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Teorias da Justiça: Uma Análise Comparativa de Kelsen, Habermas, Perelman e Rawls, Resumos de Direito Constitucional

Uma análise comparativa das teorias da justiça de hans kelsen, jürgen habermas, chaïm perelman e john rawls. O autor explora as diferentes concepções de justiça, desde o positivismo jurídico de kelsen até a teoria discursiva de habermas, passando pela lógica formal de perelman e a teoria da justiça como eqüidade de rawls. O documento destaca os pontos comuns e distintivos entre as teorias, proporcionando uma visão abrangente sobre a evolução do pensamento jurídico e filosófico sobre a justiça.

Tipologia: Resumos

2025

Compartilhado em 13/02/2025

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Brasília a. 39 n. 156 out./dez. 2002 53
1. Introdução
Pretende este trabalho examinar as teo-
rias sobre a justiça formuladas no século XX,
tanto no meio jurídico, como no meio filosó-
fico, o que aqui se fará com relação às obras
de Hans Kelsen, Jürgen Habermas, Chaïm
Perelman e John Rawls.
A escolha desses autores se justifica, ten-
do em vista que, além de grandes pensado-
res, dedicaram-se com profundidade tanto
à ciência jurídica quanto à justiça, deixan-
do notáveis contribuições ao desenvolvi-
mento recente desses temas.
Assim, examina-se, inicialmente, neste
estudo, a concepção de justiça em Kelsen,
de cunho positivista, exposta na obra “O
que é justiça?”, que procura expurgar do
interior da teoria jurídica as teorias jusna-
turalistas edificadas ao longo de séculos.
As modernas teorias da justiça
Amandino Teixeira Nunes Junior
Amandino Teixeira Nunes Junior é Con-
sultor Legislativo da Câmara dos Deputados,
Mestre em Direito pela UFMG, doutorando em
Direito pela UFPE e professor do UniCEUB e
do IESB.
“A justiça é a primeira virtude das
instituições sociais, como a verdade o é
dos sistemas de pensamento”.
John Rawls
Sumário
1. Introdução. 2. A teoria positivista de Hans
Kelsen. 3. A teoria discursiva de Jürgen Haber-
mas. 4. A teoria formal de Chaïm Perelman.
5. A relação entre as teorias de Hans Kelsen e
Chaïm Perelman. 6. A teoria social de John
Rawls. 7. Conclusão
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Brasília a. 39 n. 156 out./dez. 2002 53

1. Introdução

Pretende este trabalho examinar as teo- rias sobre a justiça formuladas no século XX, tanto no meio jurídico, como no meio filosó- fico, o que aqui se fará com relação às obras de Hans Kelsen, Jürgen Habermas, Chaïm Perelman e John Rawls. A escolha desses autores se justifica, ten- do em vista que, além de grandes pensado- res, dedicaram-se com profundidade tanto à ciência jurídica quanto à justiça, deixan- do notáveis contribuições ao desenvolvi- mento recente desses temas. Assim, examina-se, inicialmente, neste estudo, a concepção de justiça em Kelsen, de cunho positivista, exposta na obra “O que é justiça?”, que procura expurgar do interior da teoria jurídica as teorias jusna- turalistas edificadas ao longo de séculos.

As modernas teorias da justiça

Amandino Teixeira Nunes Junior

Amandino Teixeira Nunes Junior é Con- sultor Legislativo da Câmara dos Deputados, Mestre em Direito pela UFMG, doutorando em Direito pela UFPE e professor do UniCEUB e do IESB.

“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento”.

John Rawls

Sumário

  1. Introdução. 2. A teoria positivista de Hans Kelsen. 3. A teoria discursiva de Jürgen Haber- mas. 4. A teoria formal de Chaïm Perelman.
  2. A relação entre as teorias de Hans Kelsen e Chaïm Perelman. 6. A teoria social de John Rawls. 7. Conclusão

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Em seguida, analisa-se a concepção de justiça em Habermas, baseada na sua teoria da ação comunicativa e presente em “Direi- to e democracia: entre facticidade e valida- de”, na qual Habermas intenta compreen- der a dualidade do Direito moderno. Adiante, aborda-se a concepção de justi- ça em Perelman, a partir da lógica formal, exposta em “Ética e Direito”. Segue-se, logo após, a análise da concep- ção de justiça em Rawls, contida na obra “Uma teoria da justiça”, considerada uma das mais importantes desenvolvidas no sé- culo XX. Finalmente, à guisa de conclusão, pro- cura-se apresentar uma síntese das concep- ções de justiça abordadas no corpo do tra- balho. Convém salientar, ainda, que não cons- titui propósito do presente estudo submeter a um aprofundado exame crítico das com- plexas teorias desses renomados pensado- res. O que se objetiva aqui é uma exposição das linhas fundamentais dessas concepções sobre a justiça que contribuíram sobremodo para a doutrina jusfilosófica recente.

