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SAINDO DAS SOMBRAS DOS PINHEIRAIS: A MULHER NA LINHA DE FRENTE DA GUERRA DO CONTESTADO , Notas de estudo de História

No ano em que se completa o centenário da Guerra do Contestado, conflito, que mudou o mapa brasileiro e que ainda tem muito a nos contar sobre os eventos nele ocorridos, apresento este debate sobre o papel das mulheres nessa batalha sertaneja, já que ela e outros agentes sociais, como os negros, os caboclos, as crianças, entre outros, só estão agora entrando em cena como protagonistas da história. Através de análise bibliográfica e do Filme “Guerra dos Pelados” vamos refletir questões de gênero

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 01/08/2013

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tide_karioca 🇧🇷

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SAINDO DAS SOMBRAS DOS PINHEIRAIS:
A MULHER NA LINHA DE FRENTE DA GUERRA DO CONTESTADO
RESUMO: No ano em que se completa o centenário da Guerra do Contestado, conflito, que
mudou o mapa brasileiro e que ainda tem muito a nos contar sobre os eventos nele ocorridos,
apresento este debate sobre o papel das mulheres nessa batalha sertaneja, já que ela e outros
agentes sociais, como os negros, os caboclos, as crianças, entre outros, estão agora
entrando em cena como protagonistas da história. Através de análise bibliográfica e do Filme
“Guerra dos Pelados” vamos refletir questões de gênero e descobrir personagens interessantes
que somente agora começam a sair das “sombras dos pinheirais”, outrora abundante em nossa
região, território um dia disputado entre os estados do Paraná, Santa Catarina e entre Brasil e
Argentina e que fizeram realmente parte ativa de nossa história em um plano central e não
como meras coadjuvantes como se mostrou até o momento.
PALAVRAS-CHAVE: Guerra do Contestado. Mulheres. Gênero
INTRODUÇÃO
Através destas páginas se pretende resgatar o papel das mulheres
nos conflitos armados ocorridos no Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina
entre 1912 e 1916 que entraram para a história como “Guerra do Contestado”,
que completam este ano, o centenário de seu início.
Não esmiuçaremos aqui o conflito em si, pois esse assunto foi
explorado por diversos autores e outros irão se aprofundar ainda mais sobre o
tema a partir de novas perspectivas e fontes que estão surgindo, e por isso, o
nosso objetivo será analisar a participação feminina no embate, que as
mulheres entre outros grupos excluídos, como as crianças, negros e sertanejos
estiveram por muito tempo, “escondidos” da história, pois deles quase não se
falava nos documentos oficiais, base de pesquisa da corrente historiográfica
denominada de positivismo.
Esse fato dos excluídos não constarem de maneira efetiva nos
documentos oficiais, como relatórios de governo, documentação do exército,
arquivos eclesiásticos, entre outros, foi chamado pela historiadora norte
americana, Joan Scott como “o problema da invisibilidade”, que esses
agentes sociais eram parte efetiva dos acontecimentos, mas raramente citados,
quando se fazia algum registro do ocorrido.
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SAINDO DAS SOMBRAS DOS PINHEIRAIS:

A MULHER NA LINHA DE FRENTE DA GUERRA DO CONTESTADO

RESUMO: No ano em que se completa o centenário da Guerra do Contestado, conflito, que mudou o mapa brasileiro e que ainda tem muito a nos contar sobre os eventos nele ocorridos, apresento este debate sobre o papel das mulheres nessa batalha sertaneja, já que ela e outros agentes sociais, como os negros, os caboclos, as crianças, entre outros, só estão agora entrando em cena como protagonistas da história. Através de análise bibliográfica e do Filme “Guerra dos Pelados” vamos refletir questões de gênero e descobrir personagens interessantes que somente agora começam a sair das “sombras dos pinheirais”, outrora abundante em nossa região, território um dia disputado entre os estados do Paraná, Santa Catarina e entre Brasil e Argentina e que fizeram realmente parte ativa de nossa história em um plano central e não como meras coadjuvantes como se mostrou até o momento. PALAVRAS-CHAVE : Guerra do Contestado. Mulheres. Gênero

INTRODUÇÃO

Através destas páginas se pretende resgatar o papel das mulheres nos conflitos armados ocorridos no Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina entre 1912 e 1916 que entraram para a história como “Guerra do Contestado”, que completam este ano, o centenário de seu início.

