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SONETO DE FIDELIDADE, Provas de Poesia

poema “Soneto de Fidelidade”, de Vinícius de Moraes. ... levantamento da vida do poeta e de seu estilo, para depois se realizar a análise do soneto,.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pernambuco
Pernambuco 🇧🇷

4.2

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A CANOA DO AMOR SE QUEBRA NO COTIDIANO
THE LOVE'S CANOE IS BREAKING EVERYDAY
Irene Severina Rezende - (UNEMAT)
1
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo propor sugestões interpretativas para o
poema “Soneto de Fidelidade”, de Vinícius de Moraes. Para isso foi feito um pequeno
levantamento da vida do poeta e de seu estilo, para depois se realizar a análise do soneto,
abordando a estrutura, forma e a harmonia do mesmo. Com base nesses elementos, tentou-se
sugerir uma das possíveis análises que se pode desenvolver a respeito do tema do amor. Para
esse trabalho foram de grande valia os estudos de Alfredo Bosi, Antonio Cândido e José
Aderaldo Castello, entre outros.
Palavras-chave: Vinícius de Moraes, lírica, poesia brasileira.
ABSTRACT: This paper aims to propose interpretive suggestions for the poem "Sonnet of
Fidelity", Vinicius de Moraes. For this we made a small survey of the poet's life and your
style, then perform the analysis of the sonnet, addressing the structure, form and harmony of
it. Based on these elements, we tried to suggest one of the possible analyzes that can develop
on the subject of love. For this work were valuable studies of Alfredo Bosi, Antonio Candido
and Jose Aderaldo Castello, among others.
Keywords: Vinicius de Moraes, lyrical, Brazilian poetry.
1
Doutora em Estudos Literários de Literatura Comparada, pela Universidade de São Paulo: USP. É também
Mestra em Estudos Literários de Literatura Comparada, pela mesma Universidade. É professora Adjunta do
Departamento de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso, (UNEMAT) Faculdade de Letras, Campus
de Tangará da Serra, MT, CEP -78.300.000, Brasil.
Pesquisa: A Literatura Fantástica como forma de representação da Opressão e da Utopia Revolucionária na
América Latina.
Tem publicado os livros de poemas: Prolongamento (2005); Páginas rendadas colhidas ao amanhecer (2012);
O Fantástico no contexto sócio-cultural do século XX: José J. Veiga (Brasil) e Mia Couto: (Moçambique)
(2010); além de diversos artigos em Revistas Literárias.
e-mail: ireneseverina@hotmail.com
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A CANOA DO AMOR SE QUEBRA NO COTIDIANO

THE LOVE'S CANOE IS BREAKING EVERYDAY

Irene Severina Rezende - (UNEMAT)^1

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo propor sugestões interpretativas para o poema “Soneto de Fidelidade”, de Vinícius de Moraes. Para isso foi feito um pequeno levantamento da vida do poeta e de seu estilo, para depois se realizar a análise do soneto, abordando a estrutura, forma e a harmonia do mesmo. Com base nesses elementos, tentou-se sugerir uma das possíveis análises que se pode desenvolver a respeito do tema do amor. Para esse trabalho foram de grande valia os estudos de Alfredo Bosi, Antonio Cândido e José Aderaldo Castello, entre outros.

Palavras-chave: Vinícius de Moraes, lírica, poesia brasileira.

ABSTRACT: This paper aims to propose interpretive suggestions for the poem "Sonnet of Fidelity", Vinicius de Moraes. For this we made a small survey of the poet's life and your style, then perform the analysis of the sonnet, addressing the structure, form and harmony of it. Based on these elements, we tried to suggest one of the possible analyzes that can develop on the subject of love. For this work were valuable studies of Alfredo Bosi, Antonio Candido and Jose Aderaldo Castello, among others.

Keywords: Vinicius de Moraes, lyrical, Brazilian poetry.

(^1) Doutora em Estudos Literários de Literatura Comparada, pela Universidade de São Paulo: USP. É também Mestra em Estudos Literários de Literatura Comparada, pela mesma Universidade. É professora Adjunta do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso, (UNEMAT) Faculdade de Letras, Campus de Tangará da Serra, MT, CEP -78.300.000, Brasil. Pesquisa: A Literatura Fantástica como forma de representação da Opressão e da Utopia Revolucionária na América Latina. Tem publicado os livros de poemas: Prolongamento (2005); Páginas rendadas colhidas ao amanhecer (2012); O Fantástico no contexto sócio-cultural do século XX: José J. Veiga (Brasil) e Mia Couto: (Moçambique) (2010); além de diversos artigos em Revistas Literárias. e-mail: ireneseverina@hotmail.com

