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Tipologia: Trabalhos
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Lucía Eilbaum Simoni Lahud Guedes
Ciência e realidade
Antropologia do Direito
Introdução
Figura 1.1: A jovem e o velho. Fonte: http://interestingchemistry. wikispaces.com/Optical+Illusions
O que você enxerga nessa imagem? Uma velha de nariz grande? Uma jovem de chapéu? Um senhor de bigode grande? Qual a figura real? Qual a visão verdadeira?
Essas e outras são perguntas muito comuns que podemos enfrentar diante de diversas situações sociais. Dois observadores diferentes ou um mesmo observador localizado em um ponto de vista diferente podem enxergar um mesmo objeto como sendo coisas distintas. Da mesma for- ma, uma mesma situação social – uma briga, um assassinato, um casa- mento, um abraço, uma piscadela de olho – pode apresentar diferentes versões e ser interpretada com sentidos distintos por parte dos diversos atores envolvidos. E isso porque cada um deles tem pontos de vista, in- teresses e motivos distintos para explicar a situação.
De forma mais geral, também, cada sociedade tem formas distintas de explicar fenômenos aparentemente semelhantes; se em uma sociedade o adoecimento de uma pessoa explica-se por causas físico-orgânicas, em outra pode sê-lo pela maldição dos deuses. Em uma sociedade como, por exemplo, a do Timor Leste, o fato de um marido bater “den- tro de certos limites” na esposa porque ela tem um amante, não serviu a água quente ou não serviu o almoço não é considerando um ato de violência, mas encontra-se dentro do esperado e estabelecido nos acor- dos matrimoniais, como direitos e obrigações entre marido e mulher
Aula 1 • Ciência e realidade
(SIMIÃO, 2005). Já no Brasil, por exemplo, isso pode ser considerado um crime, tal como estabelecido na lei de “violência doméstica”, pelo qual o marido pode vir a ser julgado e castigado com pena de prisão. Ou seja, o mesmo ato físico de “bater” tem diferentes sentidos em culturas distintas. E nenhum é mais verdadeiro ou real do que o outro, são ape- nas formas diferentes de entender o mundo. Ora, em diferentes momentos históricos, em diferentes sociedades, do- mínios distintos da vida social têm tido a atribuição de definir quais versões seriam as mais “verdadeiras”. E tais domínios têm ganhado a autoridade legítima para estabelecer seus pontos de vista sobre outros. Nesta aula, trataremos de um desses domínios da vida social em par- ticular, que é a Ciência. Mostraremos que é a partir do século XVIII que, nas sociedades ocidentais, a ciência tem se constituído em uma ins- tituição social cujas afirmações ganham status de verdade e, portanto, legitimidade e prestígio social. Também evidenciaremos que a ciência, como outras instituições, tem concepções particulares, mas não absolu- tas nem universais, do que seja a realidade. Ao mesmo tempo, importa ressaltar que as questões desenvolvidas nes- ta primeira aula serão de vital importância para entender a disciplina Antropologia do Direito como um todo. Nesse sentido, elas servirão para, ao longo do curso, problematizar o papel do direito como outro domínio da vida social moderna com legitimidade e autoridade para definir uma certa realidade e sua consequente verdade.
A realidade
A brincadeira realizada com a figura da Introdução, na qual podia se enxergar uma velha, uma jovem ou um senhor, dependendo da perspec- tiva ou do lugar de visão, mostra com clareza aquilo que alguns filósofos e cientistas sociais costumam afirmar: “Não existe um mundo em si.” Quer dizer, não há uma realidade fechada, independente do homem, da cultura e da sociedade. O mundo é povoado de coisas físicas, mas elas só adqui- rem sentido ao serem conceitualizadas pelo homem. Assim, o mundo é aquilo que o homem conceitua, organiza e transforma como tal. Na Antropologia, é clássico o exemplo de Clifford Geertz sobre a “piscadela de olho”. Dois garotos contraindo suas pálpebras – mesmo ato físico – podem estar comunicando mensagens completamente dife- rentes: um deles pode estar executando, quase sem perceber, um tique
Aula 1 • Ciência e realidade
Assim, se na Idade Média aquelas ideias que contradissessem a teo- logia e as concepções de mundo por ela estabelecidas, como foi o caso do processo de Galileu G alilei, não encontravam lugar na sociedade medieval e até eram duramente castigadas, na modernidade tudo aquilo que não passa pelo crivo da “comprovação científica” não é considerado válido, legítimo, verdadeiro. Costuma ser tratado como simples filoso- fia, arte, mito, lenda. Mas o que é a tal comprovação científica? Tal questão, que abordare- mos a seguir, mostra a urgência em desmitificar essa coisa quase mágica chamada ciência e de relativizá-la como aquilo que é: uma das formas, dentre outras, de construir e entender a realidade.