Não esmiuçaremos aqui o conflito em si, pois esse assunto já foi explorado por diversos autores e outros irão se aprofundar ainda mais sobre o tema a partir de novas perspectivas e fontes que estão surgindo, e por isso, o nosso objetivo será analisar a participação feminina no embate, já que as mulheres entre outros grupos excluídos, como as crianças, negros e sertanejos estiveram por muito tempo, “escondidos” da história, pois deles quase não se falava nos documentos oficiais, base de pesquisa da corrente historiográfica denominada de positivismo.

Esse fato dos excluídos não constarem de maneira efetiva nos documentos oficiais, como relatórios de governo, documentação do exército, arquivos eclesiásticos, entre outros, foi chamado pela historiadora norte americana, Joan Scott como “o problema da invisibilidade”, já que esses agentes sociais eram parte efetiva dos acontecimentos, mas raramente citados, quando se fazia algum registro do ocorrido.

Somente a partir da década de 1970, que a história dos excluídos começou a emergir e revelar sua importância para a reconstrução dos sujeitos históricos e neste momento, também, o cinema passou a ser visto como um possível documento para a investigação histórica, tendo como consequência de um processo de reformulação do conceito da História, iniciado com o desenvolvimento da Escola dos Analles, na França, quando o filme, seja ele qual for, passou a ser entendido como testemunha da mentalidade da sociedade que o produziu.

Com base em produções bibliográficas, produzidas por historiadores, antropólogos, jornalistas, entre algumas áreas que se dedicaram ao assunto, incluindo aí, obras romanceadas, que nos conferem uma visão de como era a vida entre os sertanejos e o conturbado período temporal abrangente em nosso estudo, somado à análise do filme “Guerra dos Pelados”, do cineasta Sylvio Back, será focado o papel das mulheres neste evento histórico, fazendo com que estas deixem de ficar em segundo plano e ganhem igualdade em importância em relação aos homens.

Nada mais que justo, pois em todos os momentos as mulheres não arredaram pé e estiveram lado a lado de seus companheiros, pais e filhos, na defesa de seu quinhão de terra, que estava sendo tomado, impedindo que prosseguissem seguir suas pacatas vidas na defesa de seu direito de sobreviver.

QUESTÕES DE GÊNERO: AS MULHERES NA HISTÓRIA

Não existe um momento sequer na história em que a mulher não estivessem presente e aos poucos, seus papeis vão sendo revelados pelos historiadores, pois não se trata de tarefa simples, haja vista que as documentações oficiais, escritas pelas elites e para as elites, raramente mencionavam a figura feminina, assim como também, escravos, camponeses, crianças, que quando citados esses agentes sociais, na quase totalidade dos casos era para ter sua imagem ligada à infidelidade, prostituição, roubos, entre outras acusações.

tradicionalmente considerado, na nossa cultura, um mundo dos homens, e os relatos bélicos se dando principalmente através dos escritos oficiais chegam a ser uma espécie de desprezo, senão aversão, pelo “sexo frágil”. E segue dizendo:

Quer dizer, mulher, fora dos padrões eruditos da cultura, com fé religiosa, e pobre, só podia ser traidora e merecer reprovação. Imagine-se o espanto do tenente e de seus companheiros, todos mais ou menos signatários desses conceitos, quando uma mulher, “de revolver em punho”, mostrou-se disposta a enfrentar a metralhadora (...). Apresentar uma mulher como indivíduo, ainda por cima capaz de liderança, nem pensar, mesmo que esteja do lado do suposto mal. Assim, Maria Rosa, figura que outros autores vêem como tão significativa, fica restrita a uma reduzida nota de pé de página, sem mencionar seu comando espiritual e terreno. (WEINHARDT, 2000, P. 91-98)

A exceção fica por conta apenas do conflito ocorrido no sertão baiano, entre 1896 e 1897, conhecido como “Guerra de Canudos”, pois em diversos relatos é mostrado que a participação das mulheres do arraial liderado por Antônio Conselheiro foi efetiva, mas têm que ser levado em conta que vários correspondentes dos principais jornais do país estavam presentes in loco , com destaque para Euclides da Cunha, que escrevia para O Estado de São Paulo e seus relatos originaram a obra prima “Os sertões”.

