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Competência dos juízes de primeira instância: improbidade e crime de responsabilidade, Notas de estudo de Direito

Este documento analisa a diferença entre improbidade administrativa e crime de responsabilidade, com foco no julgamento de ações de improbidade administrativa contra agentes políticos no brasil. A competência de juízes de primeira instância para julgar tais ações é discutida, com base em leis e jurisprudência. Além disso, o texto aborda a classificação de agentes políticos e servidores públicos, e as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de cometimento de atos de improbidade administrativa.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Havaianas81
Havaianas81 🇧🇷

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Brasília a. 47 n. 185 jan./mar. 2010 247
Sumário
Introdução. 1. Agentes políticos. 2. Improbi-
dade administrativa versus crime de responsa-
bilidade: a desconfiança nos juízes de primeira
instância. Conclusões.
Introdução
O agente político, sendo uma modali-
dade de agente público em qualquer das
classificações dos administrativistas bra-
sileiros, estão sujeitos à responsabilização
pelo cometimento de atos que importem
em improbidade administrativa.
Entretanto, parte da literatura jurídica
brasileira, bem como diversos julgados de
nossos tribunais, por motivação claramente
ideológica em vez de científica, vem enten-
dendo que tais agentes não seriam passíveis
de enquadramento na Lei 8.429/92, nossa
lei de combate à improbidade administra-
tiva (LIA).
As presentes linhas doutrinárias te-
rão a singela missão de enfrentar alguns
temas relativos à responsabilização dos
agentes políticos, bem como defender a
premissa trazida no parágrafo primeiro
desta introdução, no sentido de que, além
da responsabilidade administrativa, civil e
penal, os agentes políticos são imputáveis
nos “crimes” de responsabilidade e nos atos
de improbidade administrativa.
Para tanto, faremos uma breve distin-
ção entre os agentes políticos e os demais
Responsabilização dos agentes políticos
nos atos de improbidade administrativa
Tiago Antunes de Aguiar
Tiago Antunes de Aguiar é bacharel em Di-
reito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE)
e Juiz Federal da 23a Vara de Pernambuco.
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Brasília a. 47 n. 185 jan./mar. 2010 247

Sumário Introdução. 1. Agentes políticos. 2. Improbi- dade administrativa versus crime de responsa- bilidade: a desconfiança nos juízes de primeira instância. Conclusões.

Introdução

O agente político, sendo uma modali- dade de agente público em qualquer das classificações dos administrativistas bra- sileiros, estão sujeitos à responsabilização pelo cometimento de atos que importem em improbidade administrativa. Entretanto, parte da literatura jurídica brasileira, bem como diversos julgados de nossos tribunais, por motivação claramente ideológica em vez de científica, vem enten- dendo que tais agentes não seriam passíveis de enquadramento na Lei 8.429/92, nossa lei de combate à improbidade administra- tiva (LIA). As presentes linhas doutrinárias te- rão a singela missão de enfrentar alguns temas relativos à responsabilização dos agentes políticos, bem como defender a premissa trazida no parágrafo primeiro desta introdução, no sentido de que, além da responsabilidade administrativa, civil e penal, os agentes políticos são imputáveis nos “crimes” de responsabilidade e nos atos de improbidade administrativa. Para tanto, faremos uma breve distin- ção entre os agentes políticos e os demais

Responsabilização dos agentes políticos

nos atos de improbidade administrativa

Tiago Antunes de Aguiar

Tiago Antunes de Aguiar é bacharel em Di- reito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e Juiz Federal da 23a^ Vara de Pernambuco.

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agentes públicos; uma sucinta exposição das definições de atos de improbidade administrativa e de atos que importem em “crimes” de responsabilidade; uma aná- lise do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Reclamação 2.138/DF, em que foi discutida a competência de juiz federal de primeira instância para o julgamento de ação de improbidade administrativa contra ministro de Estado; e, por fim, apresenta- remos nossas conclusões.

