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Habeas Corpus: Análise do Crime de Exercício Arbitrário das Próprias Razões (Art. 345 CP), Notas de aula de Direito

EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. ... penal, é mister que a dívida possa ser objeto de cobrança judicial. Todavia, faz.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Superior Tribunal de Justiça
HC 211888 C5429445151:0038524890@ C23012884501:890@ 20/05/2016 12:05
2011/0152952-2 Documento Página 1 de 14
HABEAS CORPUS Nº 211.888 - TO (2011/0152952-2)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : VALDEON BATISTA PITALUGA - DEFENSO
R
PÚBLICO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS
PACIENTE : J. D. DE S.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
J. D. DE S., paciente neste habeas corpus, estaria sofrendo
constrangimento ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Tocantins na Apelação n. 11849-10/0088560-4.
Depreende-se dos autos que a paciente foi denunciada pela
suposta prática do delito previsto no art. 157, §§ 1º e 2º, I, do Código Penal (fls.
5-6).
Encerrada a instrução, o Juízo monocrático desclassificou a
conduta imputada à ré para o crime previsto no art. 345 do Código Penal (fls.
7-15).
Irresignado, o Ministério Público estadual recorreu. A Corte de
origem deu parcial provimento ao apelo para condenar a paciente pelo
cometimento do delito previsto no art. 157, caput, do Código Penal (fls. 32-39).
Nesta Corte, do que se depreende da inicial deste writ, o
impetrante sustenta: a) nulidade da sentença, em razão de sua fundamentação
deficiente, bem como da ausência de análise acerca da prescrição da pretensão
punitiva e b) nulidade do acórdão recorrido, pois, ao consignar que "a vítima
contribuiu para o evento danoso, uma vez que não adimpliu com o acordo feito
com a ré" (fl. 3), ficou caracterizada a ocorrência do delito de exercício
arbitrário das próprias razões.
Requer a concessão da ordem para "declarar a nulidade da
sentença condenatória e seu acórdão confirmatório" (fl. 4).
O Ministério Público Federal opinou, às fls. 89-91, pela
concessão da ordem, de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau e,
consequentemente, julgar extinta a punibilidade da paciente, diante da prescrição
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HC 211888 C5429445151:0038524890@ C23012884501:890@

20/05/2016 12:

HABEAS CORPUS Nº 211.888 - TO (2011/0152952-2)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

IMPETRANTE : VALDEON BATISTA PITALUGA - DEFENSOR

PÚBLICO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS

PACIENTE : J. D. DE S.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

J. D. DE S. , paciente neste habeas corpus, estaria sofrendo constrangimento ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins na Apelação n. 11849-10/0088560-4.

Depreende-se dos autos que a paciente foi denunciada pela suposta prática do delito previsto no art. 157, §§ 1º e 2º, I, do Código Penal (fls. 5-6).

Encerrada a instrução, o Juízo monocrático desclassificou a conduta imputada à ré para o crime previsto no art. 345 do Código Penal (fls. 7-15).

Irresignado, o Ministério Público estadual recorreu. A Corte de origem deu parcial provimento ao apelo para condenar a paciente pelo cometimento do delito previsto no art. 157, caput , do Código Penal (fls. 32-39).

Nesta Corte, do que se depreende da inicial deste writ , o impetrante sustenta: a) nulidade da sentença, em razão de sua fundamentação deficiente, bem como da ausência de análise acerca da prescrição da pretensão punitiva e b) nulidade do acórdão recorrido, pois, ao consignar que "a vítima contribuiu para o evento danoso, uma vez que não adimpliu com o acordo feito com a ré" (fl. 3), ficou caracterizada a ocorrência do delito de exercício arbitrário das próprias razões.

Requer a concessão da ordem para "declarar a nulidade da sentença condenatória e seu acórdão confirmatório" (fl. 4).

