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Uma análise da teoria das fontes do direito empresarial, examinando a evolução histórica e doutrinária dessa teoria, e sua relevância no contexto do neoconstitucionalismo. O texto discute as diferentes fontes do direito empresarial, como leis, princípios, jurisprudência, doutrina e costumes, e sua importância na aplicação do direito empresarial. Além disso, o documento discute a importância de se adaptar a novo paradigma trazido pela constituição federal de 1988, que influenciou a compreensão de fontes do direito empresarial.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Marabá 2017
Monografia apresentada junto ao curso de Direito da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela.
Orientador: Prof. Ms. Hirohito Diego Athayde Arakawa
Marabá 2017
Monografia apresentada junto ao curso de Direito da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela.
Marabá/PA, 14 de março de 2017.
Prof. Ms. Hirohito Diego Athayde Arakawa
Prof. Ms. Júlio César Sousa Costa
Prof. Ms. Rodrigo Lagares
Conceito:____________________
O presente trabalho tem como finalidade apresentar uma releitura da teoria das fontes do Direito, e em especial, do Direito Empresarial, a partir do novo paradigma da Constitucionalização do Direito. As correntes de pensamento jusfilosóficas do positivismo exegético e normativista influíram fortemente na construção dos conceitos de fontes do Direito através da história e nota-se que a atual percepção de fontes do Direito Empresarial não se coaduna com o atual paradigma trazido pela Constituição Federal de 1988, levado a efeito pelo avanço da corrente pós-positivista. Com o fito de demonstrar a necessidade de tal releitura, foi realizada análise do desenvolvimento histórico das fontes deste ramo do Direito, desde a ascensão do comércio na Idade Média, até a edição do Código Civil de 2002 com a aderência à teoria da empresa, bem como foi realizada análise do atual posicionamento da pátria doutrina empresarialista sobre o tema das fontes. Foi constatado que grande parte dos doutrinadores ainda exterioriza concepções harmoniosas com a corrente jusfilosófica positivista normativista. Assim, considerando a importância de uma correta compreensão de fontes para uma fidedigna aplicação do Direito, atenta às peculiaridades de cada caso concreto, visando a efetivação da justiça e, igualmente, considerando o surgimento do movimento neoconstitucional ligado às concepções pós-positivistas, vê-se necessária a releitura das fontes do Direito como um todo, e especialmente do Direito Empresarial. Sob esta perspectiva é proposto um novo olhar sobre o patamar de fontes dos princípios, leis em geral, doutrina, jurisprudência, súmulas, tratados internacionais, analogia e costumes. Outrossim, a metodologia de pesquisa utilizada foi a revisão bibliográfica, em que se buscou identificar as doutrinas, jurisprudências e trabalhos científicos mais relevantes sobre o tema.
Palavras-chave: Fontes do Direito Empresarial; Pós-positivismo; Neoconstitucionalismo.
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O estudo das fontes do Direito^1 não deve ser subestimado. A forma como nós as compreendemos molda a aplicação do Direito, influindo, diretamente, no próprio funcionamento do sistema jurídico e na busca por soluções a serem oferecidas aos litígios reais. Uma deturpada concepção de fontes pode gerar malefícios a toda uma sociedade, de modo que pode atravancar a proteção de direitos, oferecer soluções incompatíveis aos casos concretos e assim, inviabilizar a efetivação da justiça social. Neste passo, o presente trabalho tem por objetivo apresentar uma análise do desenvolvimento histórico e da configuração doutrinária da teoria das fontes do Direito Empresarial, seguido da sua releitura, a partir do novo paradigma introduzido pelo neoconstitucionalismo. Sabe-se que o movimento neoconstitucional atribuiu força normativa à Constituição e vem incorporando cada vez mais vigor, transformando, pouco a pouco, os velhos Estados impregnados pela lógica do positivismo jurídico clássico em verdadeiros Estados Constitucionais. Muito embora este movimento já surta efeitos marcantes sobre diversas esferas do Direito, notadamente o Civil, o Direito Empresarial, em relação àquele, encontra-se a vários degraus abaixo na evolução paradigmática de fontes. Ver-se-á que não mais se justifica a atual – e ultrapassada – concepção de fontes do Direito Empresarial, e, para que isso fique demonstrado, esta pesquisa se debruçará sobre as doutrinas pátrias, bem como examinará as transformações histórica pelas quais este ramo do Direito perpassou até a contemporaneidade. Em suma, este trabalho buscará respostas a questionamentos como: _1) Qual é o atual posicionamento da doutrina acerca da teoria das fontes do Direito Empresarial e o que há nele de conflitante com a atual conjuntura neoconstitucional?;