A canoa do amor se quebrou no quotidiano. Maiakovski

A carreira de Vinícius de Moraes, como escritor, teve início em 1933 quando o poeta tinha apenas 20 anos, época em que ele publicou seu primeiro livro de poesia: O Caminho para a Distância, no qual apresentava poemas que tinham “como principal motivo o desejo de alcançar alturas”, segundo Valéria Rangel (2007, p. 08). Para essa estudiosa, quando Vinícius de Moraes publicou Forma e Exegese, em 1938, ele ainda buscava o sublime com bastante força, mas a certeza do pecado aparecia com maior violência, separando-o ainda mais de seus desejos de ascensão e, ainda de acordo com a autora, essa primeira poesia de Vinícius vinha “carregada de uma retórica suntuosa e de dramas ligados aos dogmas do catolicismo (...) com uma literatura composta por versos bíblicos e solenes”. (RANGEL, 2007, p. 09-10). José Aderaldo Castello e Antonio Candido (1972, p.344), antes de Valéria Rangel, haviam afirmado a respeito da obra de Vinícius de Moraes:

A partir de Cinco Elegias (compostas em 1938), nota-se uma inflexão, manifestada no plano formal pela maior contenção do verso; no plano dos assuntos, por uma maior liberdade de escolha e de expressão. É o que se verifica nitidamente em Poemas sonetos e baladas (1946), onde firma a sua maturidade e onde aparecem os matizes mais pessoais da sua inspiração. Inclusive o recurso intensivo às formas regulares, usadas com maestria excepcional, e a ousadia inovadora no uso de palavras muito realistas, e ao mesmo tempo muito líricas para descrever a ternura física.

Manuel Bandeira observou sobre as primeiras obras de Vinícius, que o escritor tinha uma forma muito solta, desabalada de compor e necessitava de mais disciplina; José Aderaldo Castello, (1994, p.11-14), lembrou que, a paixão pela transitoriedade e pelo risco eram os fundamentos de sua grande arte de viver, e que o poeta viveu para se ultrapassar e para se desmentir, para se entregar totalmente e fugir, depois, em definitivo. Para jogar com as ilusões e com a credulidade, por saber que a vida nada mais é que uma forma encarnada de ficção; “Carlos Drummond de Andrade, [...] disse, certa vez: “Vinícius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. [...] Eu queria ter sido Vinícius de Moraes”. “Foi o único de nós que teve vida de poeta” (CASTELLO, 1994, p. 11-15).

será talvez, depois de Bandeira, o mais intenso poeta erótico da poesia brasileira moderna. Tratando-se, porém, de um sensualismo contrastado ab initio pelas reservas de uma educação jesuítica, o poeta oscila entre as angústias do pecador e o desejo do libertino. O fato em si mesmo, de resto banal como caso psicológico, não interessaria se não interviesse no modo de escrever de Vinícius [...] Alguns de seus sonetos deram vida nova à forma antiga e povoaram de ecos camonianos o estilo de não poucos jovens estreados depois da guerra. (grifamos).

Certamente as angústias, que conheceu de perto, nos relacionamentos amorosos, onde corpo e alma, fé e sexo, se misturavam na tomada das grandes decisões de sua vida, o ajudaram a construir o tema de suas obras, que foi predominantemente o amor. Esse tão contraditório sentimento, como já apontava Camões, (1975, p. 181): “se tão contrário a si é mesmo o Amor?”, foi retratado nos versos de Vinícius de Moraes, de todas as maneiras que se pode retratar, ou seja, Vinícius, envolvido pela facilidade de versejar sobre o amor, cantou os amores impossíveis, tais como aqueles que acabam em saudade ou em carência; cantou o amor platônico, como aqueles que existem apenas em pensamento e nunca se realizam; cantou os que terminam em solidão ou que nunca terminam para uma das partes; cantou o amor que escraviza e que resulta em prisão ou morte e, sobretudo aquele que, inevitavelmente culmina em sexo; cantou o amor cortês, o amor sensual; o amor ao amor, ainda que amor seja sentimento de difícil definição, ou seja, é “um não querer mais que bem querer”, (Camões 1975, p. 181); Vinícius sabia que o amor pode vir misturado a uma gama de outros sentimentos, devido à intensidade e à contradição do mesmo, assim sendo o poeta fez das relações humanas de amor, o seu tema principal. “O que torna Vinícius de Moraes um grande poeta é a percepção desse lado obscuro do homem. E a coragem de enfrentá-lo. Vinícius parte, desde o princípio, dos temas fundamentais: o mistério, a paixão e a morte”. (CASTELLO, 1994, p. 14) O “poeta do amor” criou uma nova concepção ao cantar esses amores de que falamos, uma vez que, em seus poemas, destruiu a noção da “eternidade do amor”, como era costume na época do romantismo. Ele elaborou em sua lírica, uma visão singular do amor, capaz de reunir num mesmo verso o efêmero e o eterno: “Que seja infinito enquanto dure”, pois em seus textos ressoa a lírica camoniana, como bem afirmou Alfredo Bosi, na citação anterior. Em seus textos, especificamente, ressoa a lírica do conflito amoroso que se situa entre o ideal e o real, pois muitas vezes, ao concluir a idéia de um texto, o poeta, ao invés de reiterar a concórdia do amor, nega essa mesma idéia nos últimos versos, como acontece com o “Soneto