A ciência: visões de mundo
O que é a ciência? A ciência poder ser entendida como a revelação de certos aspectos do mundo, tais como eles se apresentam ao ser hu- mano, quando este lhe faz determinadas questões (DUARTE JÚNIOR, 1984, p. 92). Para organizar tais questões, a ciência funciona através da constru- ção de modelos que orientam tanto a formulação das questões quan- to a elaboração das respostas. Assim, aquilo que se chama de “teoria científica” é nada mais nada menos do que um modelo construído, em um determinado contexto histórico, para representar um determinado aspecto da realidade. Chamamos a atenção de não estarmos falando da realidade como um todo, mas de aspectos dela. Sendo assim, diferentes modelos, diferentes teorias científicas e diferentes ciências abordarão aspectos específicos da realidade que sejam do seu interesse, ou bem os mesmos fenômenos, mas a partir de perguntas e questionamentos es- pecíficos. Podemos dizer de forma esquemática, por exemplo, que o ser humano pode ser abordado, em seus aspectos físicos e fisiológicos, pela biologia; em seus aspectos psíquicos pela psicologia e, em seus aspectos sociais, pela sociologia e pela antropologia. Mas como funcionam esses modelos? Quais são válidos e quais não são? Ao observar determinados fatos da realidade, o cientista os organiza, como mencionamos, na forma de modelo, que é submetido à compro- vação científica para testar sua validade: se funcionar – se “der certo”–, ele será utilizado como um esquema de compreensão e, eventualmente, transformação daquele aspecto da realidade. Se não funcionar, o mode-
Galileu Galilei Nasceu na Itália, em
Antropologia do Direito
lo será descartado como “falso”, e a busca pela construção de um novo modelo continuará. Como veremos na Aula 2, cada tipo de ciência – as Naturais e as Sociais – terá formas distintas de construção e de compro- vação de seus modelos.
O filósofo José Duarte Júnior, ao tratar do papel da ciência na modernidade, chama a atenção para um paradoxo. Ele diz:
É evidente que esta posição central da ciência adveio das trans- formações que através dela (e da tecnologia, sua filha direta) conseguiram imprimir-se ao mundo. O poder da ciência na de- finição da realidade deriva-se de seu enorme poder para trans- formar o mundo e até reduzi-lo a pó. É irônico: seu poder de definição do real advém, em última análise, de sua capacidade de destruí-lo (1984, p. 91).
O filósofo da ciência Thomas Khun (1979) denomina esses modelos de “paradigmas”. Um paradigma, para Khun, é um modelo que os cientistas seguem em um determinado período histórico e que é constituído por teo- rias, formas de procedimento, método e certos princípios metafísicos. É uma perspectiva de ver e explicar o mundo – ou um aspecto dele – que é domi- nante dentro de uma comunidade científica em um dado momento.
Para Khun, o desenvolvimento da ciência se dá a partir da substituição de um paradigma por outro, no que ele identifica como um momento de “revolução científica”. Nesta perspectiva, a ciência se desenvolve em etapas:
Antropologia do Direito
A verdade
Quando é comprovado que um certo modelo científico “funciona”, considera-se que ele é verdadeiro e estará vigente no âmbito de uma determinada ciência até que surjam novos fatos que o modelo não possa mais explicar. Será, então, o momento de construir um novo modelo que o substitua. Com essa substituição, afirmações que eram conside- radas verdadeiras deixam de sê-lo e novas afirmações, e até opostas, tornam-se “verdades científicas”.
Já vimos como a teoria do geocentrismo foi substituída pelo helio- centrismo, e assim poderíamos dar outros exemplos. Também é comum de tempos em tempos lermos nos jornais “descobertas científicas” que se contradizem entre si: ora pesquisadores de uma universidade “desco- brem” que a carne vermelha é fonte essencial da alimentação humana, ora pesquisadores de outra condenam o consumo de carne vermelha porque faz mal à saúde. Assim, da mesma forma que fizemos com o conceito de realidade, faz-se necessário relativizar a noção de verdade, sendo que o que pode ser tomado como “verdadeiro” em um momento pode deixar de ser considerado como tal em outro. Da mesma forma, o que pode ser considerado como “verdadeiro” em um âmbito da ciência pode não sê-lo em outro âmbito. Isso porque a questão da verdade de- pende de, pelo menos, dois fatores:
Aula 1 • Ciência e realidade
Essa capacidade de relativizar conceitos e visões de mundo é de grande importância para a produção de um conhecimento mais aberto a mudan- ças e novas incorporações, sendo, como veremos na Aula 2, uma pers- pectiva fundamental da Antropologia. Da mesma forma, é uma pers- pectiva importante para um convívio social mais tolerante e aceitador da diferença. Com esse aspecto, enfatizamos o fato de não se tratar de comparar “verdades” considerando umas superiores ou melhores do que outras. Trata-se de entender, justamente, que são “apenas” pontos de vista distintos sobre certos aspectos da realidade.
