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Este artigo apresenta as principais transformações no sistema de formação e classificação de contratos, observando-se o ambiente de sociedade da informação que gera impactos significativos nos negócios jurídicos. A autoria avalia os princípios decorrentes da formação e os principais critérios classificatórios, sugerindo um sistema interpretativo que possa incluir redes conexionais de contratos. O texto aborda contratos bancários, consumeristas e administrativos, analisando as cláusulas e os princípios que regulam esses contratos.
Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 07/11/2022
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Sistema de formação e classificação de contratos em ambiente de sociedade... 507
Adalberto Simão Filho^1 Advogado
Sumário: 1. Introdução. 2. Transformação da teoria dos contratos.
Resumo: este artigo visa trazer algumas das principais transfor- mações ocorridas no sistema de formação e classificação de contrato, a partir da edição do Código Beviláqua, observando-se o ambiente de sociedade da informação que gera sensíveis e expressivos impactos nos negócios jurídicos e na forma de sua interpretação, decorrente do uso das tecnologias e da internet.
Palavras-chave: formação de contrato – classificação de contrato
A contratualidade e os negócios jurídicos inerentes sofrem impac- to sensível e relevante a partir da edição do Código Civil, sob a visão de Clóvis Beviláqua, até o presente momento, passados mais de quinze anos da edição do Código Civil de 2002.
(^1) O autor é professor titular IV-Emérito das UNIFMU/SP e Professor Titular do mestrado da UNAERP, obteve o grau de mestre e doutor em direito das relações sociais pela PUC/SP. Pós-Doutor em direi- to da educação pela Faculdade de Direito de Coimbra. É professor da PUC/COGEAE nos cursos de direito dos contratos e direito empresarial, bolsista CNPq/SEBRAE para o projeto Agente Local de Inovação e sócio da Simão Filho – Advogados Associados. O texto foi extraído da palestra ministrada no Curso de Especialização em Direito Civil realizada no outono de 2016 na Escola Paulista de Magistratura, Núcleo Regional de Sorocaba, sob Coordenação do Juiz Alexandre Dartanhan de Mello Guerra.
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Esse impacto severo decorre não só da evolução e crescimento da sociedade brasileira como um todo, numa forma esperada e idealizada, mas, principalmente, pelo ingresso do país na era que se convencionou designar sociedade da informação, um ambiente onde prepondera a busca pelo acesso à internet com vistas a não gerar a exclusão digital e a transformação dos negócios jurídicos por meio de base tecnológica da informação, em possibilidades que estão longe ainda de se esgotarem.
As tecnologias passam, assim, a impactar não só esses negócios jurídicos, como também as relações sociais, humanas, empresariais e governamentais, através de operações diversas que se exteriorizam em modelos próprios decorrentes das características digitais da oferta por meio de sites, aplicativos ou qualquer outra plataforma de base tecno- lógica, desde a formação até o aperfeiçoamento do contrato.
É nesse ambiente que vivenciamos o incrível crescimento das ope- rações comerciais eletrônicas por meio de modelos B2B (business to business); B2C (business to consumer); C2C (consumer to consumer) e E-Gov. (governo eletrônico), que acabam por representar um verdadei- ro desafio na intelecção e interpretação da matéria contratual.
A partir da análise dessa transformação da teoria geral dos con- tratos, que se verifica em sociedade da informação, procurar-se-á avaliar os princípios decorrentes da formação e os principais critérios classificatórios como forma de auxiliar na interpretação, sempre sob a referência de autores clássicos e contemporâneos como Serpa Lopes e Maria Helena Diniz, entre outros de destaques, sugerindo-se um sis- tema interpretativo que possa englobar também as redes conexionais de contratos.
A nossa pretensão, nestas poucas linhas, é exercitar o debate e a busca de novos caminhos para que a contratualidade possa ser bem utilizada, interpretada como forma de gerar a harmonia nas relações, independentemente de sua natureza.
