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Este documento revisita a experiência de cooperativismo da mondragón corporação cooperativa, o sétimo maior grupo empresarial privado da espanha, a partir da perspectiva da ecossocioeconomia. O texto aborda a preparação do cooperativismo de mondragón para os desafios atuais, a importância de suas raízes culturais e históricas, e as oportunidades para uma gestão socioambiental. O documento também discute a evolução da experiência cooperativa de mondragón e sua declaração de abertura a todos os indivíduos que aceitam seus princípios básicos.
Tipologia: Notas de aula
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Carlos Alberto Cioce SAMPAIO* Valdir FERNANDES** Joseba Azkarraga ETXAGIBEL*** Larraitz Altuna GABILONDO****
Essa é uma história, em curso, que não deve ser confundida com uma mera trajetória exitosa de uma corporação de empresas cooperativas. Mondragón Corporação Cooperativa (MCC), sétimo maior grupo empresarial privado da Espanha, com mais de 100.000 trabalhadores e que atua em setores nos quais, geralmente, atuam empresas privadas ou públicas, deve ser visto sempre sob a perspectiva da economia social. Este artigo tem como objetivo resgatar os princípios considerados pelo idealizador da MCC, José María Arizmendiarrieta, que podem subsidiar as adaptações necessárias ao enfoque socioeconômico, transcritos nos 10 princípios da MCC, bem como as suas implicações ideológicas e práticas, considerando o paradigma da sustentabilidade, por meio do enfoque da ecossocioeconomia. Esta pesquisa valeu-se de observação participativa, com duração de três meses, na qual se vivenciou a experiência a partir de entrevistas, visitas e de dados secundários. A conclusão é que, atualmente, tal inspiração está debilitada diante do risco de um corporativismo cooperativo que deseja se autopreservar e da lógica de autorregula- ção do mercado. Contudo, a experiência mostra fôlego, com suas inovações inter e extraorganizacionais, com senso crítico e pragmatismo que superam a mera crítica, ante a ideologia que se tornou estéril, ao mesmo tempo em que preserva a inspiração do seu fundador. Palavras-chave : cooperativismo; gestão socioambiental; ecossocioeconomia.
This is a current history that should not be confused with a single successful trajectory of a corporation of cooperative companies. Mondragon Cooperative Corporation, the seventh biggest private enterprise group from Spain, with more than 100,000 workers, which is inserted in sectors generally operated by private or public companies, must always be seen under the perspective of the social economy. The objective of this article is to reflect on the cooperative experience of Mondragon under the perspective of corporative socio environmental management. This research consisted of a 3-month participative observation through the experience from interviews, visits and secondary data. The conclusion is that currently such inspiration is weakened by the risk of a cooperative corporatism that seeks self-preservation and of the self-regulatory logic of the market. However, the experience shows strength, with inter and extra organizational innovations, critical thinking and pragmatism that surpasses mere criticism, before the ideology that has become barren while it preserves the inspiration of its founder. Keywords: cooperative; socio environmental management; eco socio-economy
A trajetória exitosa das cooperativas de Mondragón (Mondragón Corporación Cooperativa – MCC), se olhada de modo superficial, poderia ser facilmente confundida como uma mera trajetória de sucesso de uma corporação, o sétimo maior grupo empresarial privado da Espanha, com mais de 100.000 trabalhadores, atuando nos setores financeiro, industrial, distribuição e educação. Todavia, esta superficialidade deixaria escapar o que há de mais rico e paradigmático nesta experiência. Sua filosofia, seu espírito, seu projeto de transformação e de emancipação, forjado em pleno regime autoritário, sob a liderança de um religioso, o Padre José María Arizmendiarrieta, na década de 1940.