O relativismo é uma teoria que afirma que algo é relativo, em oposição à ideia da existência de uma verdade ou valor absoluto, categórico. Assim, sugere que as verdades (morais, religiosas, po- líticas, científicas etc.) variam conforme a época, o lugar, o grupo social e os indivíduos de cada lugar. Quando se fala em “relativo”, quer-se dizer que toda avaliação é relativa a, está relacionada com algum padrão, seja qual for, espe- cífico de um grupo social. O relativismo é um ponto de vista oposto ao etnocentrismo, que leva em consideração apenas um ponto de vista – o próprio – em detrimento dos demais. No campo da Antropologia, o relativismo, como corrente teóri- ca, comumente denominado de “relativismo cultural”, preconiza que cada cultura tem seus próprios valores e costumes e que os mesmos devem ser colocados em um patamar de igualdade e não avaliados de forma hierárquica.
Ciência e senso comum
Há ainda um aspecto que pode parecer óbvio, mas que achamos importante evidenciar: o cientista, assim como o religioso, o artista, o
Aula 1 • Ciência e realidade
Nesse sentido, o senso comum, como forma de explicar os fatos da vida social e cotidiana, é a base da qual parte o conhecimento científico.
Atividade 2
Atende ao Objetivo 2
Um ditado popular diz: “Quem brinca com fogo se queima.” Analise a situação à luz do conhecimento científico e à luz do senso comum.
Resposta Comentada Do ponto de vista científico, tal frase se explica pelas propriedades do fogo e pela reação que produz na pele humana. Para o senso comum, a frase significa “não tem um sentido literal nem linear.” Ela é utiliza- da não para destacar as características químicas do elemento fogo, mas para se referir às consequências prejudiciais, previsíveis e inevitáveis de brincar com uma coisa perigosa.
O espírito científico
Como ponto final desta aula, interessa-nos enfatizar um aspecto mui- tas vezes levantado e até questionado, criticado e denunciado na produção científica: a imparcialidade ou neutralidade do científico ou pesquisador. O título da seção é emprestado de uma expressão de Thomas Khun a qual aponta, como uma das características do cientista ideal, o fato de “ser objetivo e ter espírito aberto”. Vejamos o que ele diz ao iniciar seu artigo “A função do dogma na investigação científica” (1979):
Estou certo de que cada um dos participantes neste simpósio se expôs, a dada altura de sua carreira, à idéia do cientista como o investigador sem preconceitos em busca da verdade; o explo-
Antropologia do Direito
rador da natureza – o homem que rejeita preconceitos quando entra no laboratório, que coleciona e examina os fatos crus, obje- tivos, e que é fiel a tais fatos e só a eles (1979, p. 53).
Com esse trecho, Khun chama a atenção para o fato de que essa imagem ideal do cientista não é o que se verifica na prática. Os cientistas são pessoas com preconceitos, prenoções, julgamentos prévios sobre o aspecto da reali- dade que irão pesquisar, a maioria deles provenientes do conhecimento do senso comum, discutido na seção anterior. De fato, todo objeto de pesquisa nasce de uma preocupação prévia do pesquisador com tal objeto. Nenhum cientista enfrenta sua pesquisa, seu objeto, digamos assim, “cru”, do zero.
Esses preconceitos e prenoções podem estar referidos a uma hipótese prévia que o cientista buscará, insistente e persistentemente, demonstrar. Ou seja, buscará, através da pesquisa, chegar ao resultado esperado. E isso como forma de validar e legitimar o paradigma e o modelo vigentes.
Além disso, os preconceitos e prenoções também advêm da inserção do cientista em uma dada cultura, da vida social, de sua história de vida, familiar, profissional, de seus valores religiosos, morais, políticos.
Isso nos leva a afirmar a inevitabilidade de cientistas e pesquisadores terem esses preconceitos, posto que, como dissemos, são seres humanos inseridos em culturas específicas.
A questão que interessa à ciência, em tal caso, é explicitar esses pre- conceitos de forma a evidenciar e controlar sua possível influência na atividade científica. Nesse sentido, retomando as ideias centrais da aula em torno da relativização de conceitos como realidade, verdade e ci- ência, deixamos claro que a imparcialidade e a neutralidade absolutas também não existem. Porém, existem formas de controlar e explicitar os interesses, os valores e as prenoções.
Atividade Final
Atende ao Objetivo 3
Em 1925, John Scopes foi condenado no Tennessee por ensi- nar as teorias de Darwin. Em 1999, o Kansas criou, com uma simples resolução, um cenário quase igual. Mas desta vez o