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Este documento discute a importância de incluir as experiências de gênero trans na produção de conhecimento científico, além de questionar as epistemologias tradicionais que excluem sistematicamente as mulheres e sujeitos trans. O texto aborda a necessidade de produzir diálogos entre saberes localizados e a importância de reconhecer a importância das experiências trans para pensar as questões de pesquisa sobre eles. Além disso, o documento discute a necessidade de conceber novos recursos empíricos e técnicas que considerem a experiência das mulheres e dos sujeitos trans, dar novos propósitos para a ciência social e fazê-la estar a favor das minorias.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th^ Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Sérgio Rodrigo da Silva Ferreira^1
Resumo : Os espaços mediatizados e as plataformas digitais tem trazido a possibilidade de experiências diversas, como a de contar histórias, de se auto-narrar, de os sujeitos poderem lidar com jogos e encenações a partir da multiplicidade das identidades humanas. Por meio dessas experiências de desfazer-se e de reinventar-se, tanto no corpo físico quanto no ciberespaço, são estabelecidas por meio dos diversos dispositivos, redes difusas alimentadas com informações pela proatividade de membros interessados no enriquecimento mútuo de dados, na partilha de suas experiências e pelo fomento a um saber de interesse comum obtido pela soma das narrativas. Aqui se elucubra acerca dos investimentos dos diversos sujeitos trans de estabelecerem a exposição dessas transformações de seus corpos corroborando na desnaturalização dos estatutos do gênero e do sexo, como também nos de corpo e humanidade, a partir das perdas dos limites entre orgânico e tecnologia, químico/fármaco e subjetividade. O objetivo é discutir o narrar sobre esses processos de subjetividade implicados em mediatizações dos indivíduos o que exigem uma topografia da subjetividade que é multidimensional para dar conta das experiências trans, e de como significados e corpos são construídos. Tratamos sobre a necessidade de construção de saberes localizados, em que as questões dos sujeitos trans atuem e agenciem os discursos sobre eles, articulando questões como ‘passabilidade’, ‘genital cultural’ e ‘categoria sexual’. Palavras-chave : Saberes localizados. Trans. Cibercultura. Tecnologias digitais.
Introdução
“En Taiwán, una mujer se tira a un estanque de cocodrilos hambrientos en un parque zoológico a la hora de mayor afluencia. Cuando le atacó el primer cocodrilo la mujer se abrazó a él, dicen los presentes. Los cocodrilos engulleron el cuerpo de la mujer, que no se quejaba, en pocos minutos” (Do filme La Mala Educación , de Pedro Almodóvar). Com o espírito de quem abraça crocodilos antes de ser devorado, é que procuro articular narrativas acerca da pesquisa acadêmica em se tratando de subjetividades minoritárias com a implicação do sujeito pesquisador. O intento deste artigo é a primeira parte de um trabalho que busca construir um diálogo entre autoras feministas com a finalidade de formular um lugar epistemológico para tratar dos sujeitos que parta de uma premissa transfeminista e em que o pesquisador se implique em relação ao tema pesquisado. Este é parte dos enredamentos da tese de doutorado realizada junto ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia que se constitui no contexto em que o
(^1) Doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (Póscom/UFBA), membro do Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura (Gig@/UFBA) e bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Salvador/Brasil.
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ciberespaço tem trazido a possibilidade de experiências diversas, como a de contar histórias, de se auto-narrar, de os sujeitos poderem lidar com jogos e encenações a partir da multiplicidade das identidades humanas em espaços mediatizados. Por meio dele, o indivíduo é levado à experimentação de “identidades múltiplas compartilhadas e arrasta desejos, fantasias, e imaginários a novos contextos e realidades existentes e conscientes” (SANTAELLA, 2004, p. 54). Nessas experiências de desfazer-se e de reinventar-se, tanto no corpo físico quanto no ciberespaço de modo autorreferencial, são estabelecidas por meio dos diversos dispositivos, redes difusas alimentadas com informações pela proatividade de membros interessados no enriquecimento mútuo de dados, na partilha de suas experiências e pelo fomento a um saber de interesse comum obtido pela soma das narrativas. É portanto uma pesquisa que procura articular produção, partilha e colaboração de saberes constituídos na experiência intersubjetiva e é neste sentido que devemos procurar lidar com ele na pesquisa.
