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Guias e Dicas
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Performatividade na Arte Contemporânea: Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno, Notas de aula de Comunicação

Uma dissertação sobre a performatividade da recepção na arte contemporânea, focando em obras de lygia clark, ricardo basbaum e cláudio bueno. A pesquisa utiliza a teoria dos processos de criação de cecília almeida salles, que se baseia na semiótica peirceana e no conceito de rede de pierre musso, para entender as propostas artísticas desses artistas a partir do conceito de ato comunicativo. O estudo utiliza documentos de processos deixados pelos artistas, como cartas, entrevistas, testemunhos, sites, blogs e textos pessoais.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Romar_88 🇧🇷

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Josy Anne Neves Panão
A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos
processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2014
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Josy Anne Neves Panão A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2014

Josy Anne Neves Panão A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Cecilia Almeida Salles. SÃO PAULO 2014

Agradecimentos À minha mãe, Rute, aos meus irmãos José Luiz, Josana, Juliano, Jonathan e Rose, que quebra com a predominância do J e une-se a nós pelos laços do afeto. Aos sorrisos leves e alegres dos pequenos Juliana, Mariana e José Miguel, meus sobrinhos. A Carla, Francine e Edgar, meus cunhados. À minha orientadora, Cecilia Salles, pelas trocas, conversas e imenso aprendizado ao longo dessa etapa. Aos amigos feitos durante o mestrado, especialmente Camila Mangueira, Cassiano Mendes, Fabrício Fava, Fernanda Porto e Liduina Lins. Aos amigos do grupo de pesquisa em Processos de Criação. Aos amigos do grupo de estudos Extremidades: pensamento e ações limítrofes entre linguagens, Denise Agassi, Paula Garcia e, em especial, Ananda Carvalho, pela atenciosa colaboração durante os momentos intensos de escrita, e Cláudio Bueno, por oferecer sua prática poética para essa pesquisa. Aos amigos que a vida e a arte me trouxeram, Augusto Rocha, Eliton da Costa Rocha, Flavia Paiva, Izabella Bambino, Pablo Domínguez Galbraith, Renato Fagundes e Rita Tatiana. À Suely Rolnik, por ensinar coisas que provocam verdadeiros reboliços no meu pensamento, e me encorajar a expor o que vejo e sinto com a força de minha alma. Meu especial agradecimento à Christine Mello, amiga querida que me ensinou a generosidade do estar junto, a confiança do cuidado com o outro, pelo trabalho em comum e por sempre incentivar meus estudos e meu contato com a pesquisa em comunicação e artes. Sem ela, trilhar esse caminho não seria possível. À CAPES pelo suporte à pesquisa.

Ao José, meu pai, que deixou de viver ao meu lado e passou a viver para sempre dentro de mim. À Rute, minha mãe, que me ensina a ter força, dedicação, cuidado e amor, sempre.

Abstract In contemporary art, we come across an increasing number of processual works which, given their condition of incompleteness, demand a more active and performative reception. Thus, the aim of this research is to analyze creation processes that require reception for the work to happen. The direct action or presence of reception, of this other experimenter who completes the act of creation, is a key element for the artistic proposition to acquire meaning and have the power to disrupt the traditional contemplative patterns of aesthetic fruition and resonate through the sensorial-bodily experience. Therefore, within a very specific cross- section, we exclusively analyze Lygia Clark’s proposals Caminhando [Walking] and Estruturação do Self [Structuring of the Self] (featuring her Relational Objects ), created between the 1960s and 1980s and, up until more recently, the Superpronome [Superpronoun] proposals by Ricardo Basbaum; and Casa Aberta [Open House] and Redes Vestíveis [Wearable Networks], both by Cláudio Bueno. We observe a great deal of attention given to the presence and action of reception in the poetics of these artists, who opened up their practices and actions to performativity, experience and the making of the other. In the meeting of art and communication, and setting our theoretical and methodological framework on the theory of creation processes conceived by Cecilia Almeida Salles, who based her ideas on references to the critique of process to combine the Peircean semiotics and Pierre Musso's concept of network, we look into these artistic proposals through the concept of communicative act, developed by Salles, in order to delve into the subjectivity nuances of this other experimenter that appears in the creation processes of these artists. Therefore, we look into reception through artistic and creative procedures that trigger processes of singularization, collectivization and action in networks. Keywords: communication; art; contemporary experimentation; creation process; communicative act; Peircean semiotics