Os relatos de Cunha (1984) direto do campo de batalha citam a presença feminina entre os sertanejos e também entre os soldados federalistas, muitos oriundos dos grandes centros, e outros arregimentados em diversos estados nordestinos, que em vários casos, levaram sua família para uma possível melhora de vida quando as tropas regressassem para a então Capital Federal após a empreitada em Canudos, fato que não aconteceu e acarretou no início da favelização no Brasil.

Somente a partir dos anos de 1970 é que a história das mulheres começou a ganhar força, impulsionado pelos movimentos feministas que chamaram a atenção da sociedade, para seus anseios e questões, contribuindo para que cada vez mais se conquiste a igualdade entre os sexos. Nesta direção, surgem os estudos de gênero, a história de homens e mulheres enquanto agentes sociais, incluindo ai, suas diferenças, por isso, a figura

feminina acaba se sobressaindo nos estudos de gênero, pois conforme fala Scott (1995, p. 38) acerca do “Problema da Invisibilidade” sofrido ao longo da história, pelas mulheres e outros grupos sociais

No entanto, os historiadores que buscam no passado testemunhos sobre as mulheres tem tropeçado uma e outra vez com o fenômeno da invisibilidade da mulher. As investigações recentes têm mostrado não que as mulheres fossem inativas ou estivessem ausentes dos acontecimentos históricos, mas que foram sistematicamente omitidas dos registros oficiais. (SCOTT, 1995, p.38).

Nicholson (2000, p 13-15) argumenta que é comum se confundir o estudo de gênero com o feminismo e diz que o feminismo está mais direcionado em chamar a atenção para as diferenças sexuais das pessoas, enquanto o estudo de gênero busca entender essas diferenças e aplicar um olhar mais atento para a importância das mulheres na sociedade, sendo assim, os homens acreditavam que as diferenças entre os corpos femininos e masculinos ditavam a capacidade de comandar toda e qualquer manifestação ou organização, deixando as mulheres, consideradas sensíveis e frágeis, à sua subordinação.

A GUERRA NO CONTESTADO

A “Guerra do Contestado” foi um movimento que eclodiu no Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina e não teve um fator único que motivasse o confronto, e sim múltiplos motivos que fizeram deflagrar o conflito, que entrou para a história e modificou o mapa do Brasil.

A região denominada de “Contestado” foi alvo de acirradas disputas entre paranaenses e catarinenses, e ainda entre Brasil e Argentina, tendo este problema sido resolvido com a intervenção do presidente dos Estados Unidos Stephen Grover Cleveland, que na função de mediador desse impasse envolvendo os dois países, decidiu em favor brasileiro na questão.

ferrovia, originários do centro do país, foram abandonados à própria sorte, logo após a conclusão da obra. Alcançaram o número de cerca de oito mil pessoas, engrossando as fileiras dos excluídos e agravando uma tensão social existente na região.

Com esses trabalhadores, vieram hábitos até então não encontrados no local, como o consumo excessivo de bebidas, jogatinas e prostituição. Tornando-se muito comum, os atritos com os sertanejos, estes de hábitos mais recatados e comedidos, acarretando nas regiões próximas onde passava a ferrovia, um considerável aumento da criminalidade, resultante do confronto de culturas distintas.

Na história da “Guerra do Contestado” ficaram as figuras de três monges, que fundiram-se em apenas uma só no imaginário popular, segundo Souza (1978, p. 49), a peregrinação de monges pelos sertões do Contestado não se constituía em novidade, já que outros também passaram pela região, praticando curandeirismo, rezas e alentando o povo sertanejo, mantendo um ar misterioso que, quando menos se esperava, apareciam nas vilas, povoados e sítios mais remotos.

