mesma pela qual os fiéis o explicam deixa transparecer as razões profundas das quais procede (DURKHEIM, 2013, p. 52). (^18) Entrevista realizada no dia 19 de abril de 2018 no Terreiro Sagrado das Furnas, na Aldeia São Francisco, Baía da Traição – PB.
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 Imagem 3: Ritual de Toré após as Furnas, no Terreiro Sagrado da Aldeia São Francisco. Fonte : Caio Nobre Lisboa, 2017. TERRITORIALIDADE E JUREMA Nas últimas décadas, o “realvorecer” de grupos étnicos, relacionado a questões de identidade e território, apresentaram a nós antropólogas/os e cientistas sociais um fenômeno novo e complexo. Olhar para os povos indígenas do Brasil e descobrir as relações que representam suas articulações sociais nunca foram tarefas simples, mas se tornam ainda mais complicadas quando, nessa pauta, estão colocadas em um movimento de “emergência” de etnias que até então se pensava, dentro de um senso comum, estarem extintas das configurações sociais indígenas presentes no Estado-Nação brasileiro. É só a partir das décadas de 1950 e 1960 que esses movimentos, de grande visibilidade étnica, começam a ser mais nitidamente notados, principalmente por meio de conflitos entre determinados grupos dominantes da sociedade abrangente e grupos étnicos específicos que, com base na noção de identidade, procuravam reaver seus territórios, como parte de suas tradições e modos de vida, buscando assim um reconhecimento enquanto populações tradicionais. Esse conceito ou expressão denota muito do que queremos tratar aqui, ou seja, de como a Jurema apresenta-se como símbolo representativo (DURKHEIM, 2003 ), fazendo parte de um universo identitário e tradicional de tais grupos do Nordeste brasileiro, e que
243 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 tem como papel importante a delimitação ideológica das áreas geográficas requeridas em um processo de suposta etnogênese^19. Assim, para entender o significado das formas como esses grupos são percebidos pelos órgãos estatais e pela sociedade como um todo, Almeida ressalta que: A própria categoria “populações tradicionais” tem conhecido aqui deslocamentos no seu significado desde 1988, sendo afastada mais e mais do quadro natural e do domínio dos “sujeitos biologizados” e acionada para designar agentes sociais, que assim se autodefinem, isto é, que manifestam consciência de sua condição (ALMEIDA, 2008, p. 38). Portanto, é a partir dessa noção de “populações tradicionais”, trabalhada por muitos outros autores, principalmente após a Constituição de 1988, que localizamos também o fenômeno da Jurema, sobre os traços definidores e os processos de produção desses signos diferenciadores. Para o amadurecimento dessa temática, é importante ressaltar que essa nova formulação constitucional reverbera sobre a noção de que os grupos indígenas devem ser respeitados e entendidos segundo suas particularidades étnicas, ou seja, pelos traços que os diferenciam perante os não-índios. Logo, faz-se importante ressaltar as diretrizes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, capítulo VIII, intitulado, “Dos índios”, que afirma que esses grupos passam a ter seus direitos refletidos em artigos e leis, na medida em que: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Nesse sentido, essa nova constituição difere-se em muito das constituições anteriores na contemplação dos povos tradicionais, particularmente no que tange aos indígenas. Sem querer nos estender muito, o referencial jurídico principal pré- Constituição de 1988 quanto aos povos indígenas no Brasil centrava-se no Estatuto do Índio (MAGALHÃES, 2005, p. 28-39) – Lei n. 6.001 de 10 de dezembro de 1973 – (^19) “[...] o termo etnogênese deveria dirigir nossa atenção não para a ‘invenção das tradições’ em si mesmas, como em geral acontece, mas para os mecanismos sociais que permitem um determinado grupo social estabelecer o descontínuo onde aparentemente só existia continuidade” (ARRUTI, s/d).
