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Este estudo investiga as relações entre o desenho e a meditação, duas disciplinas que buscam uma presença e tomada de consciência.
Tipologia: Notas de aula
Compartilhado em 07/11/2022
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Grazielle Portella Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes (CIEBA), Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal
Resumo
Este estudo investiga as relações entre o desenho e a meditação, duas disciplinas que buscam uma presença e tomada de consciência. Os primeiros resultados deste trabalho sugerem que, assim como na ideia de slow food ou slow looking , a noção de slow drawing ou desenho lento é uma prática que contribui para um modo de vida sustentável. Esta prática de observação activa requer uma consciência para viver o tempo presente num contexto de um mundo onde cada vez mais a ideia de tempo-espaço é reduzida e distorcida (Harvey). Assim, o próprio acto de desenhar um modelo vincula-se à ideia de mantra, ao qual o desenhador volta repetidamente a sua atenção. Artistas como Cézanne, Matisse, Kandinsky e Pape ressaltam a importância de um olhar meditativo no acto de criar. Reflecte-se sobre autores que abordam os conceitos de experiência e sentir (Dewey, Perniola), duração e percepção (Bergson), relacionando-os com o desenho (Molina, Tavares), meditação transcendental e espiritualidade (Mahesh Yogi, Patanjali).
Palavras-chave: Desenho lento, meditação, condição pós-moderna, contemplação, espiritualidade.
Abstract
The aim of this study is to investigate the relationship between drawing and meditation, two disciplines that aim for a higher presence and awareness. Early results of this research suggest that, as with the idea of slow food or slow looking , the notion of slow drawing is a practice that contributes to a sustainable way of life. This practice of active observation requires an awareness to live the present moment in the context of a world where the idea of time-space is increasingly reduced and distorted (Harvey). Thus, the very act of drawing a model is linked to the idea of mantra, to which the artist repeatedly turns his attention. Cézanne, Matisse, Kandinsky and Pape are some of the artists who approach contemplation and meditation as keys in the act of creating. This investigation is reflected based on authors who discuss the concepts of experience and feeling (Dewey, Perniola), duration and perception (Bergson), relating them to drawing (Molina, Tavares), transcendental meditation and spirituality (Yogi, Patanjali).
Keywords: Slow drawing, meditation, postmodern condition, contemplation, spirituality.
"A fotografia é uma reacção imediata, o desenho é uma meditação."^1 (Cartier-Bresson & L. Sand, 1999, p. 45)
Partindo da premissa de Cartier-Bresson (1908-2004) de que existe uma relação do desenho como uma forma de meditação, e da fotografia como uma tecnologia que proporciona uma 'reacção imediata', transpõe-se este debate ao contexto da sociedade pós-moderna, onde as tecnologias sobretudo as digitais potencializaram substancialmente este efeito imediato. Diante deste cenário, propõe-se especular e estabelecer as relações entre o desenho, disciplina primordial nas artes visuais, e a meditação, que disciplina-nos a ter atenção plena à experiência presente.
Franck, M. (1992). Henri Cartier-Bresson Drawing His Self-Portrait. [Impressão de prata coloidal]. Recuperado em 17 de janeiro de 2019 em https://www.moma.org/collection/works/130813.
Actualmente vivemos uma onda de aceleração impulsionada pelo sistema financeiro internacional, onde somos exaustivamente estimulados com imagens, informações e acontecimentos, não só no âmbito da nossa presença física, mas sobretudo numa persistente 'telepresença' através dos meios digitais. Frente a um paradoxo de estímulos, sentimos, "por um lado, falta de energia e aumento das tensões e pressões exteriores, e por outro, o tempo rápido da vida moderna não nos permite de viver um momento de silêncio real" (Yogi, 1963, p. 2440). Harvey (1935-) analisa o conceito da produtividade incessante da sociedade pós-moderna, argumentando que esta experiência é dominada por um fenômeno atual que ele chama de 'compressão tempo-espaço' (1992, p. 7).
