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RESENHAS Narradores de Javé: Analfabetismo, Cultura e ..., Notas de aula de Cultura

Narradores de Javé: Analfabetismo, Cultura e Memória. Ana Paula Remingio Vaz. 31. Narradores de Javé (2004), filme dirigido por Eliane Caffé com duração de ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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REVISTA DO NESEF FILOSOFIA E ENSINO. CURITIBA. ISSN 2317-1332
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SEÇÃO IV - RESENHAS
Narradores de Javé: Analfabetismo, Cultura e Memória
Ana Paula Remingio Vaz31
Narradores de Javé (2004), filme dirigido por Eliane Caffé com duração de 100min,
caractariza-se como drama, um tanto tragicômico, que conta o infortúnio dos moradores
do Vale de Javé. O filme mescla atores profissionais (José Dumont, Nelson Xavier,
Matheus Nachtergaele, Gero Camilo, Rui Rezende e Luci Pereira) com moradores da
região. O filme foi realizado em locações no estado da Bahia e é uma co-produção entre
Brasil e França.
Narradores de Javé é um filme instigante que permite várias reflexões no âmbito da
cultura. A trama central do filme aborda o drama dos moradores do Vale de Javé e a
chegada das águas. O Vale corre risco de ser inundado por causa da construção de uma
hidrelétrica. Para impedir o avanço das águas é necessário escrever um documento que
comprove que Javé é uma cidade que possuí patrimônio imaterial, ou seja, iniciar o
processo de tombamento. Mas como maior parte dos moradores da região é analfabeta,
a tarefa recai nas mãos de Antônio Biá interpretado por José Dumont. A narrativa do
filme é rica e são vários os elementos visuais e de roteiro que direcionam a alguns
pontos centrais: oralidade, memória, analfabetismo e valorização cultural. A análise do
filme vai partir destes pontos centrais.
Rodado em 2003, o filme coincide com uma mudança política no Brasil: o primeiro
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse é um momento icônico na
história do país, uma vez que o plano de governo detém uma proposta da erradicação da
fome e analfabetismo. O filme retrata indiretamente esse momento histórico. O narrador
dos infortúnios de Javé é Zaqueu (Nelson Xavier) que, no passado, veste uma camisa de
futebol vermelha com o número treze estampado. Talvez essa seja uma forte referência
ao momento histórico referido.
31 Bacharel em Filosofia pela UFPR. Licenciada e Filosofia e Arte pelo CEUCLAR. Atua como
mediadora de leitura na Fundação Cultural de Curitiba. Membro do GECINE/NESEF-Grupo de Estudos
Sobre Cinema e Educação do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Ensino de Filosofia.
E-mail: mlle.fleurdanis@gmail.com
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REVISTA DO NESEF FILOSOFIA E ENSINO. CURITIBA. ISSN 2317-

SEÇÃO IV - RESENHAS

Narradores de Javé: Analfabetismo, Cultura e Memória Ana Paula Remingio Vaz^31

Narradores de Javé (2004), filme dirigido por Eliane Caffé com duração de 100min, caractariza-se como drama, um tanto tragicômico, que conta o infortúnio dos moradores do Vale de Javé. O filme mescla atores profissionais (José Dumont, Nelson Xavier, Matheus Nachtergaele, Gero Camilo, Rui Rezende e Luci Pereira) com moradores da região. O filme foi realizado em locações no estado da Bahia e é uma co-produção entre Brasil e França. Narradores de Javé é um filme instigante que permite várias reflexões no âmbito da cultura. A trama central do filme aborda o drama dos moradores do Vale de Javé e a chegada das águas. O Vale corre risco de ser inundado por causa da construção de uma hidrelétrica. Para impedir o avanço das águas é necessário escrever um documento que comprove que Javé é uma cidade que possuí patrimônio imaterial, ou seja, iniciar o processo de tombamento. Mas como maior parte dos moradores da região é analfabeta, a tarefa recai nas mãos de Antônio Biá interpretado por José Dumont. A narrativa do filme é rica e são vários os elementos visuais e de roteiro que direcionam a alguns pontos centrais: oralidade, memória, analfabetismo e valorização cultural. A análise do filme vai partir destes pontos centrais. Rodado em 2003, o filme coincide com uma mudança política no Brasil: o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse é um momento icônico na história do país, uma vez que o plano de governo detém uma proposta da erradicação da fome e analfabetismo. O filme retrata indiretamente esse momento histórico. O narrador dos infortúnios de Javé é Zaqueu (Nelson Xavier) que, no passado, veste uma camisa de futebol vermelha com o número treze estampado. Talvez essa seja uma forte referência ao momento histórico referido.