245 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 suas formas de organização social, mas também suas “raízes” territoriais, importantes para a representação e sobrevivência agrícola, subsistências e religiosidade – como os lugares sagrados – , refletindo diretamente nas suas tradições. A respeito de tal aspecto, Almeida (2008) ressalta que: A ocupação permanente de terras e suas formas intrínsecas de uso caracterizam o sentido peculiar de “tradicional”. Além de deslocar a “imemorialidade” este preceito constitucional contrasta criticamente com as legislações agrárias coloniais, as quais instituíram as sesmarias até a resolução de 17 de julho de 1822 e depois estruturaram formalmente o mercado de terras com a Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, criando obstáculos de todas as ordens para que não tivessem acesso legal às terras os povos indígenas [...]. (ALMEIDA, 2008, p. 39). Dessa maneira, o conceito de territorialização (OLIVEIRA, 1998 ) é especialmente referido nas relações desses grupos com o Estado brasileiro e com a sociedade não-indígena. Esse prisma conceitual baseia as relações de (re)construção de identidade, assim como ocorreu, por exemplo, entre os Potiguara da Paraíba. A territorialização deve ser entendida, contudo, a partir da relação mantida pelos grupos indígenas com os significados impressos tradicionalmente em determinados espaços, visando abranger as noções que configuram o movimento e a luta pelo reconhecimento destes. Na maior parte das vezes, essa noção se contrapõe aos espaços delimitados e idealizados pelo Estado ou referidos por proprietários de terras e grandes empresários, “donos” de extensões abrangentes de terra, gerando conflitos. Porém, o território indígena (ou terra indígena) revela não apenas uma espacialidade geográfica, mas sim uma: [...] ligação a lugares precisos, resultado de um longo investimento material e simbólico e que se exprime por um sistema de representações, de um lado e, de outro, os princípios de organização – a distribuição e os arranjos dos lugares de morada, de trabalho, de celebrações, as hierarquias sociais, as relações com os grupos vizinhos (GODOI, 2014, p. 444). A ideia de região , que remete diretamente às questões que estão envoltas nas “emergências” de identidades indígenas no Nordeste, demonstram como os símbolos e representações comuns – e aqui falamos no sentido interior e tradicional dos grupos – colaboram para as noções de uma unidade étnica e, consequentemente, para o pertencimento territorial.
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 Por conseguinte, entendemos que a Jurema, enquanto expressão religiosa indígena e de “indianidade”^21 , está atrelada nessa face ideológica expressa pelos signos representativos enquanto fazendo parte de um panorama que os integra em uma “lógica” específica de identidade. A noção de Bourdieu sobre região nos ajuda a refletir nesse tocante, principalmente quando o autor indica que: As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem e dos sinais duradoiros que lhes são correlativos (...) são um caso particular das lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de di-visão que, quando se impõe ao conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo (BOURDIEU, 1989, p. 113). Ficam então explícitos os sinais que alguns autores chamarão de diacríticos desses grupos, pensados não apenas em um plano ideológico e independente, mas num âmbito também material, relacionados aos fenômenos culturais que criam as formas de se relacionar com um território específico, impregnado de sentido, de história, de laços e de manifestações tradicionais. Entendemos que os povos indígenas, dentro desse processo de lutas por reconhecimento, promovem um discurso performativo , no sentido de Bourdieu (1989, p. 112), no qual o objetivo é criar definições nítidas de fronteiras e oferecer meios de obter uma visualização da definição da região delimitada. Para esse autor, é a partir do conceito de região, usado tanto para vislumbrar o sentido territorial como o cultural ou étnico, que esses grupos buscam seu reconhecimento. Inteirando essa questão, parece nítido que a Jurema, como integrante desse universo indígena e de sua cosmologia, possui uma forte relação com os processos de territorialização, pois além de sua existência ser situada num plano religioso, sua origem biológica está atrelada inteiramente aos lugares aos quais ela se dá, quer dizer, ao Nordeste brasileiro, por mais que durante séculos uma elite social, política e religiosa (^21) Precisamos fazer uma ressalva para não incorrer no erro de dar a entender que dentre os Potiguara as religiões cristãs, afro-brasileiras e outras não se fazem presentes. Pelo contrário, muitos dos indígenas participam delas, principalmente do catolicismo e do neopentecostalismo, e não há contradição em professar dado credo e ser reconhecido como índio.