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Caracterizado pela “permuta, compra e venda de produtos ou valores; mercado, negócio”^3 , o comércio, surgido em tempos imemoriais e como consequência natural das relações humanas, foi o exórdio do Direito Empresarial contemporâneo. Assim, a história compreendida entre o desenvolvimento do comércio, até a atualidade, é dividida em três fases, repetidamente narradas pela doutrina e que aqui, ganham um novo olhar, a partir da análise do desenvolvimento e evolução das fontes. Vale dizer que as três fases manifestam, cada uma, um marco na história do Direito Empresarial, a saber, a criação das denominadas corporações de ofício – primeira fase – , a instituição dos atos de comércio – segunda fase – e, por último, o desenvolvimento da teoria da empresa – terceira fase. Cumpre destacar, ainda, antes de adentrar mais profundamente no tema, que o termo Direito Empresarial só passou a convenientemente denominar este ramo do Direito no Brasil, com o advento da terceira fase, após a adoção da teoria da empresa pelo Código Civil de
2.1. AS FONTES À ÉPOCA DAS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO
A partir do século X, em plena Idade Média, a agricultura deixa de ser atividade econômica principal, e as atenções são voltadas ao comércio, que passa a tomar forma definida e a difundir-se por todo o mundo, principalmente pelas vias marítimas. A primeira fase do então ―Direito Comercial‖ inicia neste período, a que foi dado o nome de renascimento comercial que, a partir do século XI, inaugurou definitivamente a Baixa Idade Média, que se estendeu até o século XV.
(^2) As ―fontes do Direito‖ são reconhecidas tanto como os fatores que servem como base para a construção do ordenamento jurídico – chamadas fontes materiais – , quanto como as formas através das quais o Direito se manifesta – chamadas fontes formais. Por exemplo, os fatores sociais, culturais, históricos, políticos e econômicos, que exercem influência na elaboração das normas jurídicas, são fontes materiais enquanto que a jurisprudência, as súmulas, a doutrina, a lei, os princípios, os costumes ou qualquer outro meio ou instrumento pelo qual o Direito se exterioriza, são fontes 3 formais. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Miniaurélio: O Dicionário da Língua Portuguesa. 7ª ed., Curitiba: Positivo, 2008, p. 247.
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Em razão do cunho itinerante das atividades dos comerciantes da época, estes se fixaram às margens dos feudos, dando origem aos burgos e vilas^4 , fortalecendo cada vez mais a importância dos núcleos urbanos para a economia. Diante dessa nova realidade, como já era de se esperar, inexistia qualquer ordenamento capaz de regular aquela dinâmica mercantil que se desenvolvia. Assim, não demorou até que esse novo sujeito – o comerciante – se organizasse em torno de uma lógica jurídica com o fim de ordenar a mercancia. Sobre o assunto, aponta Cássio Machado Cavalli^5 :
A nova atividade econômica desenvolvida pelos comerciantes – que, como se disse, destoava das atividades econômicas comuns da época, – não encontrava no fragmentário direito medieval regras aptas a regulá-la. Eis o motivo da necessidade de novos instrumentos jurídicos aptos a instrumentalizar a atividade que nascia; (p.
Dessa conjuntura, as fontes utilizadas na criação do Direito do comércio, foram os usos e costumes dos próprios mercadores. Assim, nas palavras de Antônio Menezes Cordeiro, “os mercadores, por via consuetudinária ou através de seus organismos, criaram e aperfeiçoaram normas próprias, para reger a sua profissão e os seus interesses”^6. Cumpre destacar que a este Direito surgido a partir da necessidade de se regular as relações mercantis, também se emprega a expressão latina ― ius mercatorum”. Francesco Galgano^7 muito bem explicita:
A expressão possui um significado especial: mais do que referir-se a um ramo de direito, significa um modo particular de criar direito. Chama-se ius mercatorum porque foi criado pela classe mercantil, e não porque regula a actividade dos comerciantes. (p. 41)
Assim, os mercadores desenvolveram as chamadas corporações de ofício , compostas por cada especialidade de comerciante – artesãos, ferreiros, carpinteiros, tecelões, entre outros
(^4) MACHADO, Fernanda. Renascimento comercial e urbano: Surgem os burgos e a burguesia. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/renascimento-comercial-e-urbano-surgem-os-burgos-e-a- burguesia.htm> Acesso em 01/02/2017. 5 CAVALLI, Cássio Machado. Direito Comercial: Passado Presente e Futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, FGV, 2012, p. 10. 6 7 CORDEIRO, Antônio Menezes.^ Manual de Direito Comercial, v. 1. Coimbra: Almedina, 2001, p. 28. GALGANO, Francesco. História do direito comercial – Tradução de João Espírito Santo. Lisboa: Editores, 1990, p. 41.
