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Guias e Dicas
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Experiência Interdisciplinar: Calor, Temperatura e Adaptação Humana, Notas de estudo de Termodinâmica

Um estudo interdisciplinar sobre os conceitos físicos de calor e temperatura, enfatizando o conceito de sensação térmica. Utiliza-se a experiência com três vasos de água como motivo de discussão. O texto aborda a importância da interdisciplinaridade no ensino, a experiência com as três vasos de água, a teoria de locke sobre as idéias das qualidades secundárias da matéria e as modernas concepções de calor e temperatura.

O que você vai aprender

  • Quais são as principais ideias apresentadas no documento sobre os conceitos de calor e temperatura?
  • Como as sensações térmicas estáticas e dinâmicas se diferenciam?
  • Como as modernas concepções de calor e temperatura se diferenciam umas das outras?
  • De acordo com a teoria de Locke, como as idéias das qualidades secundárias da matéria se formam?
  • Como a experiência com três vasos de água ilustra a importância da interdisciplinaridade no ensino?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Cad. Brás. Ens. Fís., v. 21, n. 1: p. 7
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34, abr. 2004
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SENSAÇÃO TÉRMICA: UMA ABORDAGEM INTERDISCI-
PLINAR+*
Cristiano Mattos
Ana Valéria N. Drumond
1
Departamento de Física e Química
UNESP
Guaratinguetá
São Paulo
Resumo
A necessidade de abordagens que contemplem a transversalidade no trat
a-
mento dos conteúdos de ciências aumenta com a aceitação das orientações
sugeridas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A interdiscipl
i-
naridade passa a ser uma alternativa para a efetivação da transversalidade.
Entretanto, para ser concretizada como ação pedagógica em sala de aula, a
interdisciplinaridade precisa ser sustentada pelo professor, que deve estar
subsidiado por material didático e paradidático adequados. Nesse contexto,
o trabalho apresenta um estudo interdisciplinar sobre os conceitos físicos de
calor e temperatura dentro de um enfoque que ressalta o conceito de sens
a-
ção térmica. Como mote da discussão, é utilizada a conhecida experi
ência
das três bacias, experiência ainda encontrada em diversos livros d
i
dáticos de
ciências no Brasil, mas explorada muito sup
erficialmente.
Palavras
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chave
:Ensino de ciências, interdisciplinaridade, termodinâmica,
adaptação humana, fisiologia da sensação, psicologia da percepção.
Abstract
The need for approaches that take in account transversality on science
concept
s teaching increase with acceptance of National Curricular P
a-
rameters (PCN) orientation. The interdisciplinarity became an alternative
to accomplish of transversality. However to make concrete transversality as
+
Thermal sensation: an interdisciplinary approach
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Recebido: abril de 2003.
Aceito: outubro de 2003.
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Aluna de Inic
iação Científica.
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Cad. Brás. Ens. Fís., v. 21, n. 1: p. 7 - 34, abr. 2004 7

SENSAÇÃO TÉRMICA: UMA ABORDAGEM INTERDISCI-

PLINAR+*

Cristiano Mattos Ana Valéria N. Drumond 1 Departamento de Física e Química UNESP Guaratinguetá São Paulo

Resumo

A necessidade de abordagens que contemplem a transversalidade no trata- mento dos conteúdos de ciências aumenta com a aceitação das orientações sugeridas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A interdiscipli- naridade passa a ser uma alternativa para a efetivação da transversalidade. Entretanto, para ser concretizada como ação pedagógica em sala de aula, a interdisciplinaridade precisa ser sustentada pelo professor, que deve estar subsidiado por material didático e paradidático adequados. Nesse contexto, o trabalho apresenta um estudo interdisciplinar sobre os conceitos físicos de calor e temperatura dentro de um enfoque que ressalta o conceito de sensa- ção térmica. Como mote da discussão, é utilizada a conhecida experiência das três bacias, experiência ainda encontrada em diversos livros d idáticos de ciências no Brasil, mas explorada muito sup erficialmente.

Palavras - chave : Ensino de ciências, interdisciplinaridade, termodinâmica, adaptação humana, fisiologia da sensação, psicologia da percepção.

Abstract

The need for approaches that take in account transversality on science concept s teaching increase with acceptance of National Curricular P a- rameters (PCN) orientation. The interdisciplinarity became an alternative to accomplish of transversality. However to make concrete transversality as

Thermal sensation: an interdisciplinary approach

  • (^) Recebido: abril de 2003.

Aceito: outubro de 2003.

1 Aluna de Inic iação Científica.

8 Mattos, C. e Drummond, A. V. N.

a pedagogical action during classes, interdisciplinarity must be sustained by a teacher that must have support of adequate didactic and parad i- dactic material. In this context, this work presents an interdisciplinary study about physical concepts as heat and temperature, focusing thermal sensation. It is used the well-known experience of the three vessels as a dis- cussion motto. This experience can be found in many didactic science text books in Brazil, although it is rarely explored.

Keywords : Science teaching, interdisciplinarity, thermodynamics, human adaptation, physiology of sensation, psychology of perception.