Sumário

Introdução: Ao nos deparamos, no contexto contemporâneo, com obras de arte cada vez mais processuais no sentido de que não são levadas à apreciação do público como formas fechadas ou finais, notamos que muitas delas, em seu caráter de inacabamento, passam a demandar uma recepção mais ativa e performativa do espectador. Sob a perspectiva do inacabamento, é impossível falar em processo e obras, na medida em que as obras são parte do processo. O objeto dito acabado pertence a um processo inacabado, em outras palavras, a obra entregue ao público, como um momento do processo, é simultaneamente gerada e geradora. (SALLES, 2008, p. 154) A ação direta ou a presença da recepção, desse outro que completa o processo de criação de uma obra, aparece como fator fundamental para que a proposição artística ganhe significado, tenha potência disruptiva capaz de romper com os padrões tradicionais contemplativos de fruição estética e reverbere na experiência sensório-corporal. No contexto brasileiro, sobretudo a partir dos anos 1960 e de propostas como as elaborados por Hélio Oiticica e Lygia Clark, podemos perceber que há uma importante atenção dada à presença, à experiência e à atuação do público nas poéticas destes artistas que abrem suas práticas e ações à performatividade, à experiência e à elaboração do outro. Assim, diante de propostas como estas, vemos este outro tornar-se um experimentador. A presente pesquisa é elaborada diante da perspectiva de que o contexto de abertura que estes artistas promoveram para a experiência do outro denota um espaço de criação que não é neutro, mas que se mantém poroso e constantemente contaminado pela alteridade. Buscamos observar como a presença do outro torna- se condição necessária para o acontecimento dos trabalhos selecionados para este estudo. Assim, configuram-se como objetos de investigação os procedimentos de artistas que estabelecem ou propiciam um espaço aberto para a relação, a vivência e a experiência direta do público em seus processos de criação. A partir de um recorte bastante específico, são analisadas algumas das propostas dos artistas

brasileiros Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno, na tentativa de verificar como a presença do outro experimentador é convocada em seus projetos poéticos para o acontecimento de suas obras. Tendo como base teórico-metodológica a pesquisa de Cecilia Almeida Salles sobre o processo de criação que se baseia em referenciais da crítica de processo articulada pela semiótica peirceana e pelo conceito de rede de Pierre Musso, usaremos os documentos de processos deixados ou disponibilizados por estes artistas, tais como cartas, vídeos, entrevistas sobre seus trabalhos, testemunhos de participantes de suas propostas poéticas, sites , blogs , seus textos que foram ou não publicados e/ou pertencem aos seus arquivos pessoais etc. A partir da análise desses documentos, a pesquisa se guia pela vontade de investigar a presença atuante e performativa da recepção, do outro experimentador integrante desses processos criativos, de forma que, ao (...) observar a criação sob o ponto de vista da comunicação, nos deparamos com o receptor da obra. (...) a obra necessita de um receptor. Quando se fala em processo criativo como ato comunicativo, não se pensa nos limites da procura de um público consumidor (...). O artista não cumpre sozinho o ato de criação. O próprio processo carrega o futuro diálogo entre artista e receptor. (...) Essa relação comunicativa é intrínseca ao ato criativo. Está inserido em todo processo criativo o desejo de ser lido, visto ou assistido. (...) a presença do receptor (...) como parte integrante do processo de criação. (SALLES, 2011, p. 53-55) Nos trabalhos elencados aqui, o outro não tem uma presença contemplativa, tampouco suas ações são somente respostas pré-programadas pelos dispositivos criados pelos artistas, por isso o entendemos e o chamamos aqui de “o outro experimentador”^1. Notamos que as propostas de Clark, Basbaum e Bueno só acontecem e se potencializam na medida em que o outro é convocado a intensificar sua experiência a partir da relação que estabelece com elas. Os trabalhos aqui reunidos foram escolhidos porque rompem, no campo das práticas artísticas, com a formatação de uma receptividade meramente !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! (^1) Agradeço à Suely Rolnik a preciosa sugestão, feita durante a qualificação desta pesquisa, para utilizar este termo.!