2. A teoria positivista de Hans Kelsen

2.1. A crítica kelseniana

Ao elaborar sua teoria da justiça, KEL- SEN (2001) realiza um exame crítico e pro- fundo das teorias que se produziram desde a Antigüidade clássica até a primeira meta- de do século XX sobre o tema. Avaliando a justiça em Platão, KELSEN sustenta que a quase totalidade de seus diá- logos busca precisamente a pergunta: “o que é o Bem?” (na qual se insere, também, a per- gunta: “o que é a justiça?”). Afirma que o método dialético ensinado e praticado nos diálogos platônicos não chegou a elaborar um conteúdo definível de justiça. A conclusão de KELSEN é que “a idéia do Bem inclui a de justiça, aquela justiça a cujo conhecimento aludem todos os diálo- gos de Platão. A questão ‘o que é justiça?’

coincide, portanto, com a questão o que é bom ou que é o Bem? Várias tentativas são feitas por Platão, em seus diálogos, para res- ponder a essa questão de modo racional, mas nenhuma delas leva a um resultado definitivo”(2001, p. 12). Um outro exemplo, para KELSEN, da ten- tativa infrutífera de elaborar um conteúdo definível de justiça, por meio de um método racional ou científico, é a ética de Aristóte- les. “Trata-se de uma ética da virtude, ou seja, ele visa a um sistema de virtudes, entre as quais a justiça é a virtude máxima, a vir- tude plena” (p. 20). Com relação ao Direito natural, KELSEN sustenta que essa doutrina “afirma existir uma regulamentação absolutamente justa das relações humanas que parte da nature- za em geral ou da natureza do homem como ser dotado de razão”(p. 21). E, adiante, aduz: “A natureza é apresentada como uma autoridade normativa, como uma espécie de legislador. Por meio de uma análise cuidadosa da natureza, pode- remos encontrar as normas a ela ima- nentes, que prescrevem a conduta humana correta, ou seja, justa. Se se supõe que a natureza é criação divi- na, então as normas a ela imanentes – o Direito natural – são a expressão da vontade de Deus. A doutrina do Di- reito apresentaria, portanto, um cará- ter metafísico. Se, todavia, o Direito natural deve ser deduzido da nature- za do homem enquanto ser dotado de razão – sem considerar a origem divi- na dessa razão –, se se supõe que o princípio da justiça pode ser encon- trado na razão humana, sem recorrer a uma vontade divina, então aquela doutrina se reveste de um caráter ra- cionalista” (p. 21). Conclui o insigne mestre da Escola de Viena: “Do ponto de vista de uma ciência racional do Direito, o método religio- so-metafísico da doutrina do Direito

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provenientes de uma autolegislação. Dito em outros termos, a tensão entre facticidade e validade, no Direito moderno, retorna pela circunstância de que com a sanção se res- tringe o nível de dissenso, mas esse dissen- so é superado no momento em que se intro- duz em seu bojo a idéia de que as normas jurídi- cas são emanações do povo”(1999, p. 150). Essa tensão, nas palavras de HABER- MAS, reside: “(...) mais precisamente entre a coer- ção do Direito, que garante um nível médio de aceitação da regra, e a idéia de autolegislação – ou da suposição da autonomia política dos cidadãos associados – que resgata a pretensão da legitimidade das próprias regras, ou seja, aquilo que as torna racional- mente aceitáveis”(1997, p. 60-61). No seio de uma tensão permanente en- tre facticidade e validade, a constituição de uma comunidade jurídica autônoma requer o abandono, em termos pós-metafísicos, de uma razão prática e a assunção de uma ra- zão comunicativa *. Como afirma HABERMAS: “Eu resolvi encetar um caminho diferente, lançando mão da teoria do agir comunicativo: substituo a razão prática pela comunicativa. E tal mu- dança vai muito além de uma simples troca de etiqueta” (1997, p. 19). Mas qual é o sentido dessa mudança? Por não ser prática, vale dizer, por não oferecer nenhum tipo de “indicação con- creta para o desempenho de tarefas práti- cas, pois não é informativa” (HABER- MAS, 1997, p. 19), a razão comunicativa afasta-se da tradição prescritiva da razão prática. A proposta de HABERMAS pretende, pois, situar a legitimidade do Direito não no plano metafísico, mas no plano discursi- vo e procedimental, lançando mão da sua teoria do agir comunicativo, na qual a lin- guagem supera a dimensão sintática e se- m ântica,constituindo o medium de integra- ção social, isto é, o mecanismo pelo qual os

