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A lei 13.654/2018 no brasil modificou o código penal em relação aos crimes de furto e roubo, introduzindo novas qualificadores e aumentando penas para crimes que envolvam armas de fogo ou explosivos. No entanto, essas mudanças geram questionamentos sobre a real periculosidade das armas utilizadas, a proporcionalidade das sanções e a prioridade na proteção de bens jurídicos. Sugestões para interpretar a lei em sua atual condição também são apresentadas.
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Tipologia: Notas de aula
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Recebido em 29/8/ Aprovado em 18/3/ MATHEUS DE ALENCAR E MIRANDA LEONARDO SIMÕES AGAPITO Resumo: O presente artigo toma por objeto a reforma promovida pela Lei no^ 13.654/2018 sobre os tipos penais de furto e roubo, atribuindo novas formas qualificadas e agravantes. Embora a principal alteração tenha objetivado recrudescer o tratamento dado aos crimes patrimoniais cometidos com uso de explosivos, observam-se não apenas problemas sistêmicos gerados dentro do Código Penal, como também a perpetuação de erros conceituais que distorcem a tutela penal. Dessa forma, com base no método dedutivo-analítico, faz-se uma análise de toda a reforma e propõem-se mudanças interpretativas e reformas legais que se mostram urgentes. Palavras-chave: Lei no^ 13.654/2018. Furto. Roubo. Explosivos.
Abstract: This article reflex about reform brought by Brazilian Act n. 13.654 / 2018 on theft and robbery articles on penal code, creating new descriptions. By this, although the main change was aimed at intensifying the treatment of patrimonial crimes committed with use of explosives, it did not only produce systemic problems on criminal law, but also perpetuates conceptual misunderstoods that pervert criminal protection. Thus, using an analytical deductive method, this article analysis all elements of the reform made, not only suggesting interpretive changes, but also urgent legal reforms. Keywords: Act n. 13.654/2018. Burglary. Assault. Explosives.
A Lei no^ 13.654, de 23 de abril de 2018, trouxe sensíveis modificações nos tipos penais furto e roubo, tradicionais crimes contra o patrimônio. Conforme aquela lei, que altera o Código Penal (CP) (BRASIL, [2018a]), para dispor sobre os crimes de furto qualificado e de roubo quando en- volvam explosivos e do crime de roubo praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal grave; e altera a Lei no^ 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente (BRASIL, 2018c). Numa primeira leitura, cumpre registrar que a Lei no^ 13.654/ inovou o ordenamento jurídico: (1) ao modificar o art. 155 do CP, refe- rente ao furto, incluindo duas novas qualificadoras: (a) furto mediante emprego de explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4o-A) e (b) furto de substâncias explosivas ou acessórios que permitam sua construção (art. 155, § 7o); e (2) ao modificar o art. 157, que tutela o roubo, para: (a) revogar o inciso I do § 2o, referente ao emprego de arma genérico; (b) incluir o inciso VI no mesmo parágrafo, referente à subtração de material explosivo ou acessórios que permitam sua cons- trução; (c) incluir o § 2o-A, que majora a pena caso se utilize arma de fogo ou explosivo na prática do roubo; e (d) modificar a redação do § 3o, separando o roubo qualificado pela lesão corporal grave (agora inciso I) do latrocínio (inciso II) e aumentando a previsão de pena, no primeiro caso, de 7 para 18 anos de reclusão. Expostas as modificações no CP, apontam-se algumas reflexões críticas. Primeiramente, analisam-se as alterações no sistema jurídico; em seguida, desenvolvem-se as críticas por uma perspectiva político-criminal; por fim, demonstram-se as modificações cabíveis para melhor adequação dogmática.
A tutela penal do patrimônio é constantemente criticada pelos mais distintos espectros políticos e setores do pensamento dogmático; deman- da uma modificação em seus fundamentos e põe em xeque a orienta- ção prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) (BRASIL, [2017a]). De modo exemplar, deve o Direito Penal proteger o patrimônio ou a propriedade privada (e todos os direitos inerentes a ela)? A coisa em si, suas características essenciais, ou os direitos sobre a coisa
conferir tratamento mais grave para o comportamento antecedente de subtração de artefatos que, futuramente, poderão ser utilizados para o cometimento de crimes semelhantes. De acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), [p]ode-se entender que um explosivo é, em sentido amplo, um material extremamente instável, que pode se decompor rapidamente, formando produtos estáveis. Esse processo é denominado de explosão e é acom- panhado por uma intensa liberação de energia, que pode ser feita sob diversas formas e gera uma considerável destruição decorrente da liberação dessa energia. No entanto, não será considerado explosivo o artefato que, embora ativado por explosivo, não projete e nem disperse fragmentos perigosos como metal, vidro ou plástico quebradiço, não possuindo, portanto, considerável potencial de destruição (BRASIL, 2017d). O que singularizou tal medida legal foi que o furto nessas circuns- tâncias é capaz de gerar perigo comum, que no caso se materializa com o emprego do explosivo. Concretamente, a modalidade mais comum de furto com uso de explosivos ocorre em agências bancárias e caixas eletrônicos. O perigo em questão é presumido pelo legislador. Contudo, pondera- se que, diversamente do porte ilegal de arma de fogo – cuja proibição e perigo presumido vêm fundamentados por larga evidência do aumento do número de mortes pelo emprego de armas de fogo –, a hipótese do emprego de explosivos não se lastreia em nada além do discurso de que aumentaram os casos de furtos em agências bancárias e caixas eletrôni- cos com emprego de explosivos. Esse discurso, apesar de carecer de comprovação empírica confiável, é sustentado pela ocorrência de casos de repercussão midiática^1 , impactando a “opinião pública” e abrindo a janela da oportunidade de alteração legislativa. Nesse contexto, a reforma penal foi elaborada e aprovada de forma célere, pautando, em síntese, endurecimentos de pena dentro do CP. Portanto, nota-se que, em vez de se exigir o aprimoramento das po- líticas de segurança pública que poderiam desincentivar essas condutas (até o ponto de impossibilitá-las), optou-se pela já conhecida solução de mudanças pontuais da legislação penal. Nesse sentido, enquanto a figura do art. 155, § 4o-A do CP é a própria punição do estouro de caixa (^1) De forma exemplificativa, algumas manchetes: “Criminosos amarram explosivos em gerente de banco e fazem vítima refém no Pará” (CRIMINOSOS…, 2018); “RS tem seis ataques a bancos em 30 horas” (MENDES, 2018); “Grupo armado usa explosivos e troca tiros em roubo a banco de Piracicaba [SP]” (GRUPO…, 2018); “Polícia prende quatro suspeitos de assalto a banco e apreende explosivos” (COSTA, 2018); “Seis agências bancá- rias são alvos de explosão e roubo em três cidades de MG” (SEIS…, 2018). Esses relatos, apontados de forma exemplificativa, ocorreram entre abril e julho de 2018 e evidenciam não só o contexto em que a reforma se inclui, mas também a falta de impacto de tal mudança legal, seja preventivo, seja para a própria mídia.