Neste “Caldeirão” efervescente, deflagrou o conflito que modificou o mapa do Brasil e que findaria com a vida de milhares de sertanejos, que há gerações habitavam o sertão paranaense e catarinense e que foram vítimas da ganância dos homens na desenfreada busca de enriquecer a qualquer preço.

A FIGURA FEMININA NO CAMPO DE BATALHA

A história oficial está recheada de “heróis”, sobretudo homens e militares, geralmente alinhados ao governo vigente, enquanto que quando as mulheres são citadas, são sempre postas como divindades, subalternas, ou como estorvos nos combates, além de aparecerem também como prostitutas, ou apenas como um mero “detalhe” de figuração no contexto da história.

A presença feminina nos conflitos do Contestado é inegável e em todas as obras aqui analisadas foi verificada a presença de mulheres, crianças,

idosos, entre outros segmentos sociais de maneira ativa, já que a região onde fora palco dos acontecimentos, abrigava várias famílias há bastante tempo. Podemos destacar as figuras de Maria Rosa, Etelvina, Teodora, Chica Pelega, Rosa Paes, entre tantas que não se fizeram de rogadas para defender sua família e seu quinhão de terra que estava sendo tirado à força para entregar para grupos estrangeiros, no caso aqui específico, ao conglomerado liderado pelo norte americano Percyval Farquar. Em todos os momentos relatados sobre os conflitos, é possível verificar a presença feminina, junto com idosos e crianças eram os que mais sofriam, pois durante os ataques das tropas governamentais, também não eram poupados, e quando não mortos, eram feitos prisioneiros, como notamos em Tokarski (2002, p. 23) ao discorrer sobre uma ocupação militar ocorrida em 1915, em Itaiópolis, quando os sertanejos sob o comando de Antônio Tavares de Souza Júnior se retiraram em debandada do local e 383 revoltosos, sobretudo, velhos, crianças e mulheres, se renderam às tropas oficiais. E segue relatando que:

Em 01/04/1915, na Guerra do Contestado, nas cercanias do Rio Timbó, no município de Timbó Grande, a líder dos revoltosos, Maria Rosa de Souza, Filha de Elias Rodrigues Vaz, morreu em combate às tropas comandadas pelo capitão Tertuliano de Albuquerque Potiguara. Outros 58 revoltosos também morreram no confronto. (TOKARSKI, 2002, p. 81)

E Tokarski (2002, p. 84) ainda relata outro fato acontecido na mesma semana do evento acima citado, quando depois de acirrado confronto, as tropas do capitão Tertuliano de Albuquerque Potiguara concluíram a tomada do reduto de Santa Maria, em Timbó Grande, que resultou na morte de mais de 600 revoltosos, incluindo mulheres e crianças. Esse relato aparece também em Thomé (1992, p. 99) acrescido da informação exata do local, que seria o arraial de Santa Maria e contabiliza além das citadas mortes, o número de seis mil casas incendiadas.

Quando se fala em mulheres no campo de batalhas do Contestado, surge de imediato, na memória coletiva, a figura de Maria Rosa, que liderou o reduto de Caraguatá e das “virgens” que serviam diretamente ao monge José Maria, destacando-se entre elas, Durvalina, Sebastiana, Etelvina e Teodora,

vivacidade, que não sabia ler ou escrever, mas falava com desembaraço, Maria Rosa andava amiúde com um vestido branco enfeitado com fitas azuis e verdes e era ela quem andava na frente das procissões, ostentando uma grande bandeira branca com a cruz verde ao centro.

