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TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO: Sistema Tributário Nacional. Princípios Constitucionais Tributários.
Tipologia: Notas de estudo
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SUMÁRIO: 4.1 Introdução – 4.2 Princípios financeiros – 4.3 Princí- pios orçamentários: 4.3.1 Legalidade; 4.3.2 Unidade; 4.3.3 Uni- versalidade; 4.3.4 Anualidade; 4.3.5 Não afetação [das receitas]; 4.3.6 Exclusividade; 4.3.7 Especialidade; 4.3.8 Princípio da pro- gramação; 4.3.9 Sinceridade orçamentária; 4.3.10 Transparência; 4.3.11 Equilíbrio; 4.3.12 Eficiência; 4.3.13 Razoabilidade – 4. Conclusão. 4.1 Introdução Sem a intenção de aqui discorrer sobre as diversas teorias que pretendem explicar os princípios jurídicos e as suas diferen- ças no tocante às regras, focaremos na noção de que princípio é um mandamento nuclear de um sistema, é o seu alicerce. É o ponto de partida da interpretação jurídica (no caso do Direito) e também o seu ponto de chegada, como costumamos dizer.^283 (^283) Em outra obra averbamos: “[...] toda interpretação deve ter como ponto de partida os princípios, mas também os tem como ponto de chegada. Significa isso dizer que o intérprete deve arrancar do princípio ao buscar o Direito aplicável à situação concreta, pois ele (princípio) o informará acerca do caminho a percorrer. Ao final do percurso interpretativo, de- verá o jurista ( lato sensu ) verificar se o resultado alcançado (a sua de- cisão quanto ao que diz o Direito naquele caso) se coaduna com o(s) princípio(s) que iluminou (iluminaram) o seu caminho. Só então, cre- mos, se terá encontrado a solução – ou ao menos uma das possíveis solu- ções jurídicas – para ser referida à respectiva situação” ( O princípio do não confisco no direito tributário , p. 26).
126 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS Os princípios são, em geral, mais genéricos que as regras, carregam valores de forma mais expressiva que as regras etc. Possuem, no entanto, a mesma força vinculante das regras, ou seja, sendo normas jurídicas, como as regras, impõem a sua obediência. Como enunciados genéricos, os princípios condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, tanto no que se refere à criação de novas normas quanto para aplicação e in- terpretação destas, auxiliando no problema das lacunas. Ricardo Lobo Torres esclarece que “os princípios, sendo enunciados genéricos que quase sempre se expressam em lin- guagem constitucional ou legal, estão a meio passo entre os valores e as regras na escala da concretização do direito e com eles não se confundem”. 284 Com efeito, enquanto os valores jurídicos dificilmente se traduzem diretamente, como tais, em linguagem normativa, por constituírem ideias abstratas, os princípios representam o pri- meiro estágio da sua concretização, mesmo que ainda compor- tando grau elevado de abstração e indeterminação. Eliminam, em contrapartida, a possibilidade de edição de outras normas que lhes contradigam e, ao mesmo tempo, cerceiam o conteúdo de tais normas. O mesmo professor aponta para a necessidade de os prin- cípios operarem em equilíbrio, buscando a ponderação, em consequência da dimensão do peso que possuem.^285 Defende, ainda, que os princípios são abertos à interpretação, seja pela de- dução (a partir dos valores), seja pela indução (a partir de casos concretos). São, também, os princípios, dotados de historicidade e têm a sua compreensão e ponderação adequadas ao contexto em que se inserem. (^284) Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 89. (^285) Idem, ibidem, p. 90-91.