eletrônico com previsão de pena semelhante ao roubo, o art. 155, § 7o^ do CP evidencia o escopo do controle^2 antecipado do “futuro crime”, ou seja, a punição em igual medida de quem se vale do emprego de explosivo para o furto e daquele que furta o explosivo para usar posteriormente (igualando a punição prevista para o ato e para um ato que o precede). 2.2 Considerações sobre o crime de roubo A Lei no^ 13.654/2018 apresenta três al- terações aparentemente simples, em termos dogmáticos, na figura do crime de roubo. A primeira consiste na revogação do inciso I do § 2o, que previa aumento de pena de um terço até a metade em razão do emprego de arma para a realização de um roubo. Sua previsão simples incluía o uso de armas brancas, armas de fogo e qualquer outro objeto capaz de gerar lesão. Substituiu-se essa previsão pelo § 2o-A, em que a pena é sempre aumentada em dois terços pelo emprego de arma de fogo ou rompimento de obstáculo com o uso de explosivo. Destaque-se a própria distinção entre arma de fogo (revólver, pistola, carabina, fuzil, metra- lhadora etc.) e arma branca (punhal, navalha, espada etc.). Após a Lei no^ 13.654/2018, o roubo somente é majorado pelo emprego de arma se ela é arma de fogo, ou seja, “aquele artefato que lance um ou mais projéteis em alta velocidade através de uma ação pneumática de explosão ou deflagração” (SOUZA; JAPIASSÚ, 2018, p. 675). Com a reforma, “no caso de arma branca ou imprópria empregada para a prática do roubo, não há mais a incidência de causa de aumento de pena. Cuida-se de novatio legis in mellius, retroagindo – a norma penal mais benéfica – (^2) Sobre o Direito Penal das sociedades pós-industriais e sua preocupação com o controle de riscos, com base na leitura de Sociedade do Risco (SILVA SÁNCHEZ, 2001); no mesmo sentido, no Brasil, ver Bottini (2007). em favor de todos aqueles processados ou já condenados” (SOUZA; JAPIASSÚ, 2018, p. 675). Nesse ponto cabe a ponderação de que não há razão em afirmar que a mudança da lei se deu pelo fato de o legislador não mais reconhecer como majorante aquilo que não tem a finalidade única de ser arma. Historicamente, a maior parte das armas produzidas pela humanidade não é composta por armas de fogo e explosivos, ainda que estas sejam as principais atualmente. E se há o argumento de que armas perfurocortantes podem sempre ter outra utilidade, o argumento se enfraquece totalmente quando se pensa nas armas de choque, tranquilizantes, “balas de bor- racha”, bem como nas granadas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, não abarcadas pelos incisos, mas cuja função única é causar lesões e impedir que qualquer pessoa possa defender- se ou atacar. Em síntese, importa compreender que não é a finalidade do objeto que delimita se ele se enquadra ou não como causa de aumento de pena no roubo, mas sim se o legislador já o considerou, em outro dispositivo legal, uma arma que por si só gera perigo abstrato. É a uti- lização de uma dessas armas no caso concreto que fundamenta o aumento de pena acima das demais causas majorantes. Saliente-se a discussão suscitada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) de que a revogação do inc. I do § 2o do art. 157 seria formalmente inconstitucional. O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo manifestou-se por meio do Aviso no^ 162/2018, em 3 de maio de 2018 (SÃO PAULO, 2018)^3 , afirmando que entende que a revogação do inc. I do § 2o^ do art. 157 do CP seria inconstitucional porque a Comissão de Redação Legislativa (CORELE) decidiu unilateralmente pela criação do art. 4o^ da Lei no^ 13.654/2018, que revogou aquele inciso. (^3) Publicado no Diário Oficial em 9/5/2018.
