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Este texto discute as normas jurídicas relacionadas à produção de prova em processos civis portugueses, enfatizando os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as exceções. O autor explica a importância de alegar todos os factos relevantes, independentemente do partido que os tenha o ónus de provar. Além disso, ele aborda a nova organização dos articulados e a decisão de facto, que deverá incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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Não perca as partes importantes!
Pelo Prof. Doutor José Lebre de Freitas
SuMáRiO :
1. Um novo código? 2. Nota geral. 3. Princípios gerais. 4. Os articulados e o objeto do processo. 5. O papel do facto essencial. 6. Audiência prévia. 7. Prova. 8. Procedimentos cautelares. 9. Intervenção de terceiros. 10. Impugnações. 11. Ação executiva. 12. Outras alterações.
A primeira constatação a fazer perante o novo Código de Pro- cesso Civil (CPC) é que ele não é um novo CPC. Trata-se, sim, de uma pequena reforma da lei processual civil, em sentido que, como aliás se reconhece na exposição de motivos da proposta de lei do Governo, pretende aperfeiçoar e rematar a grande reforma empreendida em 1995-1996. A grande maioria das normas vigentes permanece e seria pre- ferível mantê-las com a roupagem numérica dos artigos em que estão inseridas. Assim tem sido feito em países como a Alemanha e a Itália, em que se optou pelo desdobramento dos artigos do código
em vez de os renumerar. Assim foi igualmente feito entre nós quando da revisão de 1995-1996 e nos diplomas que se lhe segui- ram (embora usando, nos últimos deles, critérios muito discutí- veis). Não havia razão agora para fazer diferentemente, uma vez que o CPC, como sistema de normas, permanece o mesmo. A per- turbação causada aos utentes do código, as perdas de tempo ineren- tes e o esforço exigido à doutrina para a conversão numérica dos artigos são enormes e de escassa utilidade. De qualquer modo, se há que reconhecer que algumas matérias ficam melhor localizadas (os princípios gerais concentrados no iní- cio do código; os pressupostos específicos da ação executiva deslo- cados para o livro do processo de execução), outras há que conti- nuam mal enquadradas (embargos de terceiro nos Incidentes da Instância; processos de jurisdição contenciosa nos Processos de Jurisdição Voluntária e vice-versa) ou repetidas (arts. 278.º e 577.º, por exemplo) e outras há ainda cuja deslocação é, pura e simples- mente, absurda. Especialmente criticável é a colocação da matéria da prova na parte geral do código. Continuando o direito probatório material no Código Civil, as regras do direito probatório formal, como normas de procedimento, deviam continuar a aparecer no âmbito da tramitação do processo comum. A produção da prova constitui uma fase do processo civil, posterior à alegação dos factos e anterior à discussão e julgamento da causa, já para não falar da fase do saneamento (uma vez mais em evolução). Não faz sentido nenhum que se salte da audiência prévia para a audiência final, des- locando para outro local as normas reguladoras dos vários procedi- mentos probatórios. Mas, além destas razões de lógica sistemática, outro tipo de razões devia ter levado o legislador a evitar esta deslo- cação: houvesse um mínimo de preocupação com o destinatário da lei e não se iria dificultar a consulta do código a quem está habi- tuado a encontrar nele uma certa ordenação. Mas não: à perturbação da renumeração junta-se, imprevistamente, a deslocação dos ante- riores arts. 513.º a 645.º do capítulo da Instrução do Processo (lite- ralmente: produção da prova) para depois do Título II do Livro III, convertendo-o num título deste livro, dedicado ao Processo de Declaração.