I. Introdução

Nas últimas décadas a pesquisa científica tem se caracterizado pela colab o- ração, não só de pesquisadores de uma mesma área, mas também de áreas distintas. A interdisciplinaridade, entendida como uma articulação de elementos através de uma axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas, permite definir um nível hierár- quico imediatamente superior; assim, esse sistema interdisciplinar é composto por dois níveis, das disciplinas, que sustentam de forma coordenada um novo nível superior, que pode se caracterizar como uma nova disciplina ou novos ramos de pesquisa. A maioria dessas novas disciplinas tem dado ênfase a objetos cuja análise tradicional men te limita- se a áreas específicas do conhecimento, como a física, biologia, química, sociologia ou psicologia (FIEDLER- FERRARA; MATTOS, 2002). A caracterização de universalidades em diversos objetos de estudo, antes disciplinares, permite a coordenação de novas disciplinas, como a sinergética (HAKEN 1978, 1989), as redes neurais (HERTZ et al., 1991), a psicologia evolucionis- ta (BARKOW, 1992) e a ciência cognitiva (GARDNER, 1985). Essas novas discipl i- nas, caracterizadas como níveis superiores de um sistema interdisciplinar, tornaram-se campos autônomos que, em alguns casos, se tornam núcleos disciplinares institucio- nalmente aceitos dentro das universidades ou dos departamentos das disciplinas que as suportam, constituindo um novo e institucionalizado ramo do saber (JAPIASSU, 1978; MATTOS, 1991). Novos objetos são criados a partir de novos olhares dados sobre fenômenos conhecidos. Um exemplo bem sucedido é o desenvolvimento da Físi- ca do aprendizado em redes neurais, cuja teoria baseia-se na Mecânica Estatística dos vidros de spin (HERTZ et al., 1991; OPPER; KINZEL, 1996; MATTOS, 2000). Faz -se necessário acompanhar essas tendências, atualizando a formação de professores de física, química e biologia, assim como do ensino de Ciências. Essa tarefa esbarra em muitas dificuldades. Talvez uma das principais seja o número limitado de exemplos de problemas interdisciplinares, suficientemente simples e solúveis, que ilu s- trem a capacidade de explicação da linguagem que os trata (MATTOS; HAMBURGER, 1998; MA TTOS, 2000).

10 Mattos, C. e Drummond, A. V. N.

preensão mais ampla do sentido de sua inclusão como conteúdo de ciências. A ausência de contextualização, muitas vezes, acaba não só por tornar a compreensão impossível, mas também por facilitar o aprendizado de concepções epistemológicas equivocadas sobre a produção da ciência (MATTOS; GASPAR, 2002). Além disso, pretende mos subsidiar os professores que desejam incrementar e contextualizar a experiência das três bacias. Nesta experiência se propõe que um indivíduo mergulhe suas mãos em um recipiente contendo água à temperatura da pele (aproximadamente 32ºC) para avaliar se a água está quente ou fria. A sensação térmica provocada com esse contato levará o indivíduo a concluir que a água está morna. Logo em seguida, o indivíduo é orientado a colocar a mão direita em outro recipiente com água à temperatura de 29ºC, aproxima- damente, e a mão esquerda em um terceiro recipiente com água a cerca de 35ºC. A se n sação térmica provocada com esses contatos levará o indivíduo a concluir que a mão direita foi mergulhada em água fria e a mão esquerda em água quente. Depois de deixar , por algum tempo, as mãos mergulhadas em cada uma dessas bacias, o indivíduo é solicitado a mergulhá-las novamente na primeira bacia, isto é, na que contém água a 32ºC. Surpreso, o indivíduo perceberá sensações térmicas diferentes: a mão direita in forma que a água está quente , mas a esquerda informa que esta mesma água está fria. A experiência encerra-se com a conclusão de que o tato não se presta a me- dir temperaturas com precisão. A partir deste ponto, o assunto passa a ser, quando mui- to, termômet ros e escalas de temperatura. Simplesmente aceitar a conclusão apresentada sem discutir os fenômenos que ocorrem, os quais têm diversos níveis e naturezas, é ignorar a riqueza de conhec i- mentos subjacentes à experiência. Usando a noção de complexidade e pan disciplinar i- dade (FIEDLER-FERRARA; MATTOS, 2002), pretendemos estabelecer alguns níveis de análise e exposição do objeto interdisciplinar. A articulação dos sentidos em uma única linguagem representa um possível recobrimento epistemológico, que pode se con stituir em um material de subsídio ao professor na implementação da transversalid a- de em sala de aula.

II. Locke e a experiência das três bacias

Em sua teoria do conhecimento, Locke combateu as idéias racionalistas d i- fundidas por Descartes. Em essência, negou a existência de idéias inatas na mente do homem. Para Locke, a mente humana era como uma tábula rasa, impressionada pelos sentidos durante as experiências vividas. Segundo ele, o homem não nasce com quai s- quer idéias como a de extensão ou de perfei ção , entre outras, conforme pretendia Descartes. Em seu Ensaio sobre o entendimento humano, afirmou que:

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Somente são imagináveis as qualidades que afetam aos sentidos ... E se a humanidade houvesse sido dotada de tão - somente quatro se n- tidos, então as qualidades que são o objeto do quinto sentido estari- am tão afastadas do nosso entendimento, de nossa imaginação e de nossa concepção, como podem estar agora as que poderiam perten- cer a um sexto, sétimo ou oitavo sentidos...2 (LOCKE, 1640, II, 2, § 3).