(^31) Bacharel em Filosofia pela UFPR. Licenciada e Filosofia e Arte pelo CEUCLAR. Atua como mediadora de leitura na Fundação Cultural de Curitiba. Membro do GECINE/NESEF-Grupo de Estudos Sobre Cinema e Educação do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Ensino de Filosofia.

E-mail: mlle.fleurdanis@gmail.com

Revista do NESEF Filosofia e Ensino. Educação Filosófica no contexto das políticas púbicas educacionais

Zaqueu, o principal articulador na tentativa de salvar Javé, narra o que aconteceu com sua cidade no presente. O filme começa num bar à beira do rio São Francisco. Neste estabelecimento estão alguns moradores da região. A mãe de Souza, personagem interpretado por Matheus Nachtergaele, está sentada no balcão lendo e se nega a atender um dos clientes. Na sequência, recebe a reprimenda do filho “Ler é uma perda de tempo”, quando, um dos presentes, o narrador de nossa história, Zaqueu, diz que “Às vezes não”. A partir daí, inicia-se a narração da história do Vale de Javé. Neste momento, acontece a primeira defesa da leitura e conseqüentemente do letramento. Para escrever o livro com as histórias de Javé, Antonio Biá, vai ouvir diversos cidadãos. Muitos moradores de Javé começam a procurar Biá e, neste momento, a câmera enquadra a porta da casa de Biá, onde em cima está escrito “proibida a entrada de analfabetos”, uma alusão direta a porta da Academia de Platão onde estava escrito “Que não entre quem não saiba geometria”. A história contada pelo povo gira em torno do surgimento de Javé. A narrativa, em linhas gerais, conta sobre um povo expulso de sua terra pela coroa de Portugal e parte em busca de um novo local para se estabelecer, carregando um sino pesado. A partir das “divisas cantadas”, eles estabelecem o povoado de Javé. Biá, no processo de coletar as histórias, percebe que elas não batem e que persiste sempre uma ficção do povo, ou seja, “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Ele se vê em um impasse: como compilar todas essas histórias de forma científica e satisfatória para salvar Javé? O terceiro ato do filme, quando Biá percebe a impossibilidade de salvar Javé, surge uma fala de impacto:

Vocês acham que escrever essas histórias vai parar a represa? Não vai não e sabe por quê? Porque Javé é só um buraco perdido no ovo do mundo. E daí? E daí que Javé nasceu de uma gente guerreira, (...) se hoje isso aqui é um lugar miserável, de rua de terra de gente apoucada e ignorante, como eu, como vocês tudinho. O que nós somos é só um povinho ignorante, quase não escreve o próprio nome, mas inventa histórias de grandeza para esquecer a vidinha rala e sem futuro nenhum. E vocês acham, acham que os homens vão parar a represa e o progresso por um bando de semi-analfabetos? Não vão não. Isso é fato. É científico. (NARRADORES DE JAVÉ, 2004).

A última visão que temos de Javé é a cidade inundada e os últimos remanescentes aprontando suas coisas, incluindo o sino, para partir. Surge então Biá, que tira um encadernado da bolsa e começa a escrever do ponto de vista dele, a partida dos últimos moradores de Javé. Alguns personagens se aproximam de Biá e começam a contar

Revista do NESEF Filosofia e Ensino. Educação Filosófica no contexto das políticas púbicas educacionais

Um dos pontos abordados pelo filme é a questão do patrimônio histórico. No mesmo ano que o filme foi lançado, a UNESCO realiza a Convenção para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Uma das manifestações do patrimônio imaterial, segundo a Convenção, é a tradição oral. Dessa forma, as histórias que são consideradas banais e contraditórias no filme, talvez pudessem fazer parte de um patrimônio cultural imaterial como, por exemplo, a tradição das dividas cantadas. É importante ressaltar que não há uma exclusão ou rebaixamento da oralidade, pelo contrário: oralidade e escrita devem permanecer equiparadas. O que não se faz razoável é o desequilíbrio entre as duas formas narrativas, desequilíbrio esse que naufraga Javé. Narradores de Javé, além de representar o melhor do cinema nacional, é uma imersão na cultura popular, uma reflexão sobre oralidade, cultura e uma crítica aos grandes índices de analfabetismo no país.

Referências

NARRADORES DE JAVÉ. Direção de Eliane Caffé. Rio de Janeiro: RioFilme, 2004. 1 (DVD). 100min.