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Este texto discute a existência de diferentes modelos de socialização, defendendo que o brasil não deve ser visto apenas em termos de socialismo ou capitalismo. O autor argumenta que a consciência cristã pode ver o socialismo como a melhor solução para superar o subdesenvolvimento, mas também critica o socialismo estatal e defende a importância de preservar os direitos de propriedade privada. Além disso, o texto discute a atitude do comunismo internacional em relação aos experimentos de partido único em vários países africanos.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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P E. F E R N A N D O BASTOS D E Á V I L A S. J.
Uma corrente de pensamento de inspiração cristã vê no suciülismo ü Unha de solução do problema do desenvolvimen- to brasileiro c da realij:ação de um ideal dc justiça social. O socialismo, conntando utna primazia, do social sabre a pes- soa, pode ser considerado como doutrina imanentista, como sistenki político e social e como modelo econômico. O prescn- Ic artigo assume posição diante dessas diversas dimevsõcs do socialismo, concluindo pela sua incompatibilidade com a cons- ciência cristã. Repudia a.<!.nm o valor absoluto do dilema ca- pitalismo 011 socialismo, defendendo a existência de múltiplos modelos de sociali-aa-ção. No Brasil, são esses modelos vin- cuUuíos ao socialismo por molivas de uma tática que só pode ser jafal.
PRESENTE artigo é endereçado aos que têm uma cons- ciência cristã, e mais especialmente àqueles que. tendo uma consciência cristã, diante das mazelas, deficiências e li- mitações dos regimes ditos democráticos, vêem no socialis- mo a única ou a mais eficaz solução para um país, que, como o Brasil, luta por superar o subdesenvolvimento.
O socialismo, por uma exigência etimológica do termo, implica sempre numa qualquer primazia do social sobre a pessoa. É s ó nesta primazia que se pode encontrar um dcno-
SOCIALISMO E CONSCIÊNCIA CRISTÃ
minador comum para os t ã o variados sistemas e regimes so- cialistas hoje vigentes. Onde n ã o existe essa primazia, seria abusar do termo falar em socialismo. Onde ela n ã o existe, podem vigorar sistemas ou regimes de socialização, mais ou menos avançados, mas n ã o socialismo. Onde existe, ela pode constituir uma verdadeira premissa filosófica ou ideológica, c teríamos então um socialismo doutrinai, que é aquele, por- tanto, no qual a primazia do social sobre a pessoa se for- mula numa doutrina imanentista.
T a l doutrina compreende todas as correntes de pensa- mento que n ã o reconhecem que a pessoa humana tem um fim cm si mesma, absoluto e transcendente. Para o imanen- tismo socialista, o fim e a razão de ser do homem c a socie- dade ou o grupo social no qual vive, seja êle o Estado, como no fascismo, seja a raça, como no nacional-socialismo racis- ta, seja a ditadura da classe, como na forma tradicional do comunismo, seja o mero bem-estar temporal da coletividade. T o d o o destino humano está compreendido dentro das coor- denadas do tempo c do espaço. Sua origem resulta de um mero processo evolutivo, sem nenhum princípio transcósmi- co, e seu fim consiste unicamente em engajar-se no processo histórico no qual está inserido, visando à sua aceleração no sentido de um novo tipo de sociedade. Neste esforço, cada ser humano acaba se desintegrando pela morte, se mineralí- zando e voltando ao cosmos do qual saiu, sem nenhum des- tino pessoal transcendente. O imanentismo socialista formu- la-se assim cm termos materialistas, neste sentido que n ã o admite na pessoa humana a presença dc uma realidade espi- ritual pela qual ela se destina a um fim sobrenatural. O so- cialismo, enquanto doutrina imanentista e materialista, é radicalmente incompatível com o cristianismo. Seria t ã o absurdo falar num socialismo cristão quanto falar em um ateísmo cristão. É este socialismo que JoXo X X I I I repudia na Maier et Magisira quando escreve: "o socialismo, mes- mo moderado, é incompatível com o cristianismo" (Mater et Magistra, § 36, SÍNTESE POLÍTICA, ECONÔMICA, SoCIAL, n." 1 1. 1 9 6 1 ).