1. Agentes políticos

A administração pública, para conse- guir atingir o seu fim maior de alcance dos interesses da coletividade (interesse público primário), necessita de um corpo de agentes extremamente capacitados e comprometidos com a eficiente prestação dos serviços públicos. Tais agentes integram a categoria geral de agentes públicos, diferenciando-se dos demais pelas funções especialíssimas de direção, planejamento e gestão da tomada de decisões da administração pública, além de terem um regime administrativo próprio previsto na Constituição da República. Sobre tal distinção, escreveu Carvalho Filho (2009, p. 560): “Agentes políticos são aqueles aos quais incumbe a execução das dire- trizes traçadas pelo poder público. São estes agentes que desenham os destinos fundamentais do Estado e que criam as estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes para que o Estado atinja seus fins. Caracterizam-se por terem funções de direção e orientação estabelecidas na Constituição e por ser normal- mente transitório o exercício de tais funções. Com regra, sua investidura se dá através de eleição, que lhes confere o direito a um mandato, e os mandatos eletivos caracterizam-se pela transitoriedade do exercício das

funções, como deflui dos postulados básicos das teorias democrática e republicana. Por outro lado, não se sujeitam às re- gras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral; a eles são aplicáveis normalmente as regras constantes da Constituição, sobretudo as que dizem respeito às prerrogativas e à responsa- bilidade política. São eles os Chefes do Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, De- putados Estaduais e Vereadores).” O clássico Hely Lopes Meirelles dá sen- tido maior à expressão agentes políticos, incluindo Magistrados, membros do Minis- tério Público e membros dos Tribunais de Contas (CARVALHO FILHO, 2009, p. 560). José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 560, 561), por sua vez, defende que o simples fato de esses agentes públicos terem um re- gime jurídico previsto na Constituição não é suficiente para classificá-los como agentes políticos (os quais exercem efetivamente, e não eventualmente, função política, de go- verno e de fixação das estratégias de ação), sendo mais adequada a sua classificação como servidores públicos especiais. Concordamos, parcialmente, com a classificação de Hely Lopes Meirelles, entendendo que os membros do poder judiciário integram a classificação de agen- tes políticos, com detentores de função política relevante e de direção do Estado brasileiro. Extremamente relevante para a classi- ficação dos juízes como agentes políticos, cita-se a seguinte passagem de Zaffaroni (1995, p. 78-79): “A história nos fala com singular eloqüência. Vimos que na França uma justiça anárquica, privatizada, cara e arbitrária provocou a contracapa de um judiciário submetido à assembléia legislativa, ideologicamente vazio,

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“Reputa-se agente público, para efei- tos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

2. Improbidade administrativa versus

crime de responsabilidade: a desconfiança

nos juízes de primeira instância

A despeito de grande parte da literatura brasileira^2 indicar que o ato que importe em improbidade administrativa possui nature- za jurídica distinta do denominado “crime” de responsabilidade, há autores e diversos julgados brasileiros que confundem os dois institutos, pugnando pela irresponsabilida- de dos agentes políticos em relação à LIA. Talvez o defensor brasileiro mais fer- renho da irresponsabilidade dos agentes políticos por atos de improbidade admi- nistrativa seja o atual Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que já em 1998 defendia, juntamente com Arnoldo Wald, que: 1 – os delitos de que trata a LIA são efetivamente “crimes” de responsabilidade, devendo ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal toda vez que se tratar de demanda pro- posta contra Ministro de Estado ou contra integrantes de Tribunais Superiores, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CRFB; 2 – a ação civil de improbidade administrativa possui “um forte conteúdo penal”, uma vez que as sanções da LIA (em alguns aspectos como a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos) são muito mais graves do que uma sanção penal, de modo que, se vários agentes polí- ticos possuem foro privilegiado em matéria penal, estes deveriam ser julgados na ação

(^2) CF. GARCIA; ALVES, 2008, p. 207; CARVA- LHO, 2007, p. 270-271; CARVALHO FILHO, 2009, p. 1019-1020; ANJOS NETO, 2004, p. 215, 223-224; FIGUEIREDO, 2004, p. 24-26.

de improbidade pelo tribunal respectivo; e 3 – há “competência hierárquica” no Brasil, de modo que Ministros de Estado não poderiam ser julgados, para efeito de aplicação da LIA, por juízes de primeiro grau, tendo em conta que haveria neste caso uma “subversão a todo o sistema jurídico nacional de repartição de competências” (WALD; MENDES, 1998, p. 213-215). Aristides Junqueira Alvarenga (2002) também confundia os dois institutos ao afirmar: “Porque ato de improbidade admi- nistrativa é, na sua essência, crime de responsabilidade (também denomi- nado, quiçá com maior propriedade, de infração político-administrativa), praticável não só pelo presidente da República, mas por todo e qualquer agente público, a Lei n o^ 1.079/ estendeu sua aplicação aos MINIS- TROS DE ESTADO (art. 13), aos Ministros do Supremo Tribunal Fe- deral (art. 39), ao Procurador-geral da República (art. 40), aos governadores e secretários dos estados-membros (art. 74), fazendo questão de repetir, relativamente a cada um deles, que o procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo atenta contra a probidade da Administração e é crime de respon- sabilidade (BRASIL, 2007).” Parece-nos que a defesa da inimputa- bilidade dos agentes políticos à LIA faz transparecer muito mais um viés ideológi- co do que mesmo um de cunho científico. Com efeito, o temor das condenações por atos de improbidade administrativa dos altos dirigentes dos poderes executivo, legislativo e mesmo do judiciário aliado a desconfiança dos julgados dos juízes de primeira instância, cujo resultado seria “menos controlável” do ponto de vista político-ideológico, parecem ser as fal- sas premissas da irresponsabilidade dos agentes políticos em relação aos atos de improbidade e da propositada confusão