as nuances das tramas que tecem sua subjetividade em sua singularização, em sua ação na coletividade e na sua atuação em rede. Localizar esta pesquisa no campo da comunicação é uma tentativa de direcionar um olhar atento, através das práticas artísticas que convocam a ação e a experiência do outro, para o fator que dá continuidade ao ato comunicativo inerente à cada obra aqui selecionada: a recepção atuante e performativa, considerando-a, portanto, como um modo de existência capaz de produzir significado e sentido às obras. O outro, assim, deixa de ser o receptor contemplativo, espectador, usuário etc, para tornar-se um experimentador. A análise que aqui desenvolvemos busca, portanto, compreender as relações que se estabelecem entre a produção desses artistas e a recepção de suas propostas sob a consideração “do processo como mobilidade e como rede relacional” (SALLES, 2008, p. 11). Relacionar, ou tramar em redes, trabalhos como Caminhando e Estruturação do Self, entre outras propostas que demandam a presença do outro elaboradas por Lygia Clark a partir dos anos 1960, Superpronome , com suas propostas de ação e performances coletivas formuladas por Ricardo Basbaum, e projetos como Casa Aberta e Redes Vestíveis desenvolvidos por Cláudio Bueno é uma tentativa de pensarmos sobre a cintilação da subjetividade daqueles que se lançam em projetos poéticos processuais e em experiências artísticas relacionais, como são os projetos destes artistas. Algumas questões serão lançadas aqui não para serem respondidas objetivamente, mas para que nos conduzam ao desvelamento da composição da subjetividade do outro que estamos investigando neste estudo. São elas: como tornar-se o que se é?, como tecer o eu e o você? e como ser na rede? Estas indagações nos permitem delimitar aspectos da performatividade do público nos processos de criação de Clark, Basbaum e Bueno. Diante disso, os procedimentos criativos utilizados por estes artistas indicam alguns possíveis caminhos para pensarmos sobre as camadas de subjetividade da recepção atuante e performativa no âmbito da arte.

O recorte dos trabalhos de Clark auxilia-nos a pensar sobre a subjetividade do outro naquilo que o circunscreve em sua existência e experiência sensível- corporal; a seleção de trabalhos de Ricardo Basbaum pode contribuir para pensarmos o outro sob a perspectiva das complexas variáveis que o diagramam na relação eu-você que tece sua subjetividade no cenário coletivo, na experiência sensível-cultural da vida pública, onde o projeto poético deste artista se insere; a seleção das propostas artísticas de Cláudio Bueno que utilizam dispositivos tecnológicos de comunicação móvel ajuda-nos a verificar como se dá a atuação do outro que se relaciona através dos meios de comunicação disponíveis na atualidade e de suas experiências em rede. Embora cada capítulo seja dedicado a um artista, serão traçadas ao longo desta pesquisa algumas relações entre eles, buscando ressaltar suas singularidades. No primeiro capítulo, a análise recai sobre algumas obras de Lygia Clark desenvolvidas a partir dos anos 1960 que promovem uma experiência artística relacional, buscando percorrer a questão de como tornar-se o que se é. Estudar propostas desta artista, tais como Caminhando e outras que convocam a presença criativa da recepção que é lançada neste projeto poético tão vital e de grande expressividade no cenário artístico nacional e internacional, é uma tentativa de desvelar as nuances da subjetividade do outro que se apropria das experiências promovidas por tais proposições e as ressignificam por meio da relação que ele estabelece com o que traz consigo ao longo de sua vida. Nestas propostas elaboradas por Clark, o outro tem fundamental importância, porque, sem sua ação, sem o diálogo e a vivência que ele estabelece com os objetos que são criados pela artista, elas não se sustentam em si mesmas. É o ato, a performatividade e ação do outro que trazem à tona a força das obras e as colocam no plano do acontecimento. Tratar desse aspecto da apropriação do outro a partir das experiências proporcionadas pelas propostas artísticas de Lygia Clark permite-nos perceber traços próximos de uma subjetividade que não se caracteriza pelo princípio de identidade, mas que carrega em si a liberdade para a “criação de seus territórios e a plasticidade de seus contornos” (ROLNIK, 2013, p. 14). Essa plasticidade do contorno da subjetividade que parece ser uma constante dentro do processo de Clark, sobretudo quando ela lança seus procedimentos criativos para a