^1 Na ocasião, emerge a primeira cooperativa, conhecida hoje como Fagor Eletrodomésticos, que coincide com projeto educativo, cuja herança direta é a Faculdade Politécnica de Engenharia da Universidade de Mondragón. Como a mo- tivação não era fundar uma utopia, houve a transformação em uma experiência emblemática que desperta constante reflexão acerca do seu significado (MCC, 2006; ALTUNA, 2008, p. 18). O cooperativismo de Mondragón fundamenta-se em 10 princípios, que constituem a sua base de funcionamento e ao mesmo tempo se materializam numa prática, ou numa ascese, que é síntese de uma ética, a ética católica de Ariz- mendiarrieta. Estes princípios são: livre adesão; organização democrática; soberania do trabalho; instrumentalização e subordinação do capital; gestão participativa; solidariedade distributiva; cooperação; transformação social; universali- dade e educação. Para Arizmendiarrieta (1984), porém, a educação devia ser o início de tudo. Antes de criar cooperativas, há que se ter pessoas colaborativas. Nas conversas entre os sócios da cooperativa, porém, não é incomum que isto seja esquecido, centrando-se muito mais nas cooperativas e menos nas pessoas. Entretanto, se há uma característi- ca histórica que diferencia a experiência da cooperativa mondragonesa de outras trajetórias é exatamente o olhar educacional e emancipatório. O final do século XX parece ter trazido a consciência dos limites do desenvolvimento, em função das frequentes catástrofes naturais e da exaustão dos recursos naturais. Esta nova consciência questiona e impõe limites, tanto aos modelos empresariais essencialmente capitalistas como à cultura cooperativa de Mondragón. O crescimento econô- mico já não é só virtude, mas também é causa de profunda inquietação e de incertezas. Nesse sentido, a questão que emerge é se o cooperati- vismo de Mondragón está preparado para estes desafios, ou se, a exemplo da racionalidade instrumental e econômica^2 que opera na economia de mercado globalizado, necessita de processo de revitalização e renovação de suas motiva- ções sociais e humanistas, conectado aos novos desafios da época atual. (^1) Nesta década foi criado o projeto educativo, reconhecido hoje pela Faculdade Politécnica de Engenharia, que por sua vez, transformou-se na Universidade de Mondragón, na década de 1950. (^2) Veja FERNANDES (2008).
Weber, fundamenta e justifica a ascese cooperativista de Arizmendiarrieta, cuja racionalidade tem o mesmo caráter instrumental da ética protestante, mesmo que as finalidades sejam outras. Em vez de buscar a salvação eterna após a morte, se busca a redenção aqui mesmo na terra, sob signos de liberdade e emancipação, sobretudo a partir do trabalho. Em um contexto de pós-guerra, no qual predominava a miséria material e moral, a experiência de Mondragón desponta como uma experiência de desenvolvimento territorial, seguindo a conceituação desenhada por Berger (1979, p. 30), na qual desenvolvimento não constitui ape- nas atingir metas a partir de ações racionais na esfera da economia empresarial; constituiu-se também, em um nível mais profundo, o centro das esperanças e expectativas de redenção, ou, em termos menos religiosos, expectativas de libertação e emancipação. O paradigma do progresso e o mito do crescimento econômico ilimitado como principal solução para os problemas humanos estão no cerne da experiência cooperativa de Mondragón. No contexto da sua fundação, foi a motivação religio- sa que sustentou este compromisso vital e mobilizou boa parte das energias cooperativas. Tratava-se de fazer frente ao principal conflito da sociedade industrial, o conflito capital-trabalho, num contexto internacional, marcado pela forte divisão entre os grandes sistemas econômicos, sociais e culturais. Isto deveria ser feito pela via traçada pela dou- trina social católica, que concerne harmonização dos dois elementos, capital e trabalho, em um único sujeito, através da via cooperativa, com especial atenção ao fator trabalho. Na perspectiva cristã, o cooperativismo impregnou todo um modo de vida em muitos dos atores da primeira