Desde o início de sua vida pública exercia uma liderança nata, tomando as mais importantes decisões do reduto. Caminhava com seu povo, rezava com eles, definia chefias e coordenações, além de ter a função de juíza entre os sertanejos, nomeando líderes religiosos e militares e até sentenciando à morte conforme o crime ocorrido. Ela percorria cada canto do reduto a cavalo, com uma das mãos conduzia as rédeas e com a outra levava o estandarte. Sobre a “virgem” Maria Rosa, Queiroz (1981, p. 152) escreveu que:

Em geral, o povo dos redutos considerava Maria Rosa uma “santa” e julgava que ela “tudo sabia”. Cumpria o povo, religiosamente, as ordens que dela emanavam. Era como a representante da vontade do monge, de quem conhecia os secretos desejos. Designava os chefes ostensivos, destituía-os dos comandos, sentenciava.

Assim como Teodora, entre outras “iluminadas”, Maria Rosa, entrava em transe e em meio às orações, tinha visões e dizia estar ouvindo o monge José Maria, e a partir daí, era ela quem definia as ordens recebidas pelo espírito do monge para organizar o comportamento do reduto. Com o passar do tempo, além de líder espiritual, se transformou também em líder militar, comandando a retirada estratégica, após a primeira batalha de Taquaruçú, em 1913, para o novo reduto em Caraguatá.

Assim como a posterior confissão de Teodora acerca de suas supostas visões, em Queiroz (1981, p. 151) a autenticidade das visões de Maria Rosa é colocada em dúvida, tendo o testemunho de um caboclo, de nome Francisco Castro, que esteve do princípio ao fim, transitando nos redutos e que afirma que a moça somente repassava as decisões dos outros chefes, passando-as como mensagens do monge.

Maria Rosa foi morta em combate, no dia 1º de abril de 1915, juntamente com mais de 100 de seus companheiros, quando foram alvejados

pela tropa comandada pelo capitão Potyguara, quando este se encaminhava ao reduto de Santa Maria.

As “Virgens” exerceram efetiva liderança nos redutos sertanejos, contudo, com sucessivas derrotas em conflitos e a não chegada do milênio igualitário, prometido pelo monge, houve a necessidade de mudança de planejamento E o viés religioso foi perdendo espaço para os líderes de armas, agravado com a aproximação de Maria Rosa com o Capitão Matos Costa, com quem negociava um projeto de paz, que fez com que sua liderança fosse definitivamente findada.

Na obra de Pradi (2000, p. 69-77) podemos observar claramente o momento em que foi feita a troca da liderança do movimento, saindo do comando os líderes ligados à religiosidade e ascendendo os sertanejos “de briga”, preparando o povo para os embates finais do conflito. Thomé (1999, p.

  1. também nos mostra esta troca, em Bom Sossego, nos fins do ano de 1914, quando Maria Rosa perdeu seu comando supremo, sendo substituída por Francisco Alonso de Souza, o “Chiquinho” Alonso.

Mesmo com o enfraquecimento do poder religioso, o papel feminino continuou marcante até o final do conflito, em 1916, mostrando a bravura da mulher sertaneja determinada a lutar para contra o poderio do governo para permanecer em seu chão, junto com sua família.

A GUERRA DOS PELADOS

Assim como nos romances de Pradi (2000) e Vasconcellos (2008), o filme de Syivio Back (1970) pode nos dar maiores detalhes de como era a ambientação na região conflituosa, e apesar de ficcional, ajuda a construir e resgatar partes do evento histórico.

O roteiro de Back foi elaborado a partir de outro romance histórico, Geração do Deserto, publicado pela primeira vez em 1964 e escrito por Guido Wilmar Sassi, apresentando como tema central a Guerra do Contestado em

locomotiva avançando sertão adentro e em conseqüência, “passando por cima” de tudo que encontra pela frente, em nome do progresso e do desenvolvimento.

O envio de um oficial que tenta fazer um acordo com os sertanejos, leva o mesmo ao interior de um reduto, onde conversa com os líderes locais e ainda assiste uma celebração religiosa, presenciando o transe da virgem Ana, vivida por Dorothée-Marie Bouvier, uma provável representação da virgem Maria Rosa, ou outra delas, mostrada na trama, vivenciando uma vida normal, com seus amores, paixões e anseios, mas sem deixar de lado sua vocação religiosa e de liderança perante seus companheiros.

