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Anestésicos Regionais: Mecanismos de Ação, Duração e Toxicidade, Resumos de Farmacologia

Resumo de Anestésicos Locais, abordando os principais tópicos

Tipologia: Resumos

2023

Compartilhado em 07/02/2023

rosana-silva-85
rosana-silva-85 🇧🇷

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INTRODUÇÃO
Osanestésicosregionais, tambémconhecidoscomo anestésicoslocais, foram desenvolvidos a partirdasfolhasdecoca
utilizadaspelosincas. AcocaínafoiisoladapeloquímicoalemãoAlbertNiemannem 1860eutilizadapelaprimeiravez
como anestésico local em cirurgia de glaucoma em Viena em 1884 (Koller, 1884) após sugestão de Sigmund Freud.
Embora esse relato tenha gerado grande popularidade do uso da cocaína, a curta duração da sua ação anestésica
apresentava grande limitação para seu uso clínico. A descoberta da cocaína como anestésico tópico despertou grande
interesse na busca por minimizar suas reações adversas cardiovasculares e neuronais e aumentar a duração do efeito
anestésico. Oprimeiro avançoocorreu com as íntesede procaína(E inhorn 1904), seguido de tetracaína em1932 e de
lidocaínaem1943(Tobeetal.,2018). Alidocaínaapresentavaaçãomaisprolongadaemenorpotencialalergênico,sendo
utilizada para analgesia epidural. Outros anestésicos regionais foram sintetizados a seguir, como mepivacaína e
bupivacaína em 1957 (Ekenstam et al., 1957), prilocaína em 1959 (Löfgren e Tegner, 1960) e etidocaína em 1972
(Adamsetal.,1972).Outroavançonessaáreaocorreunadécadade1990,quandoforamsintetizadosdemaneiraseletiva
estereoisômeros da bupivacaína e da ropivacaína, sendo que os enatiômeros S supostamente apresentavam menor
cardiotoxicidade;alevobupivacaínafoiintroduzidanomercadoem1994.
Alémdasíntesedenovosfármacos,outraestratégiautilizadaparaaumentaraduraçãodoefeitoanestésicofoitentar
reduziroclearancelocaldoanestésico, sejamecanicamentecomusode torniquete,conformedemonstradoporCorning
(1885), seja pela associação com fármacos vasoconstritores. A associação de epinefrinaà cocaínaaumentou aduração
anestésica e reduziu sua toxicidade (Braun, 1903). Uma terceiraestr atégia foi aintrodução de cateteres para aplicação
contínuadoanestésico;atualmente,ousodecateteresacopladosabombasdeinfusãoéconsideradocomoosistemaideal
paraofereceranalgesia.Importanteressaltarqueaintroduçãodecateteresrequermãodeobraespecializada,temcustoalto
e risco deinfecção. Alémdiss o, a introduçãode cateteres epidurais tornouse mais complexaatualmente, emrazão do
grandenúmerodepacientesidososqueutilizamoutrosfármacos,comoanticoagulantesouantiagregantesplaquetários,os
quaisfacilitamaocorrênciadesangramento.
Os anestésicos regionais difundemse na membrana plasmática e inibem de maneira reversível os canais de sódio
dependentesdevoltagem.Essemecanismoestádiretamenterelacionadoàcomunicaçãodo impulsonervoso. Aexcitação
neuronalelétricaconduzoestímulodespolarizanteapartirdoaxônio,ativandoepermitindoapassagemdosíonsdesódio
pela membrana por causa do gradiente eletroquímico. Os anestésicos regionais interrompem o potencial de ação e,
portanto, o influxo dos íons de sódio, reduzindo, assim, a excitabilidadedos nervos que conduzem o estímulo álgico.
Dessa maneira, obtémse bloqueio tanto sensório comomotor. Ess ainibição ér eversível, prevenindo a transmissão da
informaçãosensóriaao sistemanervosocentral(SNC)semque ocorraa perdada consciência.Osanestésicos regionais
podem ser utilizados sozinhos ou em combinação com anestésicos gerais para prevenir a dor e atenuar a resposta ao
estressegeradopeloatocirúrgico,etambémparaaliviaradornoperíodopósoperatório(McCaugheyeMirakhur,1997).
Os axônios mielinizados são facilmente bloqueados pelos anestésicos regionais, seguidos pelos axônios não
mielinizados.
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INTRODUÇÃO

