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O presente artigo aborda a Responsabilidade Civil do Estado em caso de morte de detentos no âmbito do sistema prisional brasileiro. Tem por objetivo geral analisar qual a espécie de Responsabilidade Civil é aplicada e em quais casos o Estado é responsável, visa a também demonstrar a trivial realidade do sistema carcerário e a inobservância do dever de proteção dos custodiados por parte da administração.
Tipologia: Teses (TCC)
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Larissa Felizardo da Paz^1 Ricardo Luiz Alves^2 Resumo: O presente artigo aborda a Responsabilidade Civil do Estado em caso de morte de detentos no âmbito do sistema prisional brasileiro. Tem por objetivo geral analisar qual a espécie de Responsabilidade Civil é aplicada e em quais casos o Estado é responsável, visa a também demonstrar a trivial realidade do sistema carcerário e a inobservância do dever de proteção dos custodiados por parte da administração. Para tal, o procedimento utilizado foi bibliográfico com interpretações fundamentadas na legislação e jurisprudência, e no que tange a abordagem, a pesquisa foi qualitativa. Por fim, com o trabalho foi possível constatar que o Estado pode ser considerado responsável de forma objetiva pela morte de um detento no sistema prisional. Isso ocorre quando há comprovação do nexo causal entre a ação ou omissão estatal e o óbito. A responsabilidade objetiva do Estado deriva das condições precárias e desumanas presentes nas prisões, revelando a falta de proteção por parte da administração. Mesmo quando as lesões ou mortes são causadas por terceiros ou pela própria vítima, os familiares e pessoas próximas podem ter direito a indenizações, considerando a irreparabilidade do dano causado. Contudo, o caso concreto como um todo deve ser analisado, e se não for estabelecido uma relação de causalidade entre a conduta ou omissão do Estado e o dano, o Estado pode ser isento da Responsabilidade Civil. Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Morte de presos. Sistema carcerário. Abstract: This article addresses the State's Civil Liability in case of death of detainees in the Brazilian prison system. Its general objective is to analyze which kind of Civil Liability is applied and in which cases the State is responsible. It also aims to demonstrate the trivial reality of the prison system and the administration's disregard for the duty to protect prisoners. To this end, the procedure used was bibliographical with interpretations based on legislation and jurisprudence, and in terms of approach, the research was qualitative. Finally, with the work it was possible to verify that the State can be considered objectively responsible for the death of a detainee in the prison system. This occurs when there is proof of a causal link between the state action or omission and the death. The objective responsibility of the State derives from the precarious and inhumane conditions present in prisons, revealing the administration's lack of protection. Even when the injuries or deaths are caused by third parties or by the victim himself, family members and people close to him may be entitled to compensation, considering the irreparability of the damage caused. Keywords: State Civil Liability. Death of prisoners. Prison system.
1. INTRODUÇÃO O instituto da Responsabilidade Civil do Estado carece de grande relevância teórica, prática e social na realidade brasileira, trata-se, do dever de proteger a inviolabilidade dos direitos fundamentais do indivíduo, visando ao equilíbrio social. Nesse sentido, a responsabilização do Estado pela morte de detentos que estão sob a sua custódia, embasa diversos questionamento jurídicos e sociais, ocasionando discussões sobre a extensão da (^1) Discente do curso de Direito do Centro Universitário de Mineiros – Unifimes: larissafelizardo1712@gmail.com (^2) Docente do Curso de Direito do Centro Universitário de Mineiros - Unifimes; Especialista em Ciências Penais e Docência Universitária pela Universidade Anhanguera (2013); Mestre em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás (2020); ricardo.luiz@unifimes.edu.br
responsabilização. Faz-se necessário relacionar a Responsabilidade Civil do Estado e o preso, indivíduo que também possui direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, o Estado, possuidor de maior poder e atribuições, deve ser sujeito responsável e tem potencialidade para causar dano. Nesse cenário, surge então o questionamento acerca do descumprimento do dever legal da administração pública de garantir os direitos dos presos. Seria o Estado responsável pela morte de detentos no interior do estabelecimento prisional? Em quais casos o Estado é responsável? Qual responsabilidade é aplicada diante de uma omissão? A Responsabilidade Civil do Estado passou por muitas mudanças no decorrer do tempo. Inicialmente, entendia-se que o Estado não era responsável por dano causado a terceiro no desempenho de suas atividades. Com a evolução social e o reconhecimento das garantias individuais novos institutos jurídicos foram surgindo e diversas teorias foram elaboradas. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre as mais diversas questões implicadas a morte de detento em penitenciárias e a responsabilização civil do Estado, dado as regras que são adotadas no caso.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL Inicialmente faz-se fundamental a introdução do conceito, espécies de responsabilidade e pressupostos caracterizadores da Responsabilidade Civil, para um melhor entendimento do tema. 2.1 Conceito Segundo Gagliano; Pamplona Filho (2022, p.16) “a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”. Com base nessa definição, compreende-se que a Responsabilidade Civil parte do posicionamento da existência de um dever jurídico preexistente e a inobservância desse dever acarreta um dano que deve ser restituído. Além disso, é válido ressaltar que, a Responsabilidade Civil objetiva a recomposição do patrimônio jurídico lesado da vítima por meio de uma indenização e/ou reparação que se resolve em perdas e danos (MIRAGEM, 2021, p.50).
