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Guias e Dicas
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Comunicação da Pessoa Surda Sinalizadora com Grupos Sociais, Notas de aula de Comunicação

Este documento explora o processo comunicacional da pessoa surda sinalizadora, sua interação com grupos sociais majoritários de ouvintes desconhecedores da língua de sinais, em contextos geográficos e cinematográficos. O texto propõe um diálogo entre a teoria de vygotsky e bakhtin, abordando a complexidade do desenvolvimento do pensamento e da linguagem, além do processo de aquisição da língua de sinais para crianças surdas. O documento também discute a interdisciplinaridade na compreensão da experiência social viva pela pessoa surda, considerada membro de grupos culturais minoritários em constante conflito com grupos culturais majoritários.

O que você vai aprender

  • Quais são as estratégias comunicacionais utilizadas pelos surdos para se inserir socialmente?
  • Qual é a importância da interdisciplinaridade na compreensão da experiência social viva pela pessoa surda?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Cunha10
Cunha10 🇧🇷

4.5

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Instituto de Nutrição
Ronaldo Gonçalves de Oliveira
Cinema, surdez e comensalidade:
Um percurso pela complexidade do surdo sinalizador
Rio de Janeiro
2017
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Instituto de Nutrição

Ronaldo Gonçalves de Oliveira

Cinema, surdez e comensalidade:

Um percurso pela complexidade do surdo sinalizador

Rio de Janeiro

Ronaldo Gonçalves de Oliveira

Cinema, surdez e comensalidade: um percurso pela complexidade do surdo sinalizador

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde, Linha de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Alimentação, Nutrição e Saúde, como requisito para obtenção do título de doutor.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Romão Ferreira Coorientadora: Profa. Dra. Shirley Donizete Prado

Rio de Janeiro 2017

Ronaldo Gonçalves de Oliveira

Cinema, surdez e comensalidade: um percurso pela complexidade do surdo sinalizador

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde, Linha de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Alimentação, Nutrição e Saúde, como requisito para obtenção do título de doutor.

Aprovado em 13 de dezembro de 2017.

Banca Examinadora:


Prof. Dr. Francisco Romão Ferreira (Orientador) Instituto de Nutrição - UERJ


Profa. Dra. Cristiane Marques Seixas Instituto de Nutrição - UERJ

____________________________________________

Profa. Dra. Maria Cláudia V.S. Carvalho Instituto de Nutrição - UERJ


Profa. Dra. Solange Maria da Rocha Instituto Nacional de Educação de Surdos - MEC/INES


Profa. Dra. Eliane Portes Vargas Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - FIOCRUZ

Rio de Janeiro 2017

DEDICATÓRIA

Dedico esta conquista à Força Criadora da vida, que me dotou de todas as condições necessárias para que eu pudesse chegar aqui e à Força Criadora particular de minha vida, Minha Mãe, que viu, em vida, o início deste percurso e que hoje, em outro estado de existência, recebe o meu beijo terno de amor, saudade e reconhecimento.

O estudo dos surdos mostra-nos que boa parte do que é distintivamente humano em nós – nossas capacidades de linguagem, pensamento, comunicação e cultura – não se desenvolve de maneira automática, não se compõe apenas de funções biológicas, mas também tem origem social e histórica; essas capacidades são um presente – o mais maravilhoso dos presentes – de uma geração para outra. Percebemos que cultura é tão importante quanto a natureza. Óliver Sacks

RESUMO

OLIVEIRA, R.G. Cinema, surdez e comensalidade : Um percurso pela complexidade do surdo sinalizador. 2017 129 f. Tese (Doutorado em Alimentação, Nutrição e Saúde) – Instituto de Nutrição, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