Os anestésicos regionais, também conhecidos como anestésicos locais, foram desenvolvidos a partir das folhas de coca utilizadas pelos incas. A cocaína foi isolada pelo químico alemão Albert Niemann em 1860 e utilizada pela primeira vez como anestésico local em cirurgia de glaucoma em Viena em 1884 (Koller, 1884) após sugestão de Sigmund Freud. Embora esse relato tenha gerado grande popularidade do uso da cocaína, a curta duração da sua ação anestésica apresentava grande limitação para seu uso clínico. A descoberta da cocaína como anestésico tópico despertou grande interesse na busca por minimizar suas reações adversas cardiovasculares e neuronais e aumentar a duração do efeito anestésico. O primeiro avanço ocorreu com a síntese de procaína (Einhorn 1904), seguido de tetracaína em 1932 e de lidocaína em 1943 (Tobe et al., 2018). A lidocaína apresentava ação mais prolongada e menor potencial alergênico, sendo utilizada para analgesia epidural. Outros anestésicos regionais foram sintetizados a seguir, como mepivacaína e bupivacaína em 1957 (Ekenstam et al., 1957), prilocaína em 1959 (Löfgren e Tegner, 1960) e etidocaína em 1972 (Adams et al., 1972). Outro avanço nessa área ocorreu na década de 1990, quando foram sintetizados de maneira seletiva estereoisômeros da bupivacaína e da ropivacaína, sendo que os enatiômeros S supostamente apresentavam menor cardiotoxicidade; a levobupivacaína foi introduzida no mercado em 1994. Além da síntese de novos fármacos, outra estratégia utilizada para aumentar a duração do efeito anestésico foi tentar reduzir o clearance local do anestésico, seja mecanicamente com uso de torniquete, conforme demonstrado por Corning (1885), seja pela associação com fármacos vasoconstritores. A associação de epinefrina à cocaína aumentou a duração anestésica e reduziu sua toxicidade (Braun, 1903). Uma terceira estratégia foi a introdução de cateteres para aplicação contínua do anestésico; atualmente, o uso de cateteres acoplados a bombas de infusão é considerado como o sistema ideal para oferecer analgesia. Importante ressaltar que a introdução de cateteres requer mão de obra especializada, tem custo alto e risco de infecção. Além disso, a introdução de cateteres epidurais tornou se mais complexa atualmente, em razão do grande número de pacientes idosos que utilizam outros fármacos, como anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários, os quais facilitam a ocorrência de sangramento. Os anestésicos regionais difundem se na membrana plasmática e inibem de maneira reversível os canais de sódio dependentes de voltagem. Esse mecanismo está diretamente relacionado à comunicação do impulso nervoso. A excitação neuronal elétrica conduz o estímulo despolarizante a partir do axônio, ativando e permitindo a passagem dos íons de sódio pela membrana por causa do gradiente eletroquímico. Os anestésicos regionais interrompem o potencial de ação e, portanto, o influxo dos íons de sódio, reduzindo, assim, a excitabilidade dos nervos que conduzem o estímulo álgico. Dessa maneira, obtém se bloqueio tanto sensório como motor. Essa inibição é reversível, prevenindo a transmissão da informação sensória ao sistema nervoso central (SNC) sem que ocorra a perda da consciência. Os anestésicos regionais podem ser utilizados sozinhos ou em combinação com anestésicos gerais para prevenir a dor e atenuar a resposta ao estresse gerado pelo ato cirúrgico, e também para aliviar a dor no período pós operatório (McCaughey e Mirakhur, 1997). Os axônios mielinizados são facilmente bloqueados pelos anestésicos regionais, seguidos pelos axônios não mielinizados.