geração. Era uma ascese, capaz de sustentar um projeto de vida comprometido com a sociedade do seu tempo, baseado em valores de entrega, justiça social, igualdade de oportu- nidades, autocontrole material e pragmatismo. O ideário cooperativista tornou-se um modelo de conduta de vida. Assim, o cooperativismo de Mondragón foi constituí- do sobre três principais bases que sustentaram a identidade das pessoas na primeira modernidade: ascese religiosa, luta de classes e nacionalismo. O cristianismo, o nacionalismo e a ascensão social, e todos juntos com o pragmatismo em- presarial, o paradigma do progresso e do desenvolvimento, constituem a constelação ideológica e a base deste coope- rativismo. Esta constelação ideológica constituiu a base de legitimação e a bússola de orientação, dando sentido às ações de seus protagonistas. O peso específico de cada um dos impulsos mencionados foi distinto ao longo da história, em função da evolução ideológica da própria sociedade em seu conjunto. A década de 1990, porém, foi a década da expan- são internacional de boa parte das cooperativas industriais, do seu processo de globalização, em que as representações ideológicas com esquemas de valores bem definidos se viram seriamente debilitadas. Houve um deslocamento gradual em direção a algo ainda pouco compreendido, mas que descende da globalização econômica e cultural, sustentada principal- mente pelo alto desenvolvimento dos meios de comunicação e locomoção, possibilitando um amplo processo de trocas, principalmente culturais. Ao mesmo tempo, a noção de desenvolvimento vem sofrendo profunda, e talvez tardia, transformação na socie- dade global. O desenvolvimento, baseado no crescimento econômico, considerado em muitas sociedades como o centro das esperanças e expectativas de redenção, para usar termos do cooperativismo de Mondragón, começa a ser questionado em vista da crise ambiental.
O termo ecossocioeconomia surge a partir da obra do economista e ecólogo Karl William Kapp (1963). O prefixo “eco” ( oikos = casa) se refere à ecologia e reforça o que o segundo prefixo “eco” já deveria significar na ação social, porém teve seu sentido deslocado ao longo da história para o que Aristóteles definiu como crematística, quando na sua análise denunciava que a economia perdia o seu sentido mais nobre, aquele de suprir as necessidades, para adquirir significado de busca de riqueza. A ecossocioeconomia está imbricada na discussão sobre o ecodesenvolvimento, surgido na década de 1970 e renomeado de desenvolvimento sustentável nos anos de 1980. O ecodesenvolvimento foi apontado como um paradigma sistêmico, compreendendo princípios da ecologia profunda como proposta de repensar os atuais estilos de vida, da socioeconomia no sentido de ponderar as consequências sociais na ação econômica, da economia ecológica, quando esta calcula custos ambientais na ação econômica, e da ecologia humana, principalmente a pre- missa da inseparabilidade dos sistemas sociais e ecológicos. Além disso, Conforme Sampaio (2010), merece destaque a questão democrática, principalmente por meio de proces- sos participativos, viabilizados por instrumentos como o planejamento participativo.
Vale destacar que o termo socioeconomia^3 , predomi- nantemente usado na Europa, equivale à economia social, mas compreende outras concepções, resguardando a singu- laridade de cada uma, como é o caso da socioeconomia so- lidária (LISBOA, 2005), economia descalça (MAX-NEEF et al ., 1986), economia popular solidária (RAZETO, 1997) e economia solidária (SINGER, 2002). A socioeconomia ver- sa sobre problemas microeconômicos com soluções de base territorial, relacionados a transformações sociais e modos de vida (SANTOS et al. , 2002; DOUROJEANNI, 1996), baseando-se na capacidade endógena e na emancipação ( empowerment ) das comunidades locais (SACHS 1986a, 1986b). Entretanto, sob a perspectiva socioambiental, a socioeconomia apresenta limitações tanto teóricas como práticas, como bem exemplificam experiências como o cooperativismo de Mondragón. Torna-se necessário, as- sim, repensar os seus fundamentos para