Esta tese perscruta o processo comunicacional da pessoa surda sinalizadora, bem como a sua interação com o grupo sociocultural majoritário de ouvintes desconhecedores da língua de sinais, em espaços geográficos e fílmicos de pertencimento ou exclusão. As reflexões aqui suscitadas se constroem a partir de uma pesquisa interdisciplinar, que está alocada no lugar dos sentidos e significados da alimentação e cultura e tem pretensões de fazer conversar, nesse lugar, as ciências humanas e as ciências sociais. Busca-se compreender, no sentido weberiano do termo, a complexidade – que, segundo Edgar Morin, encontra-se localizada na intercessão entre as ciências – do processo de interação sociocomunicacional do surdo sinalizador. Produziram-se quatro artigos que compõem o corpo deste texto, utilizando as técnicas metodológicas da observação participante, da análise fílmica e da análise do discurso, de acordo com a necessidade requerida por cada produção. Os artigos produzidos são resultados de um debruce sobre as tramas teciduais complexas dos processos de inclusão, exclusão e autoexclusão social da pessoa surda sinalizadora, considerando nesses processos a vocação humana da linguagem, cuja língua – seja oral, escrita ou sinalizada – se constitui como elemento compositor. Logrou-se neste percurso de doutoramento a ampliação e a ressignificação do olhar para o universo sinalizador da surdez, abrindo-se possibilidades de novos estudos e oferecendo-se aos estudiosos do tema reflexões embasadas na interdisciplinaridade necessária a qualquer estudo que pretenda fugir da compartimentalização e voltar o olhar ao todo complexo, que vê o humano, ao mesmo tempo, como um ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico.

Palavras-chave: Surdo sinalizador. Comensalidade. Língua de sinais. Língua portuguesa. Cinema.

RESUMEN

OLIVEIRA, R.G. Cine, sordera y comensalía : Un recurrido por la complejidad del sordo usuario de la lengua de señas. 2017 129 f. Tese (Doutorado em Alimentação, Nutrição e Saúde) – Instituto de Nutrição, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 017.

Esta tesis escanea el proceso comunicacional de la persona sorda usuaria de la lengua de señas, así como su interacción con el grupo sociocultural mayoritario de oyentes desconocedores de la lengua de señas, en espacios geográficos y fílmicos de pertenencia o exclusión. Las reflexiones aquí suscitadas se construyen a partir de una investigación interdisciplinaria, que está asignada en el lugar de los sentidos y significados de la alimentación y cultura y tiene pretensiones de hacer conversar, en ese lugar, las ciencias humanas y las ciencias sociales. Se busca comprender, en el sentido que tiene el término para Max Weber, la complejidad - que, según Edgar Morin, se encuentra ubicada en la intercesión entre las ciencias - del proceso de interacción socio comunicacional del sordo usuario de la lengua de señas. Se produjeron cuatro artículos que componen el cuerpo de este texto, utilizando las técnicas metodológicas de la observación participante, del análisis fílmico y del análisis del discurso, de acuerdo con la necesidad requerida por cada producción. Los artículos producidos son resultados de un trazado sobre las tramas de la tela compleja de los procesos de inclusión, exclusión y autoexclusión social de la persona sorda usuaria de la lengua de señas, considerando en esos procesos la vocación humana del lenguaje, cuya lengua

  • sea oral, escrita o señalada - se constituye como elemento compositor. Se logró en este recurrido la ampliación y la resignificación de la mirada hacia el universo señalador de la sordera, abriéndose posibilidades de nuevos estudios y ofreciéndose a los estudiosos del tema reflexiones basadas en la interdisciplinaridad necesaria a cualquier estudio que pretenda huir de la compartimentalización y volver la mirada al todo complejo, que ve al humano, al mismo tiempo, como un ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico.

Palabras clave: Sordo usuario de la lengua de señas. Comensalía. Lengua de señas. Lengua portuguesa. Cine.

SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO

Permitimo-nos neste texto inicial um esclarecimento sobre uma questão metodológica dos capítulos, por nós produzidos, que compõem a nossa tese. Procedemos ao gênero narrativo, no sentido de oportunizar ao leitor conhecer o percurso deste doutoramento, além de justificar a adoção de procedimentos teórico- metodológicos distintos para os textos produzidos. Em 2014, ingressamos no Programa de Pós-graduação em Alimentação Nutrição e Saúde (PPG ANS), com a proposta de estudos relacionados à complexidade comunicacional da pessoa surda, com quem já trabalhávamos desde 2009, por ocasião de nosso ingresso no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Inicialmente, pensávamos numa pesquisa de campo e, como estávamos em contato direto e permanente com os alunos surdos do INES, seguindo o projeto inicial, lançamo-nos aos primeiros movimentos de pesquisa, aplicando as técnicas da observação participante, segundo Minayo (2008), vendo os alunos componentes do corpus em situações reais de interação com os demais surdos sinalizadores e ouvintes, conhecedores da língua de sinais, já que a observação se deu em um espaço de conforto linguístico: o INES. Assim produzimos o artigo Comer à mesa: a inclusão social da pessoa surda pela família, através da comensalidade^1. Mais adiante, como resultado das disciplinas que cursamos na Faculdade de Letras desta UERJ, ampliando as reflexões propostas neste PPG ANS, produzimos o artigo A produção e compreensão leitora das mensagens escritas na comunicação de surdos usuários da Libras no Facebook: erros de coesão ou variante surda?^2. Neste artigo, priorizamos as observações no espaço virtual do Facebook , com participação do pesquisador, já que se trata de uma rede social que oportuniza a observação participante. Por ocasião da oferta da disciplina Cinema e Comensalidade, pelo Núcleo de Estudos sobre Cultura e Alimentação (NECTAR) – que compõe o PPG ANS e a cuja linha de pesquisa nos afiliamos – interessou-nos sobremaneira a possibilidade de que os estudos fílmicos compusessem um espaço de observação que tivesse a capacidade de ampliar o olhar investigativo. Os estudos propostos para a dita disciplina geraram reflexões que compuseram,

