






Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este documento discute a aproximação e distância entre drummond, bandeira e magritte em termos de sintaxe poética e estilísticas recurrências, analisando obras como 'a rosa do povo' e 'libertinagem'. A análise explora conceitos de jakobson, barthes, valéry, pound e gonçalves, sugerindo uma relação dialética entre a tradição clássica e a arte moderna.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
1 / 10
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Eni Santos Carvalho (PUC-G0) Viviane Andrade Oliveira (PUC-G0) Orientador: Aguinaldo José Gonçalves (PUC-GO/UNESP)
RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar semelhanças e dessemelhanças entre Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e René Magritte, tendo como amostras: poemas do livro A rosa do Povo , em especial Procura da poesia , de Drummond; do livro Libertinagem , com ênfase sobre O cacto , de Bandeira; e alguns quadros de René Magritte, particularmente O terapeuta. A partir das referidas obras, pretende-se discutir as possibilidades de aproximação e distanciamento comuns ao processo artístico. Pretende-se, portanto, verificar como os autores se aproximam e se distanciam, quanto à sintaxe adotada nos procedimentos poéticos, bem como as recorrências estilísticas, através de análise intersemiótica, considerando conceitos advindos desde Jakobson, Barthes, Valéry, Pound, entre outros, até o conceito de relações homológicas de Gonçalves, entre as obras literárias e a obra artística em estudo. A relevância se configura pelo intuito de contribuir para o estudo comparativo entre as artes. Em macro visão, os encontros da obra artística desses renomados artistas se dão quanto ao uso de metalinguagem, que, utilizando-se de uma ilusão referencial, trabalham os signos artisticamente, em um contraste entre realidade e imagens metafóricas, em que tudo está em função do objeto de arte. Assim, os três artistas fazem uma notória reflexão quanto à teoria estética da arte contemporânea. Quanto aos desencontros, percebem-se marcas estilísticas próprias de cada um dos artistas citados.
PALAVRAS-CHAVE: Arte. Artes plásticas. Intersemiótica. Poesia. Procedimento artístico.
A linguagem poética, presente em todas as artes em suas diversas formas, articula os limites entre passado e modernidade. A obra de arte implica, no sentido crítico, a percepção e a presença da tradição clássica na contemporaneidade. Nesse sentido, Eliot (1989) sugere que entre os verdadeiros artistas, de qualquer época, há uma comunhão inconsciente, podendo esta ser convertida num propósito. Nos objetos deste estudo – as poesias do livro A rosa do Povo , de Carlos Drummond de Andrade; as poesias do livro Libertinagem, de Manuel Bandeira;
algumas obras de René Magritte, como Isso não é um cachimbo e O terapeuta – através de imagens metonímicas, em um nítido projeto criador e reflexivo sobre o fazer poético, estabelecem-se relações homológicas no que concerne à ilusão referencial, mas que, transmudada em signo, converge à literariedade. Por conseguinte, a análise destas obras sugere uma relação dialética da tradição clássica e a arte moderna, cuja transposição metafórica da representação artística mescla interfaces sígnicas de linguagem verbal e visual, em uma fusão e combinação de estéticas.
Drummond: a natureza do poético Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, em sua vasta obra se mostra um poeta mais reflexivo, menos óbvio. Sua leitura de mundo é mediata e ele transmuda essa mediatização através do signo verbal, da produção da linguagem, isto é, do procedimento artístico e dos efeitos que esta possa suscitar no receptor, que chega ao significado. Signo e forma, neste processo, são então fundamentais, contrariando a tradição poética de representação:
a ‘imitação’ é, classicamente, o correlato das representações sociais e se estas mostram ao indivíduo o meio a que está ligado, então a mímesis supõe algo antes de si a que se amolda, de que é um análogo, algo que não é a realidade, mas um concepção da realidade. (LIMA, 2003, p. 180) No livro A rosa do Povo a fusão de signo e forma produzindo significados é muito forte. O livro todo se constitui num projeto criador, um exercício de metalinguagem sistêmico de criação poética. Pós T. S. Eliot e Ezra Pound, por volta de 1915, ficou muito comum produzir poesia e refletir sobre ela. No Brasil, junto com Drummond, os grandes poetas João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira fazem coisas semelhantes. Enquanto em Drummond o projeto isotópico é a natureza do poético, em Manuel Bandeira este projeto seria uma reflexão sobre o lirismo na modernidade, na poesia moderna.
Analisando os 55 poemas de A rosa do Povo , pode-se afirmar que há uma profunda reflexão sobre a natureza do poético. Este não é um livro de Antologia despropositada. O posicionamento dos poemas ao longo do livro não é aleatório e sim intencional, tanto com relação à construção da obra, quanto à própria natureza dos poemas.