Para a caracterização da Responsabilidade Civil é necessário que estejam presentes três pressupostos basilares: conduta humana, dano e nexo causal. Tais elementos aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à extracontratual (aquiliana) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 20 22 , p.22). Nesse sentido, segundo Cavalieri Filho ( 202 1, p.62), “Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas”. A base da conduta humana é a voluntariedade, que decorre propriamente da liberdade que o indivíduo tem de escolha, logo, detém consciência do que faz. Comumente classificada pela doutrina em conduta comissiva (origina-se de uma ação direta do agente) e omissiva (o agente não é o causador direto do dano, mas tinha o dever de agir) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2022, p.23). O dano é um dos elementos essenciais para a configuração da responsabilidade, posto que, sem a lesão de um bem jurídico não há de se falar em indenização e ressarcimento, é possível responsabilidade sem culpa, mas não sem danos (CAVALIERI FILHO, 2021 , p. 116 ). Tal elemento, pode ser classificado tradicionalmente em material ou patrimonial (de cunho econômico, compreende lesão aos bens do indivíduo) e moral ou extrapatrimonial (decorre da lesão de direitos, um prejuízo não pecuniário que afeta o direito à vida, a moral, a integridade física e psíquica). O terceiro pressuposto, nexo causal, se faz primordial para o estudo da Responsabilidade Civil, este determina a causa do fato danoso, o causador e a dimensão do que se necessita indenizar. Para Diniz (2023, p.4 7 ) “o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível.” Logo, deve se analisar no caso concreto a presença do nexo causal para afirmar a relação necessária entre a conduta e o efeito danoso para a caracterização da Responsabilidade Civil.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO A Responsabilidade civil do Estado é originária do direito civil, mas é regida hoje por duas importantes áreas do direito, direito administrativo e direito constitucional. Pode ser conceituada como a obrigação de reparar os danos patrimoniais ou morais, quando do descumprimento da administração pública no desempenho de suas atribuições, causarem a terceiros.
Nesse sentido, Alexandrino e Paulo (20 21 , p. 898 ) sustenta que: A responsabilidade civil do Estado é regida por normas e princípios de direito público. Traduz-se ela na obrigação da administração pública, ou dos delegatários de serviços públicos, de indenizar os danos que os seus servidores, empregados e prepostos, atuando na qualidade de agentes públicos, causem a terceiros. O Estado assume uma posição de garantidor dos direitos sociais, consequentemente, possui deveres que não cumpridos ou insuficientes acaba sendo responsabilizado pelo que lhe era dever fazer. Para Mello (201 5 , p. 10 27 ) “a ideia de responsabilidade do Estado é uma consequência lógica inevitável da noção de Estado de Direito”. Por outro lado, nem sempre houve essa ideia de responsabilização. Inicialmente, o Estado não respondia por qualquer ato praticado por seus agentes. Mas, essa irresponsabilidade absoluta com o tempo foi deixando de ser predominante, sendo reconhecida a responsabilidade subjetiva, na qual o Estado só teria o dever de indenizar se demostrado culpa, primeiramente culpa imputada ao particular, pertencendo ao lesado o encargo de demostrar a ilicitude da culpa, e posteriormente relacionado à atividade estatal quando da falta de diligência na prestação do serviço público. Tal teoria possibilitou o primeiro passo para uma importante mudança de paradigma, a responsabilidade objetiva. Entende-se, portanto, que essa responsabilidade resulta da obrigação de responder por um ato que causou danos a terceiros, independentemente da existência de culpa. No direito brasileiro, o que se interpreta é que as Constituições de 1824 e 1891 só previam a responsabilização do funcionário em consequência de abuso ou omissão praticados no desempenho de suas ocupações, adiante, no Código Civil de 1916 foi acolhido a teoria subjetivista. A Constituição de 1934 adotou o princípio da responsabilidade solidária entre o funcionário e o Estado, o mesmo dispositivo se repetiu na Constituição de 1937 (PIETRO, 2023 , p. 848 ). A Constituição de 1946 introduziu a responsabilidade objetiva do Estado em nosso ordenamento jurídico, estabelecendo que as pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos causados por seus funcionários a terceiros. Não se exigia a comprovação de culpa do funcionário para responsabilizar o Estado, apenas a relação de causalidade. Desde então, a Responsabilidade Civil do Estado no Brasil é pautada na teoria do risco administrativo, não considerando a culpa do funcionário, mas apenas a relação de causa e efeito entre a conduta do servidor e o dano causado (CAVALIERI FILHO, 2021, p. 324).