(^1) OLIVEIRA, R.G.; FERREIRA, F.R.; PRADO, S.D.. Comer à mesa: a inclusão social da pessoa surda pela família, através da comensalidade. DEMETRA , v. 12, n. 4, 2017. In press. (^2) OLIVEIRA, R.G.; FERREIRA, F.R.; PRADO, S.D.. A produção e compreensão de mensagens escritas na comunicação de surdos usuários da Libras, no Facebook: Erros de coesão ou variante surda?. Fórum , v. 3, p. 151-165, 2017.

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além de um dos capítulos componentes desta tese, E seu nome é Jonas: Cinema, surdez e comensalidade , publicado em coletânea organizada pela Rede Ibero-americana de Pesquisa Qualitativa em Alimentação e Sociedade (REDE NAUS), mais quatro capítulos de livro, do livro Cinema e Comensalidade da Série Sabor Metrópole, volume 6, publicado em 2016; um capítulo submetido à nova Coletânea Internacional da REDE NAUS; um artigo a ser submetido à Revista Espaço, periódico do INES; dois capítulos de livro indicados para a publicação no volume II do livro Cinema e Comensalidade, Série Sabor Metrópole, que será lançado pelo Néctar, em 2018. Alguns dos textos acima citados, embora não estejam relacionados diretamente à pessoa surda, neste percurso para o doutoramento, abriram espaço para um aprofundamento necessário nos estudos fílmicos, além de promover a possibilidade de pensar a comensalidade num espectro mais amplo e contemporâneo, o que falaremos mais adiante em tópico específico. Passamos a listar os mencionados textos não como componentes desta tese, mas como produtos gerados a partir das reflexões suscitadas no trajeto deste doutoramento. a. OLIVEIRA, R.G.; FERREIRA, F.R.; PRADO, S.D.. A comida é pra quem? Os valores sociais da comida e dos comensais em Era uma vez em Tóquio. In : FERREIRA,F.R.; PRADO,S.D.; SEIXAS,C.M.; VARGAS,E.P.. (Org.). Cinema e comensalidade. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 95-120. b. FERREIRA, F.R.; OLIVEIRA, R.G.; SEIXAS, C.M.; VARGAS, E.P.; KRAEMER, F.B.; CARVALHO, M.C.V.S.; PRADO, S.D.. Cinema pra quê? uma introdução ao uso do cinema na formação em Nutrição. In : FERREIRA,F.R.; PRADO,S.D.; SEIXAS,C.M.; VARGAS,E.P. (Org.). Cinema e comensalidade. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 15-34. c. FERREIRA, F.R.; OLIVEIRA, R.G.. Jantando com o mestre: a comida e a comensalidade como enunciação no cinema de Akira Kurosawa. In : FERREIRA,F.R.; PRADO,S.D.; SEIXAS,C.M.; VARGAS,E.P.. (Org.). C inema e comensalidade. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 69-94. d. OLIVEIRA, R.G.; PRADO, S.D.. A comensalidade no filme pai e filha, de Yasujirô Ozu: a aparente simplicidade do comer. In : FERREIRA,F.R.; PRADO,S.D.; SEIXAS,C.M.; VARGAS,E.P.. (Org.). Cinema e comensalidade. 1ed.Curitiba: Editora CRV, 2016, v. 6, p. 121-149. e. Capítulo submetido à Coletânea Internacional da REDE NAUS Corpo, Alimentação e Cidades: Os discursos na construção das noções de gênero e