§ 2o^ do art. 157 do CP. Vale ressaltar, por fim, que esse entendimento se difundiu nos órgãos ministeriais do País. A segunda alteração no art. 157 do CP, pre- sente na Lei no^ 13.654/2018, consiste na inserção do inc. VI no § 2o, majorando o roubo caso o ob- jeto da subtração sejam “substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou em- prego” (BRASIL, [2018a]), semelhantemente ao que já se descreveu no art. 155 do CP. Na leitura do novo inciso, percebe-se uma estranheza ini- cial: as causas de aumento de pena centravam-se na dificuldade de defesa da vítima, ou seja, eram orientadas pela posição da pessoa lesada, davam relevância para a posição do sujeito passivo de um crime; mas, nesse inciso, isoladamente, o que importa é o objeto da subtração^8. Nota-se, portanto, que o legislador corrompe o histórico sentido de interpretação do artigo, subtraindo completamente a posição da vítima para inserir excertos de razões político-criminal- mente duvidosas. Há um direcionamento a cer- tos sujeitos destinatários da (nova) norma penal que se interessam pela subtração de explosivos e posteriormente podem usá-los para ofender as vítimas igualmente direcionadas (os bancos): as associações e organizações criminosas. A majorante aponta para a suspeita de que se tratou de uma reforma despreocupada com a posição das pessoas naturais vítimas de rou- bo, já que mais preocupada em atacar o “crime organizado” que se vale do uso de explosivos (^8) Ainda que seja possível levantar a mesma discussão quanto ao inc. IV do mesmo § 2o, neste não é o roubo de carro que importa, mas sim a prática do autor do crime de levar o automóvel para outro estado ou país. Apesar de ser discutível a limitação do inciso para os casos em que o objeto é um automóvel, essa prática é valorada negativamente não por causa do seu objeto, mas devido à conduta do autor, que dificulta a recuperação do proveito do crime (especificando uma modalidade de ocultação, já valorada pelo art. 61, II, b, do CP). Apesar da limitação do objeto, a razão do aumento (sua orientação político-criminal) continua a mesma. para causar prejuízos às instituições financeiras. Percebe-se mais uma vez o recurso à velha práti- ca de somente aumentar a pena de um crime sem oferecer a devida contrapartida em termos de políticas que incentivem a cooperação de partes interessadas em evitar crime ou que suprimam condições de incentivo ao cometimento de cri- mes desse tipo. Além disso, observa-se ainda uma tentativa de combater o crime organizado por via transversa, no espaço reservado para a tutela do patrimônio.^9 Dessa forma, a eficiência e as razões da reforma merecem ser questionadas. Como terceiro ponto alterado pela Lei no^ 13.654/2018, há apenas uma alteração na redação do § 3o, que dispõe sobre resultados lesivos a pessoa, aumentando o máximo de pena de 15 para 18 anos no caso de lesão grave. Note- se que esse aumento se deu “para preservar a proporcionalidade entre as sanções penais – haja vista a majoração de 2/3 da pena do roubo com emprego de arma de fogo e da destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou artefato análogo que cause peri- go comum” (SOUZA; JAPIASSÚ, 2018, p. 676). A (nova) pena do roubo qualificado pela lesão corporal grave ficou entre 7 e 18 anos, ao passo que a conta da pena-base do roubo mais o au- mento de 2/3 do § 2o-A gera pena de 6 anos e 8 meses a 16 anos e 8 meses. A reforma aumentou o máximo de pena para garantir que o roubo (^9) Esse tipo de “legislação do medo”, pensada para um microcosmo criminal, acaba por negligenciar cenários efe- tivamente sensíveis e sobrecarregam o Direito Penal como única solução, esquecendo-se de que este também apresenta suas incoerências sistêmicas que podem potencializar os conflitos ao invés de os solucionar. No caso em discussão, destaque-se a Súmula 380 do TJRJ (RIO DE JANEIRO, 2018, p. [1]): “Não se mostra necessária a apreensão e exame da arma de fogo para comprovar a circunstância majorante no delito de roubo, desde que demonstrado seu emprego por outros meios de prova”. Sua aplicação após a reforma reflete um excesso de virtualização da realidade que impulsiona as incoerências ora criticadas. Repensar a lesividade no crime de roubo pelo uso de armamento e explosivos exige repensar os elementos mínimos de prova que garantam segurança e confiabilidade aos juízos.
majorado não tivesse pena mais grave que sua forma qualificada^10. Em suma, os três pontos da reforma do tipo penal de roubo consistiram em: a) um recru- descimento de penas sem grandes justificativas ou preocupação com a estruturação do artigo; b) uma especial atenção aos crimes cometidos contra instituições em detrimento da violência contra pessoas efetivamente; c) uma predileção pela solução penal como resposta política.^11 2.3 Considerações sobre as mudanças na Lei no^ 7.102/ Contrariamente ao recrudescimento penal exposto até aqui, a reforma introduziu um novo (^10) Considerando que, para a jurisprudência majoritária, o roubo qualificado (art. 157, § 3o, ambos os incisos) admite a tentativa, a reforma pode apontar para incongruências ainda maiores: em termos de pena, “compensaria” ao autor do crime causar lesões leves com a arma ou explosivos para enquadrar a conduta em roubo qualificado pela lesão grave tentada. Em síntese, o novo preceito secundário da norma do art. 157 (referente à consequência jurídica do delito) poderia comunicar (preceito primário) que causar um pequeno mal à integridade física da vítima manifestando vontade de causar um mal maior é menos reprovável que causar mal algum, bastando a existência de emprego de arma de fogo. Considerando essas questões de proporcio- nalidade, não seria de admirar que fosse mais frequente a aplicação do art. 157, § 2o-A em