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entre ato de improbidade administrativa e “crime” de responsabilidade. Dentro dessa ideia de desconfiança dos julgados da primeira instância, colacionam- se os seguintes trechos dos votos de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (Nelson Jobim, Gilmar Ferreira Mendes e Ilmar Galvão), por ocasião do julgamento da Reclamação 2.138/DF, em que se dis- cutiu a usurpação de competência do STF para o julgamento de ato imputado como de improbidade administrativa a Ministro de Estado (uso de aviões da FAB e de aco- modações militares pelo então Ministro Sardemberg e membros de sua família em Fernando de Noronha), condenado pelo juízo da 14a^ Vara Federal da Seção Judici- ária do DF: “Imaginar que o uso de acomodações militares por parte de uma autori- dade em um local desprovido de quaisquer condições configura ato de improbidade é demonstrar que, de fato, há algo gravemente errado em nosso sistema. Desconhecer esse fato elementar é mostrar-se, efetivamente, inepto para avaliar determinadas questões. Mas, diz a sentença: ‘ In casu, nova- mente observa-se que o réu, com vontade livre e consciente, violou esse standard comportamental o qual deve orientar o agente público. Ora, não há como se admitir que o réu, com experiência na área pública, atuou sem consciência de que seu ato discricionário encontrava-se em manifesto desvio de finalidade (...)’ (Sentença, p. 159) Sobrou ousadia e faltou experiência. Os autos trazem notícia de que o MINISTRO SARDEMBERG, então encarregado da pasta de assuntos estratégicos, em todas as suas viagens mantinha agenda oficial e reuniões de trabalho (fls. 171/174 e 246/248). O paradigma estabelecido na senten- ça é preocupante.

Permite a juiz de primeiro grau (grifos nossos) , após a provocação do Minis- tério Público, avaliar o uso de bens públicos no interesse público. Assim, é possível que qualquer dos integrantes desta Corte venha a res- ponder a uma ação de improbidade porque se dirigiu à UNIVERSIDA- DE DE BRASÍLIA em carro oficial” (BRASIL, 2007). (...) “Admitir a competência funcio- nal dos juízes de primeira instância” implicaria “(...) subverter todo o sis- tema jurídico nacional de repartição de competências.” Isso porque a Lei 8.429/92 haveria “de ser entendida como seguindo as regras constitu- cionais da competência hierárquica. A não ser assim, também a ação de improbidade” ajuizada “(...) contra o Presidente da República, que não encontra expressa previsão no texto do artigo 102 da Constituição Federal, poderia ser aforada perante o juiz de primeiro grau de jurisdição, que, por sua vez, seria competente para impor-lhe a sanção de perda do car- go”, o que configuraria patente absurdo (grifos nossos) como já demonstrado pelo Ministro Nelson Jobim” (BRA- SIL, 2007). “Sr. Presidente, nunca tive dúvida de ao juiz de primeiro grau falecer competência, seja na esfera civil, seja na criminal, para determinar o afastamento ou a perda do cargo de um outro juiz do mesmo grau, de- sembargador, prefeito, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado ou do próprio Presidente da República, como possibilita essa lei a uma primeira leitura. Enfim, quanto a qualquer dos agentes políticos que, entre nós, gozam de foro privilegiado para ações criminais ou para responderem, por exemplo, por mandado de segurança, habeas data ou habeas corpus , o sistema brasi-