O Ministério Público Federal opinou, às fls. 89-91, pela concessão da ordem, de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau e, consequentemente, julgar extinta a punibilidade da paciente, diante da prescrição

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da pretensão punitiva.

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situação versada nos autos – e entender presente o crime de exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo verbal de pagamento, pelo cliente, dos préstimos sexuais da paciente.

  1. O restabelecimento da sentença, mercê do afastamento da reforma promovida pelo acórdão impugnado, importa em reconhecer-se a prescrição da pretensão punitiva, dado o lapso temporal já transcorrido, em face da pena fixada.
  2. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau, que desclassificou a conduta imputada à paciente para o art. 345 do Código Penal e, por conseguinte, declarar extinta a punibilidade do crime em questão.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

I. Admissibilidade

Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tais premissas, identifico suficientes razões, na espécie, para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.

II. Contextualização

A paciente foi denunciada pela suposta prática do delito previsto no art. 157, §§ 1º e 2º, I, do Código Penal, porque, segundo a inicial acusatória, "subtraiu para si um cordão com pingente folheado, de propriedade de R. F. de S.. Logo após a subtração, a denunciada empregou grave ameaça, com utilização de uma faca, contra a pessoa de R. F. de S. , visando assegurar a impunidade do crime e a detenção da res furtiva " (fl. 5).

Encerrada a instrução, o Juízo monocrático desclassificou a

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conduta imputada à paciente para o crime de exercício arbitrário das próprias razões – art. 345 do Código Penal –, sob a seguinte motivação (fls. 11-14, grifei):

No caso específico dos autos, existe uma linha tênue que separa da conduta desenvolvida pela denunciada da conduta que lhe é atribuída pelo Ministério Público Estadual. Desde o início da ação penal o Ministério Público requer a condenação da denunciada na prática do delito de roubo impróprio. Com a produção das provas em juízo, entendo que outro delito restou configurado, o crime de exercício arbitrário das próprias razões. Transcrevo o artigo 345, do Código Penal, que prevê:

Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

O direito penal, como é sabido, foi construído doutrinária e jurisprudencialmente no Brasil sobre o pilar da vontade do agente, do que se passa em sua mente no momento da prática do delito, enfim, da real intenção do autor. Por isso mesmo, que o direito penal objetivo encontra sérios e intransponíveis obstáculos e resistência em nosso meio, sendo reservado apenas para algumas poucas exceções, da qual não participa o caso dos autos. O que faço de agora em diante é analisar o fato e enquadrá-lo no que dispõe nosso ordenamento jurídico. J. é daquelas pessoas que se prostitui para sobreviver e o local onde comercia seu corpo ("Região da Feirinha") evidencia por ser público e notório, que se trata de pessoa pobre, sem instrução, que vive à margem do convívio social mais instruído e normalmente mais educado. A sua realidade é bem diferente da minha, da do promotor, da do defensor público que patrocina sua defesa e, por isso mesmo, a análise de sua conduta deve se ater às suas condições, circunstâncias e peculiaridades pessoais e não ao padrão do homem médio , como normalmente ocorre no direito penal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: [...] Como prostituta ela vendeu seu corpo para a satisfação da

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uma faca. Sentindo-se acuada a vitima correu e ao ver uma faca sobre a banca de espetinho, fez uso da mesma para se defender. De posse da faca disse para a vitima:" você não vai me pagar?". Logo em seguida os policiais militares chegaram no local e prenderam a interrogada. A corrente estava escondida dentro de sua calcinha. A faca estava em uma das mãos. Somente tomou a corrente da vitima porque ela não pagou o que havia prometido. (...) Não utilizou a faca para manter a posse da corrente da vitima, mas sim para defender da agressão dela e cobrar o valor devido. (...)"