Entretanto, o mesmo Papa JoÃO X X I I I faz observar na Pacem in Tetris que "cumpre n ã o identificar falsa.^ idéias
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O socialismo estatal é, portanto, radicalmente incom- patível com u m i verdadeira democracia, na qual o poder deve ser administrado para o bem comum de todos, por re- presentantes do povo, legitimamente escolhidos pelo povo em eleições onde o voto seja expressão consciente e livre dos desejos do povo. É verdade que, cm muitos regimes que se prezam de democráticos, a pressão econômica falseia a ex- pressão do voto popular, como, aliás, nos regimes de socia- lismo estatal esta expressão também é falseada pela pressão política. Entretanto, procurar corrigir as mazelas dos regi- mes democráticos por um recurso a um regime totalitário, seria cometer erro mais grave ainda. A única escola da ver- dadeira democracia é o exercício da democracia, com tcxlos os seus riscos e vantagens, isto é, o exercício consciente e res- ponsável dos direitos e dos deveres do cidadão. Objeta-se a êise propósito: o sistema do partido único não é incompatível com a democracia, desde que esse partido seja o veículo eficaz dos autênticos anseios populares. Todas as suas decisões seriam o resultado de um diálogo que, come- çando nas bases, onde todos tivessem liberdade de debate, subisse, através do uma hierarquia partidária representativa, até as cúpulas, onde as decisões fossem transformadas em leis. O diálogo, ou o debate, em vez dc sc fazer entre par- tidos, com o enorme desgaste eleitoral que acarreta, far-se-Ía dentro do próprio partido. Em resposta a essa objeção, fazemos as seguintes con- siderações : l.*" — Ou o sistema admite verdadeira liberdade de debate, isto é, liberdade para discordar, ou não. Se n ã o há essa liberdade, não há verdadeira rcprcsentatividade demo- crática. As decisões vêm dc Lito da cúpula do partido c as eventuais discussões nas bases têm por objeto dar uma ilusão do participação de todos no processo. Na realidade visam apenas a fazer impor as decisões vindas do alto. Quem acaba não aceitando fica marcado como deviacionista e sabotador. Se existe aquela liberdade, é inevitável que, em prazo mais ou menos longo, os desvios sc avolumem em correntes de opinião c as correntes acabem por sc transformar naquilo que precisamente se chamam partidos políticos.
PE. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA S. J.
Os que defendem a compatibilidade entre partido único e democracia se reportam muitas vezes a experiências dos no- vos países socialistas, principalmente de alguns países africa- nos. N o entanto, é mister n ã o esquecer que as experiências desses países são ainda muito recentes, para poderem revelar a orientação final de seu processo evolutivo. Entretanto, já c claro que as que admitem a liberdade do debate começam a evoluir para formas pluripartidárias. Por outro lado, aque- las que mantêm ainda com rigidez o partido único se orien- tam para formas de culto da personalidade do chefe que n ã o prenunciam nada de democrático e evocam, ao contrário, certos comportamentos tipicamente fascistas. É interessante observar a atitude do comunismo inter- nacional com relação às experiências de partido único cm numerosos países africanos, especialmente nas antigas colô- nias francesas. Onde existe pluralidade partidária que lhe dá liberdade dc sc organizar em partido político, êle concorda com o regime. Onde, porém, os líderes africanos copiaram à risca o figurino soviético c criaram o seu próprio partido único, mesmo de orientação socialista, sua primeira atitude foi combater com veemência o regime e denunciá-lo como antidemocrático. Hoje, encorajadas com a experiência de Cuba, começam a modificar sua tática. Cuba revelou-lhes a possibilidade de nuclcação no partido único para chegar a dominá-lo, e nêle ter já o dispositivo montado para con- trolar o poder. H nesta linha que sua ação majs tem avan- çado recentemente, em especial na Argélia e no Mali, na Gui- néia e em Gana. ü confronto das afirmações comunistas, nos estudos que vêm consagrando ao problema, permite for- mular a seguinte conclusão: o regime de partido único é de- mocrático, quando esse partido é o partido comunista ou é nucleado por êle; do contrário, c antidemocrático. (Os prin- cipais estudos a que nos referimos são: W. SHP.PPARD. Parti communiste et démocratic en Afriqus: J A C K W O D D I S , Le rcgirní^ du parti uniqitc en Áfrique.)