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A ESTRUTURA DA TESE

Com a possibilidade, viabilizada pelo PPG ANS, de elaborar artigos ou capítulos de livros que componham a tese no processo de doutoramento, dividimos o tema em quatro textos independentes e, simultaneamente, articulados entre si. Pensamos que essa perspectiva nos deixaria mais livres para discutir, com a profundidade exigida pela temática, as questões socioculturais e linguísticas relacionadas ao estudo, ou seja, delimitaríamos os assuntos componentes e, ao final, os religaríamos ao todo, para compor o resultado da pesquisa. Assim, o estudo contempla os seguintes textos: a. OLIVEIRA, R.G.; FERREIRA, F.R.; PRADO, S.D.. Comer à mesa: a inclusão social da pessoa surda pela família, através da comensalidade. DEMETRA. V12 n. 4, 2017, In press. b. OLIVEIRA, R. G. et al.. E seu nome é Jonas : cinema, surdez e comensalidade. In: PRADO, S.D. et al. (Org.). Estudos socioculturais em alimentação e saúde : saberes em rede. 1ed.Rio de janeiro: EDUERJ, 2016, v. , p. 337-360. c. OLIVEIRA, R.G. et al. Análise fílmica de A Família Bélier: o confronto sociolinguístico entre surdos sinalizadores e ouvintes no espaço fílmico da comensalidade. A ser submetido à Revista Estudos do Século XX , publicação do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, Portugal. d. OLIVEIRA, R.G.; FERREIRA, F.R. ; PRADO, S.D.. A produção e compreensão de mensagens escritas na comunicação de surdos usuários da Libras, no Facebook: Erros de coesão ou variante surda?. Fórum (Rio de Janeiro. 2000), v. 3, p. 151-165, 2017. A pesquisa, de cunho qualitativo, vê as relações que se constroem, se reconstroem ou se destroem à mesa, entre os comensais, como formadoras e reveladoras de uma identidade que pode ser construída em bases sólidas de afeto e inclusão; ou pode ser marginalizada e considerada alienígena pelo grupo que representa a maioria. A escolha dos filmes segue critérios de adequação ao planejamento da tese. O primeiro texto, que trata da aquisição de língua da criança surda, propõe um diálogo entre o pensamento de Vigotsky (1999) e de Bakhtin (2003), pautado na complexidade, segundo Morin (2005), do desenvolvimento do pensamento e da linguagem, bem como do processo de aquisição da língua de sinais para as crianças surdas, que tiverem essa orientação dada pela

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família. Para este tema, como já o dissemos, usamos a metodologia da observação participante. A observação participante, à qual nos referimos, não interfere diretamente, o que diz respeito à ação unilateral, que é descrita por Minayo como “um processo pelo qual se mantém a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica” (MINAYO, 2008, p.274). O segundo texto da tese recorre à análise fílmica, segundo Vanoye (1994) e Seabra (2014). Analisamos o filme E seu nome é Jonas (STRUTHERS et al. , 1979), por este permitir ampliar o nosso olhar para o universo da criança surda na relação, construída à mesa, com seus primeiros interlocutores, a família, fortalecendo pela comensalidade a noção de pertencimento do sujeito. Este tema, já retratado pelo primeiro artigo é retomado neste segundo texto da tese, sob uma abordagem sócio-histórica, o que proporciona uma sequência lógica no decorrer da pesquisa, organizando e relacionando os temas discutidos, e, ainda, dando-lhes coesão e coerência textuais. Os dois últimos textos aproximam-se bem mais da proposta de doutorado sanduíche, apresentada no projeto que gerou este estudo. Usamos, também, a análise fílmica, segundo Seabra (2014), tendo por base teórica o pensamento complexo, visto por Morin (2005). Este último tema aborda o processo de exclusão e autoexclusão social na construção de identidades dos grupos culturais de surdos sinalizadores.

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da interdisciplinaridade. Foi neste PPG ANS que tivemos a possibilidade de passear por distintas áreas do conhecimento, sem as barreiras tão comumente encontradas em virtude da falta do diálogo percebido nas ciências humanas. A propósito dessa secção, Morin nos apresenta o princípio da disjunção.

Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de o “paradigma de simplificação”. Descartes formulou este paradigma essencial do ocidente, ao separar o sujeito pensante ( ego cogitans ) e a coisa entendida ( res extensa ), isto é , filosofia e ciência, e ao colocar como princípio de verdades as ideias “claras e distintas”, isto é, o próprio pensamento disjuntivo. Este paradigma, que controla a aventura do pensamento ocidental desde o século XVII, sem dúvida permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e à reflexão filosófica; suas consequências nocivas últimas só começam a se revelar no século XX. Tal disjunção, rareando as comunicações entre o conhecimento científico e a reflexão filosófica, devia finalmente privar a ciência de qualquer possibilidade de ela conhecer a si própria, e mesmo de se conceber cientificamente. Mais ainda, o princípio de disjunção isolou radicalmente uns dos outros os três grandes campos do conhecimento científico: a física, a biologia e a ciência do homem. (MORIN, 2005, p.11)

Correndo o risco da redundância, mas primando pela clareza, não podemos prescindir de explicitar a perspectiva sócio-histórica da qual partimos e que compuseram nosso percurso até aqui. Muito mais que analisar aspectos históricos para o avanço, atraso, acertos ou equívocos da medicina na área da surdez – o que frequentemente se faz nas pesquisas realizadas em torno dessa temática – buscamos aqui o percurso sócio-histórico da pessoa surda, posto que o nosso olhar investigativo não se centra na patologia; pelo contrário, parte do conceito de despatologização da surdez, revisto por Skliar (1998), que desloca o centro da discussão, retirando o foco das ciências médicas. Aqui, as reflexões se dão a partir do afastamento da patologia surdez e da aproximação do conceito de pessoa surda com diferenças linguísticas, capaz de construir as suas trajetórias de vida, como qualquer outro indivíduo que seja considerado “sem deficiências” ou “normal”. Usamos o termo deficiência por falta de outro que expresse a concepção de diferença, estabelecida pelos padrões sociais de “normalidade”, por isso, as marcas discursivas das aspas. Entretanto, o conceito de deficiência, normatizado juridicamente e tema público amplamente difundido, carece, ainda, de reflexões mais profundas, visto que a sua complexidade ultrapassa a possibilidade de criação de grupos (pessoas com deficiências), que pela própria semântica da palavra, são pessoas que apresentam déficits (do latim deficit , "falta"; o que falta para se completar algo), com relação a um parâmetro de normalidade, também, carente de reflexões.

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Cabe ressaltar que essa normatização, no caso da surdez, advém da corrente médico- corretiva em relação à patologia. Vem se construindo há séculos e, hoje, chega aos nossos dias sob a forma de medicalização de diversos tipos: terapias fonoaudiológicas de oralização, implante coclear, entre outros exemplos dessa abordagem da surdez e consequente estigma da pessoa surda, posto que reforça para essa pessoa o sentido de falta, de menos, e cria uma categoria, de certa forma, dependente, necessitada de tutores. Esse quadro põe o surdo em relação ao ouvinte, ou melhor, contrapõe a patologia à normalidade. Essa contraposição cria o estigma, que, segundo Goffman (1998), se constitui da seguinte forma:

Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças [...] (GOFFMAN, 1998, p. 8)

Entretanto, não é nosso objetivo neste estudo o aprofundamento desses conceitos de deficiência e normalidade. Centramo-nos, como já o dissemos, na pessoa surda, reflexo de lutas e construções históricas, portadora de identidade e cultura próprias, como resultado do avanço social que presenciamos a partir da década de 80, em virtude da legitimação das línguas de sinais. Referimo-nos, portanto, a surdos sinalizadores. Entretanto, para analisar o percurso histórico desse surdo sinalizador, é necessário, a nosso ver, passear pela história da surdez, vista como deficiência. Nesse caso, sua maior expressão é o movimento de oralização, que é a vertente ideológica que parte do conceito de deficiência para reparar uma falta específica: no caso do surdo, a audição e, consequentemente, a fala. Seu objetivo é que esse surdo se iguale ao padrão de normalidade, cuja referência é o ouvinte, ou dele se aproxime. A pessoa surda sinalizadora, para este estudo, portanto, não se encontra vitimizada num processo patológico, mas diferente por possuir códigos linguísticos e culturais distintos do estabelecido pela sociedade. É percebida como pessoa detentora de condições de crescimento e desenvolvimento social, contanto, que lhe sejam oferecidas condições satisfatórias de construção de uma identidade híbrida (HALL, 2005), que lhe permita transitar em culturas distintas num mesmo espaço geográfico, já que, sob esse conceito de surdez despatologizada, o surdo transita entre dois grandes grupos culturais: o grupo de ouvinte, pela língua portuguesa escrita e o grupo de surdos sinalizadores pela língua de sinais^3.

(^3) A Libras, Língua Brasileira de Sinais, não possui registro escrito, portanto, a língua escrita do surdo brasileiro é a Língua Portuguesa. Conforme a lei 10.436/2002, em seu artigo 4º, parágrafo único, “A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa”.