que seja possível repensar também os processos de gestão. Cabe pontuar que enquanto o ecodesenvolvimento privilegia o enfoque epistemológico-teórico, a ecossocio- economia enfatiza o enfoque metodológico-empírico. A ecossocioeconomia ocorre no mundo da vida, nas comuni- dades, nos povoados, nas organizações, onde os problemas e as soluções acontecem e raramente são devidamente qualificados (SAMPAIO, 2010). Trata-se de uma teoria pensada, partindo das experimentações e da complexidade do cotidiano (SACHS, 1986a). O enfoque ecossocioeconômico pode ser aplicado também no contexto organizacional, que poderia ser de- nominado ecossocioeconomia das organizações. Trata-se de pensar a viabilidade interorganizacional considerando o espaço extraorganizacional e o território, além de con- templar a chamada extrarracionalidade nos processos de tomada de decisão aos grupos organizados (associações e cooperativas) ou quase organizados (movimentos sociais e grupos produtivos). A ecossocioeconomia das organizações privilegia os estudos que possibilitam as viabilidades macro (inte- rorganizacional) e microeconômica (organizacional) de grupos organizados ou quase organizados e articulados, chamados de empreendimentos compartilhados, e sugere a eminência de uma ação extraorganizacional, isto é, o agente organizacional relevando os impactos de sua ação sobre o entorno territorial. Isto pode ocorrer por meio de acordos institucionais, pensados como acordos sociopo- líticos e socioprodutivos de base comunitária, de modo que gerem capital social. Neste caso, quando a ênfase for sociopolítica, chama-se de arranjo institucional, enquanto quando a ênfase for socioeconômica, a denominação é arranjo produtivo local. A construção de tais arranjos depende da identifica- ção dos representantes das organizações que irão compor os acordos, reunir e estimular as bases para pensar três diferentes ações: interorganizacionais, extraorganizacionais e extrarracionais (SAMPAIO, 2010, p. 13). A interorgani- zação não pode ser legítima senão quando se origina de um consentimento necessariamente consensuado. Este entendimento mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao su- cesso, às vezes chamadas equivocadamente de estratégicas, materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar outros (HABERMAS, 1990). A participação interorganizacional deve, então, girar em torno do espaço mediado entre o interesse público e o privado, que é uma ação coletiva, operando sobre as bases da intersubjetividade e do entendimento genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em distinção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes instituições (entendidas como organizações). O espaço público representa o nível onde se dá esse confronto de opiniões que disputam o recurso escasso da tematização e da consequente atenção dos tomadores de decisão. As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo que ainda possuam ambiguidades quanto ao caráter público do problema, ora se complemen- tando, ora se interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores que enriquecem o processo de negociação. Pois são elas (as esferas) que legitimam os processos participa- tivos – como são os arranjos institucionais e produtivos – e que, consequentemente, possibilitam, no bojo da discussão, o surgimento de questões estratégicas negociadas, o que, neste caso, é necessariamente diferente da soma destas esferas (COHEN; ARATO, 1992; COSTA, 1994). O conceito extraorganizacional está atrelado ao de interorganizacional. Quando se governa uma interorga- nização presume-se que, além dos critérios de eficiência (^3) A origem da socioeconomia remonta aos anos oitenta do século passado, quando um grupo de notáveis sociólogos e economistas fundaram a Sociedade Mundial de Socioeconomia (SASE), em Harvard, em 1989. Entre seus membros figuram cientistas de porte, como K. Boulding, A. Hirschman, J. Galbraith, A. Sen, H. Simon, R. Boyer, P. Bourdieu, N. Smelser, L. Thurow, R. Solow; além do seu promotor maior, o sociólogo norte-americano Amitai Etzioni (GUERRA, 2007, p. 1).