casos semelhantes. Isso, contudo, evidencia o caráter de virtualização da realidade e de legislação do medo da reforma: importa mais o potencial que a efetiva lesão. (^11) Como última aresta do debate, a despeito de todo o desenvolvimento (entre 1996 e 2003) da compreensão relacionada ao uso de simulacro de arma de fogo, tem- se agora um cenário legal que não permite compreensão diversa de sua irrelevância para fins de agravamento da pena. Igualmente, não faz sentido punir separadamente a coação nos termos do art. 147 do CP, já que a grave ameaça é prevista no próprio tipo simples do roubo. Aparentemente, essa mudança de entendimento do legislador, em 2003, com o Estatuto do Desarmamento, é confirmada quanto ao uso de explosivos, pois novamente se fez silente. Portanto, caso uma vítima seja coagida a cooperar sob ameaça do emprego de explosivos, é imprescindível que haja perícia. Ainda que a vítima tenha invólucros amarrados ao corpo, há de se averiguar e confirmar a natureza dos elementos e sua aptidão a causar danos, ou seja, não apenas a existência de explosivos, mas em quantidade suficiente e ajustada de forma eficaz a produzir uma explosão – do contrário, atuou- se para o engano (simulando a grave ameaça) ou enganado (com meio totalmente impróprio). artigo na lei, o qual trata da segurança em ins- tituições financeiras e de transporte de valores, tornando obrigatório o uso de dispositivos em caixas eletrônicos que inutilizem suas cédulas durante arrombamento ou violação. Caso um dos sistemas permitidos por esse novo artigo (como uso de tinta especial, pó químico ou pi- rotecnia) não seja adotado, poder-se-á aplicar pena de multa, advertência ou interdição do estabelecimento. Por duas razões é contraditória a situação criada: a) semelhantemente aos casos em que a jurisprudência reconhece ser crime impossível o furto em estabelecimento comercial dotado de mecanismos de segurança que permitam o controle de todos os seus clientes^12 , assim tam- bém seria impossível a subtração de cédulas inutilizadas^13 , cujo valor monetário desaparece
patrimonial contra pessoa que transita em via pública tem sua preparação totalmente diversa daquele que se pratica contra um estabelecimento comercial, ainda que a localização seja a mesma. Igualmente, aquele que invade residência durante o repouso noturno tem por objetivo principal surpreender as vítimas, ao passo que quem invade agência bancária durante a noite busca encontrar um número menor de testemunhas. Diferenciar a natureza da vítima permite também compreender a própria lesividade da conduta. Assim, a distinção com base nas vítimas (pessoas naturais e jurídicas) justifica-se: a) por ser diversa a valoração social; b) pois os meios de exe- cução são diversos; c) pois os meios de execução, ainda que coincidentes, devem ser valorados diversamente. 3.1 A especial tutela da pessoa natural: propostas de revisão na interpretação dos tipos penais furto e roubo O crime de furto, entendido como subtração de coisa alheia móvel, tem cinco modalidades qualificadas com base na nova redação. Duas delas, inseridas pelas Leis nos^ 9.426/1996 e 13.330/2016 (BRASIL, [1997], 2016 b), já diziam respeito ao objeto do furto (respectivamente, veículos automotores e “semoventes domesticáveis”), que são exemplos claros de uma legislação do medo. As duas novas qualificadoras (furto com material explosivo e furto de material para fabricação de explosivos), no entanto, não parecem efetivamente relevantes para a criminalidade contra pessoa natural (uso de material explosivo para invasão de residência ou armazenamento de quantidade expressiva de explosivos por parte da vítima). A relevância, nesse ponto, diz respeito a vítimas que são pessoas jurídicas (uso de material explosivo para destruição de mecanismos de segurança de bancos ou armazenamento de quantidade expressiva de explosivos por empresas militares ou mineradoras). O crime de roubo é historicamente compreendido, inclusive pela corrente majoritária contemporânea, como um crime pluriofensivo, pois ofende a propriedade e a integridade física ou psíquica da vítima^15. Note-se (^15) Este posicionamento da pluriofensividade aparece, por exemplo, em: Souza e Japiassú (2018, p. 671); Bitencourt (2010, p. 96); Cunha (2010, p. 141); Greco (2010, p. 57); Nucci (2014, p. 1.325); Prado (2010, p. 319). Os autores, contudo, partem de um mesmo referen- cial: Hungria (1942-1958, p. 54), que inicialmente comenta a separação entre o roubo e o furto, e argumenta ser o roubo crime complexo que abrange o furto como crime-fim e os demais crimes (em especial o constrangimento ilegal) como crimes-meio. Os problemas da concepção de Hungria (adotada pelos demais), como se verá, são dois: a ausência de explicação suficiente para o outro meio que impossibilita a resistência por parte da vítima; e a vinculação entre “crime mais grave” e “crime-fim” para explicar o art. 157, § 3o, do CP. O primeiro problema esvazia a explicação do roubo como crime pluriofensivo e o segundo é incoerente com a própria tipificação, uma vez que o que separa um latrocínio de um homicídio é justamente a finalidade específica de subtração, e não de matar a vítima (o