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de responsabilização política, e por isso mesmo não é aplicável ao caso o art. 102, I, c da Constituição Federal. Acompanho, portanto, o voto do Ministro Carlos Velloso. Mas vou além, Senhora Presidente. Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distin- tos: em primeiro lugar, existe aquela específica da lei 8.429/1992, de ti- pificação cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acu- sados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pú- blica (lei 8.429/1992, art. 3 o); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Cons- tituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crimes de responsabilidade o atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No pla- no infraconstitucional, essa segunda normatividade se completa com o art. 9 o^ da lei 1.079/1950. Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo va- lor ou princípio constitucional – isto é, a moralidade na Administração Pública –, têm, porém, objetivos constitucionais diversos. O art. 37, parágrafo 4 o^ da Constitui- ção, disciplinado pela lei 8.429/1992, traduz uma concretização do prin- cípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo disposi- tivo constitucional. (...) O contraste é manifesto com a outra disciplina da improbidade, quando direcionada aos fins políticos, isto é, de apuração da responsabilização política. Nesse caso, o tratamento

jurídico da improbidade, tal como prevista no art. 85, V da Constituição e na lei 1.079/1950, assume outra rou- pagem, e isto se explica pelo fato de que o objetivo constitucional visado é muito mais elevado. Cuida-se aí de mais um dentre os inúmeros mecanis- mos de checks-and-balances típicos das relações entre os poderes de Estado no regime presidencial de governo” (BRASIL, 2007). Em outro trecho, o eminente ministro acentua o caráter distintivo do “crime” de responsabilidade: “Examinemos os já citados disposi- tivos da lei que rege os chamados crimes de responsabilidade (lei 1.079/1950), no tópico pertinente à probidade na Administração. Da leitura desses dispositivos se pode extrair que, da conduta do chefe de Estado e de seus colaboradores diretos, que seja reprovável a ponto de desencadear o processo de respon- sabilização política por violação ao princípio da probidade, se exige um grau de especificidade de condutas bem menor do que aquele que encon- tramos nas diversas tipificações da lei de improbidade (lei 8.429/1992). Essa vagueza, essa aparente impre- cisão, essa parcimônia descritiva na tipificação se explicam pela natureza eminentemente política do processo de responsabilização dos agentes políticos que, não podemos esquecer, é a versão local do impeachment norte- americano, com a diferença que aqui, em algumas hipóteses, a competên- cia para o processo e julgamento é transferida para órgãos judiciários” (BRASIL, 2007). Não há que se falar, igualmente, em “conteúdo penal” dos atos de improbidade administrativa, tendo em conta que a natu- reza civil das sanções da LIA é cristalina. Trata-se de consequências jurídicas de caráter político-administrativo (perda da

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função pública, suspensão dos direitos po- líticos, multa civil, reparação do dano, proi- bição de contratação com o poder público ou de recebimento de benefícios fiscais), não havendo que se cogitar da ultima ratio do direito penal consistente na imposição de penalidade propriamente dita (prisão ou substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito). Conforme interessantíssima tese de doutorado do colega Francisco Glauber Pessoa Alves (2009): “A hermenêutica que busca traços de similaridade das sanções impostas pela Lei n. 8.429/92 com o direito pe- nal restou plenamente ultrapassada com o julgamento pelo STF da Adin n. 2.797-DF, que declarou a inconsti- tucionalidade dos §§ 1o^ e 2 o^ do art. 84 do Código de Processo Penal, intro- duzidos pela Lei n. 10.628/2002. Não fosse por isso, caminha absolutamen- te na contramão da história a restrição aos relevantes valores contidos na Lei n. 8.429/92, que deve ser interpretada em prol da sociedade e não de garan- tias de cunho meramente individual a inviabilizarem completamente seus anseios. É, por exclusão, de direito não-penal a Lei n. 8.429/92, donde descabido in- vocar aplicabilidade de preceitos que não lhes são próprios e exclusivos^5. A preservação dos direitos políticos é uma faculdade conferida a qualquer do povo. Tanto não se faz ou mostra irrenunciável que o voto, conquan- (^5) “As sanções administrativas encontradas no art. 12 da Lei 8429/92 são extremamente severas, mas nem por isso deixam de ser sanções administrativas sem caráter penal. Ou por outra, expressamente está dito no art. 12 da Lei que, ‘independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações’, que são elencadas. Apesar de severas as punições, nada têm elas a ver com as sanções penais, repetimos. O legislador não erigiu as condutas ímprobas, nessa Lei 8429/92, em crimes. E essa foi uma opção legislativa” (FIGUEIREDO, p. 15-16).

