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seqüências de perguntas e respostas em uma audiência de ..., Notas de estudo de Construção

Neste artigo, investigaremos seqüências de perguntas e respostas iniciadas por mediadores em uma audiência de conciliação do Procon – instância de defesa do.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Amazonas
Amazonas 🇧🇷

4.4

(80)

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SEQÜÊNCIAS DE PERGUNTAS E RESPOSTAS EM UMA AUDIÊNCIA DE
CONCILIAÇÃO DO PROCON
Eliana dos Santos Rangel.1
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o trabalho de mediação exercido no Procon, focalizando a
atenção em uma das ferramentas usadas pelos mediadores para conduzir o pleito – as perguntas. Para a análise
dos dados, adotamos como referencial teórico os pressupostos da Análise da Conversa Etnometodológica. A
pesquisa é de natureza qualitativa, interpretativista. Assume, portanto, uma visão êmica para a construção do
significado. Foi selecionada e analisada uma seqüência de perguntas e respostas. As perguntas, dentro desse
cenário, conforme a análise de dados revelou, serviram principalmente para solicitar informações e solicitar
narrativa, com o objetivo de reconstituir os fatos. O trabalho mostra evidências de como o uso das perguntas
influencia na condução da audiência de conciliação.
Perguntas e respostas são um tipo de estrutura conversacional muito produtivo em
vários cenários institucionais – entrevistas, interação em sala de aula, interrogatórios, serviços
prestados por telefone. Neste artigo, investigaremos seqüências de perguntas e respostas
iniciadas por mediadores em uma audiência de conciliação do Procon – instância de defesa do
consumidor. Este é um órgão que se destina à defesa dos interesses e direitos dos
consumidores, mediante o acompanhamento e fiscalização das relações comerciais ocorridas
entre fornecedores (produtores, comerciantes e prestadores de serviços) de um lado, e
consumidores de outro lado. Além de fiscalizar, o Procon também protege, orienta e educa
toda relação de consumo, com a intenção de garantir relações comerciais saudáveis e que não
gerem riscos para os consumidores.
Este estudo nos permitirá observar as ações realizadas por meio das perguntas e os
sentidos atribuídos a elas. Embora nosso foco seja o estudo das perguntas, por privilegiarmos
o caráter interativo e seqüencial do fenômeno da mediação, não analisaremos os turnos de
perguntas de forma isolada, mas sim dentro de uma seqüência, o que implica considerarmos
também as respostas, que podem modificar os sentidos atribuídos a uma pergunta. Certamente
o que é dito durante o processo interacional serve de base para as perguntas feitas pelo
mediador. Qualquer elocução produzida na fala-em-interação será localmente interpretada
pelos participantes daquela interação. O próximo turno mostrará se os participantes tratam a
elocução do mesmo modo que a interpretação do analista (cf. PERÄKYLÄ, 1997).
1) Referencial teórico e metodologia
Para analisarmos nossos dados, adotaremos como referencial teórico os pressupostos da
1 Orientador: Prof. Dr. Paulo Cortes Gago
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S EQÜÊNCIAS DE PERGUNTAS E RESPOSTAS EM UMA AUDIÊNCIA DE

CONCILIAÇÃO DO P ROCON

Eliana dos Santos Rangel.^1

Resumo : O presente artigo tem por objetivo analisar o trabalho de mediação exercido no Procon, focalizando a atenção em uma das ferramentas usadas pelos mediadores para conduzir o pleito – as perguntas. Para a análise dos dados, adotamos como referencial teórico os pressupostos da Análise da Conversa Etnometodológica. A pesquisa é de natureza qualitativa, interpretativista. Assume, portanto, uma visão êmica para a construção do significado. Foi selecionada e analisada uma seqüência de perguntas e respostas. As perguntas, dentro desse cenário, conforme a análise de dados revelou, serviram principalmente para solicitar informações e solicitar narrativa, com o objetivo de reconstituir os fatos. O trabalho mostra evidências de como o uso das perguntas influencia na condução da audiência de conciliação.

Perguntas e respostas são um tipo de estrutura conversacional muito produtivo em vários cenários institucionais – entrevistas, interação em sala de aula, interrogatórios, serviços prestados por telefone. Neste artigo, investigaremos seqüências de perguntas e respostas iniciadas por mediadores em uma audiência de conciliação do Procon – instância de defesa do consumidor. Este é um órgão que se destina à defesa dos interesses e direitos dos consumidores, mediante o acompanhamento e fiscalização das relações comerciais ocorridas entre fornecedores (produtores, comerciantes e prestadores de serviços) de um lado, e consumidores de outro lado. Além de fiscalizar, o Procon também protege, orienta e educa toda relação de consumo, com a intenção de garantir relações comerciais saudáveis e que não gerem riscos para os consumidores.

