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Guias e Dicas
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Seguro e Transferência de Risco: Análise de Diferentes Perspectivas, Notas de aula de Probabilidade

Este resumo aborda o contrato de seguro e sua finalidade principal de transferência de risco, destacando a compulsoriedade do seguro francês, hipóteses de resseguro e transferência de risco no mercado de capitais, além de alternativas de programas de seguro bem-sucedidos em países em desenvolvimento. Discutem-se também as características, restrições e alternativas ao uso do seguro como ferramenta de transferência de risco, especialmente em eventos extremos.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Gaucho_82
Gaucho_82 🇧🇷

4.6

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RIL Brasília a. 57 n. 225 p. 99-124 jan./mar. 2020
Recebido em 18/10/19
Aprovado em 22/11/19
FERNANDA DAMACENA
Resumo: O contrato de seguro tem o propósito principal da transferência
de risco. Todavia, algumas situações acabam excluídas desse portfólio,
como alguns eventos extremos. O presente artigo analisa os limites e a
potencialidade da relação entre os eventos extremos, decorrentes ou não
das mudanças climáticas, e o contrato de seguro. O artigo é norteado por
uma postura construtivista voltada à gestão de riscos atuais e futuros.
Entre os resultados da investigação, destaca-se que, para o seguro se
tornar uma realidade mais abrangente, uma série de barreiras precisam
ser superadas. Exemplos de programas de seguro voltados a eventos
climáticos extremos, desenvolvidos no âmbito do Direito Comparado,
demonstram a viabilidade e a compatibilidade desse instrumento nor-
mativo e econômico como parte de uma estrutura compensatória das
vítimas de eventos extremos no sistema brasileiro.
Palavras-chave: Mudança climática. Seguro. Evento extremo. Direito.
Insurance and extreme events: limits and possibilities
Abstract: The purpose of the insurance contract has as its main core the
transfer of risk. Exceptionally, however, some situations are excluded from
this portfolio. Extreme events, arising or related to climate change are
examples of this exclusion. This article analyzes the limits and potentiality
of the relationship between climate change and the insurance contract.
The primary method adopted was the constructivist approach, guided
by a constructivist approach focused on the management of current and
future risks. Examples of insurance programs focused on extreme weather
events, developed under comparative law, demonstrate the viability and
compatibility of this kind of normative and economic instrument as an
integral part of a compensatory structure for the victims of extreme events
in the Brazilian system.
Keywords: Climate change. Insurance. Extreme event. Law.
Seguro e eventos extremos
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Recebido em 18/10/ Aprovado em 22/11/ FERNANDA DAMACENA Resumo: O contrato de seguro tem o propósito principal da transferência de risco. Todavia, algumas situações acabam excluídas desse portfólio, como alguns eventos extremos. O presente artigo analisa os limites e a potencialidade da relação entre os eventos extremos, decorrentes ou não das mudanças climáticas, e o contrato de seguro. O artigo é norteado por uma postura construtivista voltada à gestão de riscos atuais e futuros. Entre os resultados da investigação, destaca-se que, para o seguro se tornar uma realidade mais abrangente, uma série de barreiras precisam ser superadas. Exemplos de programas de seguro voltados a eventos climáticos extremos, desenvolvidos no âmbito do Direito Comparado, demonstram a viabilidade e a compatibilidade desse instrumento nor- mativo e econômico como parte de uma estrutura compensatória das vítimas de eventos extremos no sistema brasileiro. Palavras-chave: Mudança climática. Seguro. Evento extremo. Direito.

Insurance and extreme events: limits and possibilities

Abstract: The purpose of the insurance contract has as its main core the transfer of risk. Exceptionally, however, some situations are excluded from this portfolio. Extreme events, arising or related to climate change are examples of this exclusion. This article analyzes the limits and potentiality of the relationship between climate change and the insurance contract. The primary method adopted was the constructivist approach, guided by a constructivist approach focused on the management of current and future risks. Examples of insurance programs focused on extreme weather events, developed under comparative law, demonstrate the viability and compatibility of this kind of normative and economic instrument as an integral part of a compensatory structure for the victims of extreme events in the Brazilian system. Keywords: Climate change. Insurance. Extreme event. Law.