2. Transformação da teoria dos contratos
São marcantes e profundas as transformações decorrentes da te- oria geral dos contratos. O contrato, como um acordo de vontades que envolve proposta e aceitação, vem-se adaptando aos fatos decorrentes da evolução social do cidadão como um ser social. A aceitação é, assim, substituída por uma atuação clara da vontade de modo suficiente para o estabelecimento de um vínculo contratual.
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O direito subjetivo clássico e inviolável e neste ambiente digital acaba por objetivar na sua concretude a função social, afastando a vontade como a fonte absoluta de direitos para buscar uma fonte que observe os interesses sociais e transindividuais.
As relações contratuais acabam por ser mais sutis e diversas do passado, preponderando contratos de fato ou verbais. A aceitação cede espaço aos atos de cumprimento consistentes da apropriação e uti- lização dos bens, como ocorre, por exemplo, em parte dos negócios jurídicos eletrônicos.
Para o fomento das atividades empresariais, são utilizados contra- tos tipos, visando massas específicas de pessoas no sistema de contra- tação por adesão.
A principiologia tem papel preponderante no auxílio do sistema interpretativo desses contratos, sempre se observando a boa-fé de na- tureza objetiva, com reflexos na vontade real do contratante e nos resultados esperados.
Formam-se, no âmbito empresarial, redes neurais de contratos ou coligação de contratos com vistas a um objetivo negocial único de um grupo de pessoas e empresas, com desafios de toda a ordem no sistema interpretativo da vontade e do próprio negócio jurídico.
São admissíveis negócios jurídicos de natureza processual como dispõe o art. 190 do Código de Processo Civil, sempre na busca da efici- ência sistêmica e interpretativa e da restauração do sinalágma.
Há doutrinadores que vislumbram uma crise no atual modelo con- tratual, decorrente especificamente da proliferação de contratos de massa ou por adesão. Essa crise se refere à impossibilidade de o ade- rente não poder alterar substancialmente o contrato cujo conteúdo é imposto de uma parte a outra (CASSETTARI, 2013, p. 182).
Contudo, a fluidez das novas relações jurídicas, efetuadas com base na tecnologia, lança olhares específicos sobre a teoria geral dos contra- tos, não na busca de uma melhor interpretação, mas de uma compreen- são da eficiência das bases tecnológicas para possibilitar o incremento e crescimento das atividades negociais e empresariais desenvolvidas.
E, nesse ponto, mesmo com toda a incerteza desse ambiente vir- tual para negócios jurídicos, prepondera a teoria da confiança demons- trada pelo contínuo crescimento mundial dessas relações, gerando uma necessidade futura de aprimoramento dos sistemas de segurança e de respostas em face de atos de descumprimento contratual ou de prote- ção do consumidor.
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3. Formação dos contratos
A alteridade ou a impossibilidade de autocontratação deve pre- ponderar na formação de contratos (vide art. 117 Cód. Civ.), salvo con- dições excepcionais como no caso da representação ou do mandato para negócios com o próprio mandante (mandato em causa própria).
São inúmeras as espécies de contrato e, em especial, nas opera- ções de compra e venda, deve-se investigar sua natureza para fins de aplicabilidade do direito.
A compra e venda, à luz do art. 481 do Cód. Civ., é contrato pelo qual alguém se obriga a transferir o domínio de uma coisa mediante o pagamento de certo preço. Assim, a compra e venda, no direito brasi- leiro, por si só não transfere o domínio. Gerando o contrato uma obri- gação de dar consistente da transferência do domínio e o pagamento por parte do comprador (FRANCO, 2014, p. 32).
Os elementos do contrato são, assim, o consentimento, a coisa e o preço (condições). Convergindo a vontade nesses elementos, a compra e venda é perfeita e acabada, salvo se outro condicionante foi estabe- lecido pelas partes.