disso, como consequência de sua origem produtivista, valoriza mais os bens úteis à reprodução social do que ao consumo final. Esta crítica tem como base tanto critérios políticos como morais: Olhando nossos lares, cheios de objetos supérfluos, as es- tradas estreitas e inadequadas para o nosso transporte, os estacionamentos mais caros e extensos que os ocupados por muitos navios de carga de nosso país, o ir e vir sem muita necessidade que consomem os poucos recursos energéticos que poderiam ser úteis a outras atividades mais indispensáveis, é possível falar honestamente de racionalidade, solidariedade, de bem comum, de gestão social e participativa, de correta utilização dos recursos ilimitados? (AZURMENDI, 1992, p. 307). Solidariedade intergeracional : a solidariedade, que segundo Arizmendiarrieta deve se estender a todos os campos da vida pública em sociedade, também implica solidariedade com o futuro. Cada geração tem a respon- sabilidade de conservar para a geração vindoura os bens comunitários compartilhados. Um presente, por melhor que seja, nega o futuro, na medida em que traz consigo uma validade. Não podemos parar nem resistir ao futuro em um período em que o fenômeno mais significativo é a aceleração e a mudan- ça, sob pena de agir insensatamente. (AZURMENDI, 1992, p. 308). Compromisso com a comunidade : a comunidade, na concepção do fundador do cooperativismo de Mondragón, é ativa em todo momento e é responsável pela potencialização e promoção do individuo. A cooperativa, como comunidade de trabalho, busca antes de tudo um fim social. Já não é legitimável uma abordagem individualista, não solidária, que visa [a] resultados e benefícios, sejam individuais ou da empresa, ignorando a promoção co- munitária simultânea. Onde houve comunidades fortes, entendidas como aquelas nas quais existem opções de trabalho, de educação, de saúde e de lazer, de forma ampla e indiscriminadas, onde não há lugar para miséria de ninguém. (AZURMENDI, 1992, p. 309). Ancoragem territorial : a ideia de desenvolvimento de Arizmendiarrieta é fundada na autonomia do individuo, da comunidade e realça o valor do local. Na verdade, os dois traços fundamentais do conceito de autogestão são o enraizamento territorial e a vocação de integralidade. Nós cooperativistas devemos nos sentir comprometidos para demonstrar as possibilidades da autogestão, isto é, de homens que resolvem livremente e por si mesmos problemas difíceis, demonstrando sua elevada visão e projeção (AZURMENDI, 1992, p. 671). Ou seja, assumir e exercer a cidadania com suas próprias capacidades de transformação, sem esperar ou requerer a intervenção de terceiros, seja de agentes públicos ou privados, deflagrando ações de baixo para cima e do local para o global. Assim, considerando a gestão socioambiental a partir destes pontos de ancoragem extraídos do pensamento de Arizmendiarrieta, a experiência de Mondragón tem um de- senho claro, que, se por um lado preserva certo antropocen- trismo, por outro traz lições bastante úteis à crise ambiental atual, quando transforma austeridade, frugalidade, crítica ao consumismo e ancoragem territorial em cidadania, res- ponsabilidade ambiental, compromisso com a comunidade e solidariedade intergeracional. Este sistema de valores é, com efeito, a base de um modelo de gestão socioeconô- mico em que se evidencia a transversalidade fundamental da dimensão ambiental. Além dos pontos mencionados, o cooperativismo mondragonês está fundamentado também em um conjunto de princípios e a discussão que se segue é como estes princípios podem contribuir para uma gestão socioambiental a partir da análise sob o enfoque da ecos- socioeconomia.
Como já assinalado, o cooperativismo de Mondragón é fundamentado em 10 princípios que norteiam a sua asce- se. Da mesma forma, mencionou-se que esta experiência, embora emblemática, encontra-se em crise e necessita ser atualizada na sua prática. Dentre as atualizações necessárias, merece destaque a relação com o meio ambiente, trans- cendendo a ascese puramente antropocêntrica. Nos pontos