128 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS acontece em todas as ciências e demais atividades, tenha se de- senvolvido e progredido de lá para cá. Em todo caso, os “princípios”, que o eram naquela época, continuam sendo-o hoje também, talvez com o acréscimo de um ou outro e a extensão ou redução da abrangência com referência a alguns deles. Baleeiro informa que alguns princípios fundamentais à ela- boração orçamentária se tornaram clássicos desde o século XIX, graças à experiência inglesa e à francesa.^288 Registre-se que os princípios orçamentários, na sua maioria, têm um caráter mais prático que axiológico – com importantes exceções, contudo –, talvez até porque foram construídos com base na experiência europeia e norte-americana, principalmente, com base em indicativos das finanças públicas, notadamente no atinente às perspectivas econômicas e contábeis. Em suma, prepondera no significado do que são princípios orçamentários a sua perspectiva técnica, isto é, aquilo que se observou, com o passar do tempo, como aconselhável e exitoso na elaboração dos orçamentos, sem prejuízo, que fique claro, de sua também importante função auxiliadora da interpretação da matéria. 4.3 Princípios orçamentários Tratar-se-á, aqui, dos princípios orçamentários que nos pa- recem os mais importantes e que são aplicados, de um modo ou de outro, até os presentes dias. Ressalte-se que, se em todos os manuais de Direito Finan- ceiro o tema “princípios” é tratado, nem sempre os autores coin- cidem quanto ao seu número e, muitas vezes, também, quanto à sua extensão e ao seu alcance. (^288) Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças , p. 410.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 129 Cuidaremos, pois, daqueles que nos parecem os mais im- portantes. Comecemos pela legalidade. 4.3.1 Legalidade A legalidade, evidentemente, não é um princípio típico do orçamento, sendo parte do ordenamento jurídico como um todo, e muito especialmente no espectro do Direito Público. No Direito Financeiro – aqui também abarcando a sua fatia tributária – é fácil perceber a sua importância. Vem ele carregado de imensa carga valorativa, sendo um dos cânones da represen- tatividade. A história da legalidade caminha com a do orçamen- to e a dos próprios Parlamentos. Quando se decidiu que não se poderiam mais cobrar tribu- tos sem que o povo fosse ouvido, deu-se o primeiro passo para que o povo precisasse consentir em ser tributado e, logo em seguida, quisesse saber também para onde seriam destinados os recursos arrecadados com aquela cobrança. A reunião do povo (o que em cada época representava o que se denomina “povo”) em assembleia para consentir o tributo e o destino da arrecadação acabou por sedimentar a ideia da existên- cia e atuação permanentes dessas reuniões, culminando naquilo que hoje se chama de Parlamento. De toda sorte, como dissemos, o princípio da legalidade não é peculiar ao orçamento, mas é absoluto pressuposto para a existência deste. Para o Direito Financeiro – e, mais fortemente ainda, para o orçamento – não há como deixar de lado a legalidade, porquanto nenhum gasto pode ser realizado sem que a lei o autorize. A Constituição da República traz o princípio da legalidade geral no art. 5.º, II, quando diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, expressando-o diversas outras vezes. Para a tributação, por exemplo, o art. 150, I, reza que: “Sem prejuízo de outras garan-
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 131 com o mesmo enunciado, mudando somente a ênfase em algum aspecto da frase. Vê-mo-lo como aquele que dipõe: “todas as receitas e to- das as despesas devem estar contidas num único documento ”. É dizer: a peça orçamentária deve propiciar a visão conjunta das receitas e das despesas do Estado, para quem quiser saber e, principalmente, para apreciação pelo Poder Legislativo. Esse documento “único” não é necessariamente um só papel ou um só documento, como acontece hoje no Brasil, por- quanto a Constituição prevê que a lei orçamentária anual será composta do orçamento fiscal , do orçamento de investimento das estatais e do orçamento da seguridade social.^289 Pretende-se, com a unidade , permitir, além da visão con- junta referida, que se exerça o devido controle das contas públi- cas e dificultar as “tentativas de dissimular ou ocultar gastos em orçamentos e “contas especiais”, como adverte Villegas.^290 No âmbito infraconstitucional, a Lei 4.320/1964 prescreve, no caput do seu art. 2.º, que a Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e des- pesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade , universalidade e anualidade. (^289) Conforme o art. 165, § 5.º, “A lei orçamentária anual compreenderá: I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, ór- gãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”. (^290) Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tributario , p.