3.1 Causas Excludentes e Atenuantes Considerando a admissão dessa teoria, o Estado pode alegar causas excludentes e atenuantes de responsabilização, que ocorrendo, afastam o seu dever de indenizar. Compreende como causas excludentes da responsabilidade do Estado a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiros, caso fortuito e força maior, como fator atenuante a culpa concorrente. “Ocorre culpa exclusiva da vítima quando o prejuízo é consequência da intenção deliberada do próprio prejudicado. São casos em que a vítima utiliza a prestação do serviço público para causar um dano a si própria” afirma Mazza (2022, p.239) Essencialmente, a culpa exclusiva da vítima configura-se quando o próprio sujeito prejudicado teve a intenção, exclusivamente, para que o fato seja concretizado. Pertencendo tão somente a vítima a responsabilização do prejuízo causado. Na hipótese de culpa exclusiva de terceiro, Mazza (2022, p.239) esclarece que “ocorre quando o prejuízo pode ser atribuído a pessoa estranha aos quadros da Administração Pública. Exemplo: prejuízo causado por atos de multidão. Mas, no dano provocado por multidão, o Estado responde se restar comprovada sua culpa”. Para que seja admitido o fato de terceiro como excludente de responsabilização é necessário que se verifique se o autor do dano foi o responsável exclusivo ou somente concorreu para fato danoso, eliminando o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Acerca do caso fortuito e força maior tem-se uma discussão na doutrina sobre a distinção desses dois elementos, nessa orientação, Pietro (202 3 , p. 851 ) aponta que: [...] força maior é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado; não há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração. Já o caso fortuito – que não constitui causa excludente da responsabilidade do Estado
Visando respaldar a argumentação, destaca-se a jurisprudência mencionada cuja decisão encontra-se transcrita a seguir: EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. ELEMENTOS ESTRUTURAIS. PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. FATO DANOSO PARA O OFENDIDO, RESULTANTE DE ATUAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO NO DESEMPENHO DE ATIVIDADE MÉDICA. PROCEDIMENTO EXECUTADO EM HOSPITAL PÚBLICO. DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (a) CARÁTER PUNITIVO OU INIBITÓRIO ("EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES") E (b) NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. [...] É certo, no entanto, que o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50 - RTJ 163/1107-1109, v.g.). (STF - AI: 455846 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 11/10/2004, Data de Publicação: DJ 21/10/2004 PP-00018 RDDP n. 22, 2005, p. 160-163) Como atenuante de responsabilidade, a culpa concorrente ocorre quando a vítima não for a única culpada pela ocorrência do prejuízo, concorrendo também ao Estado a autoria do fato. Mazza (2022, p.239) afirma que “Nos casos de culpa concorrente, a questão se resolve com a produção de provas periciais para determinar o maior culpado. Da maior culpa, desconta- se a menor, realizando um processo denominado compensação de culpas”. 3.2 Responsabilidade Civil por Omissão Quando da responsabilidade do Estado por omissão, existem divergências doutrinárias quanto à aplicabilidade da responsabilidade objetiva do artigo 37, § 6º da CF/88, fundamentando a necessidade de comprovação de culpa (culpa anônima), pressuposto da responsabilidade subjetiva pela teoria do risco integral. Contudo, a redação da referenciada norma não exige que a conduta do Estado seja omissiva ou comissiva. Apesar da controvérsia, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é que a responsabilização estatal tanto em atos comissivos quanto omissivos é objetiva, devendo ser analisado, portanto, a presença do nexo de causalidade entre o dever de agir do Poder Público e o dano causado. Todavia, nem toda omissão acarreta o dever de indenizar do Estado, não seria