de Fidelidade”, poema que figura entre os mais conhecidos, mais lidos, e, certamente, um dos mais estudados do autor e que selecionamos para esse artigo. Sendo um dos grandes nomes do lirismo no Brasil, Vinícius de Moraes conseguiu exprimir, em seus sonetos, as noções sobre o significado de amar, lembrando que o homem deve ser livre e que, muitas vezes a obrigação da fidelidade escraviza o ser humano, e para reiterar essa ideia escreveu seus vários sonetos, cuja forma torna-se a marca do poeta, a partir de quando ele escreve “Quatro sonetos de meditação”, “Soneto do maior amor”, “Soneto de separação”, “Soneto de despedida”, “Soneto do amigo”, “Soneto a quatro-mãos”, entre tantos outros, até que em 1957 publica sua obra: Livro dos sonetos. O soneto, sabemos, é o poema de forma fixa que atravessou os tempos, chegando até nossos dias. Segundo Candido (1996, p. 20), é uma adoção de um instrumento expressivo italiano (ou fixado e explorado pelos italianos) apto pela sua estrutura a exprimir uma dialética. Ainda de acordo com o estudioso, o soneto é uma forma ordenada e progressiva de argumentação e nela há certa analogia entre a marcha do soneto e a de certo tipo de raciocínio lógico em voga ainda no tempo de Camões: o silogismo. Em geral, segundo o estudioso, contém uma proposição ou uma serie de proposições (ou algo que se pode assimilar a ela) e uma conclusão (ou algo que se pode a ela assimilar). Todos nós sabemos que o modelo clássico de soneto obedece à composição em decassílabos e ao esquema de rimas ABBA, ABBA, CDC, DCD. Porque, de acordo com Candido, (1996, p. 20), este esquema permite a divisão do tema e a constituição de uma rica unidade sonora, na qual a familiaridade dos sons e a passagem dum sistema de rimas a outro ajuda ao mesmo tempo o envolvimento da sensibilidade e a clareza da exposição poética (proposição, conclusões). O soneto de Vinícius de Moraes “Soneto de Fidelidade”, segue a estrutura formal da metrificação perfeita com os versos decassílabos, e a disposição das rimas bem marcadas e alternadas como acontece nos poemas de Petrarca, de Camões de Fernando Pessoa, dentre outros. “Soneto de Fidelidade” foi retirado do livro Poemas, Sonetos e Baladas, escrito em 1946, em cuja obra Vinícius apresenta um uso mais regular da métrica e das formas fixas tradicionais como o próprio título já sugere, ou seja, a obra está composta por baladas e sonetos num momento em que o poeta procurava abandonar o idealismo religioso de seus primeiros versos e buscar uma poesia mais próxima da realidade concreta, momento em que “deslocou o eixo para a intimidade dos afetos” segundo Bosi, (1972, p. 510-511) o que nos remete às palavras de Norma Goldstein (1989, p. 07), quando essa autora lembra que a

Que não seja imortal, posto que é chama (E) Mas que seja infinito enquanto dure. (C)

O eco camoniano de roupagem nova, como afirmou Bosi, se fez ouvir perfeitamente no “Soneto de Fidelidade”, primeiramente na sonoridade, e depois na estrutura, uma vez que o poeta realmente “deu vida nova à forma antiga e povoou de ecos camonianos o estilo de não poucos jovens estreados depois da guerra”. Também nas contradições da vida amorosa que aparecem em diversos textos de Vinícius, vemos os mesmos ecos camonianos, mas isso não implica na redução da sua poesia à simples emoção sentimental que todos possam enxergar ao ler seus textos, nem numa reprodução fiel do que ocorria à época camoniana, já que ele “parecia saber, desde o início, que o poético estava no indistinto, no mistério, na imperfeição”. (CASTELLO, 1994, p. 14). Para decifrar a mensagem do soneto, iniciamos nossa jornada pelos primeiros versos, na nossa tentativa de compreensão da mesma. No início, encontramos um eu lírico que pensa em ser zeloso com o amor:

De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.