132 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS A “unidade”, como princípio orçamentário, também é ins- pirada no princípio da chamada unidade de caixa , no sentido de que o Tesouro deve ser concebido como um “caixa único”. Martínez Lago e García de La Mora pontuam que o princípio da unidade tem como “ consequências contábeis” a unidade de cai- xa, a unidade de conta monetária e a unidade de contabilidade.^291 Modernamente, dada a complexidade do orçamento, é pos- sível que todas essas informações deixem de constar em um só documento, como é o caso dos vários “orçamentos” previstos para integrarem a lei orçamentária anual no Brasil (art. 165, § 5.º). O que se busca é que não haja orçamentos paralelos ou anexos. 4.3.3 Universalidade Como mencionamos anteriormente, os princípios da unida- de e da universalidade, em matéria orçamentária, se entrelaçam, sendo, por vezes, difícil de estabelecer-lhes a precisa frontei- ra.^292 Definimo-lo como aquele que diz que “ todas as receitas e todas as despesas devem estar contidas num único documento”, com ênfase na primeira parte do enunciado, procurando expres- sar que nenhuma receita e nenhuma despesa devem ficar fora da peça orçamentária. A importância disso, já se percebe, está, novamente, em propiciar um exame global das finanças públicas, permitindo ao (^291) Martínez Lago e García de La Mora, Lecciones de derecho financiero y tributario , p. 199. Esclarecem essa unidade: “los cobros y los pagos de- ben centralizarse en una única caja, lo que proporciona flexibilidad para sus flujos y previene contra las irregularidades a que fácilmente pudieran dar lugar las cajas múltiples o especiales, expresarse en un valor o mone- da uniforme y obedecer a un plan contable normalizado”. (^292) Michel Bouvier também observa que “unidade e universalidade orçamen- tárias são, por vezes, difíceis de distinguir. O risco de confusão é escusável, porquanto ambas exigem que todas as despesas e todas as receitas do Es- tado figurem num mesmo orçamento” (Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finances publiques , p. 283).
134 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS gido com o da universalidade, visando ao mesmo objetivo, qual seja o de propiciar o controle do Parlamento sobre todas as recei- tas e despesas do Estado. É enunciado, no Direito positivo bra- sileiro no art. 6.º da Lei 4.320/1964, com o seguinte teor: “Art. 6.º Todas as receitas e despesas constarão da Lei de Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções”. Bouvier fala do “princípio de não compensação”, que se manifestaria sobre duas formas de operações orçamentárias. Haveria dois sistemas possíveis de apresentação do orçamen- to: a) no primeiro deles, poder-se-iam inscrever no orçamento todas as receitas e todas das despesas dos diversos serviços do Estado, sem exceção. “É o método do ‘orçamento bruto’ que proíbe a um determinado órgão público de apresentar suas pre- visões de despesas tendo-se deduzido previamente o montante das receitas eventualmente previstas.”^296 No segundo sistema, b) podem-se apresentar as previsões sob a forma de um orçamento líquido. Utilizando-se o primeiro, a autorização legislativa é necessariamente detalhada; com o segundo essa autorização é global e refere-se somente a um saldo. Dito isso, ressalte-se que o princípio da não compensação “implica o recurso à técnica do orçamento bruto”.^297 Giacomoni traz como exemplo de aplicação desse princípio (o do orçamento bruto) o ICMS, em relação ao qual os Estados de- vem transferir aos Municípios 25% do total arrecadado (art. 158, no haya compensación o confusión entre gastos y recursos; que tanto unos como otros sean consignados en el presupuesto por su importe ‘bru- to’ sin extraer saldos ‘netos’” (Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, v. 1, p. 160). (^296) Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan- ces publiques , p. 284. No original: “C’est la méthode du budget brut qui interdit à un certain service public de présenter ses prévisions de dépen- ses, en ayant défalqué au préalable le montant des recettes éventuelle- ment escomptées”. (^297) Idem, ibidem, p. 284.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 135 IV). 298 O princípio em tela impõe que na receita do orçamento estadual devem constar as estimativas da arrecadação integral do imposto e, na despesa, o correspondente aos 25% como transfe- rências aos Municípios, enquanto no orçamento municipal deve aparecer a previsão dos recursos que lhes serão transferidos.^299 4.3.4 Anualidade O princípio da anualidade orçamentária implica, simples- mente, que a lei do orçamento deve ser renovada a cada ano, todos os anos. É este, com efeito, o significado primeiro desse postulado. Ele possui, no entanto, outras implicações, que dele decorrem naturalmente, v.g. , a de que, em princípio, as entradas e saídas de recursos dos cofres públicos devem dar-se no exercí- cio (anual) em que elas ocorrem. Historicamente, o princípio da anualidade tem uma justifica- ção política, no sentido de que as exigências do regime represen- tativo “impuseram uma periodicidade suficientemente breve para (^298) CF: “Art. 158. Pertencem aos Municípios: [...] IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes crité- rios: I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas opera- ções relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal”. (^299) James Giacomoni, Orçamento público , p. 72.