Os contratos mercantis são destinados à consecução de negócios jurídicos frutos de atividade empresarial. Os contratos civis destinam- -se às atividades sem a característica da profissionalidade e da empre- sarialidade. Contratos bancários envolvem relações com Instituições Financeiras. Contratos consumeristas envolvem relação de consumo e contratos administrativos envolvem interesses com administração pú- blica em gênero.
Segundo a doutrina, as fases da formação do vínculo contratual são as seguintes (DINIZ, 2006, p. 89):
A. Negociações preliminares
As negociações prévias, sondagens e trocas de correspondências eletrônicas para o estabelecimento de regras iniciais para um futuro contrato, próprios da autonomia privada da manifestação da vontade, são admissíveis no direito e, sempre com base em investigação do caso concreto, a quebra da expectativa de contratar pode gerar uma res- ponsabilidade não contratual, aquiliana, baseada nos arts. 186 e 927 do Código Civil.
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O policitante pode-se arrepender da oferta e esta não o obrigará caso a retratação chegue ao oblato antes da proposta ou ao mesmo tempo desta.
Desse modo, também não obriga o policitante se houver cláusula expressa nesse sentido; se houver atos de negociação que modificarem o negócio; se houver a exoneração do policitante e se não respeitado o prazo de oferta.
D. Aceitação
A aceitação, segundo Maria Helena Diniz, é a manifestação da von- tade, expressa ou tácita, da parte do destinatário de uma proposta, feita dentro do prazo, aderindo a esta em todos os seus termos, tornan- do o contrato definitivamente concluído, desde que chegue oportuna- mente ao conhecimento do ofertante (DINIZ, 2006, p. 97).
A aceitação pode ser expressa, quando o oblato declara a aquies- cência, ou tácita, quando por ato inequívoco do aceitante se permite concluir pela anuência.
A aceitação deve ainda ser oportuna, em que a força vinculante ocorre da tempestiva manifestação da vontade, e conclusiva ou inte- gral, sem condicionantes.
Todavia, muito embora o direito brasileiro admita a manifesta- ção da vontade pelo silêncio em certos casos, nas ofertas específicas relacionadas às operações que decorrem de relação de consumo, o si- lêncio encontra óbice como manifestação de vontade principalmente no âmbito do sistema de proteção contra a abusividade de cláusulas e condutas contrárias ao direito do consumidor, a exemplo de mercado- rias entregues na residência do consumidor sem o pedido deste, que acabam por ser vistas como amostras grátis.
O oblato pode se arrepender, desde que sua retratação chegue ao ofertante antes da aceitação ou juntamente com ela. Desse modo, não gerará a aceitação o vínculo obrigacional.
Finalizando. Não aceita a proposta, não há obrigação do propo- nente ou policitante. Aceita a proposta, encerra-se o ciclo contratual.
E. Conclusão do contrato
O negócio jurídico contratual reputa-se celebrado no lugar em que a proposta é expedida ou onde é conhecida, como dispõe o art.
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435 do Cód. Civ. O local da conclusão do negócio é de relevo ao direito internacional privado, em que se prevê que a obrigação resultante do contrato considera-se constituída no lugar onde residir o proponen- te, mas se a relação for consumerista, haverá foro de preferência do consumidor como uma vantagem contratual, observado o princípio da hipossuficiência.
O momento da conclusão do contrato depende da relação entre presentes ou entre ausentes.
Na relação entre presentes, o contrato aperfeiçoa-se e o vínculo se estabelece no momento exato em que convergiram as vontades en- tre o oblato e o policitante acerca da oferta e de sua aceitação (coisa- -preço-condições).
Já na relação entre ausentes, vigora, no direito brasileiro, a teoria da expedição (art. 434 do Cód. Civ.), tornando-se o contrato aperfeiço- ado, perfeito e acabado no momento da expedição da aceitação incon- dicional, salvo exceções, quando então se aplica a teoria da recepção. Entre as exceções tem-se o fato de o proponente ter-se comprometido a esperar a resposta; o fato de a proposta não chegar no prazo estipu- lado e a retratação mencionada.