Diante das questões colocadas é que nos propomos a responder: como estar diante das subjetividades trans? Como pensar ferramentas de pesquisa que dêem conta ética, estética e politicamente do objeto estudado ao implicar-se enquanto pesquisador com uma subjetividade própria e distinta dele? Como produzir diálogos possíveis entre saberes que estão localizados em territórios distintos em se tratando de práticas de produção de conhecimento já estabelecidos em relação a saberes menores^2?
Há um contrato social tácito quando tratamos de produção de conhecimento científico no qual se define quem é que faz parte dela e qual papel desempenha. Diana Maffía (2012) ao tratar sobre a questão cita as questões plantadas pela Conferência Mundial de Ciência e Tecnologia de 1999 em que se colocava como um dos principais desafios um novo contrato social em que a produção de conhecimentos científico e tecnológico se adaptariam às realidades políticas, sociais e ambientais, propiciando um desenvolvimento social integral dos países e que levariam em conta as sensibilidades e opiniões dos cidadãos afetados e interessados nela, tratando de um processo de democratização do conhecimento. De fato, às demandas dos movimentos LGBT em se tratando da produção de conhecimento a respeito dos sujeitos trans pela ciência, afirma que estes sujeitos são
(^2) George Didi-Huberman (2011, p. 52) concebe a partir do trabalho de Félix Guattari e Gilles Deleuze o conceito de luz menor ao qual nos reportamos. É um entendimento pensado como aquele que possui forte coeficiente de desterritorialização, sendo essencialmente político e com valor coletivo, uma vez que trata das condições revolucionárias imanentes à própria marginalização de um grupo.
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conhecimento, financiado por quem, para benefício de quem, na perspectiva de quem”, levando em conta além da questão do sexo, também as questões “de classe, de etnia, de cor, de identidade” (MAFFÍA, 2012, p. 2, tradução nossa). Mudar esse status da ciência vai muito além de apenas incluir esses sujeitos minoritários, mas também mudar os paradigmas da ciência, suas linguagens e seus métodos. É preciso pensar modos de produzir conhecimento científico que assuma um devir trans.
Por Epistemologias (Trans)feministas
Epistemologia é aquilo que define o que é conhecimento e seu valor, é uma teoria do conhecimento. É ela quem diz quem pode ser seu sujeito, além de estabelecer as questões a que se deve subter-se as crenças para serem legitimadas como conhecimento válido, e trata, também, dos assuntos do tipo de coisa que se pode conhecer, sendo assim estratégias desenvolvidas para justificar crenças (HARDING, 1999). As epistemólogas feministas argumentam que as epistemologias tradicionais excluem com ou sem intenção sistematicamente as mulheres e os sujeitos trans de serem agentes do conhecimento, sendo a voz da ciência masculina e que a história tem sido escrita do ponto de vista dos homens pertencentes a classe e/ou raça dominante, afirmando que sempre se pressupõe que o sujeito de uma oração sociológica tradicional é de um homem. É neste sentido que se faz necessário propor teorias sociológicas que legitimem outros sujeitos como produtores de saberes legítimos (HARDING, 1999).
Sandra Harding (1999) afirma que os problemas epistemológicos apontam para a aplicação de estruturas teóricas gerais das disciplinas e na escolha dos métodos de investigação. Ainda que haja importantes vínculos entre epistemologia e métodos de investigação, a autora afirma que é importante deixar claro a diferença entre ambos para que se bem conceitue cada ação e processo dentro da investigação científica. É neste sentido que há uma epistemologia feminista, mas não existe método feminista. Aqui incluiremos na reflexão também os sujeitos trans, promovendo um diálogo possível entre epistemologias feministas e essas identidades. Um método, segundo Harding, é uma técnica para reunir informação e há apenas três métodos de investigação social: “escutar os participantes (ou interrogá-los), observar o comportamento, e examinar os vestígios e registros históricos” (HARDING, 1999, p. 11, tradução nossa). Uma abordagem feminista dos métodos aparecem nas diferenças de aplicações dos mesmos, quando, por exemplo, investigadoras feministas escutam com atenção questões de gênero e mantém posição crítica sobre a diferença de vidas entre
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homens e mulheres, cis e trans, observam aspectos de comportamento distintos das cientistas sociais tradicionais e na análise de história buscam padrões de organização da história não reconhecidos anteriormente (HARDING, 1999).