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dum processo mais simplificado, em que a colaboração oral é privi- legiada relativamente à produção de peças escritas, o que leva a insistir no papel fundamental da audiência preliminar (agora audiência prévia), como pivot entre a fase dos articulados e a fase da instrução e julgamento da causa, não obstante a progressiva tendên- cia das leis pós-revisão e da prática judiciária para a fazer seguir o destino da anterior audiência preparatória. Procura-se obter, na ação executiva, embora com inexplicáveis recuos em face do projeto ini- cial, maior equilíbrio entre a opção desjudicializante do legislador de 2003 e a conservação dum juiz guardião dos princípios e das garantias. Regressa-se a um apreciável grau de rigor na redação das normas do código, de que os últimos diplomas se estavam afastando cada vez mais. A grande maioria das inovações é acertada. Dentro deste quadro, a proposta procura agilizar o processo. Esta agilização tem sido apregoada por todas as alterações legisla- tivas, vastas, parcelares ou pontuais, dos últimos anos, mas tem, como se sabe, falhado. A sua prossecução tem agora a virtude de ser sistemática e não meramente empírica, do que é exemplo a configuração de formas do processo substancialmente diferencia- das e não apenas distintas em função de prazos ou peças proces- suais. É de lamentar, porém, que, no campo da ação declarativa, a supressão do processo sumaríssimo não tenha sido acompanhada pela inserção no código do seu duplo, o processo declarativo espe- cial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, bem como do processo de injunção, que se lhe apresenta ligado( 2 ), sem prejuízo de se manter fora do código o regime espe- cial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais, que é resultado da transposição duma diretiva europeia e tem um campo subjetivamente mais delimitado( 3 ). Por seu lado, no âmbito da ação executiva, a reintrodução e desenvolvimento da classifi-
( 2 ) O processo de injunção é regulado, em outros ordenamentos jurídicos, no pró- prio código de processo civil. É o que acontece, nomeadamente, na Alemanha, em França e em Itália. ( 3 ) E sem prejuízo também, obviamente, do procedimento europeu de injunção de pagamento (Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2006), bem como dos outros regulamentos europeus sobre matéria de processo civil.
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cação do processo em ordinário e sumário é ajustada à existência de dois regimes formalmente bem diferenciados (embora contra- ditório com a opção finalmente tomada, ao menos do ponto de vista da classificação formal, no âmbito do processo declarativo), sem prejuízo do tratamento separado do regime-regra de execução da sentença. Esta concordância genérica com o sentido da reforma empreen- dida não implica qualquer ilusão quanto a um seu papel determi- nante na eficiência da Justiça, que depende incomensuravelmente mais da organização dos tribunais e do estatuto da magistratura do que das determinações da lei de processo. Sob este ponto de vista, é aliás incompreensível — e injusta — a ênfase que a exposição de motivos da proposta de lei do Governo põe nas atuações das partes, como se estas fossem a causa principal do atraso injustificável dos processos pendentes nos tribunais portugueses; e, se é certo que, duma maneira geral, os direitos processuais das partes não sofrerão novos cerceamen- tos significativos, certo é também que são criticáveis soluções como as da supressão do pedido de aclaração e, em princípio, do recurso das decisões sobre nulidades secundárias, simplificação, agilização processual e adequação formal, a do condicionamento da oposição provocada à consignação em depósito da quantia ou coisa devida e a da manutenção de limitações, mais reduzidas embora, à oposição à execução baseada em título formado no pro- cesso de injunção. No plano do incentivo ao cumprimento dos prazos proces- suais pelos magistrados e pela secretaria, que é o cerne dos atrasos dos processos judiciais, deram-se alguns passos na via da aprecia- ção da relevância disciplinar da omissão( 4 ), que o futuro dirá se
( 4 ) O art. 156.º-4 vincula o juiz a consignar no processo a razão concreta da inob- servância do prazo, quando sobre o seu termo hajam passado três meses (o que — diga-se — é excessivo quando o prazo para o despacho seja curto, mesmo que se entenda que a espera não se aplica aos dois dias dos despachos urgentes e de mero expediente: art. 156.º- -3), o que é comunicado pela secretaria ao presidente do tribunal e por este ao Conselho Superior da Magistratura (art. 156.º-5). Algo de semelhante estabelece o art. 164.º, n. os^ 4 e 5, quanto aos prazos da secretaria (mas com a espera, mais razoável, de 10 dias apenas), enquanto o art. 176.º-4 determina que, decorridos 15 dias sobre o termo do prazo para