Para bloquear os canais de sódio dependentes de voltagem, os anestésicos regionais precisam ligar se a sítios específicos na superfície interna do canal. Entretanto, eles não podem acessar essa superfície pelo lado externo do axônio através do canal de sódio; eles necessitam difundir se na membrana celular do axônio como moléculas não ionizadas, conjugar se com os íons hidrogênio e atingir o sítio de ligação a partir do citoplasma. Essa via é a chamada via hidrofóbica. Outro modo de atingir o sítio de ligação na face interna do canal é pela via hidrofílica, utilizando benzocaína, um anestésico regional permanentemente ionizável em razão de seu baixo valor de pKa (2,51) que é utilizado sobretudo para anestesia tópica (Nusstein e Beck, 2003). A benzocaína atinge o canal de sódio após difusão na membrana do nervo através de fenestrações laterais presentes no canal de sódio, conforme identificado em estudos cristalográficos (Payandeh et al., 2011). Há outra via, chamada de via hidrofílica alternativa, observada com o derivado da lidocaína, o QX 314, o qual está permanentemente ionizado. Ele atravessa a membrana celular muito lentamente ao ser ativado o canal TRPV 1 (transient receptor potential vanilloid); nesse ponto, ocorre a formação de um poro com tamanho suficiente para permitir o influxo do QX 314 (Binshtok et al., 2007). Além do bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem, os anestésicos regionais também interagem com várias outras estruturas, por exemplo, canais de sódio resistentes à tetrodotoxina, canais de potássio, canais de cálcio, receptores do N metil D aspartato e receptores acoplados à proteína G. Um exemplo é o uso, apesar de limitado, da lidocaína no tratamento de taquicardia ventricular (Mizzi et al., 2011). A molécula do anestésico regional é composta de três partes: um anel aromático lipofílico, uma ligação éster ou amídica e uma amina terminal (Figura 82.1). Uma cadeia de hidrocarbonos é ligada ao anel aromático, via conexão éster ou amídica, a qual determina o mecanismo de metabolismo para aquele anestésico regional em particular. Os anestésicos regionais que apresentam ligações amídicas são geralmente mais estáveis e têm menor potencial alergênico em comparação com os anestésicos regionais com ligação de éster. Anestésicos regionais podem causar alergia, principalmente os que apresentam ligação éster. Hidrólise dessa ligação pela colinesterase resulta na liberação de ácido para aminobenzoico, que tem propriedades alergênicas. Ésteres amídicos são metabolizados primariamente por colinesterases plasmáticas, também conhecidas como pseudocolinesterases, sendo que a degradação é bastante rápida. Já os anestésicos regionais amídicos sofrem degradação hepática e apresentam meia vida mais longa (Shah et al., 2018).

Figura 82.1 Estrutura química de um anestésico regional.

Os anestésicos regionais são geralmente bases fracas (exceto a benzocaína), formulados em uma solução ácida. Um pKa mais básico está associado a um início de ação mais lento. As substituições feitas no anel aromático correlacionam com a lipossolubilidade; quanto mais lipofílico, maior a difusão através da membrana plasmática do nervo e, portanto, maior costuma ser a potência. Os anestésicos regionais podem ser classificados de acordo com a duração do efeito anestésico:

Figura 82.2 Bupivacaína.

A bupivacaína racêmica é um dos anestésicos regionais mais utilizados para anestesia raquidiana. Ela foi utilizada durante décadas como um anestésico regional de ação prolongada, entretanto, após relato de seis casos clínicos de convulsões com parada cardíaca e um número alto de mortes após injeção intravenosa (IV) acidental (Albright, 1979), ficou claro que a bupivacaína apresentava índice terapêutico mais estreito em relação aos demais anestésicos regionais (Morishima et al., 1985).

Levobupivacaína

Isômero L da bupivacaína. Como os demais anestésicos regionais, a levobupivacaína atua bloqueando os canais de sódio sensíveis à voltagem nas membranas neuronais, prevenindo a transmissão dos impulsos nervosos. A anestesia é causada pela interferência com a abertura dos canais de sódio, inibindo a condução do potencial de ação nos nervos envolvidos com atividade motora, sensória e simpática (Foster e Markham, 2000). A levobupivacaína é menos tóxica que a bupivacaína em modelos animais, sendo que a dose letal de levobupivacaína é de 1,3 a 1,6 mais alta que a da bupivacaína. Em ensaios clínicos realizados em voluntários sadios, a administração IV de levobupivacaína (56 mg) causou menor efeito inotrópico negativo do que administração de bupivacaína (48 mg). Em outro ensaio realizado em voluntários sadios, a administração IV de levobupivacaína causou menor aumento do intervalo QTc (3 ms) quando comparada com a bupivacaína (24 ms) administrada na mesma dose. A levobupivacaína também é mais segura em relação à toxicidade no SNC; em ensaio realizado em voluntários sadios, 64% dos que receberam bupivacaína (65,5 mg) apresentaram sinais de alterações do sistema nervoso central ou periférico, comparados com 36% dos voluntários que receberam levobupivacaína (67,7 mg). A levobupivacaína está indicada para anestesia de cirurgias maiores quando administrada por via epidural, intratecal e para bloqueio nervoso periférico. Também está indicada para cirurgias menores, administrada via infiltração local, infiltração gengival ou por bloqueio peribulbar para cirurgias oftalmológicas. Ela também pode ser administrada na forma de infusão epidural contínua no pós operatório para analgesia durante o parto. Importante ressaltar que, ao se administrar a levobupivacaína para bloqueios nervosos, pode ocorrer injeção IV não intencional, a qual pode causar parada cardíaca.