Conforme exposto nas razões recursais, fl. 118, ao sentenciar o magistrado assim entendeu: [...] Em que pese a argumentação utilizada pelo magistrado, o objeto jurídico do crime de exercício arbitrário das próprias razões é tutelar a Administração da Justiça, razão pela qual a pretensão do agente pode ser ilegítima, mas necessariamente "(...) há de ser um interesse que possa ser satisfeito em juízo, pois não teria o menor cabimento considerar exercício arbitrário das próprias razões - delito contra a administração da justiça - a atitude do agente que consegue algo incabível de ser alcançado através da atividade jurisdicional do Estado (...)." [...] No caso em exame, embora em seu íntimo a apelada desejasse haver a satisfação do crédito em razão dos serviços sexuais prestados à vítima, tem-se que tal pretensão, embora considerada legitima pela apelada, não poderia ser deduzida em juízo. Nesse sentido transcrevo o seguinte posicionamento: [...] Ressalto, que embora a prostituição em si não seja considerada ilícito, conforme bem asseverado nas razões recursais "não quer dizer, contudo, que seja ato ou atividade estimulada, fomentada, legalmente amparada ou sequer aceita pelo Estado". Dessa forma, afastada a possibilidade da desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, resta caracterizada a subtração do cordão da vitima.

Ao examinar a questão posta nos autos, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, para "restabelecer a sentença de primeiro grau e decretar a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão

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punitiva" (fl. 91). Na ocasião, consignou que (fl. 90):

  1. Por isso o presente writ , no qual sustenta o impetrante, em suma, que não foram obedecidos os critérios legais em relação à dosimetria da pena, bem como que não houve pronunciamento sobre a prescrição. Pede, assim, seja anulada a sentença condenatória e o acórdão confirmatório. Aduz, que, "na pior das hipóteses", a paciente teria praticado o delito do art. 345 do Código Penal, cuja pena já estaria extinta.
  2. Conforme reconheceu o Tribunal estadual, "o crime foi praticado como forma de ressarcimento pelos serviços sexuais prestados pela ré, e não pagos" (a paciente era prostituta e a vítima, após a consumação do ato sexual, não quis pagar os R$ 15,00 acordados), bem como que a paciente não praticou grave ameaça, apenas teria se defendido ("a vítima saiu e pegou uma faca de cozinha e partiu para cima da acusada. A acusada pegou uma faca também e a vítima foi embora do local chamar a polícia"). Considerou então, a Corte local, para caracterização do crime de roubo próprio "a violência empregada no momento da subtração, ou seja, quando puxou o cordão do pescoço da vítima".
  3. Assim posta a questão, que não requer análise probatória, a conduta da paciente é enquadra no art. 345 do Código Penal, como bem evidenciou o magistrado na sentença: [...].

Em recente contato telefônico com o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Araguaína – TO, verificou-se que a paciente registra outras condenações transitadas em julgado, cujas penas está cumprindo perante aquele Juízo. Na ocasião, esclareceu-se que a acusada ainda não iniciou o cumprimento da reprimenda imposta na ação penal objeto deste writ.

Feito esse registro, passo ao exame das teses defensivas.

III. Nulidade da sentença – supressão de instância

Destaco que a matéria atinente à nulidade da sentença não foi submetida à análise pelo colegiado do Tribunal estadual , circunstância que impede seu conhecimento por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

Com efeito, apenas o Ministério Público estadual recorreu da

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O elemento material do crime é fazer justiça pelas próprias mãos , para satisfazer uma pretensão. Esta é o pressuposto do delito. Sem ela, este não tem existência, incidindo o fato em outra disposição legal. A pretensão, por sua vez, se assenta em um direito que o agente tem ou julga ter, isto é, pensa de boa-fé possuí-lo , o que deve ser apreciado não apenas quanto ao direito em si , mas de acordo com as circunstâncias e as condições da pessoa. Consequentemente, a pretensão pode ser ilegítima – o que a lei deixa bem claro: "embora legítima" – desde que a pessoa razoavelmente assim não a julgue. (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v. 4. Dos Crimes Contra a Saúde Pública a Disposições Finais. 24. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 392)

O tipo penal em apreço relaciona-se, na espécie, com uma atividade que, a despeito de não ser ilícita, padece de inegável componente moral relacionado aos "bons costumes", o que já reclama uma releitura do tema , à luz da mutação desses costumes na sociedade pós-moderna.