que, como crime pluriofensivo que exige a ofensa a um bem jurídico de pessoa física (integridade física ou psíquica), o crime de roubo, mesmo quando praticado contra propriedade de pessoa jurídica, exigia o con- curso necessário de vítimas com uma pessoa natural. O crime de roubo, portanto, tem especial tutela da pessoa natural, algo que parece ter sido esquecido pelo legislador na reforma promovida pela Lei no^ 13.654/2018. Todavia, criticar a reforma somente porque esteve distante da análise de ofensa a “bens jurídicos” não é suficiente, porque subtrai das vítimas a centralidade do processo de proteção pelo direito. A crítica poderosa advém da real centralização na vítima para a interpretação dos tipos pe- nais, ou seja, reinterpretá-los considerando de que maneira pode haver efetiva proteção das pessoas considerando aquilo que realmente são e não o que virtualmente têm. Por isso, propõem-se aqui novos parâmetros interpretativos. Partindo do roubo, tem-se que ele é, em verdade, não uma infração a vários bens jurídicos, mas sim, de forma simplificada, uma subtração de propriedade (de bem móvel) alheia com imposição de condição que impossibilita a defesa da própria esfera jurídica pela vítima. Sobre essa condição, deve-se fazer remissão às causas excludentes de ilicitude, que são as manifestações do limite do exercício da autotutela autorizado pelo Direito.^16 Ou seja, a conduta típica de roubo impõe à vítima, além do ônus da subtração do patrimônio móvel, outro referente à limitação do direito de autodefesa que o próprio direito permitia, mas que o autor do crime usurpou^17. Essa construção do conceito de roubo realiza-se, pois, em duas vias: partindo do conceito de furto e diferenciando o roubo dele; e tomando a resultado morte pode ser obtido até mesmo de forma culposa, ao passo que a finalidade específica de subtração é imperativa, ainda que o resultado da subtração não seja atingido, o que comprova que “crime-fim” e “crime mais grave” não são sinônimos). (^16) Sobre as excludentes de ilicitude, Pawlik (2012, p. 95-96) descreve o entendimento da doutrina penal majoritária na Alemanha, derivada do conceito de injusto de Ihering: “todavia se pode encontrar na literatura atual – em particular Stratenwerth, discípulo de Welzel – uma argumentação bem próxima de Mezger. Injusto e culpabilidade refletiriam segundo ela ‘duas perspectivas de valoração diferentes’: a perspectiva do autor seria apenas relevante para a análise da culpabilidade, na qual se pergunta se esse autor concreto pode- ria haver evitado a ação incriminada e se, portanto, essa seria reprovável. Pelo contrário, na análise do injusto se consideraria o interesse da vítima à incolumidade do estado dos seus bens jurídicos. Da mesma forma com que o direito ordenaria a vida social por meio das normas, estabeleceria barreiras dentro das quais o cidadão concreto, a seu bel-prazer, poderia decidir sobre sua configuração, e para o caso de serem ultrapassados, permitiriam ao afetado um direito de defesa. […] Novamente, é por isso que a perspectiva de que foi atacado – sua necessidade de proteção e seu poder de defender-se – é o que lhe permitiria adjudicar à ‘questão da antijuricidade’”. Posteriormente, o autor critica essa corrente de “duas perspectivas de valorações diferentes” do crime, propondo a fusão entre injusto e culpabilidade e apontando, inclusive, que não é necessário um fato típico para criar o direito de defesa. Apesar da interessante perspectiva, importa, para este trabalho, a ideia de defesa da própria esfera de organização como o recurso às excludentes de ilicitude, ou seja, é lícita a ação que, típica ou não, refere-se à defesa da própria esfera de organização do cidadão. (^17) Nos termos de Hungria (1942-1958, p. 52, grifo do autor): “privar à vítima o poder de agir”.
de rendimento importante para a compreensão político-criminalmente orientada do roubo e é também historicamente mais justificável, uma vez que o direito à propriedade privada veio necessariamente acompanhado do consequente direito de autotutela dessa propriedade^21. Partindo desse norte interpretativo, é possí- vel compreender melhor as causas de aumento do roubo e analisar os impactos da reforma. O § 2o^ do art. 157 do CP, em sua redação anterior, apresentava cinco causas de aumento, todas re- lacionadas a condições que diminuíam de forma mais acentuada que o normal a possibilidade de defesa da vítima: (i) o emprego de arma, em que o perigo concreto do dano impedia uma auto- defesa eficaz dado o risco de revide com disparo e a ocorrência de um dos resultados previsto pelo § 3o^ do mesmo artigo; (ii) o concurso de agentes, que igualmente impede a autodefesa eficaz porque a ação coordenada dos coautores exige uma resposta igualmente coordenada, tornando a reação mais difícil; (iii) a vítima estar em serviço de transporte de valores e o agente ou, pelo menos, desacompanhado, em sua aplicação, de violência física ou moral, pois, do contrário, se confundiria com esta, sem necessidade de equiparação legal”. Nota-se que o próprio autor reconhece que a figura do outro meio que impossibilita a resistência da vítima não atinge os bens jurídicos integridade física ou psicológica, ou seja, é crime contra o patrimônio somente. O equívoco da concepção majoritária (de Hungria até os dias atuais), portanto, está no reconhecimento da pluriofensividade. A melhor compreen- são do roubo ocorre quando há a centralização da posição da vítima e se reconhece que ele somente tutela todos os direitos de propriedade, incluindo a autotutela, e absorve as outras condutas criminosas porque é o “crime-fim”. (^21) Ver, por exemplo, as previsões jurídicas que permitem o uso de violência para responder à turbação ou esbulho possessório, desde que o grau de violência seja razoável e a reação imediata, na forma do art. 1.210 do Código Civil (CC) (BRASIL, [2019]). Mais do que uma exceção ao monopólio estatal da violência, trata-se de verdadeira demonstração de que o direito à propriedade privada é necessariamente acom- panhado pelo direito de sua autotutela em grau maior que o de outros direitos. Vale ressaltar que, quando se defende que a tutela se refere à propriedade privada e não ao patrimônio, não se quer subtrair a tutela da posse e da detenção, mas sim, pelo contrário, estender a tutela a todos os poderes inerentes à