agentes sociais se interagem e fundamen- tam racionalmente pretensões de validade discursivas aceitas por todos. Para HABERMAS, o Direito legítimo, nas sociedades atuais pós-metafísicas, depen- de do exercício constante do poder comuni- cativo. Para que não se esgote a fonte da jus- tiça, é mister que um poder comunicativo jurígeno esteja na base do poder adminis- trativo do Estado. Mesmo assumindo a perspectiva de que o ordenamento jurídico emana das diretri- zes dos discursos públicos e da vontade de- mocrática dos cidadãos, institucionaliza- das juridicamente, observando a correição parcial, há sempre a possibilidade de que a normatividade seja injusta, abrindo-se as- sim para dois caminhos: o primeiro, a per- manecer injusta, passa a constituir-se arbí- trio; o segundo, a tornar-se arbítrio, surge a falibilidade e, com isso, a presunção de que seja revogada ou revista. Ainda, para HABERMAS, a resolução dos conflitos será tanto mais facilmente al- cançada quanto maior for a capacidade dos membros da comunidade em restringir os esforços comunicativos e pretensões de va- lidade discursivas consideradas problemá- ticas, deixando como pano de fundo o con- junto de verdades compartilhadas e estabi- lizadoras do conjunto da sociedade, possi- bilitando que grandes áreas da interação social desfrutem de consensos não proble- máticos. O genial da teoria de HABERMAS resi- de, portanto, na substituição de uma razão prática, baseada num indivíduo que, por meio de sua consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, baseada numa plura- lidade de indivíduos que, orientando sua ação por procedimentos discursivos, che- gam à norma. Assim, a fundamentação do Direito, sua medida de legitimidade, é defi- nida pela razão do melhor argumento. Como emanação da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais, o Direito pode rea- lizar a grande aspiração da humanidade: a efetivação da justiça.

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4. A teoria formal de Chaïm

Perelman

4.1. As seis concepções da justiça concreta

Na sua obra “Ética e Direito”, PEREL- MAN (2000) não pretende formular uma teo- ria da justiça que seja a mais apropriada e consentânea com a idéia de racionalidade, comparativamente às teorias de outros au- tores. Pretende, na verdade, a partir de um ponto de vista lógico, examinar os diferen- tes sentidos da noção de justiça, para deles extrair um substrato comum – a igualdade

  • que o conduzirá ao conceito de justiça for- mal ou abstrata. As seis concepções mais correntes da jus- tiça concreta que se afirmaram na civilização ocidental, desde a Antigüidade até nossos dias, segundo PERELMAN (p. 9), são: a) a cada qual a mesma coisa; b) a cada qual segundo seus méritos; c) a cada qual segundo suas obras; d) a cada qual segundo suas necessi- dades; e) a cada qual segundo sua posição; f) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Segundo a primeira concepção da justi- ça concreta, ser justo é tratar todos da mes- ma forma, sem considerar nenhuma das particularidades que distinguem os indiví- duos. PERELMAN observa que, no imagi- nário humano, o ser perfeitamente justo é a morte que vem atingir todos os homens in- dependentemente de seus privilégios. A segunda concepção da justiça concre- ta não exige a igualdade de todos, mas um tratamento proporcional a uma qualidade in- trínseca, ao mérito do indivíduo. A questão é saber o que deve ser levado em conta como mérito ou demérito de uma pessoa, quais os critérios que devem presidir tal determina- ção, se deve ser considerado o resultado da ação, a intenção do agente ou o sacrifício utilizado. PERELMAN observa que, partin- do-se dessa concepção, pode-se chegar a resultados absolutamente distintos, bastan-