Não é despiciendo lembrar que o Direito Penal hodiernamente concebido e praticado nas democracias ocidentais passou por uma "longa encubação no pensamento jusnaturalista da época iluminista", resultando na "separação entre legitimação interna e legitimação externa ou entre direito e moral" (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. Trad. Zomer et el .São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 172).

Lembro, a propósito, modificação legislativa relativamente recente (Lei 12.015/2009) que, inter alia , alterou a denominação dos crimes previstos no Título VI do Código Penal, com a substituição da vetusta ideia de que o bem jurídico tutelado eram os costumes , passando a conferir proteção mais imediata à liberdade de autodeterminação sexual de adultos e reafirmando a proteção do desenvolvimento pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral.

Como bem pontuou Luiz Flávio Gomes,

[...] com a Lei 12.015/2009 essa locução [crimes contra os costumes] foi substituída pela seguinte: Crimes contra a dignidade sexual (que significa a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada pessoa humana). (...) Uma premissa fundamental para a correta interpretação de

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praticamente todos os novos dispositivos legais (CP, art. e ss.) é a seguinte: foi fixada uma idade em que rege a proibição absoluta de sexo: menos de catorze anos. Nesse caso o que se protege é o desenvolvimento sexual da pessoa (que não deve ser perturbado com a antecipação de qualquer tipo de experiência sexual). Com pessoas com menos de catorze anos o novo texto legal veda expressamente qualquer tipo de relacionamento sexual. (...) Uma vez estabelecido o limite, a partir daí, tudo está a depender da anuência ou não da pessoa (em participar ou presenciar qualquer ato sexual). A partir dos catorze anos o fundamental é saber se a pessoa quis ou não quis (livremente) o ato sexual. Se o ato for livre, não há que se falar em delito (o sexo faz parte do âmbito da liberdade de cada um). Onde não há violência ou grave ameaça ou mesmo fraude, não há que se vislumbrar qualquer tipo de delito sexual, quando os envolvidos contam com catorze anos ou mais. O Estado não tem o direito de invadir a vida privada das pessoas, para impor-lhe uma determinada orientação moral. (GOMES, Luiz Flávio_. Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais_. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story= 125548652>)

Mesmo a doutrina clássica, como a de Nelson Hungria, de formação naturalmente mais conservadora, assinalava que

Se a prostituição é um mal deplorável, não deixa de ser, até certo ponto, em que pese aos moralistas teóricos, necessário. Embora se deva procurar reduzi-la ao mínimo possível, seria desacerto a sua incriminação. Sem querer fazer elogio, cumpre reconhecer-lhe uma função preventiva na entrosagem da máquina social: é uma válvula de escapamento à pressão de recusável instinto, que jamais se apazigou na fórmula social da monogamia, e reclama satisfação até mesmo que o homem atinja a idade civil do casamento ou a suficiente aptidão para assumir os encargos da formação de um lar. Anular o meretrício, se isso fora possível, seria inquestionavelmente orientar a imoralidade para o recesso dos lares e fazer referver a libido para a prática de todos os crimes sociais. ( Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 169-170, grifo nosso).

Em verdade, a história dos crimes sexuais é, em última

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prestação lícita, possível e determinada, inexistindo, conforme é cediço, expressa proibição legal. (...) Nota-se, ademais, que o Texto assegura a liberdade de contratar, devendo ser exercida em razão e nos limites da "função social do contrato" (art. 421). Pode-se tê-la [a prostituição], nesta ordem de ideias, como um contrato de prestação de serviços, regido pelos arts. 593 e 594 do Código Civil, proclamando o último que toda "a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição". (ESTEFAM, André. Dignidade sexual como fruto da dignidade da pessoa humana: homossexualidade, prostituição e estupro. Tese de Doutorado em Direito. PUC. São Paulo, 2015, p. 170).