2." — Uma coisa é, num país novo, tentar a experiên- cia de começar com o partido único, aceitando sua eventual evolução para outras formas, outra coisa é pretender impor um partido único em países onde já existe longa tradição
PE. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA S. J.
É possível que, a esta altura, pelas razões aludidas, já se aceite abrir mão não só do socialismo doutrinai, como também do socialismo político e que o socialista, de consciên- cia cristã, se enlrincheire no socialismo meramente econômico, no qual a primazia do social sobre a pessoa sc realiza através da coletivização e do planejamento. Socialismo se reduziria assim a um mero modelo econômico que, pela coletivização dos meios de produção e pelo planejamento estatal, repre- sentaria o único ou o mais eficaz modelo para atingir o desenvolvimento brasileiro. U m ponto é preciso deixar logo claro: se tal sistema se baseia na negação do direito dc propriedade privada, mes- mo dos meios de produção, é êle inaceitável pela consciência cristã. Se, para êle, a única forma válida de propriedade é a propriedade social, compreendendo todas as formas de apropriação, exceto a privada, é êle ainda inaceitável de um ponto-de-vista cristão. N ã o se deve esquecer que o próprio JOÃO X X I H , que foi o papa que revelou maior compreen- são por todas as novas experiências que se vinham realizan- do com novos modelos políticos e econômicos, é absoluta- mente inequívoco em reafirmar o direito de propriedade pri- vada, mesmo dos meios de produção: "O direito de pro- priedade privada, mesmo sobre bens produtivos, tem valor permanente, pela simples razão de ser um direito natural fundado sobre a prioridade ontológica e final de cada ser humano em relação à sociedade" {Mater et Magistra, § 1 1 5, SíNrrsp P O L Í T I C A ^ E C O N Ô M I C A , S O C I A L , n." 1 1 , 1 9 6 1 ). Mas, podemos imaginar um modelo econômico socia- lista que não negasse esse direito. E n t ã o chegaríamos à se- guinte alternativa: êlc não nega esse direito, mas ou adota uma coletivização e um planejamento totais, porém a título provisório, ou adota apenas medidas de coletivização e pla- nejamento, sem instaurar um sistema coletivista. Acompa- nhemos os dois termos da alternativa. Uma coletivização total, para permitir inclusive um planejamento total, mas a título provisório. As idéias bási- cas que inspiram esse modelo socialista são as seguintes. A propriedade privada foi sempre, em todo o desenrolar da hi*;rória humana, um instrumento de espoliação e de ex-
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ploração do homem pelo homem. Só há, pois, um modo de libertar e de promover a grande massa dos explorados: é suprimir a propriedade privada, e deferi-la ao Estado, para- que este, concentrando maiores possibilidades de ação, possa rapidamente criar condições reais de igualdade de chances e de competição. Uma vez criadas essas condições, nada im^ pede que o mesmo Estado dcfira dc novo a indivíduos c â grupos o controle da propriedade, e certa liberdade de ini- ciativa. Corresponderia a um sistema que se vem convencio- nando chamar de t^ocialismo personalista. Seria socialista nos métodos; personalista, nos fins. Socializa a economia para promover a pessoa. Se nos referimos, em primeiro lugar, ao termo em si, não escondemos nossa relutância em aceitá-lo. Para nós, êlc implica uma contradição. Se é socialismo, envolve uma pri- mazia do social sobre a pessoa, e, portanto, não pode ser personalista. Se c personalista, envolve uma primazia da pessoa sobre o social e não pode, portanto, ser socialismo. Mas n ã o sc trata apenas de uma questão dc nome. Con- centrar a propriedade nas mãos do Estado para impedir os efeitos espoliadores da apropriação individual, longe de cor- rigir, agrava o erro. Suprimem-se os instrumentos de explo- ração manipulados por grupos competitivos, para constituir um único c formidável mecanismo de exploração, controlado por um pequeno grupo de burocratas instalados no poder. Não SC deve esquecer que o Estado n ã o é uma entidade pura e imaculada, infalível e incorruptível. É composto de homens plasmados da mesma argila que todos os homens, c, por- tanto, também sujeitos à sedução corruptora de uma pro- priedade total concentrada em suas mãos. O exemplo do socialismo soviético, a mais longa ex- periência de coletivização, é instrutivo a respeito, na opinião mesma de comunistas abalisados como MiLOVAN DJILAS c M A O - T S E - T U N G. A enorme concentração dc poder, assen- tado sobre a total coletivização dos meios de produção, ge- rou ali uma nova classe de burocratas cujo principal talento é saber manter equilíbrio entre as crescentes aspirações popu- lares c a manutenção dc seus próprios privilégios.