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O modo como, finalmente, o princípio aparece consagrado( 5 ), absorvendo as disposições dos ainda vigentes n. os^ 1 e 2 do art. 265.º (“poder de direção do processo”), agora separadas — bem — do princípio do inquisitório, e apelando à “simplificação e agilização processual”, bem como a colocação noutro local (art. 547.º) da adequação formal (já não com epígrafe que anuncie a consagração dum princípio), parecem ter vindo ao encontro dessas dúvidas( 6 ). Duas normas há que violam ou podem proporcionar a viola- ção do princípio da igualdade. A primeira é a do art. 466.º, que introduz o meio de prova das declarações de parte. É facultado à parte requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre fac- tos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conheci- mento direto. Trata-se, pois, dum meio de prova de cuja produção se pode vir a ter apenas conhecimento no decorrer da audiência. Se a outra parte estiver presente ou representada, poderá igualmente usar dessa faculdade. Mas, não estando — e pode não estar, precisamente por não contar com o requerimento da parte contrária —, tem de lhe ser dado conhecimento da pretensão da outra parte, a fim de, ela tam- bém, se oferecer, se quiser, para prestar declarações; e, se só o seu advogado estiver presente, e declarar que esta quer também prestar declarações, a produção de prova não poderá terminar sem que elas tenham lugar. Não se diga em contrário que basta à parte assistir ao julgamento para que as suas declarações se tornem viáveis: a parte não tem o dever nem o ónus de estar presente e não é uma hipotética iniciativa da parte contrária que pode criar-lhe esse ónus. Se as alega- ções orais forem, por isso, adiadas, tanto pior. Esta observância escru- pulosa do princípio da igualdade teria ganho em ficar bem expressa, de modo a não poder proporcionar a sua violação na prática. A possibilidade desta violação será radicalmente afastada se, tida em conta a alteração de redação que o preceito, então no
( 5 ) Não era assim no projeto da comissão, cujo art. 265.º-A-1 mantinha a redação ainda vigente e o art. 265.º-B tratava do princípio da gestão processual, mantendo-se igual- mente destacados os preceitos dos n. os^ 1 e 2 do art. 265.º do CPC revogado. ( 6 ) No entanto, a adequação formal, a simplificação e a agilização processual apa- recem, lado a lado, em outras disposições (arts. 591.º-1- e , 597.º- d , 630.º-2), o que levará a pensá-las como manifestações, não sobrepostas, do princípio da gestão processual.
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art. 56.º7-A, teve na passagem do anteprojeto para o projeto da comissão, se considerar que a iniciativa para a produção das decla- rações de parte tem de ser de autor e réu, conjuntamente. Naquela primeira proposta da comissão, lia-se que “por sua própria inicia- tiva, é admitida (...) a prestação de declarações pelo autor ou pelo réu ”. hoje diz-se, em conformidade com a proposta que se seguiu, que “ as partes podem requerer (...) a prestação de declarações”. Não creio, porém, que essa seja a interpretação mais racional, pois diminuiria muito a utilidade prática da norma. Viola o princípio da igualdade a norma do art. 511.º-1, que limita a 10 (ou 5, nas ações de valor até à alçada do tribunal da 1.ª instância) o número de testemunhas que todos os autores, ainda que em coligação, podem oferecer, mas admite 10 testemu- nhas por cada réu que apresente contestação separada. A desigual- dade já hoje existe, mas esbate-se pelo facto de o limite atual ser de 20 testemunhas (10 no processo sumário). Com a redução a metade, torna-se mais nítida. E torna-se mais gritante quando se tenha em conta que passa a ser negado ao autor o chamamento de litisconsortes voluntários ativos, enquanto o réu pode chamar ter- ceiros a integrar com ele o lado passivo da relação processual (art. 316.º). Resta esperar que o juiz corrija a desigualdade sempre que ela concretamente se verifique, atendendo, não só ao princípio geral que lho impõe, mas também à faculdade, que lhe é conce- dida (art. 511.º-4), de admitir um número de testemunhas superior àquele limite. Mantém-se idêntica a norma do art. 3.º-3, de que a comissão havia proposto — bem — que fosse suprimido o segmento “salvo caso de manifesta desnecessidade”. Os tribunais têm transformado a regra em exceção e a proibição da decisão-surpresa tem-se reve- lado, com essa restrição, na prática insuficiente. Os códigos que consagram explicitamente essa vertente fundamental do princípio do contraditório não enunciam exceções. Assim acontece no art. 14.º do CPC francês, que o projeto de novo CPC brasileiro se propõe seguir. Como defensor, em 1996, dessa fórmula( 7 ), tenho de
( 7 ) Ela provém do projeto da Comissão Varela (art. 4.º-3).