Neste sentido uma epistemologia transfeminista é uma questão de sensibilidade e atenção para determinadas relações de sexo e gênero e de fazer emergir essas questões ao se produzir dados a partir dos fatos que se apresentam. Se não há um método transfeminista é porque o que há uma quebra nos usos dos métodos tradicionais de pesquisa pela abordagem feministas que nos permita chamá-los de novo, o que há, segundo Harding, é um uso renovado dessas técnicas (1999). Uma efetiva mudança da ciência que vá em direção a uma epistemologia transfeminista vai muito além de apenas incluir mulheres e sujeitos trans no fazer científico, é preciso conceber novos recursos empíricos e técnicos que considerem a experiência das mulheres e dos sujeitos trans, dar novos propósitos para a ciência social e fazê-la estar a favor das minorias e incluir como objeto de investigação o lugar do investigador.
Se, como dito, de modo geral, a ciência social tradicional parte de uma análise que toma a experiência do homem (branco, ocidental, burguês) como princípio norteador, e sendo que um problema é sempre um problema para alguém, é preciso rever, de início, as perguntas que são feitas, definindo as problemáticas na perspectiva das experiências trans e empregar essas experiências como um indicador significativo da realidade em que se contrasta as hipóteses (HARDING, 1999). Reconhecer a importância das experiências trans – e somente eles, os trans, podem revelar quais são e foram tais experiências – para pensar as questões de pesquisa sobre eles e tomá-las como recurso para a análise social tem, parafraseando Sandra Harding,
implicações evidentes para a estruturação das instituições sociais, da educação, dos laboratório, das publicações, da difusão cultural e o estabelecimento de agências de serviço, em suma, para a estruturação da vida social em sua totalidade (HARDING, 1999, p. 21, tradução nossa). É importante destacar o plural ao falar de experiências , pois, se não há uma experiência de um homem universal, tampouco há uma experiência de mulher ou de sujeitos trans que são universais (HARDING, 1999), deste modo parte-se de uma abordagem que é essencialmente anti- essencialista. Nós somos todos atravessados por questões de classe, raça e cultura que estão imbricados com nossas relações de gênero e sexualidade e neste ponto as experiências, desejos e interesses de sujeitos cis e trans são distintos, e pensar modos de produzir conhecimento que deem conta desta multiplicidade de características subjetivas constitui uma rica fonte de recursos.
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fazer científico pode ser narrar as histórias das tecnologias, que “são modos de vida, ordens sociais, práticas de visualização” (HARAWAY, 1995b, p.28).
Para Haraway, a objetividade só é realmente atingida por meio dessa posição parcial, tanto na política quanto na epistemologia, enquanto possibilidade de avaliações críticas objetivas, seguras e racionais. A objetividade trata de “um estruturar mútuo e comumente desigual, trata-se de assumir riscos num mundo no qual ‘nós’ somos permanentemente mortais, isto é, não detemos o controle ‘final’” (1995b, p. 41), o que está em oposição a um desengajamento. Processos de corporificação, parcialidade, objetividade e conhecimentos localizados produzem conversas e códigos que enredam corpos e significados possíveis.
A autora vai de encontro a ideia de relativismo e aposta numa perspectiva de “relativismo relativista” ou “relacionismo” (HARDING, 1999; LATOUR, 1994), que “significa assinalar a limitação dos contextos sociais” (HARDING, 1999, p. 27) e trazer a compatibilidade que aparentemente estava perdida entre os diferentes pensamentos e experiências (LATOUR, 1994). O relativismo surgiu no contexto de uma posição intelectual moderna de europeus do século XIX num reconhecimento tardio de que as crenças e comportamentos aparentemente estranhos dos não- europeus deveria ter uma racionalidade ou lógica próprias. Neste contexto, havia a possibilidade de que as crenças ocidentais não fossem as únicas razoáveis (HARDING, 1999, p. 27-28).
O relativista absoluto, segundo Bruno Latour (1994) é aquele que é capaz de “estabelecer relações; tornar comensurável; regular instrumentos de medida; instituir cadeia metrológicas; redigir dicionários de correspondências”, além disso, ele pode “discutir sobre a compatibilidade das normas e dos padrões; estender redes calibradas; montar e negociar os valorímetros” (p. 111). O grande problema deste relativista é se esquecer que o trabalho de instrumentação o impede de compreender a própria noção de comensurabilidade, ou seja, os padrões de medidas lançados sobre aqueles que são diferentes não existiam anteriormente, são trazidos pelo próprio ponto de vista de quem olha e analisa. Para Latour, uma resposta a compreensão deste trabalho de medida é o de acrescentar o adjetivo ao substantivo, mostrar “os instrumentos e cadeias que foram usadas para criar assimetrias e igualdades, hierarquias e diferenças”^4 (p. 111).