4. Principais critérios de classificação dos contratos
No que tange à capacidade jurídica de contratar, a regra geral prevista no art. 104 do Cód. Civ. menciona que para a va- lidade do negócio jurídico requer-se agente capaz, objeto lícito possível, determinado ou determinável e forma prescrita e não de- fesa em lei.
Observe-se que a incapacidade absoluta atinge menores de 16 anos, pessoas que em razão de enfermidades possam estar privadas de seu discernimento e da possibilidade de exprimirem sua vontade.. A incapacidade relativa é própria aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Atinge também os doentes, ébrios, viciados, pessoas excepcio- nais sem desenvolvimento mental e pródigos.
As pessoas jurídicas, por sua vez, são representadas na forma de seus atos constitutivos.
A classificação de contratos, que ora se propõe, está lastreada em grande parte na Professora Maria Helena Diniz (2006, p. 112).
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d) Quanto ao objeto
e) Quanto ao tempo de execução
f) Quanto à pessoa do contratante
g) Quanto ao gênero
Os contratos podem também ser celebrados por meio da utilização de tecnologia, inclusive na formação da vontade e na aceitação. Con- tratos eletrônicos possuem o mesmo grau de validade e de observância que os contratos realizados em outras plataformas. Não se pode deixar de observar ou cumprir um contrato pelo simples fato de o mesmo ter
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sido gerado eletronicamente. No âmbito do gênero de contratos eletrô- nicos, há infinitas espécies, em que as mais comuns são as relacionadas à compra e venda de produtos ou de serviços.
4.2. Contratos reciprocamente considerados
4.3. Rede Conexional de contratos
A classificação jurídica de uma rede de contratos é de relevo para auxiliar na sua interpretação e na colocação do direito aplicável aos fatos.
Uma rede de contratos instrumentaliza um negócio jurídico que na sua base é único, mas multifacetado na forma como se dimensio- nam as partes integrantes, direitos, obrigações, responsabilidades e objetivos. O princípio da autonomia da vontade, confiança e boa-fé gera a aparência única que deve ter este negócio jurídico e a possibi- lidade de que seja corretamente interpretado pelo direito.
A dificuldade interpretatória deste negócio jurídico reside justa- mente na existência de diversos contratos, que muito embora possam ser vistos de maneira estanque e individual, se justapõem uns aos ou- tros em forma sintonizada e cadenciada de maneira sofisticada para a obtenção do fim único almejado pelas partes que pode redundar num empreendimento específico ou em qualquer outro tipo de negócio ju- rídico unitário.
A rede conexional de contratos comporta pelo menos dois ti- pos de classificação, uma em relação à forma de sua estruturação e outra com relação ao negócio jurídico em si (SIMÃO FILHO, 2006, p. 67).
Na classificação quanto à forma de estruturação da rede, propo- mos o seguinte:
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a relação, é certo que o direito brasileiro poderá ver o negócio jurídi- co multifacetado como negócio único e assim interpretar os contratos aparentemente autônomos, de forma coletiva de maneira a se presti- giar o seu objeto e real intenção das partes. O problema dessa questão se refere à qualidade do conjunto probatório. Se a operação foi idea- lizada de forma tal que não se consiga comprovar a unidade negocial, a parte interessada na manutenção da ideia de rede conexional de contratos poderá ser prejudicada quando da interpretação do negócio pelo Poder Judiciário.