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venção, é admissível aproveitá-la para responder às exceções, em antecipação do que o autor sempre poderá fazer por via do art. 3.º- -4( 9 ). E deixa também a réplica de desempenhar a função secundá- ria de articulado de alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir, sem prejuízo de ter de se entender que, quando a ela haja lugar, pode ser aproveitada como articulado de aceitação da con- fissão feita pelo réu e consequente alteração ou ampliação da causa de pedir, bem como de redução do pedido ou ampliação deste em desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e ainda de completamento ou correção de deficiências relativas à exposição da causa de pedir, nos termos do art. 590.º-4. Desapa- rece, consequentemente, a tréplica. Este novo modelo de terceiro articulado, ao qual o código deixa o nome de réplica, não põe problemas conceituais quanto ao objeto do processo, ao contrário do que aparentemente acontece com a reconvenção por compensação. Contra a orientação jurisprudencial dominante, apoiada numa importante corrente doutrinária (a meu ver, correta), o legislador quis dar à dedução da compensação o tratamento processual da reconvenção: onde anteriormente se dizia que “a reconvenção é admissível (...) quando o réu se propõe obter a compensação” (art. 274.º-1-b ainda em vigor), passa a dizer-se que “a reconven- ção é admissível (...) quando o réu pretender o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o paga- mento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” (art. 265.º-2-c). Nunca tendo sido questionado que o pedido de condenação no excesso constitui reconvenção, a inovação está em que, na parte em que os valores dos dois créditos coincidem, tere- mos uma causa de extinção das obrigações (art. 847.º-1 CC) já não tratada como uma exceção perentória (com eficácia circunscrita,
( 9 ) Não havendo articulado normal de resposta às exceções e constituindo a res- posta dada nos termos do art. 3.º-4 uma faculdade e não um ónus (L EBRE DE F REITAS , A ação declarativa cit., n.º 9.2), a 2.ª parte do art. 572.º-c não tem oportunidade de se apli- car, pelo que a não especificação separada das exceções na contestação deixou de ser san- cionada com o afastamento do ónus da especificação (sobre o regime ainda vigente, remeto para o meu CPC anotado cit., II, n.º 5 da anotação ao art. 488.º).
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como às exceções perentórias compete, no âmbito do pedido dedu- zido( 10 )), mas como constituindo, ela própria, um novo pedido (art. 266.º-1) e como tal, produzindo a ampliação do objeto do pro- cesso. Quem, numa visão substantivista, ainda hoje defenda que o processo civil tem como objeto situações jurídicas de direito subs- tantivo( 11 ) pensará encontrar aqui um argumento novo para susten- tação da sua tese: com a invocação da compensação é trazida para o processo a apreciação duma relação jurídica obrigacional, dis- tinta daquela em que se baseia o pedido do autor, embora a ela con- traposta e, por isso, o objeto do processo é ampliado. No entanto, a leitura atenta do preceito conduz a outras interpretações, que, coin- cidindo ou não com a mens legislatoris , são mais racionais e, per- mitem manter inalterada a ideia de que o objeto do processo é o pedido, e não a relação jurídica nele eventualmente controvertida. Tanto na parte em que é excecionado, como facto extintivo de direito civil, como naquela em que funda um pedido de conde- nação (pelo excesso), o contracrédito só pode ser feito valer no pressuposto da sua existência e o que a lei nos vem dizer é que o reconhecimento de que existe constitui um pedido que o réu deverá dirigir contra o autor. É assim, por natureza, na parte do excesso: o pedido de condenação do autor a pagá-lo ao réu tem, como elemento material( 12 ), a existência dessa parte do crédito. Mas, na outra parte, o mesmo raciocínio, aplicado à exceção, não interfere no objeto do processo ( supra , nota 9), pelo que, na falta de uma norma como a agora introduzida, o reconhecimento do contracrédito só entraria a fazer parte do objeto do processo se alguma das partes pretendesse a sua inclusão no pedido (“se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude”: art. 91.º-2). É esta inclusão que se torna agora obrigatória: o réu não se poderá limitar a invocar a exceção da compensação; terá de
( 10 ) Remeto para a minha Introdução ao processo civil , Coimbra, Coimbra Edi- tora, 2006, n.º I.4 (38). (^11 ) Minha Introdução cit., n.º I.4.2. ( 12 ) Sobre o elemento material e o elemento processual da pretensão, remeto para a minha Introdução cit., n.º I.4.6.
