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Tarsila do Amaral: Uma Análise da Influência do Modernismo em sua Obra, Resumos de Arquivística

Este artigo analisa a relevância de tarsila do amaral no cenário das artes plásticas brasileiras, explorando sua trajetória artística e a influência do movimento modernista em sua obra. O texto destaca a busca por novas formas de expressão, a influência de artistas como robert delaunay e erik satie, e a importância da semana de arte moderna de 1922. O artigo também aborda a obra 'abaporu' e a relação de tarsila com o movimento antropofágico.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 12/12/2024

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LUMEN ET VIRTUS
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DE CULTURA E IMAGEM
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TARSILA DO AMARAL: ANÁLISE DE IMAGEM DA
OBRA ‘A FEIRA I’
TARSILA DO AMARAL: IMAGE ANALYSIS OF THE
PAINTING 'A FEIRA I'
Rodolfo Jonasson de Conti Medeirosi
RESUMO Este artigo explora a
relevância de Tarsila do Amaral no cenário
das artes plásticas no Brasil, no movimento
de renovação das artes no decurso do
Modernismo. Conjuntamente, descrever a
qualidade singular desta artista na década
de 1920 em nosso país, e ao final,
desdobrar-se em uma análise imagética de
sua obra intitulada A Feira I.
PALAVRAS-CHAVE- Tarsila do Amaral.
Modernismo. Análise de imagem.
ABSTRACT- This article explores the
relevance of Tarsila do Amaral in the
plastic arts scene in Brazil, in the
movement of arts in the Modernism
period. In addition, it describes the singular
quality of this artist in the 1920s in Brazil,
and at the end, it presents an analysis of
her painting entitled A Feira I.
KEYWORDS- Tarsila do Amaral.
Modernism. Image analysis
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TARSILA DO AMARAL: ANÁLISE DE IMAGEM DA

OBRA ‘A FEIRA I’

TARSILA DO AMARAL: IMAGE ANALYSIS OF THE

PAINTING 'A FEIRA I '

Rodolfo Jonasson de Conti Medeirosi

RESUMO – Este artigo explora a relevância de Tarsila do Amaral no cenário das artes plásticas no Brasil, no movimento de renovação das artes no decurso do Modernismo. Conjuntamente, descrever a qualidade singular desta artista na década de 1920 em nosso país, e ao final, desdobrar-se em uma análise imagética de sua obra intitulada A Feira I.

PALAVRAS-CHAVE- Tarsila do Amaral. Modernismo. Análise de imagem.

ABSTRACT- This article explores the relevance of Tarsila do Amaral in the plastic arts scene in Brazil, in the movement of arts in the Modernism period. In addition, it describes the singular quality of this artist in the 1920s in Brazil, and at the end, it presents an analysis of her painting entitled A Feira I.

KEYWORDS- Tarsila do Amaral. Modernism. Image analysis

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Tradição aristocrata em São Paulo no fim do século XIX

O fazendeiro fluminense é conservador; o paulista, influenciado, talvez, pelo exemplo do europeu que vem chegando cada vez em maior número, tem iniciativas audaciosas. (OLIVEIRA, 1942, p. 218)

Tarsila do Amaral é modelo exemplar do artista entusiasmado e desimpedido, e procura, sem preconceitos, outras maneiras na forma de expressão, sem se preocupar se o resultado qualitativo fosse menor em sua fase pau brasil, representa, importante atitude aberta às vertentes múltiplas que as artes plásticas apresentam a partir do Cubismo. (AMARAL, 1975). Seu tempo, suas amizades, sua correspondência, seus objetos pessoais, seus quadros favoritos, seus manuscritos, suas gravuras: material precioso para levantamento de dados, foi considerado de extrema importância para constar neste trabalho. Neta e filha de fazendeiros, Tarsila do Amaral, nascida em 1886 no interior do Estado de São Paulo, pertenceu a uma sociedade do fim do século XIX, fundada no poder da terra, de latifundiários, e, do ponto de vista político-social, patriarcal e autoritária. Neste cenário, da sociedade tradicionalista e poderosa, porém aberta às novas ideias do abolicionismo e a república, formou-se a artista, que