Vale acrescentar, como noticiado no referido trabalho acadêmico, que a Corte de Justiça da União Europeia já reconheceu a legalidade da prostituição, declarando-a uma atividade econômica lícita, quando independente e voluntária, "isto é, se exercida por conta própria e tendo como contrapartida uma remuneração paga integral e diretamente ao profissional, sem subordinação a terceiros quanto à sua escolha, às condições de prestação do trabalho e à remuneração" (ESTEFAM, André, op. cit.).

Dessas considerações – que, por óbvio, não implicam apologia ao comércio sexual do próprio corpo, mas apenas o reconhecimento, com seus naturais consectários legais, da secularização dos costumes sexuais e a separação, inerente à própria concepção do Direito Penal pós-iluminista, entre Moral e Direito – pode-se concluir, como o faz Nucci, ser

perfeitamente viável que o trabalhador sexual, não tendo recebido pelos serviços sexuais combinados com o cliente, possa se valer da Justiça para exigir o pagamento. Ademais [e aqui a relevância da conclusão para o exame do caso concreto], evita-se o exercício arbitrário das próprias razões (crime previsto no art. 345 do CP) e termina-se com a sacralização da Justiça para apreciar somente casos que se considerem moralmente aceitáveis. (NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit ., p. 190)

Sob esse viés, vejo como acertada a solução dada pelo juiz sentenciante, ao afastar o crime de roubo – cujo elemento subjetivo não é compatível com a situação versada nos autos – e entender presente o exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo verbal de pagamento, pelo cliente, dos préstimos sexuais da paciente.

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Como destacado no Juízo monocrático, " no íntimo de J. seu serviço deve ser remunerado e a cobrança dessa remuneração é legítima como qualquer outra prestação de serviços remunerada comumente aceita em nossa sociedade " (fl. 12), a evidenciar que, naquela oportunidade, a acusada não atinava ser responsabilizada por roubo, por haver feito "justiça com as próprias mãos".

Não é de se desprestigiar tal raciocínio, apoiado na percepção manifestada pelo Juiz de primeiro grau , que teve contato direto com a paciente e atestou que ela considerava estar exercendo pretensão legítima , a sugerir, portanto, que a acusada desconhecia a ilicitude de sua conduta.

Logo, é de restabelecer-se a sentença monocrática, mercê do afastamento da reforma promovida pelo julgado ora hostilizado, o que importa em reconhecer-se a prescrição da pretensão punitiva, dado o lapso temporal já transcorrido, em face da pena fixada. Nesses termos, aliás, foi a douta manifestação do representante do Ministério Público Federal.

V. Dispositivo

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus , mas, ao examinar seu conteúdo, identifico o apontado constrangimento ilegal, o que me leva a conceder, de ofício, a ordem postulada, a fim de restabelecer o conteúdo decisório da sentença de primeiro grau, que desclassificou , do art. 157, §§ 1º e 2º, I, do Código Penal para o art. 345 do mesmo diploma, a conduta imputada à paciente.

Considerando que a pena máxima prevista para o crime é de um mês de detenção; que o crime foi cometido em 18 de abril de 2008, a sentença foi prolatada em 15 de julho de 2009 e o acórdão, lavrado em 25 de maio de 2014 (os autos não informam a data do recebimento da denúncia e das publicações da sentença e do acórdão); considerando, ainda, que a paciente, ao tempo do crime, era menor de 21 anos, consoante reconhecido na sentença (fl. 14), é forçoso concluir que já transcorreu, em qualquer desses interregnos de tempo, o prazo prescricional correspondente (1 ano, ex vi do art. 109, VI, do CPB, vigente ao tempo da conduta, c/c art. 115 do CPB).

Por conseguinte, declaro extinta , em face da prescrição da pretensão punitiva, a punibilidade do crime pelo qual a paciente foi condenada.