To das as idéias vêm ou da experiência de sensação ou da experiência de re- flexão. Sobre as idéias de sensação, Locke afirmou:

Em primeiro lugar, nossos sentidos, que contatam objetos sensíveis particulares, transmitem respectivas e distintas percepções de co isas à mente, segundo os variados modos em que esses objetos os a fetam. E é assim como chegamos a possuir essas idéias que temos do ama- relo, do branco, do calor, do frio, do macio, do duro, do amargo, do doce e de todas aquelas que chamamos qualidades sensíveis ... Es- ta grande fonte da maioria das idéias que temos, depende inteira- mente dos nossos sentidos, e delas são originadas o entendimento, a isto chamo SENSAÇÃO.3 (Id., 1640, II, 1, § 3)

A sofisticação do modelo epistemológico de Locke incluiu a explicação de um mecanismo de geração das idéias de sensação:

E como a extensão, a forma, o número e o movimento de corpos de grandeza observável podem perceber - se à distância por meio da vi s- ta, é evidente que alguns corpos individualmente imperceptíveis d e- ve m vir deles aos olhos, e desse modo comunicam ao cérebro algum

2 Only the qualities that affect the senses are imaginable ... And had mankind been made but with four senses, the qualities then which are the objects of the fifth sense had been as far from our notice, imagination, and conception, as now any belonging to a sixth, seventh, or eighth sense... (LOCKE, 1640, II, 2, § 3) 3 First, our Senses, conversant about particular sensible objects, do convey into the mind several distinct perceptions of things, according to those various ways wherein those objects do affect them. And thus we come by those ideas we have of yellow, white, heat, cold, soft, hard, bitter, sweet, and all those which we call sensible qualities ... This great source of most of the ideas we have, depending wholly upon our senses, and derived by them to the understanding, I call SENS ATION. (Id., 1640, II, 1, § 3)

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Idéias de qualidades secundárias

Não correspondem a nada nos próprios objetos, mas sim a capacidades que os objetos têm de produzir indiretamente em nós diversas sensações. É o caso de cores, sons, gostos, cheiros, etc. Para Locke, partículas imperceptíveis atuam sobre nossos sentidos, produzindo idéias das qualidades secundárias. As qualidades secundárias dependem das primárias. Pode- se entender que gostos, sons e demais qualidades sens í- veis semelhantes, às quais é atribuída, de modo equivocado, uma realidade, não são nada além dos poderes dos corpos de produzir em nós sensações diversas.

... tais qualidades, em verdade, não são nada nos próprios objetos, mas o poder de produzir, em nós, várias sensações pelas qualidades primárias, isto é, pelo seu tamanho, figura, textura e movimento de suas partes insensíveis, como cor, sons, gostos etc. Estas eu chamo qualidades secundárias. 7 (Id., 1640, II, 8, § 10)

Em suma, pode-se dizer que as idéias das qualidades primárias são seme- lhanças com algo que está nos corpos, como a forma: a imagem mental de um triângu lo possui três lados e três ângulos. Já as qualidades secundárias não estão nos corpo s. Nada neles assemelha-se às idéias das qualidades secundárias que existem apenas na mente do homem. Embora nos corpos haja somente qualidades primárias, elas podem, por variação de volume, forma e movimento de suas partes imperceptíveis, produzir sensaçõ es secundárias, como a idéia de doce, azul e quente. A idéia que experimenta- mos de nossa própria reação admite a existência de uma relação causal, sem qualquer relação de s emelhança. Com base nessas noções, Locke propôs-se a explicar o aparente paradoxo da experiência das três bacias. Ao retirar as mãos de bacias com água a diferentes te m- peraturas e colocá-las em uma terceira bacia com água à temperatura ambiente, diferen- tes sensações de temperatura são sentidas em cada uma das mãos, apesar de estarem mergu lhadas na mesma água. Assim, as propriedades sensoriais de quente e frio não são propriedades objetivas dos objetos, ou a água da terceira bacia deveria estar quente e fria ao mesmo tempo. Locke resolve esse impasse com a noção das idéias das qualid ade s secundárias da matéria.

(...) divide it again, and it retains still the same qualities; and so div ide it on, till the parts b ecome insensible; they must retain still each of them all those qual i ties. (Id., 1640, II, 8, § 9) 7 ... such qualities which in truth are nothing in the objects themselves but power to pro- duce various sensations in us by their primary qualities, i.e. by the bulk, figure, texture, and mo- tion of their insensible parts, as colours, sounds, tastes, &c. These I call secondary qualities. (Id., 1640, II, 8, § 10)

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Locke atribui às qualidades dos objetos o fato de produzirem sensações nos indivíduos. Por exemplo, a sensação térmica é conseqüência do movimento das partícu- las, embora não haja nada na sensação de calor que se assemelhe a isso. Afirma:

Explicação de como sentimos a água fria em uma mão e aquecida com a outra: Sendo então as idéias distinguidas e compreendidas, poderemos ter condições de dar conta de como a mesma água, ao mesmo tempo, pode produzir a idéia de frio por uma mão e calor pela outra: considerando que isso é impossível, se realmente essas idéias estivessem nela, que a mesma água pudesse estar ao mesmo tempo quente e fria. Se nós imaginamos calor, como o é em nossas mãos, nada mais que um certo tipo e grau de movimento das dimi- nutas partículas de nossos nervos ou espírito animal, poderemos en- tender como é possível que a mesma água, ao mesmo tempo, prod u- za as sensações de calor em uma mão e frio na outra; sensação, co ntudo, que uma figura nunca permite, pois nunca produz a idéia de um quadrado em uma mão e a idéia de uma esfera na outra. En- tretanto, se a sensação de calor e frio nada mais é do que o aumento ou diminuição do movimento das diminutas partes de no s sos corpos, causadas pelos corpúsculos de qualquer outro corpo, é fácil enten- der que aquele movimento é maior em uma mão que na outra. Se um corpo interage com as duas mãos, o qual tem suas diminutas partí- culas um movimento maior que as de uma das mãos, e menor do que as da outra, aumentará o movimento das partículas de uma das mãos e diminuirá as da outra; assim causa diferentes sensações, de calor e frio que dependem deles movimento .8 (Id., 1640, II, 8, § 21)

8 Explains how water felt as cold by one hand may be warm to the other. Ideas being thus distinguished and understood, we may be able to give an account how the same water, at the same time, may produce the idea of cold by one hand and of heat by the other: whereas it is i m- possible that the same water, if those ideas were really in it, should at the same time be both hot and cold. For, if we imagine warmth, as it is in our hands, to be nothing but a certain sort and degree of motion in the minute particles of our nerves or animal spirits, we may understand how it is possible that the same water may, at the same time, produce the sensations of heat in one hand and cold in the other; which yet figure never does, that never producing- the idea of a square by one hand which has produced the idea of a globe by another. But if the sensation of heat and cold be nothing but the increase or diminution of the motion of the minute parts of our bodies, caused by the corpuscles of any other body, it is easy to be understood, that if that motion be greater in one hand than in the other; if a body be applied to the two hands, which has in its minute particles a greater motion than in those of one of the hands, and a less than in those of the other, it will increase the motion of the one hand and lessen it in the other; and so cause the different sensations of heat and cold ...that depend thereon. (Id., 1640, II, 8, § 21)

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Do ponto de vista de uma abordagem complexista, a estrutura dos objetos estudados pode ser expressa pelos diversos níveis de interação entre suas partes, que se relacionam hierarquicamente, sob a regência de diversas lógicas, inclusive as recursivas e auto-organizadoras, que na maioria das vezes não permitem uma expressão de sua totalidade. Por isso, é necessário realizar um recorte criterioso e responsável na co m- plexidade do objeto para que se possa eventualmente colocá-lo como objeto de ensino- aprendizado (FIEDLER - FERRARA; MATTOS, 2002). Por exemplo, poderíamos partir de um critério ontológico da matéria, dis- ti nto do usado na termodinâmica clássica, tomando como um recorte possível a análise da estrutura atômica da matéria (FIEDLER-FERRARA; MATTOS, 2002); em outras pal avras, usando o modelo atômico da matéria. Nesse contexto, leva-se em conta que um sistema macroscópico nada mais é do que um conjunto de átomos, com seus n úcleos e eletrosferas interagentes. A mão, desse ponto de vista, pode ser entendida como um corpo macroscópico constituído por uma enormidade de camadas atô micas inter agentes. Igualmente, poderíamos tomar como critério um modelo fisiológico do tecido vivo, em que as mãos seriam formadas por diferentes tipos de células, distribuídas em várias camadas de diferentes tecidos em contínua troca energética entre ela s. Da mesma forma, é necessário realizar um recorte na complexidade dos processos de troca energética. Por exemplo, usualmente são considerados três os pr o- cessos de transmissão de calor entre corpos: condução, convecção e radiação. Essa primeira associação entre esses processos, muito comum em livros didáticos do ensino fundame ntal e médio (SANTOS; MATTOS, 2003), induz estudantes e professores a tomá -los como processos de mesma natureza, apesar de terem natureza epistemológica distinta. Os dois primeiros, condução e convecção, pertencem, enquanto categoria ex- plicativa, à termodinâmica clássica e estatística, mais precisamente ao modelo cinético molecular, enquanto o último processo, radiação, pertence ao campo da física moderna, ou, mais precisamente, ao ele tromagnetismo clássico e, posteriormente, ainda com outro status epistemológico, à mecânica quântica. Neste trabalho, o recorte utilizado é o do modelo cinético molecular, que do ponto de vista do ensino de física é vantajoso para realçar a diferenciação entre os co n- ceitos de calor e temperatura (AGUIAR JR., 1999; AGUIAR JR.; FILOCRE, 2002). Tomamos a temperatura como sendo uma grandeza escalar diretamente relacionada com a energia interna do corpo e definimos calor, por sua vez, como a energia transf e- rida entre sistemas moleculares. Aqui, pretendemos ressaltar, da definição de calor, o aspecto de que a energia é transferida quando há diferença de potencial térmico entre os sistemas, que tendem a entrar em equilíbrio térmico (CALLEN, 1960).