(^1) " Photography is an immediate reaction, drawing is a meditation. "
(Silva, 2007, p. 84). É um processo lento. A mente fica, então, pronta para permanecer sem pensamentos, vazia, e realizar a integração da Alma. Acontece, então, a verdadeira meditação, um "estado de ser contemplativo que surge, espontaneamente, em qualquer lugar e tempo" (Silva, 2007, p. 84). Para Cézanne (1839-1906), durante o processo de criação, "a natureza é sempre a mesma, mas nada do que nos aparece se mantém. A arte deve fazer-nos saborear o eterno. [...] Mas se eu tiver a menor distração, se pensar enquanto pinto, se intervier, está tudo perdido. [...] Toda a vontade do artista deve ser de silêncio, de fazer calar dentro dele as vozes de preconceitos, esquecer, ser um eco perfeito. Nessa altura toda a paisagem se inscreverá na sua placa sensível, a tela…" (Gasquet, 2012, pp. 61-62).
Cézanne, P. (1902-1906). Mont Sainte-Victoire. [Aguarela e lápis sobre papel]. Recuperado em 17 de janeiro de 2019 em https://www.moma.org/collection/works/34092.
Um desenho meditativo, portanto, propõe uma relação atenta com o que se apresenta do mundo ao redor, desviando a mente de pensamentos errantes ao retomar a consciência para esta contemplação. Segundo Molina (1947-2007), o desenho marca a intenção mais radical do homem para superar a necessidade dos acontecimentos, o desejo de voltar a fazer presente por meio da imagem da ideia que temos dela mesma. Apreendendo o objecto para tentar compreender o nosso ser e as relações que mantemos e o meio ambiente que nos rodeia. (1995, p. 23). Para Dewey (1859-1952), uma experiência estética ocorre justamente na incorporação entre o ser humano e o meio ao seu redor. Como a arte é um reflexo da vida, é necessário
entendermos que a “vida se dá em meio ambiente; não apenas nele, mas por causa dele, pela interação com ele” (Dewey, 2010, p. 74). A experiência tem uma extensão elástica e não é delimitada por um meio e um fim, e necessita de dedicação para acontecer. É um processo onde não há divisão entre acto e material, coisa e pensamento, sujeito e objecto, mas contém ambos em uma totalidade" (Dewey, 1958, p. 8). A experiência estética implica, portanto, todos os nossos sentidos. Porém, Perniola (1941-2018) defende que, desde os anos 60, o nosso sentir tem se dado através de uma experiência anónima e de um emocional impessoal, que implica numa sensologia onde tudo aparece como um 'já sentido' (1993, p. 110). O filósofo contemporâneo propõe então recuperarmos o conceito de Platão de 'experiência cósmica', um viver em coerência com a natureza que implica uma extrema atenção e escuta, face ao mundo e ao seu devir, não o fechamento em nós próprios numa cega e surda impassibilidade (1993, p. 111). Quem se dedica a este modo de experiência de sentir vive, "uma liberdade completa do preenchimento do seu Ser e, ao mesmo tempo, a experiência com o objecto muito mais profunda e plena do que antes" (Yogi, 1963, p. 1524). Pape (1927-2004) aborda esta incorporação totalizada da experiência em na sua obra. Segundo ela, "tudo está ligado. Não existe obra como um objecto acabado e resolvido, mas alguma coisa sempre presente, permanente no interior das pessoas" (2003, p. 86).
Pape, L. (1953). Tecelar. [Impressão em xilogravura sobre papel japonês]. Recuperado em 17 de janeiro de 2019 em https://www.artic.edu/artworks/238522/weaving-tecelar.
Itten, J. (1917). Female Nude (Weiblicher Akt) [Carvão e lápis sobre papel]. Recuperado em 17 de janeiro de 2019 em https://www.moma.org/collection/works/37497.
Itten defendia que o treino do corpo como um instrumento da mente é importante para manter-nos criativos: "Como uma mão pode expressar um sentimento característico em uma linha quando o braço está rígido? Uma respiração profunda, lenta e silenciosa é a maneira de atingir sucesso na vida. Aqueles que estão com falta de ar são apressados e gananciosos em seus pensamentos e ações"^3 (Itten, 1975, p. 9). A meditação começa com a disciplina de dirigir a mente num único foco no corpo ou objecto, porém, será sempre no sentido de deixar a mente vazia através desta concentração (Silva, 2007, p. 39). Influenciado por isto, Kandinsky estabeleceu princípios de arte (linha, ponto e plano) a partir das relações corpo-mente, conceitos ligados às práticas de Yoga como Pranayama (Controle da Respiração) e Asana (Postura) (1947, pp. 12, 25-27, 108, 134).