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afirmavam, motivo pelo qual gozavam de uma relativa autonomia não somente entre si, mas também em relação ao poder político. (Grifos do autor) (p. 09)
Da análise dessas informações, se percebe que a separação entre Direito Público e Privado era muito marcante à época, de modo que o Estado não intervinha nas relações envolvendo interesses de particulares entre si. Ademais, vale dizer que a matéria comercial, à medida que se desenvolvia, distanciava-se dos regramentos existentes sobre a matéria cível, considerando que a ideia civilista de contrato à época – fortemente pautada no ideário romano – , era intimamente ligada à ideia de propriedade, assim, só se contratava para adquirir ou transferir alguma coisa. A atividade mercantil, por sua vez, por se expressar de forma muito mais complexa, extrapolava os limites do contrato cível clássico. Conforme as lições de Galgano, “o ius mercatorum liberta o contrato da propriedade, atribuindo-lhe uma função própria: o contrato converte-se em negócio, em acto de especulação”^10. Aqui, se observa o prelúdio do que seria a separação entre esses dois grandes ramos do Direito, Civil e Empresarial. Entretanto, novas transformações logo ocorreriam neste cenário. A ascensão das monarquias absolutistas provocaria descontentamento tal que faria eclodir no final do século XVII a Revolução Francesa e é nesta conjuntura que se conforma a próxima fase de desenvolvimento do Direito Empresarial.
Com o declínio da Idade Média e a formação das grandes monarquias europeias, a segunda fase do Direito Empresarial se inicia e com ela se percebe expressiva transformação quanto às fontes que o norteiam. Neste período, observou-se a concentração, nas mãos dos monarcas absolutistas, não só do poder político, mas também do poder de impor e aplicar o Direito. Em outras palavras, André Luiz Santa Cruz Ramos^11 :
(^10) GALGANO, Francesco. Op., cit. p. 43. (^11) RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito comercial ou direito empresarial? Notas sobre a evolução histórica do ius mercatorum****. Disponível em: <www.agu.gov.br/page/download/index/id/540558> Acesso em: 01/02/2017, p. 03.
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No ocaso do período medieval, surgem no cenário geopolítico mundial os grandes Estados Nacionais monárquicos. Estes Estados, representados na figura do monarca absoluto, vão submeter aos seus súditos, incluindo a classe dos comerciantes, um direito posto, em contraposição ao direito comercial de outrora, centrado na autodisciplina das relações comerciais por parte dos próprios mercadores, através das Corporações de Ofício e seus juízos consulares. (p.03)
Como exemplo do poder exercido sobre o Direito Comercial, Cavalli aponta que o soberano, entre outras determinações, “ditava o número de membros das corporações, impunha severos limites à produção, controlava as grandes companhias, estabelecia incentivos fiscais, fixava os preços máximos e outros procedimentos”^12. Dessa forma, observa-se que houve uma brusca mudança no modo de se tratar o ordenamento, uma vez que o Direito Privado, ou como chamado na primeira fase, Direito vulgar , não é mais criado pelos e para os particulares, mas sim regulado e aplicado pelo Estado. Galgano é claro^13 :
A classe mercantil deixa de ser artífice do seu próprio direito. O direito comercial experimenta uma dupla transformação: o que foi direito de classe transforma-se em direito do Estado; o que foi direito universal converte-se em direito nacional. (p. 56)
Entretanto, com o declínio do poder dos absolutistas e a efervescência da revolução francesa, Napoleão Bonaparte, em 1804, torna-se imperador e com total poder em mãos, formula uma nova forma de governo e também novas leis^14. As fontes oriundas da primeira fase, a saber, os usos e costumes , os estatutos das corporações mercantis e a jurisprudência dos tribunais consulares, são então utilizadas como base para a elaboração do Código Comercial de 1808, na França, que passa a ser a fonte primordial deste ramo do Direito. Aqui, frisa-se, que houve a criação de leis pelo Estado – materializadas pelos Códigos
(^12) CAVALLI, Cássio Machado. Op., cit., p. 27. (^13) GALGANO, Francesco. Op., cit., p. 56. (^14) Napoleão Bonaparte – Biografia. Disponível em http://www.suapesquisa.com/biografias/napoleao.htm Acesso em 02/02/2017.
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que o Direito Empresarial brasileiro, à época, era regido em sua maior parte pelo Código Comercial (Lei nº 556/1850).