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988); A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca e distintiva de todo e qualquer ser humano, o que o faz digno de respeito e consideração por parte do estado e da sociedade. Por conseguinte, implica direitos e deveres fundamentais a qualquer ato de cunho degradante e desumano, tal como, a garantia de condições de existência mínimas para uma vida saudável (SARLET, 2011, p.28). Ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana disponha de garantias mínimas de condições para uma existência digna, existe negligência por parte da administração pública na efetividade dos direitos específicos aos presos, como será demonstrado a seguir. 4 .1 Atual Panorama do Sistema Carcerário Brasileiro Historicamente, o direito de punir estava relacionado a vingança, Michel Foucault, renomado estudioso da área, discute detalhadamente o assunto do sistema carcerário em sua obra seminal "Vigiar e Punir" (1987). Nessa obra, o autor aborda, na primeira parte, as práticas punitivas que ocorriam antes do final do século XVIII e início do século XIX. Nesse sentido, o autor ainda que em viés diferente, com menor especificidade, consegue destacar as mudanças no modelo de punição. Vislumbra-se o que antes era baseado em vingança passando ao modelo disciplinar e de controle social, questionando diversos aspectos, como a eficácia e a justiça desse sistema e chama a atenção para as formas sutis de poder e controle presentes nas instituições punitivas modernas. Tão somente com a criação do regime penitenciário correcional que a finalidade da pena passou a ter efeito ressocializador, para que o detento pudesse voltar a conviver em sociedade. Contudo, “a técnica penitenciária brasileira se afastou de seu caráter terapêutico. Os mecanismos e os efeitos da prisão se difundiram ao longo dos anos, e a privação da liberdade deixou de comportar um projeto técnico” (PORTO, 2008, p.29). Ainda, para o autor, especialmente quando relata sobre o aspecto terapêutico, fica evidente que as prisões brasileiras perderam o caráter primordial de serem aparelhos transformadores de indivíduos. Embora a privação de liberdade seja uma parte essencial da prisão, desde o início, seu propósito sempre esteve ligado à correção e ao castigo. A perda da
liberdade dos condenados foi uma maneira encontrada para implementar essa técnica, que busca legitimar a ordem vigente e garantir a estabilidade e a paz (PORTO, 2008, p.28- 29 ). Segundo o último levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), realizado no segundo trimestre de 20 21 , pelo projeto Sistema Prisional em Números, a capacidade de ocupação é de 500. 026 mil vagas, sendo ocupadas por 690. 826 mil detentos, o que representa uma taxa de ocupação de 138 , 16 %, considerando o total de 1.39 2 estabelecimentos prisionais brasileiro (BRASIL, 20 21 ). Todavia, a problemática do encarceramento massivo vai além da quantidade de detentos e a ocupação que as unidades prisionais suportam, o que contribuem para a maioria das deficiências do sistema prisional. As causas originárias que contribuem ou evidenciam para a maioria dessas deficiências, de modo geral, em seus mais diversificados aspectos são causadas por problemas como a incessante agressão física e psicológica tanto por parte de outros reclusos quanto agentes do Estado, aliados a falta de higiene e insalubridade ocasionando a proliferação de doenças, a deficiência nos serviços médicos, o controle do sistema por facções criminosas, o alto índice de consumo de drogas que muitas vezes é proveniente da corrupção de funcionários penitenciário, abusos sexuais, discriminação sexual e condições deficientes de trabalho, fatores que tornam esses ambientes propício a violência e a utilização de meios brutais (BITENCOURT, 2017 , p.63). Enfim, reiteradas violações de direitos humanos, de tal modo que suprimem condições substanciais da vida humana. Assim como a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, inciso III dispõe que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988), a Declaração Universal dos Direitos Humanos também inadmite a violação de tais direitos, preconizando a igualdade e proteção dos diretos sem qualquer distinção (ONU, 1948). Embora a legislação assegure garantias aos detentos, a realidade da grande maioria dos presídios brasileiros é de crise, marcada por condições extremamente severas (SILVA; SANTOS, 2022, p.12). E principalmente distante da ilusão de um sistema prisional justo e humanitário. Além da Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, detém- se também de legislações ordinárias, como a Lei de Execução Penal (LEP), que tem por finalidade a efetivação das disposições de sentença ou decisão criminal possibilitando melhores condições de reinserção social do condenado e do internado” (BRASIL, LEP, 1984).