de ancoragem vistos anteriormente, a partir do estudo de Azurmendi (1992), uma das autoridades sobre a experiência de Mondragón, sobretudo de seu fundador, Arizmendiar- rieta, é possível identificar inúmeras oportunidades rumo a uma gestão socioambiental, a partir da experiência do cooperativismo mondragonês. Indo mais a fundo, na própria fonte inspiradora do cooperativismo encontra-se um conjunto de princípios já estabelecidos pela Mondragón Corporação Cooperativa, com os quais se sugere, à luz do enfoque ecossocioeconô- mico, um conjunto de adaptações, visando transformar a prática socioeconômica em uma prática socioambiental e econômica. Livre adesão La experiencia cooperativa de Mondragon se declara abierta a todos los hombres y mujeres que acepten estos Principios Básicos y acrediten idoneidad profesional para los puestos de trabajo que pudieran existir. No existirá, por tanto, para la adscripción a la experiencia, discriminación alguna por motivos religiosos, políticos, étnicos o de sexo. Solamente será exigible el respeto a los postulados de su constitución interna. La libre adhesión constituirá el prin- cipio orientador de la actuación y relación interpersonal en el desarrollo cooperativo. (ALTUNA, 2008, p. 266) Sob a perspectiva da ecossocioeconomia, a livre adesão preconizada pelo cooperativismo de Mondragón deve ser atualizada, transcendendo os limites da ascese religiosa que lhe era predominante e adquirindo significado de emancipação sociopolítica, como preconizado na noção aristotélica de razão e que é resgatada por Ramos (1989), quando discute as possibilidades de uma racionalidade mais substantiva na vida associada. Na vida em sociedade, a liberdade ocorre sempre dentro de certos limites e, nesse sentido, é importante que a adesão ocorra como resultado de emancipação política, em sentido aristotélico, como resultado de educação e não de catequese, sem, no entan- to, prescindir dos valores nos quais se acredita, inclusive religiosos. Organização democrática La experiencia cooperativa de Mondragon proclama la igualdad básica de los socios trabajadores en lo que respecta a sus derechos a ser, poseer y conocer, lo que implica la aceptación de una organización democrática de la empresa, concretada en: a) La soberanía de la Asamblea General, compuesta por la totalidad de los socios, que se ejercita según la práctica de “una persona, un voto”. b) La elección democrática de los órganos de gobierno, y en concreto del Consejo Rector, responsable de su gestión ante la Asamblea General. c) La colaboración con los órganos directivos designados para gestionar la sociedad por delegación de toda la co- munidad, que gozarán de las atribuciones suficientes para desarrollar eficazmente sufunción en beneficio común. (ALTUNA, 2008, p. 268) A democracia na gestão organizacional é um dos avanços da experiência mondragonesa em relação às em- presas capitalistas. Todavia, como apontam Mantovaneli Jr. e Sampaio (2006), os processos democráticos não garantem sustentabilidade ambiental. Um processo de gestão pode ser considerado com maior ou menor sustentabilidade administrativa e política se for capaz de institucionalizar, avaliar e ajustar seus processos à luz das demandas efetivas da sociedade, considerando também o contexto ambiental mundial e intergeracional. Do ponto de vista do paradigma da sustentabilidade, nada mais natural que o exercício da democracia, pois se trata de um bem coletivo de uso pú- blico. Nesse contexto, em processos de gestão, o exercício da democracia vem ocorrendo principalmente por meio de instrumentos como planejamento e gestão participativos, arranjos socioprodutivos e políticos de base comunitária e territorial, conselhos gestores, dentre outros. Soberania do trabalho La experiencia cooperativa de Mondragon considera que el trabajo es el principal factor transformador de la naturaleza, de la sociedad y del propio ser humano y, por consiguiente: a) Renuncia a la contratación sistemática de trabajadores asalariados. b) Adjudica al trabajo plena soberanía en la organización de la empresa cooperativa. c) Considera al trabajo acreedor esencial en la distribución de la riqueza producida. d) Manifiesta su voluntad de ampliar las opciones de trabajo a todos los miembros de la sociedad. (ALTUNA, 2008, p. 271) A soberania do trabalho é desejada, porém deve ser pensada partindo de delimitações socioambientais. Um trabalho apenas fundamentado na visão antropocêntrica sugere uma relação assimétrica (senão dominadora) entre
Solidariedade distributiva La experiencia cooperativa de Mondragon proclama la retribución suficiente y solidaria como un principio básico de su gestión, expresada en los términos de: a) Suficiente, acorde con las posibilidades reales de la Cooperativa. b) Solidaria, materializada:
_- En el ámbito interno: en la existencia de un marco soli- dario de retribuciones al trabajo.