Durante as precisões, podemos perceber que são as mulheres que conduzem as orações e seguem na frente do cortejo, acompanhando “Pai Veio”, ancião do grupo, que carrega a imagem de São Sebastião e transita entre as lideranças espirituais e de guerra, que começa a se emancipar após a abdicação de Ana de seu posto, já que a moça se relaciona com um dos seus e “perde a santidade”. Este é o marco do filme que a coesão dos pelados, justificada pela fé religiosa começa a perder força e quando começa as estratégias para as lutas que definirão os rumos do embate até seu final.

Essa transição, no filme, se dá no momento em que o fato de Ana ter perdido seus poderes visionários do monge vem a público, durante um ritual religioso, e neste momento os Pelados são atacados de surpresa pelos Peludos. A partir daí, a coesão do grupo de posseiros começa a declinar e muitos se rendem, em sua maioria, idosos e mulheres com crianças, que acabam mortos covardemente pelos Peludos, diminuindo e muito o contingente dos que continuam na luta de resistência.

Mesmo perdendo espaço, algumas das lideranças religiosas seguiram no combate, alguns se transformando em líderes de luta, como o caso de Ana no longa-metragem e Maria Rosa na história real, entre muitos outros que ficam até o final dos embates, em 1916.

O filme não termina com um “gran finale’ costumeiro das produções cinematográficas, mas mostra os sobreviventes pelo lado dos pelados em retirada após a derrocada no conflito, mas o final mais marcante é mostrado

nos minutos iniciais, quando Nenê, representando os derrotados é “atropelado” pela modernidade dos que possuem os meios da produção e tecnológicos, na figura do trem em disparada ao progresso, ou ao futuro, profetizando o fim que os sertanejos teriam, sendo expulsos das terras onde viviam.

CONCLUSÃO

Como pôde ser percebido nessas linhas, as mulheres tiveram um fundamental papel em todo o percurso da Guerra do Contestado, quando atuaram de maneira efetiva na luta pelos direitos dos sertanejos de ocuparem seu pedacinho de terra no local onde nasceram e se desenvolveram e que por gerações suas famílias cultivaram a terra e dela tiravam seu sustento, sem se incomodar com questões de limites ou de propriedade.

O papel das mulheres menos conhecidas também foi fundamental no desenlace dos conflitos, já que é preciso relembrar que os nomes delas, não constando nos documentos oficiais, acabaram “sumindo” dos relatos sobre o evento e agora, pelas mãos dos historiadores em busca de vestígios sobre os acontecimentos na região do Contestado é que elas podem ressurgir e deixar seus nomes registrados na história, pois enquanto os homens lutavam em várias frentes de combate, eram elas quem cuidavam das crianças, dos idosos e dos doentes, além de prover a obtenção e preparação dos alimentos, entre outras funções de suma importância para o povo caboclo.

Essas guerreiras superaram seu tempo e sempre marcaram presença em todos os momentos do conflito, tendo ao final dos confrontos, sido tão humilhadas e maltratadas quanto seus maridos, filhos e companheiros de luta.

“Nós estávamos aqui e vieram nos atacar. O que havíamos de fazer?” Foi uma das indagações de Rosa Paes de Farias, filha do líder Chico Ventura, uma das últimas sobreviventes do Contestado, que viveu até seus 98 anos e era uma das responsáveis pela confecção das bandeiras de guerra e os uniformes dos “Pares de França”, afirmando que jamais se arrependeu do

___________,. Os Iluminados: Personagens e Manifestações Místicas e Messiânicas no Contestado. Florianópolis: Insular, 1999

TOKARSKI, Fernando. Cronografia do Contestado: Apontamentos Históricos da Região do Contestado e do Sul do Paraná. Florianópolis: IOESC, 2002

TONON, Eloy. Ecos do Contestado: Rebeldia Sertaneja. Palmas: Kaygangue,

VASCONCELLOS, A. Stanford de. Chica Pelega: A Guerreira do Taquaruçu. Florianópolis: Insular, 2008.

WEINHARDT. Marilene. Mesmos Crimes Outros Discursos? Algumas Narrativas sobre o Contestado. Curitiba: UFPR, 2000.