Bupivacaína lipossômica (Exparel®)

É composta de bupivacaína encapsulada em lipossomos multivesiculares de diâmetro entre 10 e 30 mcm. Esses lipossomos permitem uma liberação lenta, responsável pela maior duração de ação em comparação com outros anestésicos regionais, como a lidocaína e a mepivacaína. A ação analgésica da bupivacaína lipossômica dura aproximadamente 72 h. Importante ressaltar que metanálise avaliando a eficácia da administração periarticular de bupivacaína lipossômica em pacientes submetidos a artroplastia total de joelho não revelou diferença em relação ao tratamento padrão de injeção periarticular em termos de analgesia avaliada por escala visual analógica (EVA) depois de 24, 48 e 72 h (Figura 82.3) ou diferença em relação ao consumo de opioides (Figura 82.4; Kuang et al., 2017).

Figura 82.3 Forest plot mostrando o escore de dor avaliado pelo VAS (visual analogue scale) nos

tempos 24, 48 e 72 h.

Figura 82.4 Forest plot mostrando consumo total de opioides durante as 72 h após o

procedimento. Foram utilizados equivalentes de morfina para medir o consumo de opioides.

Ropivacaína (Naropin®)

Anestésico regional tipo amino amídico estereosseletivo (isômero L) que representa uma excelente opção em relação à bupivacaína como anestésico regional de longa duração para bloqueio nervoso periférico. É um análogo estrutural da bupivacaína (Figura 82.5). Em doses equivalentes, a ropivacaína produz menor bloqueio motor quando comparada com a bupivacaína, mas causando igual bloqueio sensório. Em ensaio clínico avaliando analgesia pós operatória, a ropivacaína

Figura 82.7 Forest plot mostrando a incidência de bloqueio motor em pacientes tratados com a

associação ropivacaína‑fentanil (ROPI‑FEN) ou a associação bupivacaína‑fentantil (BUPI‑FEN)

administradas via epidural.

ANESTÉSICOS REGIONAIS DE DURAÇÃO INTERMEDIÁRIA

Lidocaína

Representa o protótipo dos anestésicos regionais amino amídicos. A lidocaína (Figura 82.8) é uma base fraca (pKa 7,9) e com baixa hidrossolubilidade. Um aspecto interessante a ser discutido em relação à lidocaína é a questão do pH da formulação utilizada. As formulações comerciais de anestésicos regionais associados à epinefrina costumam apresentar pH baixo, por volta de 3,5, para prolongar a meia vida de prateleira da epinefrina. Uma vez que o fármaco é injetado, ele se encontra tamponado pelo líquido extracelular em pH neutro. Somente a forma não ionizada do fármaco é capaz de penetrar na membrana da célula. Portanto, o fármaco está em sua forma mais ativa quanto mais próximo o pH do meio estiver do pKa do fármaco. O pKa da lidocaína é de aproximadamente 8. Ensaio clínico comparando ação analgésica de duas soluções de lidocaína, sendo uma tamponada (lidocaína 1% associada a epinefrina 1:200.000) e outra não tamponada (lidocaína 2% associada a epinefrina 1:200.000) demonstrou que a tamponada apresentou o mesmo efeito analgésico que a não tamponada, apesar de a concentração do anestésico regional ter sido a metade (Warrant et al., 2017). A dose máxima recomendada de lidocaína é de 4,5 mg/kg, podendo ser aumentada para 7 mg/kg quando associada à epinefrina; com doses mais altas, há risco de toxicidade cardiovascular e do SNC (Klein e Kassarjdian, 1997).

Figura 82.8 Lidocaína.

Lidocaína, prilocaína e mepivacaína são consideradas anestésicos regionais de duração intermediária, com perfil farmacodinâmico similar, exceto para a mepivacaína, que apresenta um tempo de duração de ação discretamente maior que o da lidocaína. A maior preocupação com esses fármacos é o risco de sintomas neurológicos transitórios, pois, aparentemente, a lidocaína apresenta o maior risco, embora a incidência seja bastante variável (0 a 40%). Revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados comparando a incidência de sintomas neurológicos transitórios após anestesia raquidiana com lidocaína, bupivacaína, prilocaína, procaína e mepivacaína demonstrou que o risco é maior com a lidocaína (Zaric et al., 2005). A prilocaína supostamente seria o mais seguro nesse caso. A incidência de sintomas neurológicos transitórios com bupivacaína é menor; entretanto, o bloqueio motor prolongado e o maior risco de retenção urinária limitam seu uso como anestésico em cirurgia ambulatorial. A duração da ação do anestésico regional depende da dose, porém, doses baixas de bupivacaína em raquianestesia não geraram resultados satisfatórios (Fanelli et al., 2000).

Lidocaína também tem sido utilizada como adjuvante de anestesia geral, administrada IV. O objetivo de usar lidocaína nessa indicação é reduzir ou mesmo abolir o uso de opioides; a dose recomendada é de 1 a 2 mg/kg IV administrados em bolus seguido de infusão de 1 a 2 mg/ kg/h (Estebe, 2017).