permita la creación de nuevos puestos de trabajo en régi- men cooperativo. b) El apoyo a iniciativas de desarrollo comunitario, me- diante la aplicación del Fondo de Obras Sociales. c) Una política de Seguridad Social coherente con el sistema cooperativo, basado en la solidaridad y responsabilidad. d) La cooperación con otras instituciones vascas de carác- ter económico y social, y especialmente las promovidas por la clase trabajadora vasca. e) La colaboración en la revitalización del euskara como lengua nacional y, en general, de los elementos caracte- rísticos de la cultura vasca. (ALTUNA, 2008, p. 281-282) Com já dito anteriormente, mais que em transfor- mação social deve-se pensar em termos socioambientais. Mondragón foi protagonista de uma experiência revolucio- nária em seu tempo, a chamada economia social. Todavia, deve continuar inovando, considerando os novos tempos e a necessidade de uma ecossocioeconomia. É preciso resgatar os conhecimentos tradicionais que constituem o marco de Euskal Herria^4 , suas histórias e contos, seus locais sagrados, suas tecnologias apropriadas, a subjetividade coletiva, a paisagem que constitui ou serve para recarregar as energias, ou seja, restabelecer a relação assimétrica entre homem e natureza. Caráter universal La experiencia cooperativa de Mondragón, como expresión de su vocación universal, proclama su solidaridad con todos los que laboran por la democracia económica en el ámbito de la “Economía social”, haciendo suyos los objetivos de Paz, Justicia y Desarrollo, propios del Cooperativismo Internacional. (ALTUNA, 2008, p. 284) O caráter universal deve ser assumido como respon- sabilidade socioambiental planetária, como bem fazem atualmente as iniciativas da Fundação Mundukide. A ex- periência mondragonesa não pode ser reduzida a um mero caso empresarial. É necessário fazer da experiência um case que possibilite expandir uma racionalidade (através de um processo educativo) mais substantiva no mundo dos negó- cios e, oxalá, que seja reinventada a partir da racionalidade ambiental. Ela deve servir de exemplo de um paradigma que é possível (e não perfeito) e que não seja necessariamente outro paradigma hegemônico. É preciso aprender a conviver com lógicas distintas, mesmo que tal não seja fácil. Educação La experiencia cooperativa de Mondragón manifiesta que para promover la implantación de los anterioresPrincipios es fundamental la dedicación de suficientes recursos huma- nos y económicos a la Educación, en sus diversas vertientes: a) Cooperativa, del conjunto de los socios y en especial de los elegidos para los órganos sociales. b) Profesional, en especial de los socios designados para los órganos directivos. c) En general, de la juventud, propiciando el surgimiento de hombres y mujeres cooperadores, capaces de consoli- dar y desarrollar la experiencia en el futuro. (ALTUNA, 2008, p. 286) Considerar os princípios do cooperativismo mon- dragonês à luz do enfoque ecossocioeconomico significa resgatar não só o caráter educacional e emancipatório preconizado pelo seu fundador, como também evidenciar outros elementos fundamentais que levem em conta os novos desafios em tempos de aquecimento global. Portanto, quando se considera a educação como o primeiro e o prin- cipal princípio, trata-se de uma educação que se desloque da racionalidade antropocêntrica, como a que fundamentou prioritariamente a prática do cooperativismo de Mondra- gón, para uma racionalidade socioambiental na qual haja a compreensão de que os sistemas são integrados, premissa a partir da qual os processos decisórios devem ser norteados. Embora estas premissas estivessem presentes na concepção cooperativista de Arizmendiarrieta, nem sempre foi consi- derada na sua prática, principalmente nos anos recentes. Embora a racionalidade socioambiental, assim como a racionalidade substantiva que norteia a economia social, deva ser provida de certa instrumentalidade para ser com- patível com a economia formal de mercado predominante no mundo contemporâneo, esta instrumentalidade não deve mirrar a educação, principalmente no que concerne à capa- cidade de compreensão, cegando os tomadores de decisão para compreensão da capacidade de carga do planeta. É preciso que estejam intrínsecos nos processos de tomada de decisão a consciência e o conhecimento de que os recursos naturais são fontes básicas da economia, seja ela de merca- do ou não. Numa educação para a Ecossocioeconomia, os sistemas sociais e econômicos devem estar conectados aos sistemas ecológicos, atentos aos seus limites. (^4) Nome dado à região histórico-cultural em que residem os bascos.
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