Seguro e eventos extremos

Limites e possibilidades

1 Introdução

A natureza ou o propósito do contrato de seguro tem como núcleo a transferência de risco. Nesse contexto, as pessoas vislumbram a proba- bilidade de específicos tipos de perda e buscam proteção em relação às suas consequências (para si, propriedades e bens). De regra, apólices de seguro são subscritas para assegurar perdas determinadas, independentemente da causa do dano. Excepcionalmente, porém, alguns eventos acabam excluídos desse portfólio. Os eventos extremos, decorrentes de mudanças climáticas ou correlatos a elas, são exemplos dessa exclusão. Por pertencer ao grupo dos contratos priva- dos, o seguro tem certo grau de autonomia na determinação do escopo da cobertura a ser ofer- tada. Contudo, diante de uma série de eventos extremos e seus efeitos negativos, uma releitura dessa espécie de contrato precisa ser conside- rada. Com essa perspectiva, o presente artigo analisa os limites e a potencialidade da relação entre os eventos extremos, decorrentes ou não das mudanças climáticas, e o contrato de seguro. Uma observação diferenciada das funções do contrato de seguro é desenvolvida pela revisão da literatura jurídica, econômica e financeira, que o considera instrumento potencialmente capaz de contribuir para a compensação. No Brasil, essa interpretação diferenciada é possí- vel em virtude da postura inclusiva e solidária da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) e do Código Civil (CC) (BRASIL, [2019a], [2019b]). Nesse sentido, embasado por uma revisão da literatura nacional e internacional, e norteado por uma postura construtivista voltada à gestão de riscos atuais e futuros, o artigo procura des- tacar o que há de mais moderno a respeito da temática. Os exemplos apresentados enfatizam a inundação, o que é absolutamente relevante para o Brasil, dada sua vulnerabilidade hídrica. Para tanto, introduz-se a conexão entre o contrato de seguro e os eventos extremos. Na sequência, com base na noção de segurabilidade, são destacadas as principais limitações, custos, vantagens e obstáculos do contrato de seguro para eventos extremos. Objetivando salientar diversas possibilidades no Direito Comparado, apresenta-se o exemplo da compulsoriedade do seguro francês, as hipóteses do resseguro e da transferência de risco no mercado de ca- pitais, bem como as alternativas de programas de seguro bem-sucedidas em países em desen- volvimento, como o sistema de microsseguros e os exemplos do Caribbean Catastrophe Risk Insurance Facility (CCRIF), da African Risk Capacity (ARC) e do Shore Up Connecticut Loan Program.

2 Seguro: noções preliminares

Algumas características do contrato de segu- ro fazem dele um mecanismo de compensação com traços muito específicos – peculiaridade exacerbada quando observado do ponto de vista das mudanças climáticas. Entre essas caracterís- ticas estão: i) a perda potencialmente devasta- dora do segurado; ii) a incerteza de que a perda venha a acontecer; e iii) o estabelecimento do equilíbrio entre os que sofreram perdas e os in- teresses das organizações (públicas e privadas). De regra, essas têm sido as razões apresentadas durante muito tempo pelo mercado privado segurador para não disponibilizar certos tipos de cobertura (BROWN; SECK, 2013, p. 545- 546). Esse é o caso, por exemplo, de inundações e terremotos. A principologia de base do seguro também explica essa postura. Os princípios da fortuidade e aleatoriedade da perda são fundamentais para a garantia da subsistência das seguradoras e es- tão ligados a questões como i) quando acontece,

atuariais realistas é extremamente improvável de ser bem-sucedida. Um dos argumentos nesse sentido é que, em algumas circunstâncias, determinadas obrigações podem representar a receita para uma cala- midade financeira (BROWN; SECK, 2013). Por essa razão, o equilíbrio entre a possibilidade real da oferta do seguro e sua necessidade diante de eventos extremos requer inicialmente a compreensão do conceito de segurabilidade, abordado a seguir.

3 Segurabilidade no contexto dos eventos extremos

A fim de ponderar o seguro como instrumento de compensação para vítimas de eventos extremos, importa esclarecer de que espécie de seguro se está tratando. A literatura especializada (BRUGGEMAN, 2010; FAURE; HARTLIEF, 2006; KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN,

  1. na matéria seguro e desastres tem mencionado que o seguro de responsabilidade civil se aplica com maior adequação aos desastres oriundos da atividade econômica (os denominados man-made disasters) ao passo que o first party insurance aplicar-se-ia aos desastres “natu- rais”. Nesta última espécie, a vítima contrata o seguro como forma de proteção contra danos futuros, caso em que a cobertura do seguro é desencadeada pela ocorrência do dano, não por responsabilidade (FAURE; BRUGGEMAN, 2008). Trata-se, portanto, de seguro diverso do seguro de responsabilidade civil. O princípio subjacente nessa espécie de seguro é que a companhia de seguros efetua o pagamento logo que ocorre um dano, desde que seja comprovado que o dano específico era um risco segurado coberto pela apólice. Entre suas vantagens está o fato de as vítimas poderem adquirir coberturas de acordo com suas necessidades; e o principal: a seguradora pode (por meio do controle de risco moral) cobrar prêmios de acordo com o risco (FAURE; WIBISANA, 2013). Importante: essa espécie de seguro não diminui as perdas globais de um evento adverso, mas espalha seu impacto financeiro, habilitando os que estão em risco a pagarem um prêmio relativamente pequeno para que possam ser protegidos contra uma grande perda que tem pouca chance de ocorrer. Por isso, o seguro das perdas reflete apenas uma parte do dano econômico total infligido por um desastre (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007). O uso do seguro como ferramenta de transferência de risco tem cinco características principais: permite a disseminação de risco entre as partes, reduz a variância do risco para cada pessoa, permite a segregação de risco, encoraja medidas de redução de danos e fornece uma ferramenta