V. Termotransfe rência

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A condução térmica pode ser considerada como a transferência de energia térmica entre dois corpos quando estão em contato. Para que ocorra essa transferência de energia deve haver uma diferença de potencial térmico, ou seja, os corpos devem estar em diferentes temperaturas. Segundo o modelo cinético molecular, os átomos do corpo mais quente encontram-se mais agitados em relação aos átomos do outro corpo mais frio , apresentando maior amplitude de vibração, velocidade de translação e rotação. No caso de sólidos, pelo modelo, seus constituintes apenas vibram em torno de uma posição de equilíbrio. Essa vibração é transferida de átomo para átomo por meio das forças interatômicas, de tal forma que o contato entre os átomos da superfície mais quent e e os átomos da superfície mais fria faz com que a vibração seja tran s- ferida para os átomos do corpo com menor temperatura. Assim, aumentando a vibra- ção dos átomos, aumenta-se também a temperatura, até que se atinja o equilíbrio térmi- co, ou seja, a distribuição de velocidades das partículas finalmente chega a um estado final. A convecção, do ponto de vista do modelo cinético molecular, ocorre quan- do um fluido a uma determinada temperatura entra em contato com outro sistema cuja temperatura é diferente da sua. Supondo o sistema a uma temperatura superior, a parte do fluido que está diretamente em contato com ele tem, por condução, sua temperatura elevada mais rapidamente do que as camadas mais distantes. Dessa forma, a velocidade média das moléculas dessa camada cresce, aumentando também suas amplitudes de vibração. Decorre, daí, a dilatação da camada, tornando-se, em conseqüência, menos densa que as camadas que se encontram mais afastadas. Assim, ocorre uma troca de posições entre partes do fluido, formando um fluxo de matéria denominado circulação convectiva. Exemplo típico, normalmente usado em livros didáticos, é o da circula ção convectiva em uma geladeira. O ar que se encontra na parte superior da geladeira entra em contato com o refrigerador, cuja t emperatura é mais baixa do que a sua. Essa porção de ar resfria-se, ou seja, as vibrações moleculares da camada de contado com o refrig e- rador diminuem, assim como o volume de cada camada, tornando-se mais densa e, em seguida, trocando de lugar com as camad as inferiores que estão com maior te mperatura. Cria -se, assim, uma circulação convectiva do ar, no interior do aparelho, em que a po rção do gás menos densa tende a subir para as camadas superiores. Esse fenômeno é complexo e essa forma de expressá - lo é ape nas um recorte na sua complexid ade.

O terceiro tipo de transferência de calor, a radiação, pode ser entendido como o processo de termotransferência a partir da propagação de energia por meio de ondas eletromagnéticas. Esse modelo de transmissão não pertence à termodinâmica clássica ou à estatística, em particular à teoria cinético molecular, mas sim à teoria ele- tromagnética. Todos os corpos emitem e recebem radiação eletromagnética continu a- mente, estabelecendo, assim, uma contínua transferência de energia, que agora pode ser entendida como troca de energia com os outros corpos que estão ao redor, independen- temente da diferença de temperatura.

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supe rfície, dificultando um escoamento laminar do fluido que cerca a mão, além de ampliar a superfície de contato entre os dois meios, favorecendo a condução térmica (MIJEEVA; MIJEEV, 1979). Dessa forma, podemos continuar a usar o modelo cinético molecular para descrever os fenômenos térmicos nesse modo de transmissão. Quando se coloca a mão na bacia com água a uma temperatura superior à corporal, as moléculas mais agitadas da água cedem energia às moléculas constituintes do tecido epitelial das mãos. Por causa da estratificação do tecido epitelial, ou seja, devido ao fato do epitélio ser formado por várias camadas (queratina, epitélio superfici- al, epitélio basal e tecido conjuntivo) (GUYTON, 1999), considera-se que a transferê n- cia da energia da água para as mãos, ou vice-versa, ocorra como a de uma placa co m- posta. Geralmente, diferentes partes de um corpo encontram- se em dif erentes te m- peraturas. Sendo assim, sua temperatura é função de um conjunto de variáveis, T = f (x, y, t). No caso da mão humana, x representa a espessura da pele, y a quantidade de pêlos na área considerada e t o tempo de contato (MIJEEVA; MIJEEV, 1979). Dos diversos modelos adotados para se calcular a temperatura média da pele humana, o mais usado é o definido pela fórmula de Hardy- Dubois modificada :

TP = 0,07(Ttesta + Tpé) + 0,05Tmão + 0,14Tantebraço + 0,35(Tpeito + Tcostas) + 0,19Tcoxa + 0,13Tcane la