chegando à cidade de São Paulo, comungou com profissionais liberais, poetas, artistas, músicos, e que constituiu a elite intelectual do país. Mesmo com a proclamação da República em 1889, esta sociedade de comportamentos tradicionais estava ansiosa para uma renovação, atitude esta que se manteve até meados dos anos 1930, quando começa a dissipar-se o “predomínio de uma elite de letrados, de diletantes do conhecimento, de amadorismo vago e dispersivo”. (AMARAL, 1975, p. 12) A cidade de São Paulo do início do século XX, conduzida pelo pensamento ideológico dos fazendeiros, que por costume sentiam-se tradicionalmente ligados à terra, buscam ampliação de seus interesses e de outros horizontes que a fortuna então lhes permite. Desta forma, uma aristocracia rural e uma alta burguesia urbana atuou como uma autêntica aristocracia de espírito refinado, apta a contrariar os preconceitos do gosto policiado, e disposta a estimular as novidades e as audácias do pensamento que se transformava, visto que, já usufruía da ascensão. Na aristocracia rural tem-se Olívia Guedes Penteado, incentivadora do modernismo no Brasil, e amiga de artistas- chave do movimento, como Anita Malfatti e Heitor Villa-Lobos, Rubens Borba de Moraes, bibliotecário, bibliógrafo, historiador e pesquisador brasileiro, foi um dos organizadores da Semana de Arte

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debruçou interesse em arte ao copiar imagens do Sagrado Coração; fortalece essa experiência copiando santinhos e quadros de artistas anônimos acadêmicos italianos, e nasce o desejo de fazer arte, exercício que ajudaria como observância para a mistura de tintas e a experimentação de técnicas diferentes. Por volta de 1919, o maestro, pianista e compositor brasileiro Souza Lima, casado com Maria Albertina do Amaral, tia de Tarsila, obteve uma bolsa de estudos e pode estabelecer-se e Paris entre 1919 a

  1. Nesta ocasião, Souza Lima teve a oportunidade de conhecer a Académie Julian , e estimulou Tarsila do Amaral a, definitivamente, mudar-se para Paris em 1920, a fim de aperfeiçoar sua arte. (AMARAL, 1975) A Académie Julian foi uma escola privada de pintura e escultura, fundada em Paris em 1867 pelo pintor francês Rodolphe Julian. Tornou-se célebre pelo número e pela qualidade dos artistas que dali saíram durante o grande período de efervescência das artes plásticas que foi o início do século XX. Permaneceu ativa de 1867 a 1968 Em seu primeiro ano em Paris, Tarsila do Amaral mostra, evidentemente, seu desejo de mudança, e a não-aceitação do academicismo, como se mostra em uma carta enviada a Anita Malfatti:

Muita natureza morta, mas daquelas ousadas em cores gritantes e forma descuida. Muita paisagem impressionista, outras dadaístas. Conheces, certamente, o Dadaísmo. Eu, porém, vim a conhecê-lo agora. Esta

nova escola, da palavra dada que em francês significa na linguagem infantil, cavalo, tem por fim pintar com grande simplicidade e mesmo ingenuidade. Assim, está no salão um quadro onde se vêem escritas as palavras: ‘ciel, terre, mer’ nos lugares correspondentes. [...] Este salão de outono é bastante livre: ouvi dizer que é uma fusão que fizeram com os independentes. Ainda não vi tudo. Deverei voltar. (AMARAL, 1920)