para monitorar e controlar o comportamento (FREEMAN; KUNREUTHER, 2002). O conceito de seguridade pode ser com- preendido com base num exemplo. Considere-se um seguro padrão no qual os prêmios são pa- gos por um período para cobrir perdas durante um intervalo (geralmente um ano). De regra, duas condições precisam ser atendidas antes que os provedores de seguros estejam dispos- tos a oferecer cobertura contra um evento in- certo. A primeira é que o “provedor seja capaz de identificar, quantificar e estimar as chances de ocorrência do evento, assim como a exten- são das prováveis perdas. Em segundo lugar, a seguradora precisa poder estabelecer prêmios para cada cliente potencial ou classe de clientes” (BOTZEN; VAN DEN BERGH, 2008, p. 417, tra- dução nossa), o que corresponde à denominada segregação dos riscos. Se tais condições forem satisfeitas, um risco é considerado segurável (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007). Em matéria de evento extremo, importa mencionar alguns desafios impostos ao setor de seguros. Além da conhecida incerteza climática, questões socioeconômicas como a pobreza e a vulnerabilidade têm sido consideradas como causas altamente relevantes para o aumento dos danos. Ademais, características muito comuns em países em desenvolvimento costumeira- mente negligenciadas, como a falta de controle em relação ao uso da terra, fraca imposição ou regulamentação de códigos de edificação, ten- dência de crescimento populacional em áreas geográficas de risco e pouca manutenção de infraestruturas, são fatores que interceptam e influenciam a viabilidade do seguro para eventos extremos (BLAZEY; GOVIND, 2007). Apesar de tudo, o debate em torno da se- gurabilidade ou não dos desastres “naturais” tem crescido nos últimos tempos. As principais restrições relativas à segurabilidade giram em torno da seleção adversa, do risco moral, do fato de o risco catastrófico ser classificado como risco altamente correlacionado e da possibili- dade de estimativa da frequência e probabili- dade dessa espécie de evento, bem como sua expectativa de dano (probabilidade-magnitude) (BRUGGEMAN, 2010). 3.1 Seleção adversa, risco moral e correlação de riscos A seleção adversa manifesta-se quando os indivíduos de alto risco têm mais probabilidade de necessitar da cobertura do seguro que as pessoas de baixo risco. É causada por assimetrias de informações entre empresas de seguros e segurados. Esse problema pode surgir quando os indivíduos são capazes de determinar suas características de risco individuais, e as compa- nhias de seguros têm dificuldades em distinguir os bons dos maus riscos (BOTZEN; VAN DEN BERGH, 2009). No contexto da mudança climática, a seleção adversa não é o maior problema, pois é difícil que os que estão em risco tenham mais informações vantajosas em comparação com as seguradoras. Em geral, estas investem significativos valores para terem essa vantagem informacional em relação aos segurados que, de regra, não têm condições ou interesse em custear estudos de avaliação de risco. O conceito de risco moral está ligado a um aumento nas perdas esperadas (probabilidade ou quantidade de perda condicional em um evento) causado por mudanças no comportamento do segurado. Um exemplo de risco moral é um com- portamento mais descuidado. “Se a seguradora não puder prever esse comportamento e confiar em dados de perdas passadas de indivíduos não segurados para estimar taxas, o prêmio resultan- te provavelmente será insuficiente para cobrir perdas” (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007, p. 1.825, tradução nossa). Entretanto,

Como argumenta Bruggeman (2010), a falta de confiabilidade estatís- tica não constitui motivo para a não segurabilidade do risco catastrófico, pois incerteza em relação à probabilidade de um dano é um elemento que o segurador pode, ex ante, levar em consideração no momento em que estabelece o prêmio. Ademais, a assunção de determinado grau de risco depende da decisão de cobri-lo ou não, o que em geral ocorre com base no conhecimento das probabilidades de um resultado, preferencialmente baseado num modelo de análise. As estimativas de perdas levadas em consideração pela seguradora costumam basear-se em dados passados (por exemplo, histórico de perdas do portfólio de segurados ou histórico de perdas numa região específica), juntamente com dados sobre o que os especialistas conhecem sobre um risco particular, por meio de modelos de catástrofe. Tendo em vista que essas estimativas nem sempre se têm revelado as melhores, sobretudo diante das mudanças climáticas, Kunreuther e Michel-Kerjan (2007, p. 1.813-1.814, tradução nossa) propõem um modelo diferenciado, que se baseia em quatro componentes: “risco, portfólio (inventário), vulne- rabilidade e perda”. A partir dessa perspectiva, [p]rimeiro determina-se o risco de ocorrência de um fenômeno. Na sequência realiza um inventário, da forma mais transparente possível, de propriedades em risco (o que pode ser feito por meio de coordenadas que apontem, por exemplo, a localização espacial, o tipo de construção, sua idade e o histórico de eventos extremos sofridos). Essa espécie de inventário torna possível o cálculo da vulnerabilidade ou suscetibilidade ao dano das estruturas em risco. Contudo, como o grau de vulnerabilidade varia de acordo com cada região, o ideal é que o modelo não seja único. Nessa espécie de modelo os danos possuem natureza direta e indireta. As primeiras incluem os custos de reparação ou substituição da estrutura. As indiretas abrangem a interrupção de negócios e a realocação de residentes que precisarem ser evacuados (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007, p. 1.814, tradução nossa). Baseado nos resultados do modelo, o segurador pode calcular a deno- minada curva de probabilidade excedida, que especifica a probabilidade de certo número de perdas ser excedido em certa localidade num determi- nado período. Essa metodologia não é válida apenas para as seguradoras: agências governamentais também podem utilizá-la para estimar a proba- bilidade de excessos de danos numa determinada região, o que fortalece a previsibilidade do grau de assistência governamental necessária para determinada localidade (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007). Feito o inventário, caso o segurador decida ofertar a cobertura para extremos climáticos, surge uma etapa extremamente complexa. Trata-se da determinação do valor do prêmio, que não pode estar desconectado