Nesse primeiro quarteto faz-se necessário perceber o enjambement, que é a ruptura da unidade sintática, usado nos dois primeiros versos: “De tudo ao meu amor serei atento /Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto”. Sem a ruptura teríamos: “Antes de tudo, serei atento ao meu amor, e com tal zelo, e sempre, e tanto”. Nesses versos há o tempo verbal “serei”, que é o futuro do presente do indicativo, e onde se percebe que há somente uma intenção de ser cuidadoso com esse amor, pois o eu lírico, usa a forma afirmativa para prometer: “Antes de tudo”, ou seja, acima de tudo “serei atento ao meu amor”. A estrutura gradativa do verso seguinte “e com tal zelo, e sempre, e tanto”, demonstra claramente que esse sujeito que fala no poema, está completamente preso à promessa que acaba de fazer, pois será capaz de, por causa desse amor, “rir seu riso, derramar seu pranto – ao seu pesar ou seu contentamento”. Na segunda estrofe, a relação: eu poético e o amor, torna-se plena, pois o primeiro deseja viver esse amor em cada instante, como podemos ler nos seguintes versos:

Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento

Nesta estrofe encontramos a ideia do eu lírico de viver esse amor de maneira intensa e a sutil noção de fidelidade aparece nos dois últimos versos: “E rir meu riso e derramar meu pranto / ao seu pesar ou seu contentamento”. A intenção de união se faz presente, pois há um comprometimento de rir junto ao amor, nos momentos de contentamento e derramar um pranto comum nos instantes de tristeza. Esses versos lembram as promessas do casamento cristão, com as pessoas ligadas ao mundo católico: “amá-lo e respeitá-lo, na saúde e na doença, até que a morte os separe”. Ao pesquisar, no dicionário Houaiss, o real sentido da palavra fidelidade, encontramos os seguintes conceitos: “característica do que é fiel, do que demonstra zelo, respeito por alguém ou algo; constância, nos compromissos assumidos com outrem; constância de hábitos, de atitudes; outros dicionários nos trazem os conceitos de: firmeza nas afeições, nos sentimentos; perseverança, constância nos hábitos, nas atitudes”. O sentido de fidelidade nem sempre pode ser atrelado ao amor, pois nem sempre esses dois sentimentos caminham lado a lado. Nem todo amor pode ser fiel, nem toda fidelidade é completa. A fidelidade é a vontade de querer estar junto, de querer viver em “cada vão momento”, de cantar louvores, já que, segundo Camões: “amor é fogo que arde sem se ver”. Fidelidade é ter por verdadeiro esse amor “enquanto durar”, até que surja um novo sentimento que supere o atual, ou que apareça um encantamento maior por outra pessoa, pois a vida é contraditória, pode mudar os amores, os sentimentos, os sonhos, as vontades e também os parceiros das pessoas. A fidelidade não pode ser um dever, senão nos escraviza. Muitos são fiéis por moral, pelo compromisso assumido perante Deus, a Igreja e a Sociedade e, às vezes, menos pelo amor. E como acentua Fiorin (1989, p. 348):

O Sujeito que vive em sociedade é, assim, modalizado pelo dever. Essa modalidade consta de prescrições (dever fazer) e de interdições (não dever fazer). Para que um indivíduo possa executar bem os comportamentos prescritos, precisa adquirir um saber (savoir faire), que se constitui basicamente do conhecimento do que é correto ou incorreto numa dada situação.