Com todo conteúdo apresentado até este momento afirma-se a possibilidade de determinar uma responsabilidade do Estado frente aos danos provocados aqueles que estão sob sua custódia, uma vez reconhecido os pressupostos necessários. A matéria da Responsabilidade Civil do Estado ao longo dos anos não era uniforme na jurisprudência, sendo debatida de diferentes maneiras pelos tribunais, de modo que, existia julgamentos tanto com fundamento da responsabilidade subjetiva, quanto responsabilidade objetiva. A responsabilidade estatal pela morte de detento é objetiva, respaldada na teoria do risco administrativo, a qual, apenas determina a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente público e o prejuízo ocorrido. E foi com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 no Recurso Extraordinário nº 841.526 que uniformizou a resolução das demais demanda com o reconhecimento de repercussão geral. O contexto é que foi interposto pelo Estado de Rio grande do Sul contestando a decisão proferida pelo tribunal de justiça, a qual havia fixado indenização aos familiares do preso morto no interior do estabelecimento prisional. No caso em análise, houve morte de um detento por asfixia mecânica, a tese alegada pelo Procurador do Estado foi de que não havia nexo causal entre o dano e a omissão administrativa pela inconclusão da causa da morte, suicídio ou homicídio, contudo, a tese fixada pelo STF foi de que houve inobservância do seu dever de proteção. Na decisão, foi alegado que a Responsabilidade Civil do Estado se fundamenta na teoria do risco administrativo tanto para as condutas comissiva quanto para as omissivas específica: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindose os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotarse contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que
adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
Logo, compete ao Poder Público a efetivação do cumprimento de pena de forma digna e humanizada, assegurando aos detentos ambientes com condições legais de encarceramento, sob pena de Responsabilização Civil pelos danos decorrentes, inclusive danos morais, como resposta a sua omissão ou comissão. Posto isso, é necessário entender que independente da conduta condenável do apenado, é inadmissível a violação de seus direitos, dado que a dignidade é intrínseca a todo ser humano. Princípio integralmente aplicável aos presos, de tal modo que, o Estado deve se precaver para que não submeta os custodiados a situações de risco, como a morte por exemplo. Logo, é pacífico o entendimento jurisprudencial no que tange a responsabilidade pela inobservância do dever específico de manter a segurança pública e zelar pela integridade física do detento. Quanto a morte decorrente de suicídio, a jurisprudência tem entendido que o Estado pode ser responsabilizado civilmente quando há comprovação de omissão ou negligência na prevenção de um suicídio. Essa responsabilização ocorre quando o Estado tinha o dever de agir e não o fez de maneira adequada, resultando em danos à vida. Ilustrando, observe-se a seguinte jurisprudência: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MORTE DE PRESO DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
No caso de mortes decorrentes de causas naturais, há entendimento notável de que não se aplica a responsabilização estatal. Isso ocorre porque a causa é intrínseca à natureza humana e, portanto, poderia ocorrer em qualquer circunstância. Em caso de mortes por homicídios há situações em que a jurisprudência entende que ocorreu por culpa exclusiva de terceiros, excluindo-se o nexo de causalidade e por consequência a Responsabilidade Civil do Estado. Porém, em outros casos, mesmo diante da ação de terceiros, o Estado pode ser responsabilizado quando comprovado a falha em empregar medidas preventivas. Dessa maneira, cabe mencionar o posicionamento do Min. Luiz Fux acerca do assunto: No que se refere às mortes naturais, novamente há que se reconhecer casos em que o prontuário médico do detento indica a necessidade de um determinado tratamento que não lhe é dispensado no cárcere, em flagrante violação ao artigo 14, caput, da Lei de Execução Penal, advindo de tal omissão óbito que era previsível. Há casos, porém, em que o preso sofre mal súbito ou possui moléstia desconhecida, que se manifesta de forma abrupta e fatal, não sendo exigível que o Estado seja responsabilizado por essa morte que inexoravelmente