da garantia de lucro que garanta sua sobrevivência (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2007). Além dessa questão, conforme já se mencionou, o segurador considera a assimetria das informações, normalmente carac- terizadas pela seleção adversa e pelo risco moral, e o grau de correlação do risco. Se segurar custa caro, mais caro custa não segurar. Essa é uma verdade que, hoje, já pode ser vislumbrada em números. Até pouco tempo o custo dos eventos extremos recebia pouca atenção da mídia, seguradoras e poderes envolvidos, exceto após sua ocorrência. Esse pensamento foi-se modificando nos últimos anos, quando países desenvolvidos e em desenvolvimento começaram a contabilizar os pre- juízos do crescimento vertiginoso dessa espécie de evento, cujo auxílio ou resposta de emergência se refletem diretamente no orçamento público e indiretamente no contribuinte.

4 O custo dos eventos extremos

As seguradoras têm consciência de que, devido às mudanças no clima, os efeitos negativos futuros dos eventos extremos se tornarão ainda mais severos. De acordo com alerta recente da Swiss Re Group, “caso nenhuma medida seja tomada, as mudanças climáticas podem custar à economia mundial um valor estimado de 20% do PIB global até o final deste século” (MANAGING…, c2017, tradução nossa). Dados disponibilizados pela Swiss Re Group, no relatório Sigma no^ 1/2018, informam que, também em 2017, o total de danos segurados causados por catástrofes naturais e antropogênicas de grande magnitude foi de 144 bilhões de dólares. A temporada de furacões no Atlântico Norte e uma série de incêndios florestais, tempestades e chuvas fortes em dife- rentes regiões levaram ao nível mais alto de perdas globais já registrado por catástrofe num único ano. Os danos econômicos totais foram de 337 bilhões de dólares, gerando uma lacuna de proteção global contra catástrofes de 193 bilhões de dólares em 2017. Em todo o mundo, mais de 11 mil pessoas perderam a vida ou desapareceram e milhões ficaram desabrigadas (BEVERE; POURRABBANI; SHARAN, 2018). Esses dados significam que a relação entre danos econômicos e as- segurados é uma conexão muito mais real do que antigamente – porém, insuficiente ainda. De fato, o contrato de seguro não representa isolada- mente uma solução para os custos gerados pelos eventos extremos, mas seu crescimento demonstra o potencial desse instrumento compensatório num contexto maior e em comparação com os demais instrumentos de compensação. O seguro tem a possibilidade de incentivar, com baixos prêmios, o indivíduo que investe em medidas de redução de risco, ao

desempenhe um papel mais significativo na gestão e no financiamento de riscos catastróficos. O primeiro deles é o de que os prêmios devem refletir os riscos. Esse princípio tem por finalidade oferecer aos indivíduos sinais precisos quanto à natureza dos riscos que enfrentam e encorajá-los a adotar medidas de mitigação rentáveis para reduzir sua vulnerabilidade. Prêmios baseados em risco também se refletem no custo do capital que as seguradoras precisam embutir em seus preços para assegurar um retorno adequado aos investidores. Ocorre que isoladamente esse princípio não é adequado a todas as situações, pois, caso venha a ser disponibilizado, nem todo cidadão terá condições de arcar com seu valor. Essa é a realidade de países como o Brasil. Por essa razão, um segundo princípio precisa ser levado em consideração: o enfrentamento da iniquidade e da inaces- sibilidade. A ponderação desses dois princípios é o ideal, especialmente para não deixar desamparados os vulneráveis, que mais necessitam de auxílio num cenário de riscos climáticos. Com o objetivo de oferecer acessibilidade para quem mais precisa, alguns países têm desenvolvido programas de vouchers e incentivos, especialmente mediante parceria público-privada, conforme se verificará. Por ora, além das limitações, muitos indícios apontam que o papel do seguro na compensação das vítimas de desastres extremos deve aumentar. Isso se evidencia em diversos movimentos como as recentes negociações internacionais no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), as iniciativas de muitos países em de- senvolvimento para distribuírem seus riscos e o estabelecimento de novos mecanismos de seguros em países desenvolvidos, incluindo inundação, entre outros eventos extremos (LYSTER, 2015). Para compreender essa tendência, é relevante proceder a um paralelo entre as vantagens e os obstáculos relacionados à segurabilidade climática. 4.1 Vantagens e obstáculos da segurabilidade de eventos extremos Boa parte da literatura (BOTZEN; VAN DEN BERGH, 2009; MILLS; LECOMTE, 2006) tem destacado que as seguradoras vislumbram a mu- dança climática como potencial oportunidade de negócios, razão pela qual também podem ser grandes parceiras na promoção da adaptação ao fenômeno (HECHT, 2008). Blazey e Govind (2007, p. 29, tradução nossa) vão além e afirmam que “mudança climática e seguro dependem um do outro, e as seguradoras desempenham grande papel na adaptação enquanto a adaptação contribui para que a indústria do seguro se mantenha viável”. Esse raciocínio faz parte da escola que considera o seguro como valia para a implementação das medidas de controle e gestão de risco dos governos, tendo em vista