Embora na Académie Julian seu trabalho de início se restringisse a estudo de nu, e somente a desenhos, desde outubro de 1920, Tarsila manifesta seu desejo de recomeçar a pintar. Além dos desenhos típicos de academia dessa fase, suas primeiras pinturas foram diversas poses de um modelo masculino, além de vários estudos de modelo. Tarsila observa que o rigor da academia era tão grande que não se permitia ao aluno, fazer uma composição, mas apenas o estudo da figura. Tarsila passaria depois, para a academia do pintor francês Emile Renard, um tutor menos rígido, cuja orientação faria os seus melhores trabalhos em sua estada em Paris “as cores menos terrosas emergindo não apenas os problemas de composição, como de profundidade e cor, assim como já se observa uma ligeira simplificação de formas em função da luz”. (AMARAL, 1975, p. 38) As notícias do Brasil chegavam por intermédio das cartas de Anita Malfatti, sua única ligação com o mundo artístico de São Paulo. Embora esparsas, essas cartas informavam brevemente o cenário paulistano, e que em carta enviada à sua

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família, em abril de 1921, quando visitava sua filha, Dulce do Amaral, que frequentava o colégio interno em Londres, Tarsila evidencia sua melancolia em relação à maneira com que o Brasil se conecta a arte, e escreve:

… Quando vejo tanta grandeza por aqui, estes museus admiráveis, essas bibliotecas preciosas ao alcance do público mediante uma apresentação, tanta arte [...] tenho pena do nosso país tão rico, e tão pobre em tudo que diz respeito à vida intelectual. Há tanto dinheiro para se esbanjar em festas… Que incúria em tudo que se relaciona à arte! Que vem a ser o nosso Ipiranga e a nossa Pinacoteca? Não exijamos de São Paulo as magnificências de Londres ou Paris, sejamos justos: peçamos-lhe um pouco mais de critério. (AMARAL,

Tarsila tinha, portanto, ideias e notícias a respeito do cenário em arte em Paris e em São Paulo. Faltava, entretanto, algum elemento a ligá-la a essa renovação ou a envolvê-la em seu entusiasmo destrutivo em relação aos movimentos artísticos do passado. Até então, embora informada por Anita Malfatti, Tarsila permanecia fiel ao tradicionalismo da academia. Foi somente com a euforia de São Paulo de 1922, que a fariam, em definitivo, optar pelo novo paradigma, consciente então, através das discussões de que participaria, da opção que tomaria a partir daquele ano.

O Modernismo

É o grito triunfante de São Paulo enriquecido pelo café, que joga fora a carapaça velha e provinciana para aparecer em seu aspecto de grande metrópole, rival de Paris, de Londres, de Nova Iorque. Hoje, os versos e a prosa dessa época, com suas caricaturas e suas piadas, suas imagens delirantes e o desejo de “épater le bourgeois”, podem parecer fora de moda, mas há em ambos tal alegria de viver, tal orgulho paulista, tal entusiasmo lírico, que esta crise de adolescência desperta afeição e simpatia. (BASTIDE, 1969, p. 224-225)

Foi em 27 de junho de 1922 que Tarsila voltou ao Brasil, e no mesmo navio, conheceu o pianista polonês Arthur Rubinstein, destacado como um dos maiores pianistas do século XX, que faria uma turnê pela América Latina. A presença de Rubinstein, marcaria, ainda que fora do contexto da Semana de Arte Moderna 1922 (acontecido em fevereiro do mesmo ano), o lançamento de uma obra do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos, através da interpretação de Rubinstein, mais uma vez provaria que o talento nacional somente aqui é reconhecido quando aprovado pelo estrangeiro. Villa- Lobos tem destaque por ter sido o principal responsável pela descoberta de uma linguagem peculiarmente brasileira na música, sendo considerado o maior expoente da música do modernismo no Brasil, compondo obras que possuem nuances das culturas regionais brasileiras, com os elementos das canções populares e indígenas. Na ocasião, o evento promoveu