A grande questão do relativismo é ser, geralmente, uma resposta do pensamento hegemônico (sexista, machista, lgbtfóbico…) na tentativa de preservar suas afirmações frente às
(^4) Latour referencia o trabalho de Michel Callon, Réseaux technico-économiques et irréversibilités , de 1991.
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evidências contrárias, ao colocar outros pontos de vista como um lugar de possível realidade, mas que não seria maior, nem melhor, nem mais verdadeiro, nem mais falso, de que seriam simétricos. A questão aqui é: não é relativo, por exemplo, que sujeitos trans estejam em relação de subalternidade em nossa sociedade, de que sofram violência e que têm menos possibilidades que sujeitos cis.
O relativismo é uma maneira de não estar em lugar nenhum, mas alegando-se que se está igualmente em toda parte. A "igualdade" de posicionamento é uma negação de responsabilidade e de avaliação crítica. Nas ideologias de objetividade, o relativismo é o perfeito gêmeo invertido da totalização; ambos negam interesse na posição, na corporificação e na perspectiva parcial; ambos tornam impossível ver bem (HARAWAY, 1995b, p. 24). A alternativa a este relativismo seria, para Haraway, “saberes parciais, localizáveis, críticos, apoiados na possibilidade de redes de conexão, chamadas de solidariedade em política e de conversas compartilhadas em epistemologia” (1995b, p.24). Ainda que tomemos o subalterno como posição de observação trazendo suas experiências como lugar de referência, temos que nos atentar que este deve ser tomado também como um conhecimento situado e corporificado, não sendo um conhecimento “inocente” (daqui onde falamos não há inocência) pois também não estão isentos de uma reavaliação crítica semiológica e hermenêutica, sujeitos a decodificação, desconstrução e interpretação. Não sendo inocente , as perspectivas dos subjugados inicialmente, é uma boa escolha pois tem menor probabilidade de permitir a negação do núcleo crítico e interpretativo de todo conhecimento, uma vez que
têm ampla experiência com os modos de negação através da repressão, do esquecimento e de atos de desaparição – com maneiras de não estar em nenhum lugar ao mesmo tempo que se alega ver tudo. As perspectivas dos subjugados são preferidas porque parecem prometer explicações mais adequadas, firmes, objetivas, transformadoras do mundo (HARAWAY, 1995b, p. 23). Mesmo que a sujeição não seja base para uma ontologia; ela pode ser um lugar de observação e de visualização, e marca uma política de posicionamentos. Posicionar-se é crucial para estabelecer bases para o conhecimento organizado em torno das imagens da visão, implicando em responsabilidade por nossas práticas capacitadoras. Pleiteia-se aqui uma prática da objetividade que prefira “a contestação, a desconstrução, as conexões em rede e a esperança na transformação dos sistemas de conhecimento e nas maneiras de ver” (HARAWAY, 1995b, p.2 4). Requer-se um distanciamento apaixonado que mais do que parcialidade reconhecida e autocrítica, seja hostil aos relativismos e holismos fáceis por adição de partes, até porque não é possível abarcar
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podendo fazer um diálogo crítico a esses conhecimentos ao afirmar uma autoridade perceptiva e epistêmica das próprias vivências (MAFFÍA, 2012). Sandy Stone trouxe o corpo para o centro do palco do estudo do ciberfeminismo, defendendo de forma persuasiva que os sistemas binários como naturaleza/cultura tem como lógica a estratégia de manter as fronteiras com finalidades políticas e econômicas para gerar significados. Deste modo, ao introduzir a questão do corpo nos territórios virtuais gera-se significados através do que é produzido na relação do que é corpo e do que é artefato (e seus híbridos), dos elementos humanos e não-humanos, caracterizando tais tecnologias não como agentes transparentes, neutros, que eliminam a questão da diferença sexual, mas como algo que se torna meio de produzir corpos sexuados no espaço. Tem que notar-se que a dicotomia espaços on-line versus espaços offline perde seu sentido no sentido em que os espaços virtuais estão habitados por corpos generificados e sexuados e tratados pela lógica do desejo, dos espaços e dos corpos, ainda que não haja nada na lógica das redes digitais que o pré-estruture como lugar desejante, com certas lógicas espaciais e relacionado à corporeidade humana. (GALLOWAY, 