Este estudo nos permitirá observar as ações realizadas por meio das perguntas e os sentidos atribuídos a elas. Embora nosso foco seja o estudo das perguntas , por privilegiarmos o caráter interativo e seqüencial do fenômeno da mediação, não analisaremos os turnos de perguntas de forma isolada, mas sim dentro de uma seqüência, o que implica considerarmos também as respostas, que podem modificar os sentidos atribuídos a uma pergunta. Certamente o que é dito durante o processo interacional serve de base para as perguntas feitas pelo mediador. Qualquer elocução produzida na fala-em-interação será localmente interpretada pelos participantes daquela interação. O próximo turno mostrará se os participantes tratam a elocução do mesmo modo que a interpretação do analista (cf. PERÄKYLÄ, 1997).

1) Referencial teórico e metodologia

Para analisarmos nossos dados, adotaremos como referencial teórico os pressupostos da

(^1) Orientador: Prof. Dr. Paulo Cortes Gago

Análise da Conversa de base Etnometodológica. A pesquisa é de natureza qualitativa, interpretativista. Assume uma visão êmica para a construção do significado, tão próximo quanto possível da perspectiva dos participantes. O critério do significado local e imediato das ações, como definidos do ponto de vista dos atores, é crucial para o tipo de pesquisa que nos propomos a fazer (ERIKSON, 1990). O método interpretativista não permite ignorar a visão dos participantes do mundo social.

Em nossa análise identificaremos as perguntas com base na noção desenvolvida pela Análise da Conversa Etnometodológica de pares adjacentes. Os pares adjacentes apresentam fortes restrições. Uma primeira parte do par (PPP) torna relevante uma ação particular, ou restringe um conjunto de ações, para serem feitas a seguir. Por exemplo, se uma pergunta é feita numa primeira parte do par é necessário que uma resposta seja dada na segunda parte do par (SSP). Dessa forma, devemos levar em conta o ambiente seqüencial em que se encontra a pergunta, para que a classifiquemos como tal. Schegloff (1984), em On some questions and ambiguities in conversation , mostra que uma elocução não ocorre de forma isolada, mas dentro de algum lugar seqüencial. Portanto, é somente por meio do que é dito antes e depois que poderemos considerar determinada elocução como sendo pergunta ou não. Neste artigo, trabalharemos com dados reais de fala, extraídos de uma audiência de conciliação do PROCON, intitulada Audiência de Conciliação Yellowcard.

2 ) Análise de dados

Nossos dados são extraídos de uma audiência de conciliação, realizada pelo PROCON (instância de defesa do consumidor), em dezembro de 2004, gravada em áudio, em uma cidade de Minas Gerais. O caso refere-se a um seguro oferecido à dona Sara, pela Yellowcard. A reclamante afirma que quando celebrou o contrato já estava encostada temporariamente pelo INSS e que a funcionária da empresa explicou que o seguro cobria esse período. Dona Sara está acompanhada de seu esposo, senhor Mateus, que participa ativamente durante o processo da conciliação. Além da mediadora, Dra. Angélica, está presente também a advogada representante da corretora, Dra. Kelly, cuja participação é bem pouco ratificada pela mediadora. Este artigo analisará apenas uma seqüência dessa audiência, que está inserida na parte inicial da interação, e pode ser denominada como fase do relato.^2 Nessa parte da mediação, o

(^2) A audiência de conciliação pode apresentar três fases: a do relato, a da negociação e a fase da resolução. Essas fases podem ser sobrepostas.

do reclamado. A seguir a mediadora formula uma pergunta do tipo sim/não^5 - a senhora foi informada que a senhora teria direito a esse card? - (linhas 4-6). Com essa questão, Angélica realiza duas ações.^6 Primeira, explica o que pode ser entendido por vício de informação. A expressão >> quer dizer<< , linha 4, é bastante significativa, porque introduz uma explicação do que foi dito imediatamente antes. Embora a pergunta feita pela mediadora seja do tipo sim/não a segunda ação mais evidente realizada por essa unidade de construção de turno é solicitar que a reclamante dê continuidade à narrativa.^7 Outro aspecto notável nesta pergunta é o fato de a mediadora optar pela voz passiva quando enuncia “a senhora foi informada”. Ao utilizar esta forma, Angélica modaliza sua fala, e diminui a responsabilidade da consumidora por deixar implícito na pergunta que dona Sara é quem foi procurada, assim, ela não é agente do que aconteceu. É paciente de uma informação que a mediadora evita afirmar categoricamente que foi um vício de informação ou má fé por parte do reclamado. A resposta dada pela reclamante indica que ela entendeu a solicitação feita pela mediadora. Não há uma resposta mínima (apenas sim ou não). A reclamante prossegue relatando e dando detalhes de como foi convencida a fazer o seguro.