A classificação com relação ao negócio jurídico específico de rede conexional de contratos apresenta-se da seguinte maneira:
i) Classificação por contrato: neste caso, cada contrato compo- nente da rede será classificado dentro do sistema clássico observando- -se sua consensualidade, unilateralidade ou bilateralidade, gratuidade ou onerosidade, comutatividade ou aleatorialidade, solenidade ou não solenidade, acessoriedade ou principal, instantaneidade ou trato su- cessivo, intuitu personae ou impessoalidade, tipicidade ou atipicidade. Para que realmente se possa entender o negócio jurídico unitário a partir desse sistema classificatório, há que se adicionar à classificação o elemento de união de todos os contratos para se bem interpretar, pois, caso contrário, a interpretação unilateral do contrato classificado poderá gerar distorções sistêmicas com resultados que podem aberrar ao direito e aos princípios sinalagmáticos dos contratos como já men- cionado anteriormente.
ii) Classificação em face do negócio jurídico final: nesta situa- ção, a classificação se fará não tanto em razão dos contratos unitaria- mente entendidos, mas, sim, em razão dos objetivos e dos resultados que este agrupamento de contratos em rede deve gerar ou gerará no futuro. Assim é que, a depender dos objetivos pretendidos e do resul- tado gerado ou a gerar, o direito aplicável será de uma natureza espe- cífica. O interesse na classificação é ressaltar as qualidades de cada contrato conhecendo-se as peculiaridades e efeitos jurídicos. Classifi- cando-se o contrato sabe-se como este se formou, obrigações geradas, vantagens e desvantagens das partes, prestações e contra prestações, requisitos de validade, posição das partes na relação jurídica estabe- lecida, regulação e condições do contrato. A proposta que se faz é observar na classificação do negócio jurídico consubstanciado em rede conexional de contratos principalmente a vontade macro das partes (teoria da base do negócio – Larenz); o resultado esperado e verificado (objeto macro) sintonizando-se estes fatos aos sistemas classificatórios
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clássicos de contratos, após a consolidação interpretativa de todos os contratos que compõem a rede.
Um negócio jurídico formalizado através de rede de contratos pode também ser classificado no âmbito dos contratos colaborativos e dos contratos relacionais porque agregam pessoas jurídicas e/ou físicas para um fim comum de natureza colaboracional, que será o resultante do empreendimento buscado.
5. A interpretação dos contratos
Com o advento da sociedade da informação, que cria por si um ambiente multifacetado e fluídico em que os negócios passam a ser realizados em velocidade sem precedentes e em que se verificam cada vez mais novas possibilidades de negócios e de empreendimen- tos, advindos da própria natureza das infraestruturas informacionais, que possibilitam o tráfego das informações e mídias de diversas natu- rezas, como já mencionado, apresenta-se um desafio ao direito que é justamente composto da busca de um melhor sistema interpretativo destas relações conexas e complexas que vão se formando entre pes- soas físicas e jurídicas e empresas privadas ou públicas, para que as mesmas se perenizem e multipliquem contribuindo para com o cres- cimento do país.
Já neste ponto, é importante observar as afirmações de Ricar- do Lorenzetti acerca da crise dos conceitos advinda das construções contratuais formuladas a partir do sujeito e de seus atributos aliado à autonomia da vontade. Lorenzetti afirma que o negócio jurídico é a expressão da autonomia da vontade identificando-se com o exercício desta autonomia e não com o contrato. Negócio jurídico é gênero que tem como uma espécie o contrato que não mais pode ser visto como fenômeno economicamente neutro. Já assevera esse autor que a aná- lise particularizada no contrato impede, muitas vezes, de perceber a globalidade do “negócio” celebrado (LORENZETTI, 1998, p. 541).
Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113) e os negócios jurídicos benéficos, bem como a renúncia, interpretam-se estritamente, assim como a transação e a fiança (art. 114 - art. 843 - art. 819).
A boa-fé para a interpretação de negócios jurídicos é a objetiva e deve estar presente tanto nas negociações preliminares como na for- mação, execução e extinção do contrato (art. 422).
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O princípio da interpretação do negócio jurídico a partir da boa- -fé e dos usos do lugar da celebração, como estabelecido no art. 113 do Código Civil, deve ser verificado nas redes de contrato, tendo a boa-fé como cláusula geral e o conceito de usos como um conceito de práticas gerais e aceitas do comércio nacional e internacional em que, inclusive, se deve incluir a necessária interpretação dada às cláusulas incoterms que possam estar presentes nos contratos.