mistura, hibridização, contaminação recíproca de um pelo outro, de eu por você, de você por eu, numa só coisa. êxtase do objeto, (...) instrumento de negociação para ações de uma alteridade incorporada, em fuga. (BASBAUM, 2012, p. 4-5) Interessa-nos, portanto, estudar o Superpronome no formato de jogos ou exercícios, pois assim pode-se observar que o outro, além de se configurar a partir de uma escrita viva, estabelece relação com “outros” e com o espaço, com a paisagem, onde as performances costumam acontecer. Nesta ação, Basbaum também se mistura aos participantes e passa a ter a dupla função: propositor e ator do e no trabalho. Cada participante, inclusive ele, é convidado a vestir camisas (parecidas com as que são usadas em partidas de futebol) que carregam os pronomes eu ou você e movimentar-se pelo espaço, diagramando e/ou escrevendo com seus corpos as relações que estabelecem entre si e com o espaço coletivo. É sob esta perspectiva trazida pelas ações e vivências coletivas propostas por Basbaum que procuramos olhar para as nuances da subjetividade do outro, do experimentador, do público, do receptor, e verificar como se tecem o eu e o você através do processo criativo aberto à sua presença e à sua ação performativa para o acontecimento e significação da obra em um contexto coletivo. No terceiro capítulo, esmiuçando a questão de como nos relacionamos em rede (conceito cada vez mais potencializado pela adesão às redes sociais, pelo avanço da internet e pela expansão da comunicação móvel), buscaremos ver o outro a partir da análise do processo de criação do artista Cláudio Bueno. A produção criativa deste artista é bastante recente e está constantemente envolvida em experimentações poéticas com as novas tecnologias de comunicação. Bueno busca tensionar a responsabilidade e a ação do outro que utiliza dispositivos móveis de comunicação capazes de expandir sua presença no cotidiano. Ao utilizar esses dispositivos tecnológicos em suas propostas, Bueno explora e, muitas vezes, subverte suas funções a fim de trazer para o campo da experiência de cada participante a relação entre o corpo, a informação e o espaço público. “Em meus trabalhos, tenho me interessado pela confluência entre corpo, espaço e

informação para a experiência do sujeito diante do trabalho no espaço público” (BUENO, 2013, p 14). Para esta pesquisa, o recorte de seu processo criativo engloba o estudo dos procedimentos utilizados por ele para o desenvolvimento de Casa Aberta (2009) e Redes Vestíveis (2010). Estes trabalhos são elaborados com a utilização de aparelhos celulares e procuram estabelecer com seus participantes uma outra forma de interagir com estes dispositivos, uma outra maneira de se relacionar e ver suas ações no contexto das redes. Verificaremos que a proposta de Bueno é, de certa maneira, subverter a função comunicativa dos aparelhos para tornar visível a complexidade da experiência com o que nos conecta em rede hoje em dia. No trabalho Casa Aberta (2009), Bueno acoplou o controle remoto de sua TV a aparelhos celulares, de modo que estes aparelhos, ao receberem uma chamada, pudessem trocar os canais ou ligar e desligar a televisão de sua sala. Dessa maneira, as pessoas que interagiam com o trabalho, ao ligarem para esses celulares, intervinham o tempo todo no cotidiano privado do artista, já que o trabalho ficava também 24 horas online na internet e podia ser acessado de qualquer distância, independentemente do espaço expositivo. Já Redes Vestíveis (2010) é uma performance coletiva baseada em uma rede virtual elástica geolocalizada e representada graficamente na tela de celulares. Os participantes tornam-se nós de uma trama ao relacionarem-se entre si, na tentativa de permanecerem conectados ou manipularem a movimentação dos outros envolvidos, visto que não há regras fixas e claras que determinam o objetivo de suas ações. Quem performa este trabalho pode escolher aderir à rede ou dela escapar. É de sua responsabilidade seguir ou não as coordenadas que lhes são oferecidas. Os processos criativos aqui estudados não se identificam em razão dos resultados estéticos e dos recursos utilizados por Clark, Basbaum e Bueno serem similares ou parecidos; pelo contrário, são procedimentos muito diferentes entre si, que se cruzam por demandarem a presença e a experimentação do outro, ou seja, uma recepção ativa e performativa para que os trabalhos aconteçam.!