(^3) " How can a hand express a characteristic feeling in a line when the hand and arm are cramped? [...] People who have achieved great success in their lives always breath quietly, slowly, and deeply. Those who are short of breath are hasty andgreedy in their thoughts and actions. ”
Kandinsky, W. (1913). Watercolor No. 14 (Aquarell No. 14). [Aguarela e tinta sobre papel]. Recuperado em 17 de janeiro de 2019 em https://www.moma.org/collection/works/34914.
Para além destas práticas corporais de Yoga, existem outras duas práticas que servem para limpar a mente focando a atenção em energias presentes em ambiente exterior ao corpo: os mandalas e os mantras. Um mantra tem como objectivo silenciar a mente a partir de um som ou observação de uma forma. A meditação transcendental dá-se na repetição contínua e generosa de um mantra, levando a mente a penetrar no seu significado, neutralizando as demais ideias e evitando os movimentos automáticos da mente, sempre inclinada a passar os novos objectos ou objectivos. Os mantras levam à contemplação e harmonizam os veículos inferiores da consciência, tornando-os sensíveis às vibrações mais subtis, elevando-os até à fusão da Consciência Superior (Silva, 2007, pp. 71-72). Para Matisse (1869-1954), desenhar é a expressão de possessão dos objectos (Flam, 1995, p. 156). Neste sentido, ele enfatiza que quando conhecemos um objecto no detalhe, somos capazes de representá-lo através de um contorno que o define inteiramente (Flam, 1995, p. 131). Esta definição colocaria o artista como um observador que possui um objecto, no sentido de o absorvê-lo e contemplá-lo como um mantra, representando-o em uma superfície a partir de uma percepção totalizada. Matisse também nos sugere a importância da atenção a partir da observação e ao não enclausuramento a modelos mentais. "Nada é mais difícil a um verdadeiro pintor do que pintar uma rosa, porque, para isso, precisa primeiro esquecer todas as rosas pintadas. É um primeiro passo para a criação ver todas as coisas na sua verdade, e isto supõe um esforço contínuo” (Matisse, 2007, p. 307).
cientista ressalta que a virtude o ser humano precisa desenvolver para sobreviver ao futuro é a empatia, qualidade que une as pessoas e torna o mundo mais pacífico (Clark, 2015). Os primeiros resultados desta investigação sugerem que, tal como na ideia de slow food ou slow looking , a prática de slow drawing contribui para um modo de vida sustentável. O desenho lento requer uma consciência para viver o tempo presente num contexto de mundo acelerado, onde cada vez mais a noção de tempo-espaço é reduzida e distorcida, sobretudo no âmbito da 'telepresença'. Assim, o próprio acto de desenhar a partir da contemplação vincula-se à noção de mantra, ao qual o artista volta repetidamente a sua atenção, se relacionando de uma maneira mais empática com o mundo e intuitiva com o papel. Ao serem silenciados seus pensamentos errantes, o artista adentraria uma experiência do sentir cósmica, em coerência com a natureza e conectado à sua verdadeira essência.
Referências bibliográficas
Bergson, H. (1986). Matéria e Memória (2ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Cartier-Bresson, H., & L. Sand, M. (1999). The Mind's Eye: Writings on Photography and Photographers (1ª ed.). Nova York: Aperture.
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Clark, N. (2015). Stephen Hawking: Aggression could destroy us. Independent. Recuperado em 20 de dezembro de 2019, de https://www.independent.co.uk/news/science/stephen-hawking- aggression-could-destroy-us-10057658.html
Flam, J. (2005). Matisse on Art, Revised edition (1ª ed.). Berkley: University of California Press.
Gasquet, J. (2012). O que Ele me Disse. In É. Faure, Paul Cezanne Seguido de O que Ele me Disse (1ª ed.). Lisboa: Sistema Solar.
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