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radoxo, um antagonismo intolerável entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação, seja dos meios de produção, seja de seus resultados. A produção, es- pecialmente a produção moderna, só é possível porque exis- te a coletividade, de onde ela arregimenta a força de traba- lho, as poupanças, e na qual ela encontra os mercados para sua comercialização. N o entanto, os meios de produção e os seus frutos são apropriados por indivíduos e grupos que podem assim orientá-la segundo os seus interesses. Já existe a consciência clara deste antagonismo nas classes trabalha- doras, e a história caminha inevitavelmente no sentido de sua eliminação. Por que, pois, esperar mais tempo o que é historicamente inevitável e humanamente justo, e n ã o for- <;ar o seu advento, atribuindo toda a propriedade ao Estado concebido como o órgão de poder da comunidade nacional? A idéia contem três elementos principais: a existência do antagonismo e seu caráter de injustiça social; a sua su- peração histórica inevitável; a participação do Estado como fator acelerador desta superação. Podemos concordar com a existência do antagonismo e que encerra em si uma anomalia que deve ser corrigida. N ã o vemos porque a sua eliminação deva ser realizada pela imposição da propriedade social como única forma justa de apropriação. O antagonismo pode ser superado na medida cm que o Estado, responsável pelo bem comum, exige da propriedade privada o exercício de sua função social, enqua- drando-a, por exemplo, na execução do plano global e t r i - but^ndo-a como contribuição de melhoria em favor da so- ciedade à qual a propriedade privada deve sua existência. A afirmação da sua superação histórica inevitável ba- seii-se numa espécie de intuição antecipadora orientada pela flexa da extrapolação projetiva de alguns pontos, de alguns elementos fragmentários, unidos acriticamentc numa curva que serve de plataforma para a projeção socialista. É esta intuição, por vezes transformada numa quase fé religiosa, que alimenta uma atitude intelectual pela qual todos aqueles que não foram iluminados por esta fé se tornam objeto de comiseração, por se acharem irremediavelmente à margem da linha da história. Insistimos em dizer: essa intuição pode
PE. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA S. J.
estar vendo justo, pode ser uma intuição genial que dispensa o paciente trabalho de análise para justificar as mais humil- des antecipações. Ela trai, porém, a sua própria pureza, a sua própria liberdade intuitiva, quando se deixa cativar peia idéia do Estado socialista. As democracias, através de novas formas de participa-^ ção na propriedade, sociedades anônimas em que os próprios operários são acionistas, associações cooperativas, através de novas formas de participação na gestão, conselhos de em- presa, vêm superando de modo eficaz o antagonismo. O Es- tado socialista, concentrando em suas mãos a propriedade total, tem um poder irresistível de repor o antagonismo entre a burocracia estatal e a comunidade nacional. E a experiên- cia indica que o capitalismo estatal n ã o é apenas um risco. É lastimável que os fautores do socialismo para o Brasil se recusem a abrir-se para o enorme potencial de renovação oculto em muitas reformas, e recebam sempre com derrisÁo tudo o que n ã o lhes parece radical. T a m b é m em abono da tese da superioridade da cole- tivização socialista para resolver o problema do subdesen- volvimento, recorre-se muitas vezes ao exemplo das expe- riências africanas. Se n ã o nos parece válido invocar esta ex- periência em abono do socialismo político, muito menos vá- lido nos parece invocá-lo em abono do socialismo econômi- co, dada a profunda disparidade de situações. Lá, nos países que emergem do colonialismo, pode-se ainda compreender que o Estado assuma o controle do processo econômico, por- que tudo está por fazer e não existe uma liderança tecnica- mente equipada no setor privado. N u m país como o Brasil, onde essa liderança já existe e, inclusive, tem dado sobejas provas de maior capacidade gerencial e empresarial que o próprio Estado, implantar um socialismo econômico seria pura c simplesmente entrar num processo regressivo. Seria descstimular e destruir precisamente aquelas elites que os go- vernos africanos pretendem formar. Voltemos agora a atenção para o segundo membro da alternativa: socialismo econômico entendido, não como cole- tivização e planejamento totais, mesmo a título provisório, mas entendido como um conjunto de medidas de coletivi-
PE. FERNANDO PASTOS DE ÁVILA S. J.