a influência que as seguradoras desempenham no comportamento de risco individual e organizacional. Nesse sentido, o seguro é compreen- dido como instrumento de incentivo e orientação de comportamento preventivo (SURMINSKI; ORAMAS-DORTA, 2014), não se limitando a desempenhar um papel apenas compensatório. Seria um mecanismo capaz de fornecer sinais de preços e comunicação de risco que influen- ciariam indivíduos, governos e empresas a reduzirem sua vulnerabilidade por meio de prevenção ou mitigação de perda (LYSTER, 2015, p. 294). Desse modo, em relação ao seguro contra inundações, por exemplo, as seguradoras poderiam estabelecer políticas diferentes para famílias e empresas estabelecidas em áreas propensas a inundações. A variação de prêmios em classes de risco desincentiva o desenvolvimento em planícies inundáveis, o que pode reduzir indiretamente os riscos de inundação. Ou seja, incentivos para que os indivíduos limitem sua exposição ao risco, de modo que se tornem elegíveis para prêmios mais baixos, podem estimular a transparência e a consciência dos custos que uma área de risco traz. Para Kunreuther (2008) e Priest (1996), porém, o governo é um regu- lador superior às seguradoras quando se trata de regulação de risco, seja agindo pela via do zoneamento aprimorado, controle de uso da terra ou códigos de construção mais rígidos. De fato, há uma relação umbilical entre seguro para riscos catastróficos e política pública. Seguradoras precisam de efetiva estratégia governamental para se manterem solventes, a qual diz respeito ao engajamento da indústria de seguros em políticas públicas, o que também pode ser uma forma de auxiliar os governos a enfrentarem as consequências financeiras dos eventos extremos. A coleta de dados e informações confiáveis em nível local é uma das formas de intersecção da política pública com a indústria de seguros. Assim, a fim de evitar o conhecido quadro do encolhimento do mercado segurador e a intervenção do governo para reduzir os riscos e auxiliar nas ações pós-desastre (MILLS, 2009), seguradoras e poder público podem unir-se para promover modificação de comportamentos (BLAZEY; GOVIND, 2007). Por exemplo, a regulamentação pública em relação a zonas de risco, emissão de gases do efeito estufa, remoção de pessoas de áreas de risco e minimização do potencial de futuros danos representa grande incentivo para que as seguradoras assumam riscos de baixa probabilidade e alta magnitude em termos de consequências (BLAZEY; GOVIND, 2007). A despeito das possibilidades e vantagens apontadas para o seguro como mecanismo adequado para a compensação de desastres, por uma variedade de razões ele é pouco utilizado na prática. Além dos obstá- culos mencionados para a materialização do seguro como mecanismo de compensação climática, pode-se observar que os indivíduos tendem

grupos em áreas de risco, os autores argumentam que a saída são regras explícitas que restrinjam o desenvolvimento nessas áreas, e não dar às pessoas discricionariedade de escolha. Kunreuther e Pauly (2006) são enfáticos ao se posicionarem favora- velmente em relação ao seguro compulsório. Justificam-no como uma saída para a baixa demanda por seguros e para os grandes problemas pós-desastre, tanto para as vítimas quanto para o governo. Em geral, os proprietários que sofrem danos graves não dispõem de recursos para reconstruir seus imóveis e acabam recorrendo ao governo, que geralmen- te responde com uma assistência pós-desastre altamente dispendiosa, pouco estratégica e não compensatória. Para evitar grandes despesas ex post, a opção do seguro privado obrigatório com taxas baseadas em risco é apontada como uma opção pelos autores. Nesse sentido, de acor- do com os autores, “é mais eficiente um programa público ex ante que garanta cobertura de perdas catastróficas e subsidie residentes de baixa renda (que não podem pagar a cobertura) do que uma resposta pública que sequer pode ser chamada de programa público de auxílio ex post” (KUNREUTHER; PAULY, 2006, p. 101, tradução nossa). Van den Bergh e Faure (2006, p. 25, tradução nossa) afirmam que “a necessidade de criar um grupo de risco suficientemente grande para apaziguar, entre outras questões, o problema de seleção adversa pode justificar a cláusula de vinculação”. Nesse contexto, “os argumentos da eficiência e da solidariedade são fortes para justificar a extensão compul- sória dos contratos de seguro de propriedade, subscritos voluntariamente, para cobrir o risco de desastres ‘naturais’” (VAN DEN BERGH; FAURE, 2006, p. 54, tradução nossa). A exceção de solidariedade foi desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu. Ou seja, do ponto de vista do bem-estar glo- bal, algumas regras podem ser motivadas por objetivos de solidariedade nacional (VAN DEN BERGH; FAURE, 2006). E mais: é aceitável que, em função da hipossuficiência econômica demonstrada, alguns recebam um subsídio para o custeio do seguro. A compulsoriedade em matéria de seguro já é uma realidade na Europa.