Prilocaína (Citanest®)

Anestésico regional do tipo amida, apresenta em sua estrutura uma amina secundária com duração de ação intermediária e início rápido. Comparada com a lidocaína, a prilocaína (Figura 82.9) apresenta maior clearance e maior volume de distribuição, portanto, raramente atinge concentrações tóxicas na circulação nas doses frequentemente utilizadas. No fígado, a prilocaína é metabolizada por hidrólise amídica em sigma toluidina e N propilamina, sendo que a sigma toluidina é subsequentemente hidrolisada em 2 amino 3 hidroxito lueno e 2 amino 5 hidroxitolueno, sendo estes metabólitos responsáveis pela ocorrência de metemoglobinemia (Boublik et al., 2016). Importante ressaltar que somente doses altas (> 6 mg/kg) podem causar metemoglobinemia clinicamente aparente em voluntários sadios (Nolte et al., 1968).

Figura 82.9 Prilocaína.

A prilocaína tem duração de ação bastante curta (apesar de também ser classificada como de ação intermediária) e está associada com poucos casos de sintomas neurológicos transitórios quando comparada com lidocaína ou mepivacaína (Hampl et al., 1998). A prilocaína está disponível em formulação com 4% e associada à epinefrina 1:200.000 para utilização em bloqueio nervoso periférico. Também está disponível em formulação hiperbárica de 2% para administração intratecal, para procedimentos com duração entre 60 e 90 min. Soluções hiperbáricas de prilocaína para uso intratecal são vantajosas em relação às formulações isobáricas, pois costumam apresentar menor tempo de latência para bloqueio motor e sensório, menor tempo para recuperação do bloqueio motor e para recuperação da capacidade de urinar (Camponovo et al., 2010). A duração da anestesia conforme visto não depende somente do anestésico empregado, mas também da dose utilizada. Ensaio clínico randomizado, duplo cego, comparou a eficácia da anestesia raquidiana induzida por bupivacaína 4 mg associada à fentanila 25 μg, com prilocaína 50 mg associada à fentanila 25 μg, em pacientes geriátricos submetidos a cirurgia prostática transuretral (Akcaboy et al., 2012). Conforme ilustrado na Tabela 82.1, a duração do bloqueio motor no grupo tratado com bupivacaína foi menor em comparação com o grupo tratado com prilocaína.

Mepivacaína

Anestésico regional do tipo amídico que apresenta algumas características interessantes, como baixo efeito vasodilatador e ligação às proteínas plasmáticas de 75%, responsável pela maior duração de sua ação (Brockmann, 2014). A mepivacaína (Figura 82.10) foi introduzida na prática odontológica em 1960 em solução de 2% associada ao vasoconstritor levenordefrina, e em 1961 em solução de 3% sem nenhum vasoconstritor. A mepivacaína tem a mesma potência anestésica que a lidocaína, mas seu discreto efeito vasodilatador propicia duração mais longa da anestesia sem a necessidade de se associar um vasoconstritor (Sadove et al., 1962).

Figura 82.10 Mepivacaína.

Primeira

deambulação

4 a

Primeira

micção

a

Alta

hospitalar

a

Os valores são apresentados como média (desvio‑padrão) e representam o tempo em minutos decorridos desde a injeção intratecal até o marco especificado.

Em ensaio clínico, a eficácia da anestesia raquidiana feita com mepivacaína associada à fentanila foi comparada com mepivacaína isolada em procedimento ambulatorial de artroscopia de joelho (O’Donnell et al., 2010). Os pacientes (n =

  1. foram randomizados para receberem mepivacaína 1,5% (30 mg) associada com fentanila 10 μg ou mepivacaína 1,5% (45 mg). Conforme ilustrado na Tabela 82.2, a associação apresentou a mesma eficácia que a mepivacaína em dose mais alta, com a vantagem de permitir recuperação mais rápida do bloqueio motor.

ANESTÉSICOS REGIONAIS DE DURAÇÃO CURTA

Articaína (Septocaine®)

Anestésico regional do tipo amida que se diferencia dos demais por apresentar um anel tiofênico, o qual tem maior lipossolubilidade e facilita sua difusão na membrana plasmática dos nervos. Além disso, a articaína (Figura 82.11) tem em sua molécula um grupo éster, o que permite que seja metabolizada por colinesterases plasmáticas não específicas; sua excreção ocorre primariamente por via renal (Snoeck, 2012). A exemplo dos demais anestésicos regionais, a articaína bloqueia a condução nervosa ao se ligar à subunidade alfa dos canais de sódio dependentes de voltagem, reduzindo, dessa maneira, o influxo de sódio e, portanto, não permitindo que ocorra o surgimento do potencial de ação. A ação bloqueadora da articaína depende do estado em que se encontra o canal de sódio; ela apresenta alta afinidade pelo estado aberto, afinidade intermediária pelo estado inativado e baixa afinidade pelo estado de repouso (Wang et al., 2009).