No seu sentido mais amplo, como é empregado pela encíclica Malev et Magistra, o lêrmo se refere a um pro- cesso sociológico global de integração crescente dos indiví- duos e dos grupos, e de uma participação crescente dos mes- mos em atividades comuns, muitas vezes sob a iniciativa e controle do Estado, como responsável pelo bem comum. É um processo pelo qual indivíduos e grupos se associam cada vez mais para fazer juntos o que n ã o podiam fazer isolados. Como processo meramente sociológico, insere-se na linha mesma da natureza do homem, que é um ser social, que tende pela sua própria natureza a associar-se em grupos cada vez maiores, à medida que seus recursos tecnológicos o permitam. Como tal, é um processo bom e benfazejo. En- tretanto, tem o seu risco, e cm especial o de ser assumido c absorvido totalmente pelo Estado. Por outras palavras, o grande risco da socialização é o socialismo. É possível que as exigências do bem comum, em deter- minado momento histórico de maior gravidade, como é o do arranque para o desenvolvimento, possam e devam impor severas limitações ao exercício dos direitos de propriedade e de iniciativa, que requeiram nacionalizações, desapropria- ções e centralização de planejamento com descentralização de sua execução. Entretanto, quanto maior fôr o poder que se deva deferir ao Estado para a realização dos imperativos do desenvolvimento, isto é, quanto mais avançado deva ser o regime de socialização, tanto mais se deve robustecer a força dos indivíduos e dos grupos, como garantia única para con- trabalançar o risco de sua absorção pelo Estado, isto é. para contrabalançar o risco do socialismo. Estamos convencidos de que este ponto-de-vista corresponde exatamente ao de JOÃO X X I I I na Mater et Magistra. E se a Igreja, num documento oficial, resolvesse exor- cisar o termo socialismo, como exorcisou o termo socializa- ção, isto é, resolvesse aceitar o termo socialismo para de- signar modelos meramente econômicos, não totalitários, des- vinculados de qualquer conotação doutrinai, por outra pala- vras, resolvesse chamar de socialismo o que chamamos de modelos de socialização? Seria uma questão de terminologia, cuja conveniência compete a ela julgar. É bem que se tenha
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claro que tal inovação n ã o atingiria as posições doutrinais. Seria ela vantajosa ou inconveniente? Teria vantagens, como, por exemplo, suprimir certas áreas de atrito entre nós, as quais muitas vezes se reduzem, no fundo, a meros atritos verbais; propiciaria juízos mais compreensivos para certas nações novas que começam sua história sob o signo do so- cialismo e que, por isto, são por nós simplesmente inscritas na órbita do comunismo. Teria também inconvenientes, e o maior deles seria, a nosso ver, ensejar entre nós confusões, e favorecer frentes de colaboração das quais a Igreja tem pouco j ganhar e muito a perder.