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pensar, e limitando-se a sentença (de mera apreciação) a verificar a ocorrência dos respetivos requisitos materiais, não há diferença substantiva que justifique um regime processual distinto num e noutro caso. A unidade de regime impunha-se na base do trata- mento da compensação como exceção( 15 ). É mais duvidosa quando deva levar, em ambos os casos, ao tratamento da compensação como reconvenção. Talvez possa conduzir à conclusão de que, não obstante o regime pretendido pelo legislador, a letra da lei comporta um sentido, mais racional, de acordo com o qual nada de substancial foi alterado e a reconvenção só terá de ter lugar quando o réu livremente pretenda que, com força de caso jul- gado, o juiz aprecie a existência do contracrédito. Noto, finalmente, que a opção do legislador tem, como outras consequências: a inadmissibilidade da dedução da compensação, quando a apreciação do contracrédito não seja da competência (não territorial nem em função do valor) do tribunal da ação (art. 93.º- -1)( 16 ), bem como nos processos especiais em que o réu não possa deduzir reconvenção, salvo se a lei especificamente excetuar o fun- damento da compensação( 17 ); a abrangência do reconhecimento do contracrédito pelo caso julgado.
O código acentua que às partes cabe, na ação declarativa, ale- gar os factos essenciais da causa e só estes (arts. 5.º-1, 552.º-1- d , 572.º- c , 574-1), embora a prova incida também sobre factos instru- mentais (arts. 5.º-2- a e 410.º). A doutrina não utiliza o conceito de facto essencial sempre no mesmo sentido. Facto essencial, ou principal, é, para alguns (entre
( 15 ) Remeto para a minha Ação executiva cit., pp. 122-123. ( 16 ) Este ponto causará tanto mais estranheza quando se admita que também o cré- dito já compensado extrajudicialmente tem de ser reconhecido, mediante pedido reconven- cional. ( 17 ) É assim nos embargos de executado (art. 729.º- h ).
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os quais eu próprio( 18 )), todo o facto que, integrando a fatispécie normativa produtora do efeito pretendido (pelo autor, ao deduzir o pedido; pelo réu, ao deduzir uma exceção), é indispensável à pro- dução desse efeito; mas, para outros (entre os quais Teixeira de Sousa( 19 )), é apenas, entre os factos integradores duma fatispécie, aquele que permite a sua individualização. Na primeira aceção, refere-se-lhe quer o n.º 1, quer o n.º 3, do art. 264.º do Código ainda vigente, sendo que qualquer facto essen- cial não inicialmente alegado pode sê-lo posteriormente, nos ter- mos desse n.º 3 (ou do art. 508.º-3, agora art. 590.º-4), mediante alegação que completa uma fatispécie só parcialmente integrada, sem prejuízo de a primitiva alegação dever permitir a identificação desta, sob pena de ser inepta a petição inicial (art. 193.º-2- a , agora art. 186.º-2- a ). Na segunda aceção, o facto essencial é apenas aquele que, entre esses factos integradores da fatispécie, a identifi- cam, opondo-se então ao facto meramente complementar. Assim, por exemplo, o senhorio que pretenda resolver o arrendamento para habitação própria tem de alegar e provar a necessidade da habitação (art. 1101.º- a CC), a sua qualidade de proprietário, com- proprietário ou usufrutuário há mais de 5 anos (art. 1102.º-1- a CC) e a falta de casa própria ou arrendada há mais de um ano (art. 1102.º-2 CC): na primeira aceção, todos estes factos são essenciais, mas na segunda aceção só é essencial o primeiro. Ora, ressalvada a identificação da fatispécie para o efeito da aptidão da petição inicial e para o efeito do caso julgado (art. 581.º-4), quer a nível da alegação, quer a nível da prova, o CPC de 1961 utiliza a expressão facto essencial na primeira das aceções: todos esses fac-
( 18 ) Remeto para o meu (com outros) Código de Processo Civil anotado , Coim- bra, Coimbra Editora, 2008, II, n. os^ 2 a 5 da anotação ao art. 264.º. Prefiro chamar-lhe prin- cipal — e reservaria o termo essencial para o facto identificador da fatispécie, se não fosse a terminologia da lei. ( 19 ) Estudos sobre o novo processo civil , Lisboa, Lex, 1997, pp. 76-79, distin- guindo, dentro dos factos principais, os essenciais e os complementares, mas entendendo que só aos primeiros se refere o art. 264.º-1 ainda vigente. Conceção diferente, semelhante à por mim defendida, havia tido, antes da revisão de 1995-1996, em As partes, o objeto e a prova na ação declarativa , Lisboa, Lex, 1995, pp. 122-125 (a causa de pedir seria cons- tituída pelos factos necessários à individualização da situação jurídica alegada pela parte e para fundamentar o pedido, de outro modo improcedente).