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 137 José Afonso da Silva refere-se à existência da lei do plano plurianual, dizendo que se poderia até mesmo reconhecer com ela um novo princípio a que ele denomina de “princípio da plurianu- alidade das despesas de investimento”, ressalvando que isso “não fura o princípio da anualidade, porque as metas e programas e, portanto, as despesas de capital, constantes do plano plurianual, serão executadas ano a ano pelo orçamento anual”.^304 É que esse princípio tem por fundamento, em última análi- se, o controle do Executivo pelo Legislativo e também colabora para evitar a “perpetuidade ou permanência da autorização para a gestão financeira”, conforme lembra Ricardo Lobo Torres, com base em abalizada doutrina.^305 Importa fazer aqui uma precisão terminológica acerca da diferença entre anualidade orçamentária e anualidade tributária. Embora esta última fosse trazida também com a lei do orçamen- to, ela ganhou denominação em separado. Em outras palavras, a anualidade tributária significa que os tributos devem ser autori- zados todos os anos – a exemplo do que ocorre com as despesas do Estado – na lei orçamentária. Nosso ordenamento jurídico não mais contempla este princípio na Constituição da República de 1988, o que não quer dizer que as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais não possam prevê-lo; somente não são obrigadas a fazê-lo. Quando se sedimentou a ideia de que os tributos tivessem de ser instituídos por meio de lei, passou-se a considerar atingi- do o objetivo da anualidade tributária já nesse momento, sendo (^304) José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo , p. 742. Arremata o eminente professor: “Significa isso que o princípio da anu- alidade sobrevive e revive no sistema, com caráter dinâmico-operativo, porquanto o plano plurianual constitui regra sobre a realização das des- pesas de capital e das relativas aos programas de duração continuada, mas não é operativo por si, e si por meio do orçamento anual”. (^305) Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri- butário : o orçamento na constituição, v. 5, p. 269.
138 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS desnecessária a autorização parlamentar para a cobrança do tributo. Por isso fala-se em “bifurcação do princípio da legalida- de”, querendo significar que a lei orçamentária é imprescindível para autorizar a despesa, mas não mais os tributos, uma vez que estes já foram “consentidos” quando da sua criação por lei. Tampouco se deve confundir a anualidade com a anteriori- dade tributária (embora ainda se encontre na doutrina quem se refira a esta última como “anualidade”).^306 A anterioridade vem hoje inscrita no art. 150, III, b , da Lei das Leis, com o seguinte teor: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Como se vê, essa garantia tem relação com o denominado princípio da “não surpresa”, vindo no intuito de assegurar ao contribuinte a previsibilidade da atuação estatal, que nada tem a ver com o fito da anualidade orçamentária. Com a adoção desta permite-se o controle político em períodos curtos, além de que, se se estabelecesse um período muito longo, dar-se-ia demasiada discrição ao Executivo na formação e execução do orçamento, e, se o período fosse menor que um ano, “não seria suficiente para reconhecer, contabilizar, arrecadar os tributos e comprometer, ordenar e pagar as despesas [...]”.^307 (^306) O próprio Supremo Tribunal Federal assim agiu ao editar o verbete 615 da sua Súmula, com a seguinte redação: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da Constituição Federal [correspondente hoje ao art. 150, III, b ] não se aplica à revogação de isenção do ICM”. (^307) Cf. José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil , p. 133.
140 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como o disposto no § 4.º deste artigo; [...] § 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b , e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta. Não é difícil perceber a lógica do legislador constituinte ao preservar a receita proveniente de impostos de (quase) qualquer vinculação prévia. É que os demais tributos previstos no sistema tributário brasileiro, de forma direta ou indireta, são vinculados. As contribuições são obrigatoriamente vinculadas à fina- lidade que permitiu a sua instituição,^311 conforme, entre outros dispositivos constitucionais, o art. 149, caput.^312 Os empréstimos compulsórios têm seu produto de arreca- dação destinado à situação que propiciou a sua criação (art. 148, parágrafo único).^313 (^311) Sobre esse ponto, ao leitor eventualmente interessado, remetemos ao nosso estudo As contribuições na Constituição brasileira: ainda sobre a relevância da destinação do produto da sua arrecadação, p. 122-129. (^312) “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições so- ciais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das catego- rias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas , observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6.º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” (^313) “Art. 148. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.”