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pela escrita; a música de concerto com cantores; e as artes plásticas expostas em telas, esculturas. Cada dia desta semana, que ocorreu entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, compreendeu um olhar cultural: a pintura, a escultura, a poesia, a literatura e a música, evidenciando o começo do modernismo no país e resultando em uma marca cultural do século XX. Apesar disso, o acontecimento ocorreu em um período repleto de desordens econômicas, sociais, políticas e culturais. As novas vertentes estéticas despontaram e o mundo se surpreendeu com linguagens alheias à normas e preceitos. Foi o centro de julgamentos (em parte desconsiderada), a Semana de Arte Moderna de 1922 não foi bem compreendida em sua época. O cenário da República Velha (1889- 1930), conduzido por um pequeno grupo aristocrata rural de cafeicultores envolveu a Semana de Arte de 1922. Neste cenário do crescente capitalismo, em que se estabelecia a república e a classe nobre paulista, que recebia influência dos modelos estéticos europeus mais conservadores. (AMARAL, 1975) O propósito da Semana de Arte Moderna de 1922 era sofisticar o âmbito cultural da cidade de São Paulo, revelando um foco atual a escultura, a música, a arquitetura e a literatura, como publicado no Correio Paulistano, de 29 de janeiro de

A Semana de Arte Moderna de 1922 não teve grande importância em sua época, porém ganhou valor histórico ao se projetar ideologicamente ao longo do século XX. Isso aconteceu devido a falta de uma ideologia comum a todos os participantes, no entanto, desdobrou-se em diversos movimentos diferentes, e todos eles levaram adiante sua herança modernista. A influência da Semana de Arte Moderna de 1922 alcança influência até a segunda metade do século XX, destacando-se o Tropicalismo e a Bossa Nova Entre os movimentos artísticos que surgiram na década de 1920, destacam-se o Movimento Pau Brasil e o Movimento Antropofágico.

Movimento Pau-Brasil

E porque Tarsila pode pintar São Paulo. Tem raça. Pintora fazendeira, veio da roça paulista para a cidade paulistana, a caminho de Paris. Da roça trouxe o gosto caipira das cores de baú de lata e das flores de papel de seda para o altar de São Benedito. Na cidade aprendeu que isto aqui é um “galicismo a berrar nos desertos da América”. De Paris voltou com vestidos de Poiret, a ensinar a gente a ser brasileira. […] Esse brasileirismo de Tarsila não é uma atitude: é um imperativo do seu sangue, uma função natural do seu espírito e dos seus sentidos. Por mais que Tarsila queira “academizá-lo” na sua fase clássica, ou deformá-lo na sua fase “antropofágica”, ele se denuncia sempre sob o invólucro. Incólume, intacto, alérgico às modas. (ALMEIDA, 1950)

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Figura 2 Notícia do jornal Correio Paulistano de 29 de janeiro de 1922. Fonte: Correio Paulistano, 1922.

Poucos após retornar ao Brasil, começavam a dissipar do ateliê de Tarsila do Amaral, localizado em Higienópolis, as impressões de frequentadores atraídos pela personalidade da artista e por sua arte. A artista brasileira mostrava obras que precediam da experiência cubista, que até

então não era comentado e pouco conhecido no Brasil. Tarsila do Amaral, em outra viagem a Paris em 1923, trouxera não apenas a apropriação dessa tendência, presente em sua própria pintura, como também trouxera obras de artistas contemporâneos, entre eles: o artista francês abstracionista e cubista Robert Delaunay, o pintor francês

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Figura 3 Manifesto da Poesia Pau Brasil Fonte: Correio da Manhã, 1924

Movimento Antropofágico

Somos todos canibais […] A maneira mais simples de nos conhecermos através do outro é devorando-o. (LÉVI- STRAUSS)

Para Aracy Amaral, Oswald de Andrade

é muito mais que o aparente derrubador. É um revolucionário das ideias, simultaneamente fiel, profundamente, à sua sua geração. Neste, lança-se adiante e nessa limitação de seu tempo, reside também sua grandeza, que é o drama da

vanguarda de cada “ismo” deste século [século XX]” (AMARAL 1975, p. XX)

Tarsila do Amaral, apresenta uma maneira de ser bastante distinta com Abaporu, evidenciando um enlace entre o mundo e em que as oposições se desfazem, já que a plasticidade do corpo consente que não apenas com a boca podemos devorar o mundo, mas, por meio das experiências, das vivências, que existem nas relações distintas com o mundo. Abaporu, certamente, deve devorar com os pés. (SOLCI, 2013).