Figura 82.11 Articaína.

Em cirurgia ambulatorial, anestesia raquidiana com um anestésico regional de curta duração é o mais recomendado. Além de reduzir o tempo do bloqueio motor e da disfunção vesical, a ação rápida e a baixa toxicidade também são características desejáveis. A articaína, a exemplo de lidocaína, prilocaína e cloroprocaína, tem todas essas qualidades (Kallio et al., 2006). Entretanto, a comparação entre esses quatro anestésicos não demonstrou diferenças clinicamente relevantes entre eles. Por exemplo, a eficácia e a segurança da articaína foram avaliadas em ensaio clínico duplo cego, comparada com lidocaína, em pacientes submetidos à analgesia epidural para procedimento urológico (Brinkløv, 1977).

Pacientes do sexo masculino (n = 116) receberam injeção epidural de articaína 2% associada à epinefrina 1:200.000 ou de lidocaína 2% associada à epinefrina. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois tratamentos em relação a duração de ação, latência, área anestesiada (número de dermátomos) e bloqueio motor das extremidades. Importante ressaltar que a duração da anestesia raquidiana pode variar dependendo do desenho do ensaio clínico e também das doses ou associações de fármacos utilizadas. Por exemplo, a regressão do bloqueio motor foi mais lenta quando se comparou articaína 84 mg com a associação bupivacaína 7 mg e fentanila 10 μg (Bachmann et al., 2012).

Cloroprocaína (Nesacaine®)

Anestésico regional de ligação éster (Figura 82.12), é considerada, portanto, de curta duração. Ensaio clínico prospectivo, duplo cego, randomizado, comparou a eficácia de cloroprocaína 40 mg com articaína 40 mg em anestesia raquidiana para artroscopia ambulatorial em pacientes de 18 a 70 anos de idade, classes I III da American Society of Anestesiology (ASA) (Förster et al., 2013). A Figura 82.13 ilustra o curso de tempo causado pelo bloqueio motor. As barras cheias correspondem a cloroprocaína e as barras hachuradas à articaína. A avaliação do bloqueio motor foi feita pela escala de Bromage modificada, na qual:

Figura 82.12 Clorprocaína.

Figura 82.13 Tempo de ocorrência e duração do bloqueio motor em procedimento de artroscopia

em pacientes tratados com articaína ou clorprocaína. As barras sólidas representam os pacientes

tratados com clorprocaína; as barras com traços representam os pacientes tratados com articaína.

A escala de Bromagem foi descrita no texto. * Diferença significativa p < 0,05 (teste de

Mann‑Whitney).

Figura 82.14 Sequência de eventos causados por toxicidade sistêmica induzida por anestésico

regional. O aumento da concentração livre do anestésico regional leva a uma cascata de sintomas

cardiovasculares e do SNC.

Tabela 82.3 Relação entre dose de cloprocaína aplicada via raquidiana e duração do bloqueio

motor.

Cloroprocaína

(mg)

Duração prevista do bloqueio cirúrgico efetivo

(min)

30 40 a 60

40 a 45 45 a 75

60 60 a 90

Caso as manifestações do SNC não sejam graves, como vertigem e/ou zumbido, geralmente não é necessário tratamento, visto que os sintomas devem desaparecer com a eliminação do anestésico regional, caso não seja administrado mais anestésico. Caso ocorram convulsões, estas podem ser terminadas com midazolam (1 a 5 mg), propofol (50 a 100 mg) ou qualquer outro fármaco sedativo hipnótico, como barbitúricos ou benzodiazepínicos. Uso de benzodiazepínicos é interessante para tratamento de qualquer sintoma de toxicidade do SNC causado por anestésico regional, visto que eles são eficazes em suprimir a atividade convulsiva, são facilmente disponíveis e não causam depressão cardíaca. Mais recentemente, foi introduzida a administração de emulsões lipídicas para tratamento da toxicidade sistêmica de anestésicos regionais. A ideia seria que a emulsão atuaria como um removedor dos fármacos lipossolúveis, como a bupivacaína, na circulação; as micelas seriam gradualmente removidas e metabolizadas juntamente com o anestésico regional. Já outro mecanismo proposto é que a emulsão lipídica atuaria nas mitocôndrias cardíacas.