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todos os factos que integram a causa de pedir. Seria, de qualquer modo, absurdo que, no art. 5.º-1, tal como nos arts. 552.º-1- d , 572.º- c e 574.º-1 (que utilizam as mesmíssimas expressões: “fac- tos essenciais que constituem a causa de pedir”; “factos essen- ciais em que se baseiam as exceções”), apenas se exigisse às par- tes a alegação do facto identificador da fatispécie constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva, deixando para mais tarde a alegação dos restantes factos integradores dessas fatispécies( 20 ): a função dos articulados continua a ser a mesma e os factos principais (“essenciais”, na terminologia da lei) têm de ser neles alegados, sem prejuízo da excecional possibilidade do aperfeiçoamento do articu- lado apresentado, por as partes terem feito uma alegação deficiente. Creio também que nada altera a formulação, no art. 5.º-2- b , da exigência de as partes terem a possibilidade de se pronunciar sobre o facto principal resultante da instrução da causa, em vez da formu- lação da dupla exigência da manifestação da vontade de a parte interessada dele se aproveitar e da audição contraditória da parte contrária. A manifestação da vontade da parte interessada (aquela que não alegou o facto principal, embora tivesse o ónus de o fazer) de se aproveitar do facto que resulte da instrução da causa corres- ponde a uma alegação tardia, necessária de acordo com o princípio do dispositivo: a possibilidade de pronúncia tem de ser, quanto a ela, positiva; se for (anormalmente, sem dúvida) em sentido nega- tivo, não satisfaz o ónus da alegação, satisfazendo apenas, no que à contraparte respeita, o princípio do contraditório. Com a substitui- ção da base instrutória pelos temas da prova ( infra , n.º 6), escla- rece-se, porém, o pleno significado da norma do art. 5.º-2- b : o facto resultante da instrução da causa não terá, agora manifesta- mente, de resultar dum ato de produção( 21 ) de prova sobre um facto pré-selecionado, estando a fonte da prova manifestamente liberta dos constrangimentos duma pré-seleção. De alcance mais duvidoso é a introdução no art. 5.º-1 do adje- tivo invocadas (“exceções invocadas”), que, à primeira vista, parece
( 20 ) Veja-se como o art. 62.º- b fala [do acervo] dos factos que integram a causa de pedir. ( 21 ) Ou proposição, no caso da prova pré-constituída.
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implicar a ideia de que o tribunal pode conhecer oficiosamente dos factos em que se baseiam as exceções de conhecimento oficioso, fora do condicionalismo do art. 412.º. A redação do art. 264.º-1 do CPC de 1961 inculcava, claramente, que esses factos estavam abrangidos pelo princípio do dispositivo, não podendo o juiz, quanto a eles, servir-se do seu saber privado, tratasse-se duma exce- ção perentória (ex.: o acordo simulatório, não alegado, por não ter sido invocada a simulação do contrato) ou dilatória (ex.: um facto, não alegado por nenhuma das partes, mas relevante para a qualifica- ção do contrato como administrativo, e não como civil, como tal dele decorrendo a incompetência, que as partes não invocaram, do tribunal cível). Não creio que se possa entender diferentemente, mas é previsível que este venha a ser um tema controvertido. Finalmente, a parte final do art. 574.º-2 (“a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”) parece-me contraditória com o disposto no art. 490.º-1 (o réu só tem de tomar posição definida perante os factos principais) e vai contra a ideia de forçar a redução da exposição de facto nos articulados aos fac- tos essenciais: por um lado, parece querer-se afastar do objeto da admissão, de acordo com uma (pretensamente) nova conceção dos articulados, os factos instrumentais; mas, por outro, estabelece-se que a não impugnação dum facto instrumental gera também a prova por admissão, embora como efeito provisório e não defini- tivo (afastável por simples contraprova, nos termos do art. 346.º CC), com a consequência de, para o evitar, alargar a dimensão do articulado de resposta. Afinal, há ou não ónus de impugnar também os factos instrumentais?