2.2.1. A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO EXEGÉTICO SOBRE AS FONTES À ÉPOCA DOS ATOS DE COMÉRCIO
Os Códigos napoleônicos de 1804 e 1808, trouxeram à tona a chamada escola da Exegese que representou um grande marco não só para a história do Direito Empresarial, mas para toda a história do Direito como um todo. Seus defensores pregavam a teoria da plenitude da lei , reduzindo o Direito à lei escrita, em razão desta prever em seu corpo, os princípios superiores, eternos, uniformes, permanentes e imutáveis sustentados pela escola jusnaturalista^19. Iara Menezes Lima^20 , aponta os fundamentos em que se assentava esta escola. Vejamos:
(...) 1º) a riqueza da legislação, a partir da promulgação dos códigos, torna praticamente impossível a existência de lacunas; 2º) na hipótese de lacuna, deve o intérprete se valer dos recursos fornecidos pela analogia; 3º) a interpretação tem como objetivo investigar a vontade do legislador ( voluntas legislatoris ), tendo em vista ser este o autor da lei. (p. 111)
Vê-se que esta teoria foi criada em contraposição aos regimes absolutistas ainda limitados pelo Direito Canônico e atados ao arbítrio do rei.
§ 1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufacturados, ou para alugar o seu uso. § 2º As operações de cambio, banco e corretagem. § 3° As emprezas de fabricas; de com missões; de depositos; de expedição, consignação e transporte de mercadorias; de espectaculos publicos. (Vide Decreto nº 1.102, de 1903) § 4.° Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contratos relativos ao cornmercio maritimo. § 5. ° A armação e expedição de navios. 18 Art. 20. Serão também julgados em conformidade das disposições do Código, e pela mesma fórma de processo, ainda que não intervenha pessoa commerciante: § 1º As questões entre particulares sobre titulos de divida publica e outros quaesquer papéis de crédito do Governo (art. 19 § 1º Tit. unico Codigo). § 2.° As questões de companhias e sociedades, qualquer que seja à sua natureza e objecto (art. 19 § 2º Tit. unico Codigo). § 3." As questões que derivarem de contratos de locação com-prehendidos na disposição do Tit. X Parte I do Codigo, com excepção sómente das que forem relativas á locação de prédios rústicos e urbanos (art. 19 § 3° Tit. unico Codigo). § 4º As questões relativas a letras de cambio, e de terra, seguros, risco, e fretamentos. 19 DUARTE, Hugo Garcez. Pós-positivismo jurídico: o que pretende afinal? Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10050 Acesso em: 22 nov. 20 2016. LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 97, jan. a jun. de 2008, p.
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Quanto ao papel do juiz diante do positivismo exegético, Hugo Garcez Duarte diz que “tal concepção reduziu o juiz ao papel de burocrático aplicador de leis, encarando o ordenamento jurídico como um “catálogo”, dotado da previsão de todos os fatos ocorridos e que viessem a ocorrer na sociedade, que com sua consecução subsumir-se-iam a ele”^21. Desse modo, o positivismo exegético tentou aproximar a ciência do Direito cada vez mais a uma ciência exata , lógica e imparcial. Ademais, a concepção de atos de comércio apresentada alhures, é claramente derivada das concepções trazidas por esta escola. A catalogação de atos exatos e sem margem à interpretação como aqueles presentes nos artigos 19 e 20 do Regulamento nº 737 exprimem perfeitamente a áurea do positivismo exegético. Observa-se, ainda, que esta escola limitou o progresso da doutrina e da jurisprudência enquanto fontes, de modo que se deveria recorrer somente à lei – materializada nos Códigos – , quando da aplicação do Direito. Outrossim, no auge do positivismo exegético, que conquistou adeptos para muito além da fronteira da França, de acordo com François Geny, citado por Iara Menezes Lima^22 :
(...) a interpretação da norma jurídica se realiza tão-somente através da exegese dos textos de lei, chegando ao extremo de sustentar que o juiz deve se abster de julgar nas hipóteses de lacuna, bem como quando existe mais de uma lei aplicável ao caso concreto, em sendo as mesmas contraditórias entre si. (p. 108)
Assim, nota-se que o grande problema dessa teoria jurídica jazia sobre a sua maior característica, a saber, a falta de maleabilidade, ou capacidade de atender a todas as demandas cotidianas, visto que a literalidade da lei não era suficiente para abarcar toda uma sorte de possibilidades advindas dos casos concretos. Percebe-se que esta teoria ia à contramão da própria natureza do Direito, enquanto fenômeno social mutante. Vale dizer que não demoraria até que a teoria dos atos de comércio demonstrasse a sua incompletude, considerando que não só o comércio continuaria a se desenvolver, como outras atividades paralelas passariam a existir, como a indústria e os bancos. Desse modo, notadamente com o advento da Revolução Industrial e o crescente desenvolvimento do capitalismo, esta segunda fase marcada pela teoria dos atos de comércio
(^21) DUARTE, Hugo Garcez. Op., cit. p. 01. (^22) GENY, François. Méthode d’interprétation et sources en droit privé positif , T.I, p. 24-25, apud LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 97, jan. a jun. de 2008, p. 108.