propriedade (na forma do Livro III do CC), incluindo todos os direitos de posse, detenção e autotutela. conhecer tal circunstância, situação em que há concentração de valores em condição que não é a sua condição usual de proteção^22 , além de considerável surpresa na abordagem, em ambos os casos dificultando a defesa da vítima; (iv) a subtração ser de veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou para o exterior, que, apesar de ser a mais questionável das majorantes (inclusive inserida em momento posterior, em situação semelhante à mudança em comento), poderia ser compreendida como situação que dificulta que a vítima tente reaver o bem^23 ; e (v) o agente manter a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade, o que é evi- dente submissão da liberdade corpórea, essencial para o exercício da autotutela. Essas condutas, reprovadas pelo preceito pri- mário da norma^24 , vinham punidas no preceito secundário como causas de aumento. O trata- mento era correto porque, de fato, eram somente uma agravação maior da conduta inicialmente reprovada na cabeça do artigo. Distintamente do § 2o, o § 3o^ refere-se aos verdadeiros casos em que há pluriofensividade. A violência (gerando o resultado lesão corporal leve) do caput do art. 157 era absorvida pelo tipo porque elemen- tar, compreendida como forma de diminuir a autodefesa da propriedade. Por outro lado, ela não é aceita se gera o resultado lesão corporal grave ou morte. Nesses casos, compreende-se que efetivamente foi extrapolado o meio de impossibilitar a autodefesa da propriedade e (^22) O exemplo mais importante desse inciso é o caso do transporte por carro-forte de quantia que costuma ficar em cofre de banco, caso em que, ainda que o carro forte seja bem protegido, é sempre menos protegido que o cofre. Assim, é mais “fácil” (ocorrência e sucesso) o roubo a carros-fortes que a bancos. (^23) O que desnaturalizaria o § 5o (^) do art. 155 do CP; lembrando que, da leitura orgânica do art. 157, por força do § 1o^ (roubo impróprio), a imposição das condições de limitação da autodefesa no roubo pode ser anterior ou posterior à subtração. (^24) Sobre a relação entre preceito primário e secundário da norma, além das funções dos institutos, ver Amelung (2012).
lesionou-se outro interesse inerente à vida da vítima, seja sua integridade física ou sua vida. Por isso, o § 2o^ prevê somente majorantes e apenas o § 3o^ prevê qualificadoras. Esse entendimento é corroborado (ainda que não dito expressamente) pela compreensão jurisprudencial em matérias de concurso de causas de aumento do § 2o^ do art. 157 e de consumação das formas qualificadas. Quanto ao concurso de causas de aumento do § 2o^ do art. 157, a di- versidade de causas previstas pelos incisos cria casos em que mais de uma delas é aplicável a um caso concreto. Nesse cenário, como o § 2o^ guarda margem de aumento de pena entre 1/3 e 1/2, abre margem à discussão sobre se a presença de mais de uma causa de aumento seria suficiente para aumentar a pena acima da fração mínima legal (1/3). A resolução da questão na jurisprudência segue o teor da Súmula 443 do STJ (BRASIL, 2010b, p. 590), cujo enunciado é “o aumento na terceira fase de aplica- ção de pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”. Prosperou, portanto, o entendimento de que a existência de mais de uma causa de aumento não implica necessaria- mente o aumento de pena acima do mínimo legal, sendo exigido que as causas de aumento manifestem gravidade maior no caso concreto. A maior gravidade, por sua vez, seria a maior capacidade de limitar as possibilidades de defesa da vítima^25. Por outro lado, no que diz respeito à consumação das formas qua- lificadas, o entendimento jurisprudencial é o de que, para consumar o latrocínio, basta o resultado morte, de acordo com a Súmula 610 do STF (BRASIL, 1984). Esse entendimento é usualmente estendido ao caso de roubo qualificado pela lesão grave em razão de o art. 157, § 3o, do CP, tomar o crime qualificado pelo resultado da violência e não do crime. De (^25) Como exemplo dessa aplicação na redação antiga da lei, no caso em que M ocupava a função de “motorista” do veículo de chegada e fuga e A executava toda a ação típica de abordagem da vítima com o emprego de arma de fogo, havia o concurso de agentes (inciso II) e o emprego de arma (inciso I), antes do advento da Lei no^ 13.654/2018. Nesse caso, não se aplicaria o aumento de pena acima de 1/3 porque a condição do emprego de arma de fogo bastava para garantir a impossibilidade de defesa. Aquilo que o transporte por outro sujeito garantia em termos de fuga era pouco relevante para dificultar de forma mais intensa a autodefesa da vítima porque o emprego de arma já era suficiente. Por outro lado, se M ameaçava a vítima com a arma de fogo enquanto A, também armado, revistava a vítima e subtraía seus bens, em meio a “arrastão” com vários sujeitos com armas de calibre mais poderoso, tratava-se de caso em que a autotutela ficava sensivelmente mais prejudicada, razão pela qual haveria justificativa para o aumento acima do mínimo de 1/ (por exemplo, 3/8 ou 2/5, frações que mais apareciam em casos semelhantes). Agora, com a revogação do inc. I, será mais difícil encontrar casos de concursos de majorantes dentro do § 2o. Por outro lado, com a inclusão do § 2o-A, se há o emprego de arma ou explosivo, ele absorve quaisquer causas de aumento do § 2o^ por força do art. 68, parágrafo único, do CP, razão pela qual Souza e Japiassú (2018, p. 675) chamam a nova causa de aumento de “supermajorante”. No exemplo acima exposto, portanto, o resultado prático da reforma promovida pela Lei no^ 13.654/2018 é que só se aplica a fração prevista no art. 157, § 2o-A, inc. I, independentemente da quantidade de agentes e armas.