mesmo e com o amor, pois ser fiel a si mesmo é muitas vezes ter de dizer não ao outro. E, já que não se pode alcançar a plenitude em cada relacionamento, visto que os encantamentos físicos são transitórios, o eu-lírico declara ser fiel ao amor e mesmo que surja algo com o qual ele possa se encantar: “Que mesmo em face do maior encanto”, mesmo que apareça esse maior encanto, o pensamento se encantará mais com o amor que está a acontecer no momento. Ainda que Vinícius de Moraes comova o leitor, com o seu soneto, ele não fica apenas no nível do sentimentalismo, já que o amor que ele canta alcança a plenitude da significação do verdadeiro amor: “Infinito enquanto dure”. Fragmenta, portanto a imposição da sociedade burguesa, que propaga a ideia de amor eterno, mas não a plenitude do amor. A frase: “enquanto dure”, ironicamente apresenta uma conotação de fim, já que temos o termo “enquanto”, de significação temporal que remete a agora, a momento atual, ao instante já, e “dure” que é o verbo que demonstra o sentimento de duração, mas um sentimento de instante: somente “enquanto dure”. Se realizarmos uma leitura rápida desse poema, não percebemos o jogo que confere densidade de significação diversa à palavra chama. Essa junção do tempo enquanto e do verbo durar: “enquanto dure”, aponta para a solidão do indivíduo, após o resultado do fim do sentimento, como se existisse uma relação de causa e efeito entre quem ama e quem automaticamente ficará só, posto que amor é chama, e já que esse é o resultado apontado no poema: “Que não seja imortal, posto que é chama, /mas que seja infinito enquanto dure!”. Está claro que a relação só deve perdurar enquanto existir o amor e que ele, o amor, possa ser tão grande quanto o infinito, mas limitado a esse tempo de sua existência. Como vimos, o poema está perpassado por imagens que sugerem um eu lírico disposto a ser atento ao amor mesmo em face de alguma outra circunstância, ou seja, mesmo diante do encanto de outrem que possa lhe chamar a atenção, ele será fiel sim, mas ao amor caso ele ainda exista, pois não se pode esquecer dos parênteses que estão no verso: “eu possa me dizer do amor (que tive), como se fosse um comentário à parte, que delimitasse um amor que o eu lírico já teve, que já foi vivido, mas que passou. Que não foi imortal, posto que era chama e por isso acabou, mas que, certamente foi intenso enquanto existiu. O texto decorre, até à última estrofe, numa atmosfera de harmonia até que encontramos os últimos versos, quando essa harmonia começa a se dissipar e nos deparamos com a ideia da precariedade existencial do ser humano, e é neste momento que a felicidade dá lugar ao desespero: “a morte, angústia de quem vive / a solidão, fim de quem ama”. Morte e solidão diluem a ideia de perenidade, de harmonia e de felicidade eterna. Esse final resulta em

sentimento de angústia, pois caracteriza os tormentos da alma de quem ama e pode sentir a contradição desse sentimento. Assim o poema passa a revelar a descrença do eu lírico, pois além de pensar na morte, a certeza do fim do amor físico é evidente. A tensão que nesse ponto tende para a apreensão, inquieta muito mais do que tranquiliza, pois tece um verdadeiro movimento de contradições, já que na medida em que desejamos viver um amor em “cada vão momento” sabemos que a solidão, inevitavelmente, segundo o texto, será o resultado para aqueles que amarem. O poeta joga com as possibilidades do amor existir e ser imenso, mas prepara o leitor para o encontro do amor com o sofrimento, já que a impossibilidade de amor eterno vai se tornando evidente. O soneto termina com os versos: “Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”. Ser infinito enquanto durar apresenta uma contradição, um paradoxo já que estabelece a relação entre dois termos de significados opostos que são “infinito – enquanto dure”, como vimos anteriormente. Nestes três últimos versos, o eu-lírico encontra representada a maneira de viver do poeta Vinícius, que partilhou intensamente a vida e seus sentimentos com muitas pessoas, sendo o infinito apenas o ideal de amor e a chama seu aspecto efêmero, passageiro, transitório. E, ainda que o eu poético do sujeito da poesia moderna, quando, assumindo a diferença entre o “eu” real do poeta e o “eu” que aparece no poema, tenha o conceito de sujeito lírico ampliado, (GOLDSTEIN, 1989, p. 07), não podemos deixar de enxergar o homem Vinícius representado no “eu” do poema. “Um ‘eu’ que, ao construir o poema, dá a cada verso o seu timbre e a sua vida”, diriam Mello e Souza, Gilda e Antonio Candido, (1979, p. 13), como o fizeram ao construírem a introdução da obra Estrela Inteira de Manuel Bandeira. Ou como diria Jorge Koshiyama (2010, p.84): “A poesia é esse trabalho de, através de uma experiência com o Ser, lembrar e custodiar, mediante a força de uma linguagem bela e memorável, aquilo que, nomeando-nos, é o sinal de uma comunidade autêntica”. Enfim, o soneto de Vinícius de Moraes surpreende, não apenas pela capacidade de atualizar a lírica de Camões, mas, sobretudo pela capacidade do poeta de alcançar e falar de uma maneira densa e ao mesmo tempo pura e concentrada de amor, se valendo de uma forma fixa de poesia que ele modernizou. Vinícius deixou um legado que ainda carece de estudos, pois precisa ser mais lido e explorado, até mesmo porque o lirismo e a expressividade de suas composições nem sempre são inteiramente compreendidas.