1997). A transexualidade – bem como a intersexualidade e a homossexualidade – para Marta Lamas (2014) introduzem uma dissonância entre o corpo, a identidade pessoal e o mandato cultural de gênero. A simbolização da diferença anatômica “instituem códigos e prescrições culturais particulares para mulheres e homens” (p. 158), uma vez que a partir do dado biológico que as sociedade organizam a vida social com ideias de que há sentimentos, capacidade e condutas que correspondem aos sujeitos a partir de seus gêneros (LAMAS, 2014). Em outras palavras, gênero diz sobre atribuições, permissões e interdições dadas e reforçadas a determinados sujeitos a partir da cultura de uma sociedade. É neste sentido que Lamas aponta para os efeitos da presença de corpos que são ambíguos e os quais são facilmente distinguíveis no binômio homem/mulher, provocando inquietação, rechaço e/ou mal estar. Ainda que a sociedade imponha acordos e práticas psicossociais coercitivas, enquanto ente/artefato simultaneamente físico e simbólico, o corpo experimenta “no sentido fenomenológico distintas sensações, prazeres, dores e pulsões” (p. 159). Para a autora além de ser construído socialmente e historicamente, o corpo possui uma psique cujos processos inconscientes não controla e neste sentido a feminilidade e a masculinidade psíquicas muitas vezes transgridem os delineamentos culturais da socialização.
O corpo sexuado é como um dispositivo que articula o social e o psíquico nos seus jogos de “sexualidade e identidade, pulsão e cultura, carne e inconsciente” (p. 162). Como seres biopsicossociais, os humanos introduzem identidades atípicas na ordem do normativo, no
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pensamento hegemônico em sua estrutura de coerção e de consentimento, justamente no que tange a transexualdiade.
É assim que pensar uma epistemologia que seja parcial, corporificada, relacionista e que leve em conta as experiências trans poderiam e deveriam dar conta de valorar questões que de modo geral não são pleiteadas como questões de importância na produção de conhecimento sobre esses sujeitos. É preciso levantar em conta algumas categorias como, por exemplo, a passabilidade , genital cultural e categoria sexual (LAMAS, 2014). A passabilidade (de “passar por”) é a característica de sujeitos trans passarem por sujeitos cis, é a característica de conseguir apagar ao máximo seu sexo imposto ao nascer e colocar em si características sociais da identidade de sexo a que deseja ser reconhecido. É uma ação que aponta para produção social do gênero quando tais sujeitos trabalham sua imagem e sua gestualidade e também para o desejo hodierno de não mais pretende-lo e “se assumir” na sua condição de trans. O genital cultural “é aquele que se assuma que exista ainda que não o tenham no sentido físico, a atribuição inicial dá à pessoa o "direito" a eles e por isso outras pessoas pressupõem que os têm” (p. 145, tradução nossa), trata tanto sobre relacionar-se com o outros, quanto o direito a intervenções farmaco-médicas de redesignação sexual. Já a categoria sexual “implica assumir certas concepções culturais vigentes de conduta que são compatíveis com as supostas naturezas essenciais de mulher e homem” a construção de gênero se faz “em determinado contexto e na presença de outras pessoas, e neste sentido ser uma pessoa com gênero é um trabalho relacional que tem características sociais” (p.147), tais como classes, raças e etnias. Por ora, tais categorias aqui são apenas iluminuras para ilustrar algumas questões que podem surgir ao levar em consideração a experiência e os saberes constituídos por sujeitos trans.
É preciso pensar uma produção de conhecimento que promova e igualdade e que reconheça e respeite a diferença. Ao contrário do que se possa pensar, igualdade e diferença não são termos antagônicos. Enquanto a igualdade se dá no plano político e está em oposição a desigualdade, a diferença se opõe às identidades homogeneizantes e está no plano ontológico (MAFFÍA, 2012). É preciso, pois, ao pensar uma ciência que dê conta das questões trans que essa não essencialize os sujeitos e não os faça ser idênticos entre si para formar parte de uma instância científica. É preciso dar conta da diferença e tratá-la como potência.
Referências
DIDI-HUBERMAN, G.. Sobrevivência dos Vagalumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
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