5 O exemplo da compulsoriedade

Na França, a compensação das vítimas de desastres extremos faz parte de um sistema regulamentado e inclusivo que socializa o risco, disseminando o custo dos danos causados por desastres para toda a população (BRUGGEMAN, 2010). Sua justificativa está no Preâmbulo da Constituição de 1946, que “proclama a solidariedade e a igualdade de

todos os franceses em suportar o fardo resultante das calamidades nacionais (§ 12)” (FRANÇA, [2004]). O sistema de gerenciamento de desastre não impõe limitações à possibilidade de propo- sição de ação de responsabilidade civil contra o governo ou atores privados. Em vez disso, está estruturado para desincentivá-la por meio do fornecimento de um seguro alternativo, que é menos caro e normativamente superior por ser associado à solidariedade social. Importante res- saltar que o país tem um sistema de seguridade social robusto, que cobre o custo do tratamento de danos físicos por desastre (CANNARSA; LAFAY; MORÉTEAU, 2006). Como resposta às perdas sofridas em de- corrência de desastres “naturais”, em 1982 o país aprovou a Lei no^ 82-600, “relative à l’indemnisation des victimes de catastrophes naturelles” (FRANCE, [2008]). De acordo com esse sistema, a compra voluntária do seguro bási- co dos proprietários desencadeia a obrigação de pagar um prêmio adicional para o seguro contra perdas relacionadas a desastres naturais e inter- rupções de negócios. Há, assim, uma extensão de cobertura obrigatória de contratos de seguro de propriedade, subscritos voluntariamente. A cobertura suplementar para a perda catastrófica é financiada por um prêmio adicional de 12% em todos os contratos de seguro de propriedade. A cobertura obrigatória é aplicada a todos os indivíduos segurados, independentemente de serem particularmente vulneráveis a catástrofes naturais (VAN DEN BERGH; FAURE, 2006, p. 30). O sistema, denominado CAT/NAT, é uma criação do governo, mas concretizou-se com a participação de companhias de seguros, que no início relutaram em expor passivos poten- cialmente significativos num mercado sobre o qual tinham informações limitadas. O conven- cimento das seguradoras pelo governo resultou da criação de uma companhia de resseguros financiada pelo Estado, a Caisse Centrale de Réassurance (CCR), que reassegura 50% do risco de apólices de seguro contra desastres a uma taxa extremamente competitiva. O sistema é atraente para seguradoras privadas, que retêm 50% do risco e vendem os 50% restantes para o CCR. O governo fornece ao CCR uma garantia financeira, intervindo para pagar o excesso de responsabilidade quando 90% das reservas do CCR estiverem esgotadas (FELDMAN; FISH, 2015). Os prêmios do seguro são uniformes, cal- culados como uma percentagem fixa do custo, independentemente dos fatores de risco do se- gurado. Para alguns, esse aspecto da política CAT/NAT pode incentivar o risco moral, em particular pela possibilidade de o valor da solida- riedade ser minado por indivíduos que assumem riscos inadequados, sabendo da possibilidade de poderem espalhar suas perdas relacionadas com desastre à população em geral (FELDMAN; FISH, 2015). Essa observação parte do tradicional para- digma (BEN-SHAHAR; LOGUE, 2012) de que todo seguro cria risco moral. Ou seja, embora o seguro represente uma alternativa de alívio no pós-desastre, sua desvantagem é que ele diminui o incentivo do segurado no sentido de mitigar as perdas. Ora, ainda que em algumas configu- rações de contrato essa seja a realidade, partir desse pressuposto é ótima desculpa para evitar o enfrentamento da questão por meio dessa alternativa de compensação. Se exemplos de insucesso são possíveis, o oposto também pode ser verdadeiro e merece reflexão. Por exemplo, algumas cláusulas dos contratos, como incen- tivos à mitigação e outras obrigações, podem levar os contratantes não apenas a evitar o risco moral, mas a tomar precauções mais eficientes (GOLDBERG, 2009). O sistema CAT/NAT aplica essa lógica, in- centivando a implementação de políticas de

sendo transferidos para o consumidor e os preços aumentam. Por certo, essa realidade não perdura para sempre, mas em geral por um período, até que o mercado se reestabeleça do desastre. Por essa razão, novas fontes de capital são fundamentais para facili- tar o ciclo. Na última década, os mercados de capitais têm demostrado interesse e capacidade para assumir riscos catastróficos. A natureza cíclica do mercado de resseguros faz com que as seguradoras primárias elevem os prêmios ou se retirem completamente dos riscos de subscrição em áreas propensas a catástrofes. Os mercados de capitais, por sua vez, representam uma solução potencial para essa falta de capacidade, e a maturidade do mercado de títulos (cat bonds) indica que eles podem ser a melhor solução (BERGHMAN, 2013, p. 27, tradução nossa). Essas novas fontes de capital fazem parte do mecanismo denomi- nado transferência alternativa de riscos, que aumenta a capacidade de securitização do risco (BERGHMAN, 2013). Esse mercado existe para proporcionar capacidade extra às seguradoras primárias. Usando vários métodos, essas entidades assumem segmentos dos riscos, subscrevem mais políticas, ao mesmo tempo em que estabilizam os preços. Os títulos de catástrofe (também conhecidos como catastrophe bonds) transferem um conjunto específico de riscos de um patrocinador para investidores. Foram criados e utilizados pela primeira vez em meados da década de 1990, no rescaldo do furacão Andrew e do terremoto de Northridge. Por esse mecanismo, investidores adquirem um título, cujo capital é perdido quando o parâmetro determinado pelo contrato for desencadeado. Por exemplo, quando um furacão de categoria cinco atingir uma determi- nada cidade e causar pelo menos 15 bilhões em danos, imediatamente as obrigações assumidas pela aquisição do título vinculado ao risco estarão em vigor. Nos casos em que o evento (probabilisticamente baixo) ocorrer, o valor investido será utilizado para pagar as reivindicações de seguros (BERGHMAN, 2013, p. 224, tradução nossa). Essa solução também pode ser pensada para os casos de inundação. A transferência de risco é uma opção que representa a convergência dos mercados de seguros e de capitais. Mercados tradicionalmente separados trabalhando em conjunto para desenvolver produtos que permitam espa- lhar e transferir o risco sobre a imensa capacidade dos mercados financei- ros (BERGHMAN, 2013). As catastrophe bonds estão mais próximas da transferência de risco pura, pois, caso uma obrigação seja desencadeada, a seguinte não será mais cara, devido à capacidade substancialmente maior dos mercados de capitais (BERGHMAN, 2013).