Metemoglobinemia

Cada molécula de hemoglobina contém quatro átomos de ferro; normalmente eles apresentam valência de +2, sendo denominados íons ferrosos. Caso a hemoglobina seja exposta a um agente ou fármaco que seja capaz de extrair um ou mais elétrons dos íons ferrosos da hemoglobina, o ferro adota uma valência +3, denominada íon férrico. A molécula de hemoglobina que tem pelo menos 1 íon férrico é chamada de metemoglobina. O processo pelo qual a valência do íon ferro

passa de +2 para +3 é chamado de oxidação, e o fármaco responsável por esse processo é chamado de oxidante. As moléculas de oxigênio ligam se aos íons ferrosos da hemoglobina quando esta passa pela circulação pulmonar e são transportadas para os tecidos periféricos. Na periferia, o gradiente de oxigênio e o meio ácido reduzem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, o qual é liberado para os tecidos. Uma vez que o oxigênio é liberado, ocorre aumento da afinidade da hemoglobina pelo dióxido de carbono, o qual é transportado e liberado nos alvéolos. Quando ocorre oxidação de um íon ferroso para férrico da molécula de hemoglobina, a molécula de metemoglobina apresenta uma afinidade maior pela molécula de oxigênio ligada a ela e menor afinidade pelo oxigênio não ligado. Portanto, menos oxigênio é transportado pela metemoglobina, e essa menor quantidade não é liberada nos tecidos periféricos. Níveis fisiológicos circulantes de metemoglobina variam entre 0 e 2%. Esse nível existe porque o organismo usa e é dependente de oxigênio, que é um agente oxidante. A Tabela 82.4 ilustra os sintomas e sinais que aparecem quando o nível de metemoglobina aumenta na circulação sistêmica (Trapp e Will, 2010). O uso de prilocaína está associado à formação de metemoglobina, mas é importante ressaltar que a prilocaína não causa oxidação da hemoglobina, e sim seus metabólitos sigmatoluidina e nitrosotoluidina, que são responsáveis pela oxidação da hemoglobina em metemoglobina (Vasters et al., 2006). Uma vez identificada, a metemoglobinemia deve ser tratada agressivamente, sobretudo se os níveis de metemoglobina forem maiores que 20% ou se o paciente apresentar sintomas. Há dois fármacos disponíveis para tratamento da metemoglobinemia: azul de metileno e ácido ascórbico. Em pacientes que apresentam sintomas ou níveis de metemoglobina acima de 20%, dose única de azul de metileno 1 a 2 mg/kg deve ser administrada em infusão de 5 min nos primeiros 10 a 60 min do início dos sintomas. A resposta terapêutica costuma ser bastante rápida, raramente exigindo uma segunda dose, exceto em casos graves (D’sa et al., 2014). Importante ressaltar que metemoglobinemia rebote com valores de até 59,9% pode ocorrer tardiamente, até 18 h após a administração de azul de metileno. A concentração de metemoglobina é mantida normalmente baixa (< 2%) por causa da citocromo b5 metemoglobina redutase, a qual é dependente de adenina nicotina reduzida (NADH). A citocromo b metemoglobina redutase também é dependente, em menor grau, da presença de FAD (flavine adenine dinucleotide), dinucleotídio fosfatodiaforase, enzima que reduz a flavina e, subsequentemente, a metemoglobina em deoxiemoglobina. Essa reação costuma ser responsável por < 5% da redução da metemoglobina em deoxiemoglobina, porém, sua atividade pode ser muito aumentada pelo azul de metileno, o qual é reduzido em azul leucometileno pela adenina dinucleotídio fosfatodiaforase. O azul leucometileno reduz a metemoglobina em deoxiemoglobina (Bloom e Brandt, 2001). O ácido ascórbico é indicado em pacientes nos quais o uso de azul de metileno é contraindicado ou se o azul de metileno não estiver disponível. Doses terapêuticas de azul de metileno podem causar hemólise grave em pacientes com deficiência de glicose 6 fosfato desidrogenase (Rios et al., 2019). A dose total de ácido ascórbico varia de 7,6 a 10 mg/kg VO e de 3,1 a 253,2 mg/kg IV. Os anestésicos regionais injetáveis citados na literatura como oxidantes de hemoglobina são prilocaína, lidocaína, tetracaína e cocaína (Guay, 2009). A Tabela 82.5 ilustra 242 episódios de metemoglobinemia associada ao uso de anestésicos regionais ou tópicos (Guay, 2009). Não há evidência na literatura de que mepivacaína, bupivacaína e articaína causem metemoglobinemia.