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Figura 4 Reprodução da obra Abaporu, de Tarsila do Amaral, 1928.

Os pés permitem movimentar-me pelo mundo, e exibe uma nova maneira de vivenciar e perceber o mundo. Dessa forma:

devorar o mundo, excretando caminhos inconclusos, inacabados, perspectivando trajetos novos. Nessa rítmica moderna, a antropofagia reinventa o corpo já não segundo a hierarquia da cabeça, mas por um tipo de pensamento que se concretiza e ancora-se no sensível, que engloba todos os seus sentidos, que

convida a uma abertura ao mundo, ao outro, à vivência da história e da cultura por meio da experiência vivida. (SOLCI, 2013, p. 63)

A plasticidade do Abaporu , sinalizada pelo grande pé e pela relação com a terra, trouxe à tona as ideias que Oswald de Andrade publicou em 1928, no Manifesto Antropófago.

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Análise da imagem

Em Tarsila, como aliás em toda a pintura de verdade, o assunto é apenas mais uma circunstância de encantação; o que faz mesmo aquela brasileirice imanente dos quadros dela é a própria realidade plástica: um certo e muito bem aproveitado caipirismo de formas e de cor, uma sistematização inteligente do mau-gosto excepcional, uma sentimentalidade intimista, meio pequenta, cheia de moleza e de sabor forte. (AMARAL, 1975, p. XXI)

A imagem escolhida para a análise neste trabalho é, de Tarsila do Amaral, A feira I, uma pintura à óleo sobre tela, com datação de 1924, com dimensões 60,8 x 73,1 cm, com assinatura no canto inferior esquerdo “Tarsila”. A obra esteve na Coleção Willoughby em Paris, e posteriormente, foi adquirida pela família do jornalista e colecionador de obras de arte Pietro Maria Bardi, sendo esta a proprietária na atualidade. Dentre as obras pictóricas inventariadas e presentes no catálogo publicado por

Aracy Abreu do Amaral em 1971, ao contrário de outras obras, não consta o decalque feito por Tarsila do Amaral, um hábito que aprendeu com seu professor Pedro Alexandrino

De Pedro Alexandrino lhe ficaria o hábito do decalque. O pintor tinha por costume, segundo Tarsila, decalcar a composição da obra, realizada entre de entregar o quadro a um comprador. Tarsila, sempre que possível, lhe seguiria o exemplo, guardando o ‘risco’, de várias de suas pinturas e desenhos, num sentido de trabalho manual de colégio de freiras. E mesmo não os utilizando posteriormente, explica: ‘Sempre é bom guardar. Depois um dia pode-se precisar…’ (AMARAL, 1975, p. XX)

No entanto, quando a obra retornou ao Brasil em decorrência de sua compra pela família Bardi, Tarsila do Amaral teve a oportunidade de fotografar a obra e emoldurar, e, esta reprodução feita pela própria autora, que permaneceu em seu quarto localizado na Rua Piauí em Higienópolis, será o objeto de análise neste trabalho.

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Figura 6 A Feira I, de Tarsila do Amaral

Leitura iconográfica

Segundo Panofsky (2016, p.47), a iconografia “é um ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição a sua forma”. Conforme o dicionário Houaiss (2001) “é estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens, sem levar em conta o valor estético que possam ter. Ainda assim, a iconografia, conforme Panofsky (2016)

implica um método [...] puramente descritivo, ou até mesmo estatístico. [...]