Não é que não se possa fazer versos sobre acontecimentos: é que temas sem a função poética não é poesia e sim referencialização. A questão está toda no “ sobre”. Procura da poesia “ensina”, portanto, “não referencialize o verso”. Nos poemas deste mesmo livro ( O medo, Passagem de ano, Elefante, dentre outros ) a temática aparece, entretanto, transmudada em signo, ocorrendo a literariedade e não literalidade: não é referencial; não é “sobre”.
“Não me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem” – se os sentimentos se prevalecem do equívoco , ou seja, são literais, tentam a longa viagem – o artístico – mas não alcançam. É o artista que desconhece a natureza do seu próprio objeto de trabalho: na arte, desde que seja transmudado em signo pode-se usar natureza, objetos ou sentimentos, desde que atinja a dimensão sígnica, se for ambíguo, se for função poética.
Assim, há uma profunda similitude do poema com o quadro “Isso não é um cachimbo ”, de René Magritte. O quadro traz um elemento referencial do mundo, que é literal, e o singulariza. Emoldura-o e o torna único – a referência do mundo é posta em condição sígnica-semiótica e só é possível pela forma – em um processo de desautomatização, de estranhamento e singularidade.
Em Isto não é um cachimbo , também há uma relação dialética entre o moderno e a tradição, assim como em A rosa do Povo , de Drummond e em Libertinagem , de Bandeira: a construção da arte pela desconstrução dos referentes; a produção de significados pela desconstrução dos signos pela forma.
Bandeira: o lirismo na modernidade Assim como o possível projeto isotópico de Drummond seria a natureza do poético, em Manuel Bandeira este projeto encontra-se na obra Libertinagem, publicada em 1930, composta de 38 poemas, os quais remetem a reflexões sobre o lirismo na modernidade.
Nos poemas de A Rosa do Povo , há indícios do projeto isotópico de Drummond: os três poemas iniciais gradativamente materializam seu constructo estético. Já Bandeira, mesmo em outras obras, se mostra mais traiçoeiro, como em Poema só para Jaime O’Vale e Momento num café , poemas em primeira pessoa que são bons, em que o
“eu” é signo, que não é um “eu-Bandeira”, assim como no quadro Isto não é um cachimbo. Entretanto, em Libertinagem , especificamente no poema O Cacto , ele foge: constrói-o em terceira pessoa, formando tramas interpretativas e produção de sentidos, numa conversão de signos em outros signos.
Poética, o nono poema de Libertinagem , seria a proposta de poesia de Bandeira: há a oposição a toda uma tradição romântica, parnasiana, dos movimentos estéticos brasileiros, mas que dialeticamente mantém o diálogo com essa tradição. No verso “Estou farto do lirismo comedido”, já se encontra o livro todo, a proposta isotópica.
Percebe-se, então, uma similitude em Bandeira e Drummond quanto à criação artística – “Não faças versos sobre acontecimentos” e “As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam ” – expressando sobre a marca da subjetividade_._ Esta não deve predominar no poema, pois ele em si não é um discurso subjetivo e sim, como diria João Cabral, o poema é “ uma máquina a emocionar”. Sendo assim, deve trabalhar com a subjetividade de quem o recebe – ele promove as emoções, os sentimentos individuais daquele que lê, ou seja, a subjetividade está em quem lê.
Se no ato da escrita dominar “ as afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais” o texto se torna um relato pessoal e não um poema; só tem sentido para Arte se os acontecimentos forem transubstanciados, pressupondo uma mimese de produção
como o produto de arte, por definição, apresenta um relacionamento apenas indireto com o real, não pode adquirir um significado pela utilidade que promova. (...) é preciso que o receptor apreenda seu significado pela análise de sua produção (...) a mímesis da produção consiste em fazer o apenas possível transitar para o real; ou melhor, o que seria tomado como limite entre o possível e o impossível (...) só se é capaz de funcionar pela participação ativa do receptor. (LIMA, 2003, p.181) Por conseguinte, o poeta não pode dominar apenas a língua, assim como nas artes plásticas não é apenas domínio da técnica, como em Rodin, caso contrário não “simula uma ‘geração’ do sentido” (BERTRAND, 2003, p.21), não pressupõe uma mimese de produção, necessária à arte moderna.
Entretanto, o poema O cacto aparentemente é um acontecimento. Este poema é caracterizado por ritmos próximos da fala cotidiana e livre das formas preestabelecidas pela tradição clássica, o que o faz parecer uma historietazinha, como se fosse uma pequena crônica poética, mas não é.
Ilustrando isso Bretch afirma “A carne nova come-se com velhos garfos” (BRETCH, 1976, p. 79)
O cacto é todo coerente em sua composição, realização e modulação. É um poema muito bem composto, que se realiza. É todo trabalhado: adentrando-se nas camadas mais profundas, nota-se extrema coerência entre os elementos constituintes. É tensivo: o plano de expressão do poema faz jus a toda tensão do plano de conteúdo conforme Hjelmslev (1975): a tensividade se faz presente até na referência – o cacto tem espinhos, o que quer dizer que ele é intratável “Era belo, áspero, intratável”.