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Em 1942, na Itália, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Nele, alarga-se o âmbito de incidência do Direito Comercial, passando as atividades de prestação de serviços e ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais. Chamou-se o novo sistema de disciplina das atividades privadas de teoria da empresa. (p. 28)
Ademais, em face da complexidade que as relações socioeconômicas internalizavam na época, tornou-se cada vez mais difícil delimitar o âmbito de aplicação dos Códigos Civil e Comercial, que em diversas ocasiões se confundia. Por isso, o tema da unificação do Direito Privado também entrou na pauta das discussões dos juristas e concretizou-se em diversos países, inclusive no Brasil, com a revogação da Lei nº 3.071 de 1916 e da Parte Primeira do Código Comercial de 1850, pelo novo Código Civil de 2002 que reuniu as matérias Civil e Empresarial em um mesmo diploma, vigente até hoje. O artigo 966 do atual Código Civil incorporou a nova teoria e tem redação idêntica – salvo o estilo da escrita – à do artigo 2082 do Código Civil italiano. Vejamos: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”^28.
O surgimento da teoria da empresa é contemporâneo a uma nova e complexa concepção de positivismo que substituiu a escola da exegese. Hans Kelsen, jurista e filósofo austríaco, é o grande nome por trás desta nova concepção jusfilosófica a que foi denominada positivismo normativista. Em 1934, este autor apresenta a ―Teoria Pura do Direito‖, deixando claro que a norma^29 é o principal elemento do sistema jurídico e que sobre ela, não deve incidir qualquer influência das demais áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Política, a História e a Economia. Logo, isolou-se o estudo do Direito.
(^28) BRASIL. Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm Acesso em: 23 nov. 2016. 29 Ao tratar sobre o conceito de norma, Kelsen afirma que é ela que “empresta ao ato o significado de um ato jurídico (ou antijurídico) é ela própria produzida por um ato jurídico, que, por seu turno, recebe a sua significação jurídica de uma outra norma”. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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Nas palavras do jurista^30 :
Quando a si própria se designa como ―pura‖ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. (p. 01)
Quanto à forma de se aplicar o Direito nesta nova concepção, diferente da acentuada rigidez e do ―juiz boca da lei‖ do posivitismo exegético, Rafael Tomaz de Oliveira esclarece que “um normativista como Kelsen (...) não exclui a possibilidade de, no momento de aplicar a norma, os juízes decidirem de mais de uma maneira (desde ajustados à “moldura da norma”)”^31. Neste ponto se vê nítida a influência do modelo normativista sobre a teoria da empresa , de modo que se abandona a exatidão dos enunciados que previam os atos de comércio e adere-se um texto normativo com considerável conteúdo semântico, abrindo um leque de interpretações que levam a identificação de diferentes empresários, sempre limitados, contudo, à ―moldura da lei‖. Assim, em contraposição à forte objetividade da teoria dos atos de comércio, a teoria da empresa mostrou-se mais eficaz, ao trazer novamente certa subjetividade ao critério qualificador do antigo comerciante, agora denominado empresário. A despeito disso, no que tange ao problema das lacunas – já bem delineado à época dos atos de comércio – que demonstra a insuficiência da lei frente aos mais diversos casos concretos, Kelsen não apresenta solução efetiva, tendo em vista que defende a completude do ordenamento , por si só. Conforme registrou Rafael Tomaz de Oliveira^32 :
Kelsen entendia não ser possível falar em lacunas do ordenamento jurídico reivindicando, assim, uma completude para o ordenamento jurídico. A lacuna estaria na lei, mas não no ordenamento já que toda resposta a um problema normativo deveria sair do próprio direito e, mesmo que algum elemento externo fosse introduzido ao direito, passando ele pelos critérios formais de adequação ao ordenamento, ele, automaticamente, seria transformado em direito. (p. 352)
(^30) Ibidem, p. 01. (^31) ABBOUD, Georges; CARNIO Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à Teoria e à Filosofia do Direito. 32 3ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 255. Ibidem, p. 352.