do que não se conceda o mesmo grau de méri- to aos mesmos atos dos indivíduos. A terceira concepção da justiça concre- ta, cujo único critério do tratamento justo é o resultado da ação dos indivíduos, é de apli- cação infinitamente mais fácil do que a an- terior, pois, em vez de constituir um ideal quase irrealizável, permite só levar em con- sideração elementos sujeitos ao cálculo, ao peso ou à medida. Daí por que sua aplica- ção preside tanto o pagamento dos salários dos empregados quanto a definição do re- sultado de concursos e exames para provi- mento de cargos públicos. A quarta concepção da justiça concreta, em vez de levar em consideração méritos dos indivíduos ou de sua produção, tenta redu- zir os sofrimentos de que resultam da im- possibilidade em que o homem se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. Assim, aqueles que se encontram em situa- ção precária, carecendo de condições consi- deradas como um mínimo vital, devem ter um tratamento diferenciado. PERELMAN afirma que a legislação dos países ocidentais que criou, no século XX, os direitos sociais, como o salário-mínimo e o seguro-desemprego, inspirou-se nessa fór- mula de justiça. A quinta concepção da justiça concreta baseia-se na superioridade de indivíduos em decorrência da hereditariedade (ou do nascimento), sendo muito usada na hierar- quização social das sociedades aristocráti- cas e escravocratas, em que as diferenças de tratamento levam em consideração critérios como a raça, a religião e a fortuna. A sexta (e última) concepção da justiça concreta é a paráfrase do princípio de “dar a cada um o que lhe é devido” ( cuique suum, dos romanos) e se propõe a aplicar aos fatos um sistema preestabelecido de regras de di- reito – razão pela qual levará a resultados diferentes conforme o ordenamento jurídi- co a ser aplicado. Segundo PERELMAN (2000): “A análise sumária das concep- ções mais correntes da noção de justi-

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natureza arbitrários, que decorrem de esco- lhas, ou opções, e não de evidências empíri- cas, ou de parâmetros lógicos. Os pontos distintivos residem, basica- mente, da convicção de Perelman de que é possível encontrar um substrato comum a todas as concepções concretas de justiça – a justiça formal vinculada à igualdade. Por isso, adverte KELSEN que esse pretenso substrato comum é apenas uma decorrên- cia lógica da generalidade da norma e da necessidade de sua correta aplicação. Nes- se sentido, a justiça formal de PERELMAN nada tem a ver com a igualdade.

6. A teoria social de John Rawls

6.1. Os princípios de justiça social

A teoria da justiça de John RALWS (2000), contida na obra “Uma teoria da jus- tiça”, é uma das mais importantes desen- volvidas no século XX. Pretende RAWLS “elaborar uma teoria da justiça que seja uma alternativa para essas doutrinas que há muito tempo dominam a nossa tradição fi- losófica – a utilitária e a intuicionista” (p. 3). A sociedade é vista por RAWLS como uma associação mais ou menos auto-su- ficiente de pessoas que, em suas relações, reconhecem a existência de regras de con- dutas como obrigatórias, as quais, na maio- ria das vezes, são cumpridas e obedecidas, especificando um sistema de cooperação social para realizar o bem comum. Nesse contexto, surgem tanto identidade de interesses como conflito de interesses entre as pessoas, pois estas podem acordar ou discordar pelos mais variados motivos, quanto às formas de repartição dos benefí- cios e dos ônus gerados no convívio social. É precisamente aí que desempenham seu papel os princípios da justiça social. Nas palavras de RAWLS: “Exige-se um conjunto de princí- pios para escolher entre várias formas de ordenação social que determinam essa divisão de vantagens e para se-

lar um acordo sobre as partes distri- butivas adequadas. Esses princípios são os princípios da justiça social: eles fornecem um modo de atribuir direi- tos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social” (p. 5). Para RAWLS, são dois os princípios da justiça social: “Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sis- tema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema se- melhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do ra- zoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos” (p. 64). Tais princípios, segundo Rawls, apli- cam-se à estrutura básica da sociedade, pre- sidem a atribuição de direitos e deveres e regem as vantagens sociais e econômicas ad- vindas da cooperação social.