O conjunto de valores de temperatura para todos os pontos de um corpo é chamado de campo de temperatura (BLAZEJCZYK et al., 1993). Quando o campo de temperatura independe do tempo é denominado de estacionário, caso contrário, é cha- mado de não- estacioná rio. O campo de temperatura pode ser uni, bi ou tridimensional, dependendo da quantidade de variáveis que determinam as temperaturas das várias pa rtes do corpo. Porém, qualquer que seja o campo de temperatura, o corpo sempre apr esentará conjuntos de pontos de mesma temperatura, chamadas de regiões isotérmi- cas (MIJEEVA; MIJEEV, 1979). Por último, o coeficiente de condutibilidade térmica (k) é uma característica própria de cada material e representa a sua capacidade de con- duzir ou não calor. De maneira geral, esse coeficiente depende da estrutura, densidade, umidade, pressão e temperatura de cada substância. Quanto maior o valor do coeficiente térmico de um corpo, maior será sua capacidade de conduzir calor. Usando o modelo da pele humana como uma placa composta, pode-se atr i- buir a cada uma de suas camadas um coeficiente de condutibilidade térmica kC. Em um modelo simplificado, podemos assumir que o estado da pele é estacionário, ou seja, a temperatura em qualquer parte da área epitelial é considerada constante, e que a taxa de transferência de calor estabelecida não varia com o decorrer do tempo. Dessa forma

os demais, secundários. Os processos tomados como secundários contribuem apenas para o estu do qua n titativo do fenômeno principal [MIJEEVA; MIJEEV, 1979].

20 Mattos, C. e Drummond, A. V. N.

chega -se a uma equação que descreve a taxa de transmissão aproximada de calor Q na superfície da pele. A taxa de transmissão de calor Q, em uma área A, entre uma camada de es-

pessura que separa duas regiões às temperaturas TA e TIC (TA TIC), é representada por:

Q k A TA^ T^ IC

A pele em contato com a água fria funciona como um reservatório de calor à temperatura TA. Internamente, a pele sofre influência de outra fonte de calor, o metabolismo do corpo, que sustenta a temperatura interna do corpo TIC. Inicialmente, no modelo podem-se considerar apenas duas camadas de pele

entre os dois reservatórios. Considerando as camadas com espessura 1 e 2 e coefic i- en tes de condutibilidade térmica k1 e k2, obtém-se a equação:

1

1 2

Q k^2 A TA^ TP k A TP TIC

na qual Tp é a temperatura da interface entre as duas camadas de pele. A energia térmica transferida entre as camadas pode ser representada cons i- derando apenas as temperaturas dos reservatórios térmicos, o u seja:

1

1 2

2

k k

A T T

Q A IC

A variável /k = R é o valor da resistência à condução térmica, isto é, a c a- racterística de um material que representa a dificuldade que o mesmo apresenta à passa- gem de calor. A partir desse modelo, conclui-se também que a taxa de calor transfe rida da água para a pele independe da temperatura da mesma, dependendo apenas da área considerada, da temperatura da água e da temperatura interna do corpo, além de ser inversamente proporcional ao somatório das resistências térmicas das camadas epitel i- ais 10.

10 Esse modelo é de fácil generalização para um número N qualquer de camadas:

22 Mattos, C. e Drummond, A. V. N.

inicial, os receptores desencadeiam uma resposta neurológica intensa. Porém, passado um certo tempo, o estímulo contínuo a uma mesma temperatura faz com que os recept o- res emitam descargas contínuas e de mesma freqüência. Isto significa que houve uma adaptação à nova temperatura, que passou a ser considerada como a temperatura cutâ- nea das mãos (GUYTON, 1999). Esse tipo de adaptação térmica ocorre quando a pele está exposta a um estímulo quente ou frio constante e demorado; o grande período de excitação dos termoreceptores causa a sua saturação e as mensagens neurológicas não são mais transmitidas para o sistema nervoso central, pois não há condução de estímulos nervosos (WOLSK, 1977). É importante ressaltar que as impressões sensoriais dependem do contexto, ou seja, a resposta a um certo estímulo pode tornar-se mais ou menos intensa, depen- dendo do ânimo, local, adaptação e cultura do indivíduo, o que torna a complexa ques- tão filosófica da percepção e da cognição ainda mais intere ssante (CLARK, 1994).

VIII. Antropologia, evolução e adaptação

Muitas questões interessantes do estudo interdisciplinar das sensações té r- micas surgem quando são abordados aspectos humanos, evolutivos e culturais. Não há como falar em adaptação humana às pressões ambientais sem pensar em evolução da espécie. Até meados do século XIX, nos meios científicos, a evolução era considerada apenas como uma hipótese interessante. As teorias evolucionistas tomaram grande im- pulso com os trabalhos de Lamarck e Darwin (CANGUILHEN, 1977). Atualmente, sabe -se que o processo de evolução não está ligado apenas à adaptação genotípica da espécie humana. Fatores culturais, psicológicos e comportamentais não podem mais ser descartados (MORAN, 1979). Como exemplo, podemos citar as tribos das regiões árti- cas, que vivem em um ambiente cujas condições são marcadamente distintas daquelas de outras regiões habitadas do planeta (BLAZEJCZYK; KRAWCZYK, 1991). É o caso dos Inuít, que habitam a região norte do Alasca, sobrevivendo em um ambiente cuja faixa de temperatura situa-se bem abaixo da naturalmente suportada pelo resto da pop u- lação humana (MORAN, 1979). Apesar dos Inuít terem aproximadamente 5.000 anos de existência, o fato de viveram em ambiente extremamente frio pode ser considerado um ajustamento fisiológico, no sentido de que o processo pelo qual cada organismo

11 Usaremos daqui por diante as seguintes definições: adaptação : processo pelo qual populações de organismos respondem a uma pressão ambiental de longa duração por meio de uma mudança genét ica permanente. Populações se adaptam por evolução; ajustamento : processo pelo qual cada organismo individual responde às pressões ambientais durante seu tempo de vida sem alterações genéticas. Ajustamentos são em geral não transmissíveis geneticamente; aclimatação : um tipo de ajustamento no qual as mudanças no corpo de um indivíduo respondem às pressões ambi entais, como altas e baixas temperaturas, intensa radiação ultravioleta solar ou altitudes extremas, de forma que as mudanças anatômicas e fisiológicas são feitas por aclimatação e são usualmente reversíveis (O'NEIL, 2003).