A próxima pergunta da mediadora emerge do que foi dito por Sara enquanto narrava sua história. A reclamante enfatizou que quer seus direitos que foram prometidos por telefone

- “foi prometido por telefone.” (linhas 18 e 19). Daí a pergunta: [quem foi que

ligou?. (linha 21). Com esta pergunta, do tipo qu-^8 , a mediadora tenta esclarecer quem pode ter dado a informação à dona Sara. A resposta a esta pergunta poderia apontar quem, mais especificamente, foi responsável pela informação concedida à reclamante. Diante da resposta, que revela insatisfação ( AH, agora ninguém sabe. – linha 22), a mediadora faz outra pergunta de modo bastante incisivo - mas a senhora lembra?. (linha 23). Esta pergunta do tipo sim/não faz recair uma pesada responsabilidade sobre a reclamante. Visto que ninguém sabe, ela deveria saber. Tal responsabilidade é sentida por Sara. Sua resposta não é a preferida e ela utiliza uma voz mais baixa - ºeu num lembro. º (linha 24).

(^5) Pergunta que admite como resposta sim ou não. (^6) Alguns tipos de primeira parte do par podem ter função dupla: podem ter sua própria função ou serem veículos para outras ações. (Schegloff, 1995) (^7) Usamos a expressão “dar continuidade à narrativa” com base no primeiro turno gravado dessa mediação. Conforme dissemos na nota anterior, a parte inicial da audiência não foi gravada. A fita já começa com o relato de dona Sara. Na linha 2, ela utiliza a conjunção “então”, que indica conclusão da narrativa. Tal conclusão não é aceita pela mediadora, que torna a narrativa aberta por meio de uma pergunta. (^8) Pergunta formada por um dos operadores interrogativos (quem?, o quê?, quando?, onde?, por quê?).

A última pergunta dentro desta primeira seqüência selecionada, também do tipo qu-, é uma continuação sintática da pergunta anterior - [quem poderia ter ligado. (linha 25). Podemos observar que a escolha lexical nesta unidade de construção de turno é bastante significativa. O uso do futuro do pretérito em lugar do pretérito perfeito revela uma maior polidez no modo de perguntar, e deixa margem para uma possível resposta negativa. Diante da resposta da reclamante e da necessidade de esclarecimento dos fatos, a mediadora insiste no conteúdo da pergunta, para que pelo menos uma hipótese seja levantada. O uso deste tempo verbal também se justifica devido à pergunta anterior, feita de modo bastante direto e forte, visto que imputou uma responsabilidade maior à reclamante.

Essa pergunta do tipo qu- possibilitou uma resposta ampla que se estende das linhas 26 a 30. Dona Sara, a reclamante, levanta algo que mencionará durante todo o restante da conciliação: [mas tem gravado, tem gravado na Yellowcard. (0.2) tem gravado na Yellowcard, eu não enganei a ninguém. A reclamante diversas vezes menciona que há uma gravação e que ela não enganou a ninguém. Depois de um silêncio, linha 28, a reclamante se auto-seleciona como próxima falante e rejeita qualquer possibilidade de ser identificada como alguém que enganou (linhas 29 e 30).

O quadro abaixo procura sintetizar as principais formas e funções observadas na análise.

Quadro sintético – fase do relato

Tipos de pergunta Funções Tipos de resposta Avaliação + sim/não (^) • Solicitar continuidade da narrativa.

  • Resposta expandida.

Qu- (^) • Esclarecer informações.

  • Resposta evasiva.
  • Explicações. Sim/não (^) • Pergunta incisiva. • Resposta evasiva.

3) Conclusão

A análise da seqüência acima nos permite chegar a algumas conclusões. As perguntas podem ser consideradas como importantes ferramentas para os mediadores conduzirem a conciliação. Neste artigo não foi possível analisar todas as seqüências de perguntas e respostas contidas na conciliação selecionada. Mas vimos que na fase inicial, as perguntas feitas pela mediadora tiveram um caráter investigativo.

O objetivo principal das perguntas nessa fase foi ajudar a reconstituir os fatos. Embora

Anexo

Convenções para transcrição

Símbolo Significado

. (ponto final) descida de entonação. ? (ponto de interrogação) subida de entonação. , (vírgula) entonação contínua.

  • (hífen) auto-interrupção. :: (dois-pontos) alongamento de som. nunca (sublinhado) sílaba ou palavra enfatizada. PALAVRA (maiúsculas) fala em volume alto. º palavra º (sinais de graus) fala em voz baixa.

palavra< (maior que & menor que) fala acelerada. (menor que & maior que) fala desacelerada. [ ] (colchetes) fala sobreposta. = (sinais de igual) contigüidade entre a fala de um mesmo falante ou de dois falantes distintos.

(2.4) (número entre parênteses) pausa em décimos de segundo. (.) (ponto entre parênteses) micropausa de menos de dois décimos de segundo.

As convenções de transcrição acima são basicamente as mesmas desenvolvidas por SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON (1974). Para uma explicação mais detalhada, recomendamos ATKINSON e HERITAGE (1984, p. ix-xvi) Uma discussão sobre alguns aspectos de transcrição pode ser vista em GAGO (2004).