A aposta no revigoramento da audiência preliminar, crismada de “prévia”( 22 ), teoricamente certa, é porém arriscada.
( 22 ) O crisma tem, como se sabe, a virtude de automaticamente mudar a natureza do ser crismado...
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pondesse já ao espírito do velho questionário, mas este, além de enquadrar rigidamente o objeto da prova, apresentava-se, na prá- tica, normalmente prolixo, reproduzindo tudo aquilo que as partes tivessem alegado, e pretendeu-se vincar que assim não devia ser: dos factos instrumentais, só deveriam ir à base instrutória aqueles que constituíssem a base duma presunção legal ou um facto contrá- rio ao legalmente presumido; ao invés, os factos que constituíssem base duma presunção judicial ou visassem a sua ilisão só poderiam ser incluídos na base instrutória quando assumissem especial rele- vância concreta para a prova dos factos principais ou quando fosse duvidosa a ilação que, a partir deles, pudesse ser tirada para esta prova. Mas, mais uma vez, os tribunais, na prática, embora com algumas simplificações (remissões para os articulados) e inegáveis progressos (juízes que sabem condensar e sintetizar), foram além do que lhes era exigido. A alteração agora introduzida visa pôr radicalmente cobro a essa prática, sintonizando a nossa lei proces- sual com as dos outros Estados europeus. O projeto da comissão ainda determinava que o juiz selecio- nasse, na base instrutória, os termos controvertidos e as questões essenciais de facto. Mas esta dualidade era ambígua e tive oca- sião de fazer ressaltar as contradições que encerrava( 24 ). A opção seguidamente feita liberta o juiz, nesta fase processual, da tarefa de formular os pontos de facto controvertidos de acordo com as regras da distribuição do ónus da prova. Limitando-se a verificar a existência de controvérsia , entre as partes, sobre a verificação de determinadas ocorrências principais, delas dá conta generica- mente, deixando para a decisão sobre a matéria de facto a descri- ção dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados. Assim, por exemplo, alegados pelo autor os factos concretos que consubstanciam a celebração de determinado contrato, que o réu negue ter sido celebrado, o tribunal não os incluirá na base instrutória, limitando-se a enun- ciar como tema controvertido saber se o contrato foi ou não cele- brado e com que conteúdo. A prova continuará a incidir sobre os
( 24 ) L EBRE DE F REITAS , Do conteúdo da base instrutória , Julgar, 17 (2012), pp. 69-73.
SOBRE O NOVO CóDIGO DE PROCESSO CIVIL 41
factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extin- guem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (petição, réplica, resposta à contestação, articulado complemen- tar, articulado superveniente), bem como sobre os factos probató- rios de onde se deduza, ou não, a ocorrência desses factos princi- pais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumen- tais( 25 ). Os articulados continuarão a realizar a sua função de meio de alegação dos factos da causa, essencial no que respeita aos factos principais e facultativo no que respeita aos factos instrumentais. Por sua vez, a decisão de facto deverá, tal como hoje, incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produ- zidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais: o tribunal rela- tará tudo o que, quanto ao tema controvertido, foi provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova. Sobre esta distribuição apenas o juiz, na sentença , se preocu- pará( 26 ). Com vantagem. Ficando assente tudo o que tenha sido provado, sem cuidar de saber se era o autor ou o réu quem tinha o ónus da prova, se o tribunal de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma interpretação, diferente da do tribunal da 1.ª ins- tância, da norma, geral ou específica, de distribuição do ónus da prova, os factos que interessem a esta nova perspetiva constarão todos da decisão de facto.
( 25 ) Para a distinção entre facto probatório e facto acessório, veja-se a minha Introdução cit., n.º II.6.4.3. ( 26 ) Assim, no essencial, se passam as coisas no direito alemão, no direito francês e quase sempre nas arbitragens internacionais. Os sistemas processuais dos outros países europeus não usam ter nada que se assemelhe à nossa base instrutória, maxime nos termos em que ela continua a ser entendida na prática dos tribunais portugueses. E não deixa, por isso, de vigorar aí plenamente o princípio do dispositivo, bem como os ónus da alegação e da prova.
42 JOSÉ LEBRE DE FREITAS