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respo nde às exigências do ambiente se dá em seu período de vida e não produz, neces- saria me nte, alterações genéticas transmissíveis. Tal processo inclui diversas transforma- ções pelas quais os Inuít tiveram que passar durante todo o período de aclimatação ao frio. Para suportar tão baixas temperaturas, seus organismos tiveram que desenvolver mec anismos internos de proteção ao frio como, por exemplo, o aumento de fluxo sa n güíneo periférico (STEIN; ROWE, 1999). Além das diferenças fisiológicas relativas aos indivíduos de regiões mais quentes (tropicais e temperadas), esse povo só conseguiu se perpetuar no tempo devido às alterações em suas vestimentas, alimentação e cultura (MORAN, 1979). Para prote- gerem-se do frio, os Inuít desenvolveram uma vestimenta feita de diversas camadas de pele de foca que funcionam como isolantes térmicos, uma vez que as camadas de ar que se formam entre elas dificultam as trocas de calor com o meio externo (BOUSKILL et al., 2001). Por outro lado, seria inadequado se as vestimentas não possuíssem qualquer tipo de abertura, pois seriam desconfortáveis no verão, quando a temperatura externa se eleva (HAVENITH et al., 1990). Por isso, suas roupas têm diversos respiradouros, abe rturas facilmente fechadas com laços. Os sapatos são confeccionados com o mesmo tipo de pele de foca e não possuem costuras, para impedir a entrada de umidade. Para ass egurar que os pés permaneçam secos e protegidos do fri o, eles usam meias revestidas internamente com uma camada de grama seca, que absorve a transpiração (MORAN, 1979). Uma outra forma de ajustamento dos Inuít é a nutricional. Sua alimentação é rica em proteínas e carboidratos, substâncias essenciais para a síntese de energia. Porém, essa dieta não implica em um aumento excessivo da gordura corporal, já que as ativid ades exercidas e a exposição ao frio exigem um consumo excedente de calorias (MORAN, 1979). Essa adaptação está intimamente ligada a outra: a moderada pig- mentação da pele, apesar de habitarem uma região de latitude norte muito alta. Esta é uma desvantagem para a produção de vitamina D3, compensada pela alimentação, a base de peixes e mamíferos com grande quantidade de gordura, rica em D3. Outros problemas, como a dieta com baixa taxa de cálcio, começam a ser superados com a proximidade de produtos alimentícios industrializados (SELLERS et al., 2003). Alguns costumes desse povo também contribuem para a aclimatação ao fr i- o. Durante as temporadas de frio intenso, eles ficam sempre próximos uns aos outros, diminuindo a área de contato com as baixas temperaturas. Isso favorece a troca de calor entre os corpos, ao mesmo tempo em que diminui a perda de calor para o ambiente (MORAN, 1979). Outro ajustamento fisiológico é o aumento do metabolismo celular, que r e- duz o risco de hipotermia, a queda excessiva da temperatura corpórea a um valor que impede a manutenção das atividades bioquímicas do organismo. Tal ajuste, além de diminuir o mal-estar causado pelo frio, faz com que a temperatura corpórea normal desses indivíduos seja mais elevada (MORAN, 1979). Os Inuít são capazes de ativar a termogênese sem contração, ou seja, são capazes de produzir calor corpóreo sem que haja contração muscular (tremor). Essa

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A pele é considerada, há bastante tempo, como um órgão fundamental para a percepção do mundo (SPITZ, 1968), mas ainda sabe-se pouco sobre seu desempenho em recém-nascidos. Uma série de observações realizadas em animais mamíferos co n- firmou que a pele tem um indiscutível significado funcional para o desenvolvimento fisi ológico e psicológico (FÄRDIG, 1980). Por exemplo, comprovou-se que a mãe, ao la mber um filhote, ativa seus sistemas geniturinários, gastrintestinal e respiratório (SPITZ, 1968; ACOLET, 1989), mostrando a importância da pele como um dos órgãos primo rdiais para o desenvolvimento de um indivíduo. Quanto à sensibilidade ao calor e ao frio, pesquisas comprovam que ela está presente desde o primeiro mês de vida do recém-nascido, embora o centro termorreg u- lador ainda não esteja suficientemente desenvolvido (OKKEN, 95). O recém-nascido é capaz de sentir frio ou calor, porém não está apto a distinguir essas sensações. Ambas são apenas sensações desconfortáveis, como o são a dor e a fome. A percepção consc i- ente requer maior amadurecimento neurológico, bem como aprendizagem mais adiant a- da, uma vez que implica na capacidade de organizar e interpretar impressões senso riais (SAUER, 1995). À medida que o sistema nervoso se desenvolve, estímulos que dese n- cadeiam reflexos vão provocando respostas menos automáticas. Por meio da experiên- cia adquirida no exercício dos primeiros reflexos, desenvolve-se a atividade motora voluntária, ou seja, aquela que é exercida de maneira consciente, dependendo da vonta- de da criança (WHO, 1997).