6.2. A justiça em John Rawls RAWLS (2000) observa ainda que os dois princípios são um caso especial de uma con- cepção mais geral da justiça assim expressa: “Todos os valores sociais – liberda- de e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima – de- vem ser distribuídos igualitariamente, a não ser que uma distribuição desi- gual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos” (p. 66). Vê-se, pois, que os princípios de justiça social têm um nítido caráter “substancial”, e não meramente “formal”, na teoria de RAWLS. Logo no início de sua obra, ele é bem claro quando sustenta que o que o preo- cupa é a justiça verificada na atribuição de direitos e liberdades fundamentais às pes- soas, assim como a existência real da igual- dade de oportunidades econômicas e de

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condições sociais nos diversos segmentos da sociedade. Assim, o objeto primário da justiça, para RAWLS, “é a estrutura básica da socieda- de, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes dis- tribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens prove- nientes da cooperação social” (p. 8). Segundo RAWLS, os princípios de justi- ça social, que regulam a escolha de uma cons- tituição política, devem ser aplicados em primeiro lugar às profundas e difusas desi- gualdades sociais, supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade. Em suma, para RAWLS, a concepção de justiça apresentada na sua obra consiste na “justiça como eqüidade” ( fairness ), signifi- cando que é uma justiça estabelecida numa posição inicial de perfeita eqüidade entre as pessoas, e cujas idéias e objetivos cen- trais constituem uma concepção para uma democracia constitucional. Assevera RAWLS: “Minha esperança é a de que a jus- tiça como eqüidade pareça razoável e útil, mesmo que não seja totalmente convincente, para uma grande gama de orientações políticas ponderadas, e portanto expresse uma parte essen- cial do núcleo comum da tradição democrática”(p. XIII - XIV).

7. Conclusão

Ao realizar este trabalho, optamos por analisar as teorias da justiça de Hans KEL- SEN (2001), Jürgen HABERMAS (1997), Chaïm PERELMAN (2000) e John RAWLS (2000) porque, além da sua inegável atua- lidade, constituem abordagens racionais de temas fundamentais da Filosofia do Direito. KELSEN demonstra, no seu profundo exame das diversas concepções de justiça apresentadas pelo pensamento clássico e pelo pensamento jusnaturalista, que quase sempre os jusfilósofos definem justiça de uma forma não racional ou metafísica, ape-

lando para uma idéia de bem inteligível pela razão e de uma natureza dotada de poder normativo, com uma espécie de legislador. KELSEN considera a justiça como a feli- cidade social, a felicidade garantida por uma ordem justa – a que regula o comporta- mento dos homens de modo a contentar a todos. A aspiração da justiça é a eterna as- piração da felicidade, que o homem não pode encontrar sozinho e, para tanto, pro- cura-a na sociedade. A felicidade social é denominada justiça. Nesse contexto, HABERMAS deixa cla- ro que, nas sociedades contemporâneas pós- metafísicas, torna-se inviável a fundamen- tação do Direito numa suposta ordem natu- ral, numa dimensão ética ou numa moral metafísica. É a partir de uma concepção dis- cursiva e procedimental que se pode cons- truir uma presunção de legitimidade e racionalidade de conteúdo de uma norma; é pelo discurso que os cidadãos participam e promovem a mobilização de suas energias comunicativas em prol de um entendimen- to mútuo. O princípio do discurso, após as- sumir forma jurídica, transforma-se em prin- cípio da democracia. HABERMAS alerta, ainda, que, nessa crise da razão prática, sejam instauradas sua negação e sua substituição pela razão comunicativa. Esse é o sentido da reviravolta operada pela teoria discursiva do Direito: a recusa da normatividade imediata da razão práti- ca e a assunção da normatividade mediata da razão comunicativa. A partir dessas considerações, torna-se assim o Direito fruto da emanação da opi- nião e da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais. A institucionalização das as- pirações e das opiniões das pessoas, na mo- dernidade, se dá por meio da positivação do Direito. HABERMAS, na sua teoria do agir co- municativo, retoma o caminho de uma teo- ria crítica da sociedade, com a mudança do paradigma da razão prática para a razão comunicativa.

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Bibliografia

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