vítima. Por outro lado, a política criminal a isso deve valorar diversamente, pensando necessida- des distintas de reparação e pacificação social. Exemplificando: os bens pertencentes ao Estado não podem receber a mesma proteção que os bens particulares. Talvez veículos oficiais sejam alvos mais visados para crimes de dano, mas é inegável que o dano ao Estado será sempre inferior que ao particular, indivíduo, conside- rando o total de seu patrimônio; igualmente, a depredação de prédios públicos, desconsideradas manifestações políticas (que levantariam outras reflexões), não é incomum, mas tais prédios naturalmente são dotados de segurança pró- pria, não sendo apenas vigiados por policiais militares. Não se considera aqui que a violação a prédios públicos não tenha relevância penal, muito menos que o Direito Penal deve levar em consideração a atuação correta ou equivocada dos órgãos de controle. Nem mesmo se pretende argumentar que o privado deva sobrepor-se ao público, essa afirmação está completamente desligada do que se apresenta agora. Contudo, se ao Direito Penal cabe proteger os objetos de tutela mais sensíveis ao indivíduo, inegavelmente a violação ao patrimônio de uma pessoa natural deve ser valorada com maior peso que em rela- ção ao patrimônio que indiretamente interessa a pessoa natural, como bem público^28. Com base nesse raciocínio, a intervenção penal na proteção dos interesses de pessoas ju- rídicas privadas deve continuar subsidiária. Não se diz apenas que a valoração deva ser inferior (^28) No caso de instalações hospitalares, que podem ser sabotadas, ou mesmo de instalações humanitárias, protegidas pelo Estatuto de Roma (BRASIL, 2002), por exemplo, o que se percebe não é uma proteção patrimonial, mas a proteção de indivíduos. Não seria o caso, portanto, de comparar tutelas patrimoniais “privadas e públicas”, mas de comparar crimes contra a vida (exposição a perigo), terrorismo e sabotagem a crimes patrimoniais, o que novamente foge ao escopo do presente estudo. No caso de delitos efetivamente patrimoniais, a própria composição entre as partes mostra-se facilitada e mais adequada para a pessoa jurídica. àquela proposta para a proteção dos interesses da pessoa natural. A própria legislação penal deverá ser acionada com menor frequência. No caso da Lei no^ 13.654/2018, a reforma ob- servou a necessidade de modificações na Lei no^ 7.102/1983, que dispõe sobre segurança em estabelecimento financeiro. No presente debate, no entanto, cabe pontuar o quanto tais medidas podem ser estabelecidas. Trata-se de caminho inverso ao da sempre dis- cutida “subsidiariedade do Direito Penal”, que criminaliza novas condutas, atribuindo relevân- cia sempre a novas áreas. Despenalizar a tutela patrimonial não pela extinção de tipos penais, mas pelo desenvolvimento de outras medidas que possam substituir aquilo que se pretende melhor prevenir. No caso em tela, as instituições financeiras atuam em setor bastante sensível, sendo as agências bancárias ponto de risco. O desenvolvimento de protocolos de segurança não isenta de responsabilidade aquele que causa danos patrimoniais ao tentar violar os obstácu- los postos, mas atua como desincentivo muito maior àquele que objetiva realizar um roubo, se comparado à política de recrudescimento das penas. O recrudescimento de penas parece uma política adequada em cenários em que a valoração social mudou (por exemplo, crimes contra liberdade sexual, crimes de racismo), o que não se passa com o roubo a bancos. Se estes se tornaram mais frequentes, pode-se falar em desenvolvimento das técnicas de violação (por exemplo, popularização de tecnologias e acesso facilitado à explosivos), mas o mesmo desenvolvimento também alcançou as técnicas de segurança, tornando duvidosa a política de recrudescimento das penas. Neste ponto, inclusive, caso o desejo fosse estender a proteção penal dos crimes patrimo- niais às pessoas jurídicas, a alteração legislativa deveria ter sido distinta. Ao contrário do arranjo da Lei no^ 13.654/2018, que tutelou de forma
direcionada as instituições financeiras e seus caixas eletrônicos (apesar do reforço de técnicas de segurança), uma legislação que efetivamente considere pessoas jurídicas na posição de vítimas deveria reconhecer que, quando a vítima é uma pessoa jurídica (não só bancos), ainda que ela possa empregar pessoas para exercerem a autodefesa em seu favor (como normalmente faz, com fiscais de patrimônio, seguranças etc.), sua forma de defesa principal não é essa, mas sim a sua estrutura física (seu “corpo”, como no caso das pessoas), ou seja, os obstáculos. Por essa razão, melhor seria se o poder público promovesse a qualificação dos setores mais afetados para o aprimoramento das técnicas de segurança (como se tentou fazer de forma incipiente na Lei no^ 13.654/2018 com os caixas eletrônicos) e, em termos penais, somente providenciasse uma causa de aumento superior para a destruição de obstáculos quando a vítima é qualquer pessoa jurídica, deixando a tutela do emprego de explosivos somente a cargo do art. 251 do CP. Com a alteração legal na forma pro- movida pela Lei no^ 13.654/2018, o legislador perdeu boa oportunidade de reposicionar as pessoas jurídicas como vítimas e rever o papel do Estado em matéria de política criminal contra crimes patrimoniais. Em suma, compreende-se que a reforma privilegiou a proteção pa- trimonial de pessoas jurídicas, o que gera problemas: a) pela desatenção quanto à real periculosidade das armas utilizadas (por exemplo, o risco criado pelo roubo com arma branca e o uso de explosivos em agência bancária vazia); b) pela inversão das prioridades do Direito Penal, chama- do a proteger os bens jurídicos mais sensíveis a pessoas; c) pela violação à proporcionalidade do Direito Penal; d) pela propagação da política equivocada de que o recrudescimento penal é o melhor instrumento (e talvez não o seja em porção alguma) preventivo.