Geraldo de França Alves Júnior, Caio Nobre Lisboa e Márcia Alexandrino de Lima Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 pela Constituição Federal brasileira de 1988 (Art. 231 e 232)^24 , que possibilitam a populações secularmente expropriadas de parte de seus estilos de vida sua organização social, territorial, cultural, religiosa, técnica, econômica e política (MURA; SILVA, 2011, p. 105), passarem por um processo de territorialização distinto daquele vivenciado durante o período colonial. Sobre essa territorialização , João Pacheco de Oliveira (1998, p. 55) afirma que ela: [...] é definida como um processo de reorganização social que implica: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado. É através de memórias individuais e coletivas, passadas entre as gerações, ou como descrevera Barth, de uma “tradição de conhecimento” (MURA; SILVA, 2011, p.
249 Territorialidade, sinais diacríticos e jurema Áltera – Revista de Antropologia , João Pessoa, v. 2 , n. 5 , p. 230 - 258 , jul. / dez. 2017 região, por meio de fluxos e viagens de seus líderes entre uma aldeia e outra, auxiliando em vários processos de territorialização, inclusive de outros povos da região. “Ensinar o Toré”, esse ritual de importante valor religioso e político performatizado nesses processos por vezes longos de territorialização no Nordeste, “[...] não implica a simples disseminação de uma semelhança, mas também a possibilidade de produzir diferenças” (ARRUTI, 2004, p. 275), uma vez que ele se transforma, como qualquer aspecto cultural, no passar do tempo e das relações interétnicas desenvolvidas, por motivos diversos, inclusive como resposta aos conflitos que se apresentam. E o mesmo se dá com a Jurema. Viviane Martins Ribeiro nos relatou algo muito importante nesse sentido, minutos antes do Toré realizado no Terreiro Sagrado das Furnas da Aldeia São Francisco, no dia 19 de abril de 2018, a saber, quanto ao segredo da Jurema , explicando-nos as diferenças entre a jurema usada no passado e a usada atualmente, vislumbrando um viés mais político e simbólico. Em suas palavras: O segredo da Jurema é o seguinte: esse segredo, ele foi perdido há muitos anos atrás. A Jurema em si, hoje em dia, ela não está sendo trabalhada como era antigamente. Isso aí já é fato. Então, são vários processos que se fazem hoje da Jurema. Depende de quem vai fazer. Uns usam com álcool, outros não. Uns usam um tipo de erva, outros não. E o interessante aí é que a maioria dessa Jurema que está sendo trabalhada hoje... Por ter perdido, né? Lá com nossos antepassados. [...] Você sabe, é o pé da jurema. Existe a jurema preta e a jurema branca. O Segredo da Jurema, pelo que eu tenho conhecimento... Alguns estudos que eu já fiz... Descobri mesmo... As nossas raízes. Ela, se eu não me engano, era extraída da raiz, onde tinha o poder alucinógeno. Era aí que servia para os pajés fazer aquele ritual e entrar em transe. Entrar em contato com os antepassados, com os espíritos, com os encantados. Então isso hoje não existe mais. A Jurema hoje é diferente, inclusive essa jurema que se bebe aí. Tem sim a parte espiritual na Jurema. Alguns eles só usam mesmo a jurema como parte espiritual. Como eu sou uma das que usa como parte espiritual, um momento espiritual mesmo, independente se ela tem álcool ou não. Então é um símbolo. Para mim ela significa algo e independente disso aí eu não olho mais. Mudou? Mudou. Mas ainda existe. É diferente porque foi perdido, mas ela ainda tem aquele mistério da Jurema (RIBEIRO, 2018). Essa fala nos leva a refletir sobre do que consiste o segredo da Jurema e qual a sua relação para com a identidade Potiguara. Ora, apesar de todo conhecimento histórico das descontinuidades deste povo frente aos processos de territorialização que enfrentaram desde o século XVI, a identidade, tal como o segredo, não são mensuráveis histórica, lógica ou quantitativamente falando. Para usar de metáforas, esse recurso que Victor Turner (2008) considerava valioso por conta da associação de ideias distintas que procede para fins elucidativos, os segredos