Por proporcionar um contexto de abertura para o outro, podemos relacionar o processo de criação de Clark ao conceito de ato comunicativo, como elaborado por Salles: O processo de criação mostra-se, também, como uma tendência para o outro. A obra em construção carrega as marcas singulares de princípios direcionadores ou projeto poético que a direciona, mas faz parte também de complexas redes culturais. O projeto de cada artista insere-se na frisa do tempo da arte, da ciência e da sociedade, em geral. (...) O aspecto comunicativo do processo de criação envolve não só relações culturais, mas também uma grande diversidade de diálogos de natureza inter e intrapessoais: do artista com ele mesmo, com a obra em processo, com futuros receptores, com a crítica etc. (SALLES, 2008(b)) Nas últimas décadas, é possível observar uma crescente demanda dos processos criativos - tanto no âmbito da arte quanto da comunicação - envolverem uma recepção mais ativa. Parece haver também a necessidade de artistas explorarem outras formas de recepção para seus trabalhos. No campo das práticas artísticas contemporâneas, em detrimento de uma fruição estética contemplativa somos muitas vezes levados ao encontro de variadas formas que exigem a presença ativa e performativa do espectador para complementar, ou completar, o processo comunicativo e de significação das obras. As propostas de Clark, elaboradas sobretudo entre os anos 1960 e 80, ajudam-nos a compreender as fabulações e experiências que são trazidas à tona a partir da presença atuante do espectador, do receptor, no processo de criação. Ao observar trabalhos como Caminhando (1963) e Estruturação do Self (

  • 1988), de Lygia Clark, e alguns trabalhos de Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno analisados nos demais capítulos, procuramos olhar para esse outro que se revela através de processos criativos abertos à sua presença. Com isso, na tentativa de expandir o entendimento de criação como processo de inferência, buscamos compreendê-lo também com um processo de subjetivação, que considera o outro, a recepção, dentro destes projetos poéticos, como um modo de existência concreta e performativa. A este respeito, levamos em consideração o que nos diz Gilles Deleuze: “Um processo de subjetivação (...) uma produção de modo de existência

(...) uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um acontecimento” (DELEUZE, 1992. p. 128). Ver o outro, tanto nos processos das propostas de Lygia Clark quanto nas de Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno, exige que encontremos um termo que possa dar conta das diferentes maneiras de sua inserção nas obras. Assim, tomaremos de empréstimo as noções de performativo e performatividade elaboradas por Richard Schechner. De acordo com esse autor (SCHECHNER, 2002, p. 153), estes termos, que expandem a noção de performance, são amplos e estão por toda parte, abrangendo desde comportamentos cotidianos até a construção da realidade social. No campo das linguagens e práticas artísticas, procuramos explorar estes conceitos para tratar da ação, da atuação, da vivência e da expressividade da experiência de troca com proposições que envolvem o outro. Percurso criativo-poético de Lygia Clark Lygia Clark ( 1920 – 1988 ) é uma artista de fundamental importância para a história da arte e continua figurando como um dos maiores nomes do circuito artístico mundial da segunda metade do século XX. Clark nasceu em Belo Horizonte e, embora desde cedo tenha demonstrado interesse pelas artes plásticas, sua trajetória artística somente iniciou-se tardiamente, aos 27 anos, em 1947. Nessa época, ela se mudou para o Rio de Janeiro e contou com a orientação de Roberto Burle Marx e Zélia Salgado. Nesse período inicial de seu processo de criação, seus questionamentos artísticos giravam em torno da problematização das categorias tradicionais da pintura e da escultura. Em 1950, Clark partiu para Paris e tornou-se aluna de Fernand Léger, Arpad Szénes e Dobrinsky. No período de dois anos em que ficou por lá, dedicou-se ao estudo das técnicas do desenho e da pintura. Sua primeira exposição individual aconteceu no ano de 1952, no Institut Endoplastique. Após retornar ao Rio de Janeiro, expôs no Ministério da Educação e Cultura. Nessa fase, ela identificava sua produção criativa com as construções artísticas geométricas, tendência do movimento concretista, que, desde a década de 1940, fazia oposição à tradição figurativa e marcou a trajetória de muitos artistas