Uma palavra ainda sobre o socialismo enquanto siste- ma social. Neste sentido, o socialismo se caracteriza por uma tendência igualitária na participação das riquezas. É o que sugere PiROU em sua definição: "Na minha opinião", es- creve êle, "o socialismo se define pela busca de certo obje- tivo, através da utilização de certo meio. O fim é a justiça social entendida no sentido de uma menor desigualdade entre os homens e as classes. O meio é a substituição da proprie- dade privada dos meios de produção pela propriedade social". A nosso ver, o que especifica o socialismo c o meio uti- lizado e não o objetivo visado. N ã o cremos que exista hoje algum sistema político, econômico ou social que n ã o se pro- ponha, mais ou menos sinceramente, como objetivo a jus- tiça social, no sentido de uma maior participação de todos nas riquezas e oportunidades, no sentido de uma maior igualdade. Há, porém, uma igualdade justa e realista, como há também uma igualdade utópica e demagógica. A primeira pode ser uma igualdade na riqueza; a segunda é, certamente, uma igualdade na miséria, que se representaria por um ideal de igualdade aritmética, que resultaria num regime de equi- líbrio instável. Depois de pouco tempo de total igualização de recursos, os mais capazes, com os mesmos recursos, obte- riam melhores resultados. Supondo que a cada momento em que as desigualdades se fossem apresentando, a máquina
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camcntc possível, ou evoluí para uma ditadura unípartídáría mcompatível com a democracia, ou aceita a pluralidade par- tidária, como expressão da liberdade de opinião e de inicia- tiva. Reduzido a um sistema político pluripartidário, se êlc erige em sistema a coletivização, o intervencionismo e a pla- nificação, com a negação dos direitos naturais de propriedade e de iniciativa, ainda é inaceitável por uma consciência de- mocrática e cristã; se não, já não é socialismo, é um modelo de socialização cuja aceitação deve ser inferida tecnicamente de sua eficácia para a realização do bem comum. É um simplismo imaginar que existe apenas uma alter- nativa; ou capitalismo ou socialismo. É simplismo imagi- nar que o socialismo seja a única fórmula eficaz para supe- rar as iniqüidades do capitalismo. Entre um e outro, exis- tem inúmeros modelos de socialização, que podem repre- sentar opções válidas e realistas, para determinados momen- tos de uma evolução histórica. Por que, pois, a insistência em vincular ao socialismo todas as autênticas aspirações de renovação social no BrasiU Porque para muitos o socialismo se apresenta como um fe- nômeno mundial e se situa na própria flexa condutora da hisrória. É mister n ã o aceitar esta idéia sem maiores críti- cas porque pode encobrir uma enorme simplificação. N ã o há dúvida de que o mundo entrou num processo irreversível de socialização e a Maier et Magistra exorcisou esta idéia de qualquer implicação socialista. Entretanto, a esse respeito, convém não perder dc vista que:
PE. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA S. J.
socialista e se permite certa emergência da liberdade e da iniciativa; 3.'' —-a socialização que se vem elaborando nos países novos da Ásia c da África engloba experiências tão variadas que é uma simplificação tendenciosa pretender engrossar com elas o caudal do fenômeno socialista. A insistência nessa vinculação com o socialismo se ins- pira também em motivos táticos. Ela possibilita uma ação comum com outras áreas ideológicas, especialmente com a comunista. Essa ação comum seria teoricamente possível, onde houvesse real disponibilidade ao diálogo. Na prática, ela nos parece fatal. A partir do momento em que se tra- tasse de decidir da liderança do processo, todos aqueles que n ã o aceitassem a hegemonia comunista seriam fatalmente eli- minados, porque não seriam capazes de lutar com armas iguais; não seriam capazes de utilizar a fraude, a chantagem, a difamação e eventualmente o gatilho, armas diante das quais não recuam aqueles para os quais os fins justificam os meios. Ela nos parece fatal ainda por outro motivo, menos aparente talvez, mas não menos grave. A experiência nos tem demonstrado que um bom número daqueles que, com a maior pureza de idealismo, aceitaram essa ação comum, não ganharam a liderança do processo histórico brasileiro que se precipitou no caos e na desordem que motivaram a revo- lução, e perderam a fé. N ã o poucos que entraram na luta cristãos, saíram completamente agnósticos. E este aspecto não pode deixar dc preocupar profundamente uma Igreja cuja missão primeira é salvar.