Saliente-se que esse tipo de alteração legislativa sem sentido em matéria criminal não é novidade. Há muito já se critica o que se convencionou chamar de “populismo penal”. A alteração legislativa promovida pela Lei no^ 13.654/2018 é somente a manifestação do pior do fenômeno^29. De (^29) O mais preocupante é que este não é o primeiro caso recente de alterações inexplicáveis relacionadas a armas de fogo. Essa má técnica apareceu também em mudança recente, na Lei no^ 13.497/2017 (BRASIL, 2017c), que acrescentou ao parágrafo único do art. 1o^ da Lei de Crimes Hediondos o crime do art. 16 da Lei no^ 10.826/2003. A mudança, acompanhada pelo discurso de “combater” o uso de grandes quantidades de fuzis pelo “crime organizado”, foi praticamente inútil, pois o que os membros do Legislativo chamam de “crime organizado” no discurso populista, nada mais é do que a associação ou organização para o cometimento
à autotutela da propriedade, nos casos de rompimento de obstáculos se aplicaria a pena do art. 155, § 4o-A, uma vez que no caso da pessoa jurídica a circunstância realmente se assemelha ao roubo simples em termos de limitar a autodefesa; e (4) em ambos os tipos penais seriam excluídas as previsões de subtração de explosivos (art. 155, § 7o^ e art. 157, § 2o, inc. VI) porque injustificáveis (pode haver subtração de arma, de tecnologia essencial ao funcionamento do País e nada disso é valorado de forma negativa por si, o que demonstra a aleatoriedade e despropor- cionalidade das previsões), uma vez que a posse de explosivo já é por si punida pelo art. 16 da Lei no^ 10.826/2003 e, por isso, é desnecessário mais um reforço punitivo. Essas modificações, enfim, poderiam afastar as críticas de que a tutela foi feita com péssima técnica legislativa e direcionada para os bancos na condição de vítimas e para os relacionados com o crime organizado na condição de autores. Por sua vez, quanto a alternativas para interpretar a lei em sua atual condição, sugere-se (sugestões de lege lata): (1) reinterpretar o crime de roubo à luz do conceito de subtração de coisa alheia móvel com impo- sição, pelo autor do crime, de condição de impossibilidade do direito de autodefesa da propriedade por parte da vítima, evitando a interpretação de crime pluriofensivo e redimensionando sua orientação político-criminal; (2) reconhecer a novatio legis in mellius para os casos do art. 157, § 2o-A, do CP, aplicando-se o princípio da especialidade e absorvendo o crime do art. 251 do CP; (3) exigir a comprovação de que a arma de fogo podia produzir disparos no caso de aplicação do art. 157, § 2o-A do CP, por meio de prova pericial ou testemunhal, por se tratar de circunstância de perigo abstrato-concreto, derivada do perigo abstrato das armas de fogo empregado em caso concreto de perigo de dano; (4) a utilização do art. 68, parágrafo único, do CP, para os casos de concurso de majorantes (art. 157, §§ 2o^ e 2o-A); (5) a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) por qualquer dos legitimados para questionar a revogação do inc. I do art. 157, § 2o^ do CP, visando promover maior segurança jurídica nos casos de roubo com arma, tanto para os processos quanto para a execução penal; (6) enquanto não houver a análise de constitucionalidade da matéria em controle con- centrado, que seja realizado o controle difuso ou respeitado o princípio da legalidade, sendo aplicada nesse caso a exasperação da pena-base para os casos de uso de armas brancas ou impróprias e reconhecida a novatio legis in mellius para os apenados; (7) em ambos os casos do tópico anterior, que os juízes modulem as consequências de suas decisões em matéria de aplicação de pena, visando restabelecer a proporcionalidade nas penas e a aplicação sistemática do artigo de roubo, prestigiando as fórmulas e
resultados de aplicação consagrados antes da reforma; (8) que os Tribunais de Justiça de cada unidade federativa aconselhem seus juízes a aplicarem solução única dentro de sua jurisdição, de forma a evitar mais problemas de segurança jurídica, ao menos enquanto a inconstitucionalidade não for julgada pelo STF; e (9) o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma secundária do § 2o-A, podendo ser aplicada a do § 2o^ ou in- terpretado que o aumento vai “até 2/3”, como aplicado em vários outros dispositivos; nesse caso, pode a inconstitucionalidade ser reconhecida tanto em controle difuso quanto concentrado. Quanto à última sugestão referida, levanta-se aqui também a possi- bilidade de discussão de outra inconstitucionalidade além da revogação do inc. I do art. 157, § 2o: a invasão de atribuição própria do Judiciário pelo Legislativo ao colocar o aumento taxativo de 2/3 no art. 157, § 2o-A. Essa técnica legislativa de aumento taxativo é aplicada em raríssimos casos, inclusive porque questionável à luz da separação de Poderes, pois, num Estado democrático e republicano, prefere-se a aplicação de pena feita em concreto, visando ao respeito aos princípios da igualdade e da individualização das penas. Mais que isso, a atribuição para aplicar pena só pode ser daquele que tem contato com o caso concreto, o juiz natural. Dessa forma, ao colocar previsões como a aqui discutida, o Legislativo pode invadir, a depender do caso, atribuição própria do Judiciário, impedindo a concretização de dispositivos e princípios da própria Constituição que o legitima e limita. Nesse sentido, a crítica centra-se principalmente no fato de que, ao contrário de outros casos observados no CP que utilizam da mesma téc- nica de aumento tarifado, a condição de emprego de arma de fogo admite variantes. Tomando o exemplo mais próximo e de maior interesse para comprovar o acerto do argumento, o § 1o^ do art. 155 do CP prevê aumento tarifado de pena em 1/3 se o furto ocorreu durante o repouso noturno. Essa causa de aumento está prevista na redação original do Código, de