Este “intratável” remete a própria figurativização – ser intratável é função da arte. A figurativização está no poema inteiro: modernidade e tradição. É uma comunicação que repele. A arte se faz pelo signo da refração, não do reflexo. Conforme Bakhtin (2015), o signo da arte é um signo refratário. Há neste poema uma interessante conjunção figurativizada entre o natural, o cultural e o artístico, realizando uma integração perfeita de modular a própria tematização, consoante Gonçalves (1994): modulada e corroborada pela forma – a forma gerando essa coerência semântica.
Esse elemento da natureza, o cacto, é alegorizado no poema. Uma alegoria da ruína, na visão de Walter Benjamin (1984), uma vez que n’ O cacto há arestas conscientes. Não é um poema que resolve e sim um que tensiona alguns grandes temas, aludindo a Valéry (2011), dentre eles, a questão da natureza e cultura, a natureza e arte, a cultura e arte – e neste caso, a tradição entra fortemente na função daquilo que o poema faz.
Depreende-se então um apagamento da referencialidade, que “mobiliza a relação necessária entre significante e significado, além de recuperar ou nomear indiretamente, aquilo que era apenas nebuloso no pensamento ou no espírito” (GONÇALVES, 1994, p. 193), sugerindo, assim, uma relação intersemiótica – poema e escultura – numa alusão dele ser uma escultura. Há ainda uma irregularidade regular, pois o cacto é geometricamente perfeito, mas não no sentido stricto.
Nessa noção de escultura é um metatexto: ele se faz escultura e alude à escultura
que veicula uma imagem visual” (GONÇALVES, 1994, p. 267), podendo perceber desta maneira, a noção do Clássico, da escultura clássica, que é uma das mais antigas formas de arte, mas transmudada para o moderno. Tradição e modernidade se fundem na imagem do poema-escultura.
Deste modo, O Cacto aproxima o grande pintor belga René Magritte a Bandeira: a visão dialética do Clássico e do Moderno e exercício de procedimentos intersemióticos. Este, um poeta que foi professor e teórico da literatura – e tem uma visão do Clássico em sua poesia; dominava as formas fixas. Aquele estudou muito o Renascimento, as formas clássicas do Renascimento. Ambos rompem com essa tradição, às suas maneiras, refutando a ideia de “lirismo comedido”.
Nessa dissonante maneira de plasmação do poético, encontramos a unidade entre as duas obras. Unidade que pode ser percebida e até descrita, mas não definida, uma vez que é impossível definir a natureza do poético, seja no poema, seja na pintura. (GONÇALVES, 1994, p. 286)
A arte de René Magritte caracteriza-se por imagens enigmáticas, ilógicas e metonímicas, em um estilo singular, facilmente identificável, como Os amantes , A relíquia e Valores pessoais. Metamorfoses e subversões do espaço, do tempo e das proporções são comuns em seus quadros, que ignoram a emoção fluida da lírica plasmática, priorizando a produção de sentidos que trabalham a subjetividade do fruidor.
Seu projeto quadro-escultura O terapeuta revela a dubiedade das formas sugerindo, também, uma relação intersemiótica – pintura e escultura. Assim como Drummond e Bandeira construiu um projeto estético, pode-se inferir que Magritte também o fez através de seus quadros-escultura. Próximo a sua morte Magritte inspecionou a produção de oito esculturas de bronze inspiradas em suas obras, corroborando claramente essa percepção.
Considerações finais O mergulho profundo em A rosa do povo , Libertinagem e nos quadros de Magritte em destaque, elucida a relação homológica destas obras no que concerne ao procedimento artístico de desreferencialização do signo estético: o poema só é poema se
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo CASA. Bauru, EDUSC,
BRECHT, Bertolt. Poemas. Portugal, Editorial Presença, 1976.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2* ed. trad. Antônio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. In: ELIOT, T.S. Ensaios. São Paulo, Art Editora, 1989.
GONÇALVES, Aguinaldo José. Laokoon revisitado : relações homológicas entre texto e imagem. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
GREIMAS, A. J.. Semântica Estrutural. São Paulo, Cultrix, 1973.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo, Perspectiva, 1975.
ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo, Cultrix, 2003.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. 3* ed. São Paulo, Perspectiva, 2012.
LIMA, Luiz Costa. Mímesis e modernidade : Formas das sombras. 2* ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, Loyola, 2000.
VALÉRY, Paul. Poesia e pensamento abstrato. In: VALÉRY, Paul. Variedades. São Paulo, Iluminuras, 2011.