to obrigatório, pode deixar de ser exercido, tocando ao eleitor sofrer as sanções previstas na lei eleitoral (art. 7 o6^ da Lei no^ 4.737, de 15 de julho de 1965). Igualmente, a tanto equivale o voto em branco ou nulo. Ao cabo, não existem, para nós, dú- vidas de que a regência das relações entre agentes públicos e pessoas ju- rídicas de direito público é de direito administrativo (direito civil lato sensu ) e somente a título excepcional de direito penal. Toca a este a definição de de- terminados fatos como infrações, se et in quantum tais fatos afetem tão pro- fundamente uma escala valorativa cuja magnitude enseje a edição de lei que retirem-nos da esfera do direito administrativo para o direito penal. O tratamento conjunto e imputador de sanções nas esferas penal, civil lato sensu e administrativa (civil stricto sensu ) é igualmente possível no nosso direito, ressalvados os temperamen- tos antes feitos. Não ter o intérprete a perfeita noção disso pode acarretar a mistura de ra- mos diferentes do direito, resultando em conceitos e institutos jurídicos confusos, eis que materialmente dis- (^6) “Art. 7o (^) O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1o^ Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I – inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer nature- za, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subseqüente ao da eleição; III – participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos

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do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsa- bilidade na Lei n o^ 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-admi- nistrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de res- ponsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Cons- tituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabili- dade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4o^ (regulado pela Lei no^ 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, ‘c’, (disciplinado pela Lei no^ 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4 o) pudesse abranger tam- bém atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de res- ponsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, ‘c’, da Constituição. II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”; Lei no^ 1.079/1950), não se sub- metem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei no 8.429/1992). II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-adminis- trativos, na hipótese do art. 102, I, ‘c’, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade

e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade adminis- trativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direi- tos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14a^ Vara da Justiça Federal

  • Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, ‘c’, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PRO- CEDENTE” (BRASIL, 2007). Analisando o julgado, deve ser dito que o instituto processual da Reclamação para preservação da competência do STF não tem efeito erga omnes , mas apenas inter partes, já que seu julgamento não é elaborado em sede de controle de constitucionalidade concentrado, de modo que a ministra Ellen Gracie, então presidente do STF, determinou o arquivamento das reclamações ns. 5.389, 5.391 e 5.393, ajuizadas por prefeitos que pugnavam pela extensão dos efeitos do jul- gado acima ementado para o caso de ações de improbidade administrativa em curso em juízo de primeiro grau (ALVES, 2009). Dessa forma, o único agente político que a Reclamação 2.138-DF concluiu não estar sujeito às sanções da LIA foi o minis- tro de Estado, sendo certo que prefeitos, governadores, membros do poder judici- ário, senadores, deputados e, até mesmo, o Presidente da República estão sujeitos à Lei de Improbidade Administrativa, tendo em conta tudo o que foi exposto no presente trabalho, além do fato de que boa parte da nova composição do Supremo Tribunal Federal não se manifestou na ci- tada reclamação, sendo possível um novo entendimento do pretório excelso no caso

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de interposição de novas reclamações com objetos semelhantes. Ressalte-se, neste ínterim, que os minis- tros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Mar- co Aurélio e Celso de Mello defenderam, nos seus votos, por ocasião do julgamento da Reclamação n. 2.138-DF, a aplicação da LIA a todos os agentes políticos (inclusive ministro de Estado), ressalvando apenas limitações constitucionais na aplicação das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos (artigos 27, § 1 o, 55, 86 da CRFB), o que nos afigura bastante razoável (BRASIL, 2007).

Conclusões

Os agentes políticos integram o conceito de agente público, previsto no artigo 2o^ da LIA, estando sujeitos a responsabilização pelos atos que importem em improbidade administrativa. Não há que se confundir crime de res- ponsabilidade com ato de improbidade administrativa, sendo certo que o primeiro advém de um ato eminentemente político do agente público, enquanto o ato de im- probidade administrativa tem natureza predominantemente administrativa. As sanções da LIA têm natureza políti- co-administrativas, portanto, são de direito civil, em sentido amplo, não tendo “forte conteúdo penal”, a despeito da gravida- de de pelo menos duas destas (perda da função pública e suspensão dos direitos políticos). O julgamento da Reclamação 2.138 – DF pelo STF tem efeito apenas para as partes do feito (União Federal, Juízo Federal da 14 a^ Vara da Seção Judiciária do DF e o ex- ministro de Estado SARDEMBERG), tendo em conta ser modalidade de controle de constitucionalidade difuso, não refletindo necessariamente a posição atual do STF, cuja composição foi em grande parte mo- dificada. Prefeitos, governadores, Presidente da República, Senadores, Deputados, mem-

bros do poder judiciário estão sujeitos à LIA, não tendo em relação a estes aplicação a Reclamação 2.138 – DF, consoante de- cisões proferidas nos arquivamentos das reclamações ns. 5.389, 5.391 e 5.393 (rela- tivas a prefeitos que buscavam a extensão dos efeitos da Reclamação 2.138 – DF para suas situações concretas).

Referências

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