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 141 As contribuições de melhoria e as taxas, por sua vez, di- reta ou indiretamente, serão destinadas a abater os custos com a realização de obra pública que tenha causado valorização imobiliária ou dos serviços públicos (específicos e divisíveis) ou do exercício do poder de polícia, respectivamente, conforme se dessume do art. 145, incisos III e II, da Lei Maior.^314 Dispostas assim as coisas, se a arrecadação dos impostos também fosse vinculada, não restaria margem para o Governo executar o seu plano, em razão do qual, ao menos em tese, este Governo teria sido eleito.^315 Regis Fernandes de Oliveira assim se pronuncia acerca do princípio em tela: O salutar princípio significa que não pode haver mutilação das verbas públicas. O estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-a a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais. Não se pode colocar o Estado dentro de uma camisa de força, minguando seus recursos, para que os objetivos traçados não fiquem ou não venham a ser frustrados. Deve haver disponi- bilidade para agir.^316 Michel Bouvier (et al.) expõe três razões que estariam a justificar a não afetação: (^314) “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pode- rão instituir os seguintes tributos: II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, presta- dos ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.” (^315) Para Giacomoni, a vedação da vinculação de impostos a órgão, fundo ou despesa “atende ao postulado básico do direito tributário que concebe os impostos como a fonte de recursos que viabiliza o funcionamento do Estado, principalmente de suas funções básicas” ( Orçamento público , p. 75). (^316) Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro , p. 366.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 143 Com efeito, ligando o objetivo ao meio (os fins que se pre- tende alcançar e o tributo para tal cobrado), a afetação pode ter “virtudes pedagógicas”, facilitando a aceitação do imposto (dos tributos em geral), embora possa produzir, também, o efeito in- verso e propiciar o protesto de contribuintes que estejam em de- sacordo com os motivos invocados para a cobrança da exação.^320 De todo modo, pela sua própria denominação, o princípio da não afetação, no seu sentido original, significa, como definem Martínez Lago e García de La Mora: a necessidade de que todas as receitas se destinem a financiar indistinta e globalmente os gastos públicos , sem que se produ- za nenhum reconhecimento de prioridade de um determinado gasto com relação a uma fonte concreta de financiamento.^321 4.3.6 Exclusividade Esse postulado traz a ideia de que a lei orçamentária, dadas a sua especificidade e as suas peculiaridades, somente pode conter matéria relacionada à estimativa de receita e à fixação de despesa. Em que pese constituir noção até mesmo óbvia e carregada de bom senso, não foi desde sempre adotada. Se a lei orçamentária é a lei mais importante do Estado, segundo pensamos e sempre defendemos, se ela contém no seu bojo os destinos do Estado em tudo o que se reporta às suas finanças, não tem sentido lógico valer-se dela para cuidar de outros assuntos que não digam respeito a este tema. Ocorreu, em outros tempos – e ocorre, ainda, em ordena- mentos jurídicos que não o impedem –, a inclusão, no projeto de (^320) Cf. Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finances publiques , p. 286. (^321) Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de La Mora, Lecciones de derecho financiero y tributario , p. 200 (grifos no original).
144 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS lei de orçamento, de matérias totalmente divorciadas do tema de finanças públicas, no intuito de aproveitar-se a necessidade de aprovação do orçamento para que parlamentares tentem fazer passar medidas que em outras oportunidades não teriam êxito. São as chamadas “caudas orçamentárias” ou “orçamentos ra- bilongos”. Conta-se que houve época em que até nomeações e promoções de funcionários públicos e mudança do processo do então denominado desquite (separação judicial). Giacomoni averba que esse princípio “surgiu com o obje- tivo de impedir que a Lei de Orçamento, em função da natural celeridade de sua tramitação no legislativo, fosse utilizada como meio de aprovação de matérias outras que nada tinham que ver com questões financeiras”.^322 No Brasil, o princípio da exclusividade vem enunciado no art. art. 165, § 8.º, da Constituição da República, que estatui: § 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suple- mentares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. Essa ideia parece estar já assentada em nossa prática orça- mentária, razão pela qual não nos estenderemos neste ponto. 4.3.7 Especialidade Esse princípio, também denominado princípio de especi- ficação ou de discriminação, indica que as receitas e despesas devem figurar no orçamento discriminadamente, ou seja, deve- -se poder identificar, no orçamento, claramente, de onde vêm e exatamente para onde vão os recursos. Conforme ensina José Afonso da Silva, esse princípio, como os demais princípios clássicos do orçamento, resultou de (^322) James Giacomoni, Orçamento público, p. 78.