X. Sensibilidade à temperatura

Apesar de a descoberta da especificidade dos termoreceptores não ser re- ce nte, durante vários anos pesquisadores a rejeitaram (HENSEL; BOMAN, 1960; WOLSK, 1971; BLIGH; HENSEL, 1973). Atualmente, já está comprovado que exis- tem termoreceptores específicos para o calor e para o frio, apesar de existirem estrut u ras intermediárias cuja função ainda não foi bem determinada. Acredita-se que a sen sação de frio seja desencadeada pelos bulbos terminais de Krause e a de calor pelos terminais de Ruffini (MUELLER, 1966), que comunicariam ao sistema nervoso central a sensa- ção por uma série de variáveis de informação (GUYTON, 1999). Termoreceptores frios são células nervosas que têm o ritmo de atividade aumentado quando a temper a- tura decresce; termoreceptores quentes são células nervosas que têm o ritmo de ativ i- dade aumentado quando a temperatura aumenta (MUELLER, 1966). A uma temperatu- ra constante, esses termoreceptores mantêm um ritmo contínuo de descargas, ou seja, os dois tipos de termoreceptores sofrem descargas contínuas e uniformes, gerando a sens a- ção de temperatura neutra. A freqüência dessas descargas é diretamente proporcional à temperatura da pele (GUYTON, 1999). Este tipo de reação é denominado de sensação térmica estática e é observado em uma faixa de temperatura entre 30 ºC a 35 ºC, a ch a- mada zona de temperatura indiferente (ou neutra). Acima ou abaixo dessa faixa, dese n- cadeia - se a sensação de calor ou frio, respectivamente.

26 Mattos, C. e Drummond, A. V. N.

Por outro lado, existem também sensações térmicas dinâmicas, que podem ser observadas durante as modificações de temperatura da pele (GUYTON, 1999). Essas sensações dependem de três parâmetros: temperatura anterior da pele, taxa de variação de temperatura e superfície cutânea sobre a qual incide o estímulo térmico. Quando a temperatura da pele for baixa (por volta de 28 oC), o limiar para as sensações de calor será grande e para as sensações de frio, pequeno. Desta maneira, uma pequena redução de temperatura provoca a sensação de frio. O contrário acontece quando a temperatur a cutânea for alta, pois qualquer aumento de temperatura será suficiente para que o indiv íduo sinta calor. As dimensões da superfície cutânea são importantes para a determinação da sensação térmica, pois os limiares para as sensações de calor e de frio são maiores para áreas pequenas do que para áreas grandes (GUYTON, 1999). Também é interessante notar que algumas regiões específicas do corpo, como as pontas dos dedos, são mais sensíveis às mudanças de temperatura. Isto se deve ao fato de que as regiões cere brais responsáveis pela sensação térmica de diferentes partes do corpo possuem tamanhos diferentes. Por exemplo, as costas representam uma região muito pequena no cérebro, enquanto as pontas dos dedos representam uma região bem maior (MUELLER, 1966; CHURC HLAND, 1988; CHURCHLAND; SEJNOWSKI, 1993). A velocidade com a qual ocorrem as mudanças de temperatura não é tão significativa (SCHIMIDT, 1976), mas não pode ser desprezada. Quanto mais lenta for a variação térmica, maiores serão os limiares para a sensação de calor ou frio, ou seja, se a temperatura cutânea for lentamente diminuída, o tempo para que o indivíduo passe a sentir a sensação de frio será maior. Quando há excitação excessiva dos termoreceptores, tanto para o frio quan- to para o calor, o que se observa não é mais uma sensação térmica, mas uma sensação dolorosa. Fato interessante é a ocorrência de um fenômeno denominado frio paradoxal, que ocorre quando um indivíduo é submetido a temperaturas que normalmente ocasi o- nariam sensação de calor muito intensa (acima de 42.oC). Nesta circunstância, há a sens ação repentina de muito frio, causada pela momentânea ativação dos receptores para o frio devido à temperatura muito elevada. É o que ocorre quando se entra em um banho muito quente: a primeira sensação que se tem é a de que a água está fria. Este é o único caso possível de um termoreceptor do frio ser estimulado por uma fonte de calor (MU ELLER, 1966). Várias pesquisas relacionam as respostas termorreguladoras à taxa metab ó- lica do indivíduo e ao ambiente. A grande maioria delas refere-se ao indivíduo com a pele exposta. Um dos grandes desafios da ergonomia é conhecer como um indivíduo vestido alcança o conforto térmico. Nesse tipo de pesquisa procura-se estabelecer quais os fatores que determinam o microclima que se forma entre as roupas e a pele (A N- DREEN et al., 1953). Diversos fatores influenciam a sensação térmica de um indivíduo vestido, entre eles o clima ambiente, características têxteis e o desenho da vestimenta, além da atividade específica do indivíd uo (NIELSEN et al., 1989).