Há que se levar em conta as restrições interpretativas para com os negócios jurídicos benéficos e renúncias que são interpretados res- tritivamente; subsistência das manifestações de vontade mesmo que o autor tenha feito reserva mental das mesmas e não queira o que ma- nifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento como prele- ciona o art. 110 do Código Civil e silencia como forma de manifestação da vontade quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária declaração de vontade expressa (art. 111).
Sobre a visão unitarista do negócio jurídico, o Supremo Tribunal Federal com sensibilidade julgou um caso que envolvia um contrato misto com obrigações de diversas naturezas que pode ser traduzido na rede de contratos ora estudada e assim dispôs:
O que caracteriza o contrato misto é a coexistên- cia de obrigações pertinentes a tipos diferentes de contratos, enlaçados pelo caráter unitário da operação econômica cujo resultado eles assegu- ram. Ele se distingue da união de contratos, que se caracteriza pela coexistência, num mesmo ins- trumento, de tais obrigações simplesmente justa- postas, sem o amálgama da unidade econômica aludida. [...] [...] Na hipótese de união de contratos, pode ser anulado ou rescindido um deles, sem prejuízo dos outros; enquanto que, em se tratando de contrato misto, o grau de síntese alcançado torna insepará- veis as partes ou elementos do negócio. [...] Outrossim, cumpre-nos advertir que as regras prin- cipais a serem observadas, em relação ao contrato misto, são estas: a) cada contrato se rege pelas normas de seu tipo; b) mas tais normas deixam de ser incidentes, quan- do se chocarem com o resultado que elas visam assegurar.(STF in RTJ v. 77/884)
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A verificação de um negócio jurídico instrumentalizado por con- tratos conexos em rede deverá se dar através da regência do direito com base na classificação geral do contrato visto do ponto de vista unitário e em sintonia com as características que lhes são próprias no mundo jurídico. Todavia, essa autonomia cederá espaço a outro siste- ma interpretativo caso o resultado que se chegue comprometa o re- sultado pretendido através da rede contratual formada. Nesse ponto, interpreta-se o contrato nos moldes próprios até o limite do que possa ser razoável e, ao demais, aplicam-se outras técnicas interpretativas contratuais que possam dar realce à base do negócio, confiança, função social e boa-fé objetiva.
Não se deve ainda olvidar que em razão da característica cola- boracional da rede de contrato, em que as partes objetivam a con- secução de um propósito comum, aplicar-se-ão os critérios gerais in- terpretativos sempre se levando em conta os propósitos comuns que uniram as partes.
A interpretação de um contrato ou a integração contratual, como menciona Maria Helena Diniz (2006, p. 106), é eivada de dificuldades, pois além de se analisar o texto contratual, deverá ser examinada a in- tenção comum dos contratantes, guiando-se o intérprete por sentimen- tos jurídicos que o impedirão de cair em interpretações alheias à vida.
No caso da interpretação da rede de contratos, esta deve ser de- claratória a início, pois terá como móvel a descoberta da intenção das partes no momento da realização do contrato e poderá se transmutar para uma interpretação construtiva para a boa intelecção do desenvol- vimento da relação contratual até o momento presente, sempre com vistas para o seu resultado final prático ser alcançado.
5. Conclusão
Os desafios impostos pela evolução social e pela multiplicidade de negócios jurídicos, que se colocam num mundo cuja integração das re- des computacionais de internet tem sido cada vez mais presente tanto na criação de redes sociais como no crescimento do comércio eletrôni- co e de propostas de compartilhamento com a geração de novos negó- cios decorrentes de tecnologias disruptivas, que possibilitam a criação de aplicativos específicos por meio dos quais também se realizam ope- rações digitais, levam à constatação de que o contrato, como instituto jurídico, ainda sofrerá maiores aprimoramentos e se distanciará do mo-
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