ocorreria, mesmo se o preso estivesse em liberdade. [...] Até mesmo no caso de homicídio, poderá haver situações em que não se poderá responsabilizar o Estado pela morte do detento. À guisa de exemplo, podemos aqui apontar a situação em que um preso mata o outro em legítima defesa. Nessa situação, é o falecido quem age de forma contrária à lei, atentando contra a vida de outro preso, que reage licitamente, matando-o. Ora, se o ato praticado pelo homicida é lícito (artigos 23, inciso II, do Código Penal, e 188, inciso I, do Código Civil 9) e visa a afastar injusta agressão imputável exclusivamente ao falecido, não há como se sustentar que de tal situação exsurja qualquer dever de reparação pelo Estado. Diante de tais considerações, é possível extrair um denominador comum a todas as situações específicas retratadas acima: há casos em que a morte do detento simplesmente não pode ser evitada pelo Estado. Nesses casos, como já se ressaltou acima, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal no seu dever de manter a incolumidade física dos presos, o que afasta a responsabilização civil do ente público. (BRASIL, RE 841.526/RS, 2016) Cumpre observar das decisões, que o Estado como detentor da guarda, tem o dever de assegurar integridade física e moral do preso em função do dever constitucional disposto no artigo 5 °, inciso XLX da constituição Federal. Assim, da morte de detento no âmbito prisional o Estado tem a responsabilidade de reparar, seja por ato comissivo ou omissivo que tenha dado causa, quando da configuração do nexo causal. Em relação a todas as situações em que há responsabilização pelos óbitos de detentos, o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, assegura que o Estado terá o direito de iniciar uma ação regressiva contra o agente público responsável direto pelo dano causado. “Como a responsabilidade do agente é a subjetiva, só será cabível a ação de regresso se o agente responsável tiver agido com culpa ou dolo” (CARVALHO FILHO, 2022, p.529).
Diante do exposto, é possível constatar que o Estado seja responsabilizado por mortes de detentos dentro dos estabelecimentos penais, desde que, comprovado que a causa foi exclusiva da vítima ou de terceiros, se ocorreu por caso fortuito ou força maior, se não houver nexo causal claro ou se puder demonstrar que cumpriu todas as normas legais e regulamentares. Assim, a determinação final sobre a responsabilidade do Estado dependerá da análise detalhada de cada caso. É importante considerar que o Estado tem o dever de zelar pela integridade física e pela vida dos indivíduos sob sua custódia. No entanto, a realidade do sistema prisional brasileiro muitas vezes revela uma série de problemas estruturais, como superlotação, falta de recursos, condições precárias de higiene e segurança, além da presença de organizações criminosas dentro das prisões. Nesse contexto, quando um detento morre dentro do sistema prisional, é necessário investigar as circunstâncias da morte e avaliar se houve negligência, omissão ou violação dos direitos por parte do Estado. Caso seja constatado que o estado falhou em fornecer as condições mínimas de segurança ou não tomou as medidas necessárias para evitar a morte do detento, poderá haver a responsabilização do Estado devido ao risco assumido pela Administração. Na prática, observa-se que as lesões e mortes ocorridas em estabelecimentos prisionais, podem ser causadas por terceiros ou até mesmo pela própria vítima sendo capazes de resultar indenizações aos familiares e demais pessoas do círculo social do detento, considerando que o dano é irreparável para as vítimas. Assim, a responsabilidade objetiva do Estado é amplamente aceita, no entanto, em muitos casos, os juízes isentam o Poder Público de responsabilidade ao analisar o nexo causal, argumentando que não há uma relação direta entre o dano sofrido e a atuação estatal. Quando demonstrado que o dano causado era imprevisível e inevitável, o Estado pode não ser considerado responsável. Isso significa que, mesmo que haja uma conduta inadequada ou omissão por parte do Estado, se o dano não era previsível e não poderia ter sido evitado mesmo com a adoção de medidas razoáveis, a Responsabilidade Civil pode não ser atribuída ao Estado. Pode-se observar, outrossim, que, a falta de cumprimento pelo Estado das suas obrigações em relação ao sistema penitenciário é a principal causa dos eventos que geram a
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