USO TÓPICO DE ANESTÉSICOS REGIONAIS

Apresentam eficácia e segurança, são fáceis de serem administrados e particularmente importantes em pacientes que têm fobia à agulha. Em alguns casos, a aplicação pode ser feita pelo paciente antes de ir ao consultório/clínica, reduzindo o tempo da consulta. Quando aplicado topicamente, os anestésicos atuam nas fibras nervosas localizadas na derme; portanto, a eficácia é dependente do sucesso da penetração do anestésico através do stratum corneum e da epiderme. Para aumentar a penetração, alguns fármacos são aplicados com um adesivo oclusivo (Hashim et al., 2017).

Tabela 82.4 Sintomas e sinais de metemoglobinemia.

Nível de

metemoglobina

Sintomas e sinais

≤ 2 Nenhum (fisiológico)

2 a 15 Nenhum

Tetracaína 1

Ingestão

acidental

Benzocaína 6

Formulações

odontológicas

Outros 13 11 24

Benzocaína 13 7

Prilocaína 2

Lidocaína 2

Lidocaína

Anestésico tópico mais utilizado na prática dermatológica, geralmente aplicado nas formas farmacêuticas de gel, adesivo ou emplastro na concentração de 5%, ou como spray, na concentração de 8% (Coderre, 2018). As formulações tópicas de lidocaína a 5% são indicadas no tratamento da dor neuropática, neuropatias após cirurgias, como amputação, toracotomia e mastectomia, síndrome do túnel do carpo, polineuropatia sensória idiopática, neuralgia intercostal, ilioinguinal e miofascial, neuromas, neuropatia diabética e neuropatia relacionada a câncer (Casale et al., 2017). Apenas 3% da lidocaína contida no adesivo transdérmico de 5% chegam à circulação sistêmica, indicando que seu uso é seguro e seu mecanismo de ação é periférico (Baron et al., 2016). Após 60 min da aplicação de uma mistura eutética na forma farmacêutica de creme de lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5% (EMLA®), uma analgesia de profundidade de 3 mm é atingida, e após 120 min, uma analgesia de profundidade de 4,5 mm é atingida (Wahlgren e Quiding, 2000). A aplicação causa uma resposta vascular bifásica, caracterizada inicialmente por vasoconstrição e branqueamento da pele, seguidas de vasodilatação e eritema (Bjerring et al., 1989). A maior parte das reações adversas é de intensidade leve e transitória; contudo, há relatos de dermatite alérgica de contato e urticária de contato (Ismail e Goldsmith, 2005). Em crianças maiores e adultos, a área máxima de aplicação recomendada é de 200 cm^2 , e a dose máxima recomendada é de 20 g por período não superior a 4 h. Lidocaína também está disponível na forma farmacêutica de creme nas concentrações de 4 e 5%, utilizando um sistema lipossomal desenhado para melhorar a penetração cutânea e proporcionar duração mais longa da anestesia; a aplicação deve ser feita 30 a 60 min antes do procedimento (Bucalo et al., 1998).

Tetracaína (Ametop®)

Também denominada ametocaína, pertence à classe dos anestésicos regionais com ligação éster (Figura 82.15). O pKa é de 8,5, um coeficiente de partição octanol:água de 4:1 e com ligação às proteínas plasmáticas de 76% (O’Brien et al., 2005). Tetracaína é rapidamente metabolizada na pele e na circulação por esterases não específicas; o principal metabólito é o ácido parabutilaminobenzoico. Foi o último anestésico regional de ligação éster desenvolvido. A aplicação da tetracaína na pele intacta é bastante segura, visto que a biodisponibilidade sistêmica é baixa. Tetracaína é aplicada na pele na forma de gel 4% (Ametop®) com curativo oclusivo, 30 a 45 min antes do procedimento. Ensaio clínico realizado em voluntários sadios comparou a eficácia analgésica da mistura eutética lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5% (EMLA®) com uma formulação tópica de tetracaína 4% (McCafferty et al., 1989). Conforme ilustrado na Tabela 82.6, a aplicação de tetracaína 4% apresentou efeito analgésico mais rápido e mais prolongado em comparação com a mistura eutética de lidocaína prilocaína.

Figura 82.15 Tetracaína.

Tabela 82.6 Formulações contendo associação de prilocaína/lidocaína (EMLA®) ou ametocaína

avaliadas in vivo contra placebo.

Número

do

voluntário

EMLA®

Formulação de

ametocaína

Início da

anestesia

(min)

Duração da

anestesia

(h)

Início da

anestesia

(min)

Duração da

anestesia

(h)

Nota: nenhum voluntário exibiu efeito anestésico com placebo.

Tetracaína e seus metabólitos não foram associados com reações adversas sistêmicas quando aplicados na pele intacta, em contraste com a associação lidocaína prilocaína, a qual pode causar metemoglobinemia em neonatos e crianças jovens