7 Alternativas de seguro para países em desenvolvimento

Freeman e Kunreuther (2002, p. 211) argumentam que uma distinção primária entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é o papel integral que a transferência de risco desempenha na gestão de risco. Em muitos países desenvolvidos, a transferência de risco é um componente de integração de estratégias variadas de gerenciamento de risco. Na maioria dos países em desenvolvimento, em geral a transferência de risco não é um componente de uma estratégia abrangente. Além disso, há uma diferença fundamental entre formas de transferir riscos de desastres “naturais” entre países desenvolvidos e economias emergentes. Na maioria dos países desenvolvidos, o seguro é a principal forma de transferir o risco. Na maioria dos países emergentes ou em desenvolvimento, o governo compromete-se a financiar a reconstrução após um desastre (FREEMAN; KUNREUTHER, 2002, p. 202). Eventos extremos de início repentino são um problema crônico, especialmente em países em desenvolvimento. Embora as catástrofes climáticas estejam minando capacidades, nesses países os mecanismos de compensação são altamente inadequados, e os governos geralmente não têm recursos e vontade política de se envolverem num planejamento de longo prazo. Ademais, esse planejamento envolve questões urbanísticas, instituição ou readequação de códigos de construção, reassentamento e deslocamento, com vistas a reduzir a exposição a eventos climáticos extremos (LYSTER, 2015). Uma inundação pode ter consequências devastadoras para o processo de desenvolvimento econômico de um Estado, bem como ser um dos responsáveis por manter a população na pobreza. Daí surge a questão de saber como, mais particularmente para o caso dos países em desen- volvimento, uma compensação adequada e efetiva pode ser fornecida às vítimas. Muitos diriam que não existe nenhuma resposta adequada, pois a melhor maneira de proteger a vítima é obviamente a prevenção. Por certo, a prevenção é sempre relevante. No entanto, é preciso lembrar que ela muitas vezes se baseia numa cultura de gestão de risco, no raciocínio de longo prazo e no pressuposto de que o indivíduo tem várias opções e, portanto, pode escolher a menos arriscada (estabelecendo-se numa área segura). Infelizmente, essa não é a realidade das populações em países em desenvolvimento (FAURE; WIBISANA, 2013). Nos EUA e na Europa há uma tendência de crescimento da com- pensação baseada em seguro, complementada por parceria público-pri- vada com apoio governamental (geralmente atuando como ressegura- dor) para fornecer resseguro onde os mercados falharem (MICHEL- KERJAN; MARCELLIS-WARIN, 2006). Esses acordos são desenvolvidos

avaliam perdas individuais após um evento. Isso faz com que programas tradicionais de seguro, como de colheitas, sejam dispendiosos e demo- rados para segurado e segurador. Para evitar os altos custos de transação dos sistemas de seguro baseados em indenizações, os sistemas baseados em índice ou paramétricos fazem com que os pagamentos dependam de um gatilho físico, como a precipitação mensurada numa estação meteorológica regional, o que evita liquidações caras e demoradas. Desse modo, no caso de derivados do clima, os agricultores têm acesso ao pagamento do seguro se o índice atingir certa medida, independentemente das perdas reais. Esses sistemas podem oferecer uma alter- nativa menos onerosa e, portanto, mais viável à cultura tradicional baseada em indenização. Essa espécie de seguro já está à disposição para agricultura e pecuária em países como Malawi e Mongólia, respectivamente. Apesar de ino- vador, e com potencial de aplicabilidade até para casos de inundação, seu sucesso depende da capacidade de pagamento das coberturas necessárias, do apoio de assistência técnica, de subsídios nacionais ou de doadores interna- cionais (LINNEROOTH-BAYER; MECHLER; HOCHRAINER-STIGLER, 2011). À luz dos custos significativos que envolvem os eventos extremos, outro desafio é identificar camadas apropriadas de transferência de ris- co com custos mais baixos (LINNEROOTH- BAYER; MECHLER; HOCHRAINER-STIGLER, 2011). A palavra camada aqui tem exatamente a noção de reforço em diferentes níveis. O CCRIF é o primeiro sistema de pool de risco entre Estados do mundo nesses moldes e apresenta vários recursos inovadores. O CCRIF funciona como uma companhia de seguros controlada pelos governos participantes. Oferece seguro de ca- tástrofe menos oneroso do que os disponíveis nos mercados comerciais de seguros e resse- guros. Embora interaja com os atores do setor privado nos mercados de seguros e resseguros comerciais, os representantes governamentais contribuem para o funcionamento do sistema, garantindo que a tomada de decisões reflita as necessidades dos Estados membros. Ao reunir o risco de nível regional, os países do Caribe podem evitar ter que reservar grandes quanti- dades de dinheiro público para atender ao risco de um ciclone ou terremoto tropical catastrófico. O pool de riscos em nível regional proporciona eficiência na administração do seguro. Em vez de cada Estado ter uma administração separada do seguro de risco catastrófico, essa função é centra- lizada em nível regional pelo CCRIF (MCGEE; PHELAN; WENTA, 2014). O CCRIF cobre uma pequena proporção das reivindicações potenciais mediante contribuições dos Estados membros e compra cobertura de resseguro nos mercados de resseguros internacionais para cobrir reivin- dicações até determinado nível no ano. A cobertura do seguro baseia-se no mecanis- mo de gatilho paramétrico. O valor a ser pago ao abrigo do seguro é predeterminado por um modelo de estimativa de perdas que identifica o valor devido ao Estado segurado após um ciclone tropical ou um terremoto de particular gravidade, por exemplo. O CCRIF é, portanto, capaz de distribuir rapidamente dinheiro para os Estados afetados e evitar atrasos que por vezes ocorrem nas políticas de danos de propriedade indenizáveis disponíveis nos mercados de segu- ros comerciais. Sua capitalização inicial proveio do financiamento de países desenvolvidos e organizações internacionais de fora da região do Caribe (MCGEE; PHELAN; WENTA, 2014). Embora represente um modelo instrutivo como mecanismo de transferência de risco re- gional para uma maior adaptação aos eventos climáticos extremos relacionados com mudanças climáticas, esse sistema tem uma desvantagem. As perdas financeiras sofridas como resultado do evento catastrófico podem diferir do valor