é portanto, a descrição e classificação das imagens. [...]. é um estudo limitado, [...] que nos informa quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivos específicos. (p. 53)

Panofsky (2016) aponta os elementos de descrição pré-iconográfica, que estão no universo dos motivos. São caracterizados por linhas, cores, volumes, e que podem ser identificados pela base da experiência prática. Afirma que “qualquer pessoa pode reconhecer a forma e o comportamento dos seres humanos, animais e plantas”. (p.55) Complementando o pensamento de Panofsky, Martine Joly (2007), apresenta

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Muitos melões pepinos romans e figos De muitas castas Cidras limões e laranjas Uma infinidade Muitas cannas daçucre Infinito algodam Também há muito páo brasil Nestas capitanias

Também é oportuno evidenciar que no poema de Murilo Mendes, intitulado “Canção do Exílio”, da Antologia “Poemas” (1925-1931), também é possível observar a exuberância da diversidade da flora e fauna brasileira apresentada na obra de Tarsila do Amaral, e também sua ruidosa crítica àquilo que é estrangeiro, e também uma crítica à “Canção do Exílio” romântica de Gonçalves Dias.

Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, cubistas, os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia.

(Canção do Exílio - Murilo Mendes)

Quanto às cores, a obra A Feira I é repleta de cores vivas, e serve como vitrine

das riquezas do Brasil. Vê-se principalmente tons quentes como amarelo vivo e o laranja, assim como os tons frios, verde e azul. Outras cores distintas constituem a obra. Referente à composição, as formas são dispostas separadas e com poucos elementos sobrepostos. Há três planos contíguos, porém, sem ponto de fuga: dois à frente representando a feira, e um ao fundo, representando a cidade, com poucas casas e apenas uma fábrica, representada pela chaminé vermelha. Tocante à textura, o uso de tinta óleo permite a artista um leque de possibilidades para retocar e alterar o plano inicial, devido à lenta secagem. A tela original evidencia uma maneira uniforme, não influenciando no relevo da obra.

Leitura iconológica A iconologia é, segundo Panofsky (2016),

um método de interpretação que advém da síntese mais que da análise. E assim como a exata identificação dos motivos é requisito básico de uma correta análise iconográfica, também a exata análise das imagens, histórias e alegorias é o requisito essencial para uma correta interpretação iconológica. (p. 54)

Observar esta obra de Tarsila do Amaral, assim como outras de suas obras da década de 1920, consideradas o apogeu de Tarsila, permitem

visualizar um tipo de pintura bem intimista, bem construída, numa estilização bem casada com o colorido

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muito brasileiro do casario, da paisagem, dos temas da vida rural ou da cidade grande dos anos 1920 em São Paulo. É relembrar a deglutição das lições do Cubismo filtradas através de uma personalidade feminina, que compõe, em arranjos mágicos, atmosferas de sonho à racionalidade, em visões sem sombra, recortadas do mundo mas fora dele, ancestrais em sua relacionamento com a terra mas profundamente atuais no registro do seu tempo. (AMARAL, 1975, XX)

Alguns de seus críticos afirmam que na história da pintura brasileira, Tarsila do Amaral foi a primeira artista que alcançou a brasilidade em suas obras. O que é eminente em sua obra não é somente o colorido, nem o sentido geométrico, nem ainda sua imaginação poderosa, mas a sua identificação com o espírito da nossa terra. A obra de Tarsila do Amaral desvela um pensamento e traz à tona uma sensibilidade para além da liberdade. A frugalidade das cores e das paisagens experienciadas na infância, a escolha da luminosidade e das

formas, foram inspirações devoradas antropofagicamente dos modernismos estrangeiros, com autonomia para conceber o novo. A obra é caracterizada pela manipulação entre oposição e diferença. Os contrastes se mostram em novas cores, onde se evidencia a conexão entre dois contextos presentes na sociedade brasileira do início do século XX: um mercado urbano e suas implicações na economia rural. Tarsila do Amaral enfatiza nesta obra o início do processo de industrialização e sua subordinação ao campo, expondo os elementos da natureza. (MORAES, 2014) A feira caracteriza-se como um ambiente social que concilia as pessoas. Esse ambiente potencializou e tornou sortido os costumes alimentares dos brasileiros, e também constituiu as feiras como uma expressão cultural desde o início do século XX no Brasil, retratando com brasilidade moderna e colorida.

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SOLCI, Analwik Tatielle Pereira De Lima. Somos Todos Canibais : Antropofagia, Corpo e

Educação Sensível. 2013. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte.

i (^) Mestre em Ciências Humanas.