calculado de acordo com o modelo de estima- tiva de perda, deixando os Estados membros com uma queda na cobertura. Ainda assim, os segurados têm assumido esse tipo de risco para garantir o acesso rápido aos fundos, visto que nessas circunstâncias é difícil avaliar com preci- são a perda real associada a um evento climático extremo (MCGEE; PHELAN; WENTA, 2014). O pool de riscos pode dispersar riscos entre regiões, grupos regionais, nacionais e até inter- nacionais. Entre os setores público e privado, pode reduzir consideravelmente o custo do risco. O desafio, contudo, é desenvolver pro- cedimentos unificados de estimativa e “cultura de risco” comum para as regiões e países envol- vidos (LINNEROOTH-BAYER; MECHLER; HOCHRAINER-STIGLER, 2011), bem como identificar características de exposição e vul- nerabilidade semelhantes. O CCRIF (THE CARIBBEAN…, c2008) e a ARC (AFRICAN UNION, 2016) são dois exem- plos de como configurar um sistema e conceber limites objetivos hidrológicos e meteorológicos que desencadeiem pagamentos de seguros. A ideia de um pool de risco nesses programas ba- seia-se no fato de que as secas ou inundações não acontecem em todos os anos nas mesmas partes do continente e, portanto, nem todos os países que participam do pool receberão um pagamento. Uma alternativa para manter os prêmios baseados em risco, sem desconsiderar acessi- bilidade, é a concessão de valores (que cubram parte do custo do seguro) ou empréstimos para investimento em mitigação. Por exemplo, o Departamento de Habitação de Connecticut, nos EUA, desenvolveu o Shore Up Connecticut Loan Program, voltado para residências uni- familiares próprias ou alugadas e empresas. O financiamento tem por objetivo aprimorar ele- vações das propriedades e facilitar adaptações relacionadas às atividades de proteção contra inundações e vento. O valor do voucher (valor concedido pelo programa) é determinado pelo rendimento da família e a magnitude do au- mento do prêmio do seguro (KUNREUTHER; MICHEL-KERJAN, 2013). A parceria público-privada também é uma alternativa. Como resultado das últimas enchen- tes no país e décadas de negociação, em 2014 o governo britânico e a Associação Britânica de Seguradores fecharam um acordo cujo objetivo era estabelecer um equilíbrio entre governo e o setor privado de seguro, diante das mudanças climáticas e desastres relacionados ao clima. As tratativas receberam autoridade estatutária nos termos da Parte 4 do Water Act 2014 (UNITED KINGDOM, 2014) e vigerão por 25 anos, expi- rando em 2039. Resumidamente, os principais pontos do acordo são: oferta de seguro em áreas de alto risco com preços acessíveis; estabeleci- mento de um sistema de resseguro para inun- dação – Flood Reinsurance Scheme (Flood Re) –, com o fim de proporcionar disponibilidade e acessibilidade para as moradias, bem como gerenciar a transição do preço relacionado ao risco do seguro contra inundações ao longo de um período de 25 anos para as famílias; garantia de que o governo será o primeiro responsável pelas perdas em caso de um evento catastrófico que o sistema de resseguro não possa arcar; e a assunção, pelo governo, da responsabilidade de aumentar os gastos com medidas de proteção contra a inundação. O exemplo inglês é inovador e pode oferecer insights e inspiração para outras jurisdições em busca do equilíbrio entre o público e o privado diante dos desastres naturais e da compensação das vítimas. Contudo, a existência de alternativas ligando seguro a eventos extremos não é sufi- ciente para apagar as diferenças de realidades, vulnerabilidades, culturas e economias. Não há uma fórmula de seguro aplicável a desastres. Ademais, é improvável que os prêmios possam