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Nove noites é uma resenha literária sobre a desaparecida viagem do antropólogo americano buell quain à tribo indígena krahô no brasil. A narrativa é contada por dois narradores diferentes: manoel perna, um engenheiro local, e um jornalista que investiga o caso. Os personagens estão constantemente em trânsito entre diferentes locais, tanto no brasil quanto nos estados unidos, e o tempo é manipulado de forma intrigante. Bernardo carvalho cria várias hipóteses sobre o que aconteceu com o etnólogo, criando intrigas e questionamentos para o leitor.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 07/11/2022
4.4
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Bárbara Adriana Pereira de Oliveira Silva de Assis^1
Em 1939, um grupo de antropólogos vindo dos Estados Unidos chega ao Brasil com interesse na pesquisa sobre os índios do interior do país. Dentre esse grupo está o antropólogo americano Buell Quain, de 27 anos, que segue viagem em direção à tribo dos índios Krahô, considerada hostil e selvagem por seus elementos não manterem nenhum tipo de contato com outros indivíduos fora de sua tribo. Oficialmente, é divulgado pela imprensa que o jovem e promissor pesquisador americano Quain havia se suicidado durante sua viagem pelo interior do país, porque se sabia portador de uma doença terminal. Alguns de seus amigos mais próximos pensam que, na aldeia, sem saber falar português, nem a língua indígena local, o antropólogo se abateu ante a solidão e, aparentemente sem motivos, suicidou-se. Mas, o que, realmente, poderia ter acontecido? É, então, dessas parcas informações já deformadas pela ação do tempo, que Bernardo Carvalho constrói em Nove noites, uma narrativa densa e fragmentada, a partir do ponto de vista de dois narradores diferentes: o primeiro, Manoel Perna, um engenheiro local com o qual o protagonista manteve certa “amizade” e algumas confidências; e, o segundo, um jornalista que investiga extra-oficialmente o caso, no intuito de escrever um livro. Os personagens estão sempre em trânsito, ora em solo americano (Nova Iorque), ora em solo brasileiro (Rio de Janeiro, São Paulo, a fronteira do estado do Maranhão com o atual estado do Tocantins), ora num interior mais profundo do país (a aldeia Krahô, pertencente à cidade de Carolina). Mesmo quando radicados em um determinado lugar, como a aldeia, por exemplo, na narrativa, os personagens circulam, não apenas pelos ambientes onde se encontram fisicamente, mas também, mas, sobretudo, pelo espaço das suas próprias recordações, confirmando o que sugere Gaston Bachelard em sua A poética do espaço. Bem como o espaço, o tempo da narrativa − tanto o cronológico, quanto o psicológico − também é muito bem manipulado pelo autor. Há muitas idas e vindas quando, por exemplo, o narrador-jornalista que narra do momento atual, se lembra da primeira vez em que leu o nome do etnólogo, em 2001; depois, de uma estada sua entre indígenas, com o pai, na década de 70; e, finalmente, dos acontecimentos pesquisados sobre a vida de Buell Quain. Bernardo Carvalho é hábil ao provocar no leitor a sensação de que ele sabe, ao mesmo tempo, tudo e nada. Tal efeito metafórico é muito bem produzido pelo autor, executado pelos
(^1) Graduada em Letras, Português-Literatura, e graduanda em Letras, Português-Inglês, ambas as graduações pela Universidade Iguaçu.
narradores e refletido no leitor, fazendo com que este se sinta um tanto perdido, à semelhança do mesmo sentimento pelo qual passa o protagonista, em meio à tribo Krahô, imerso na floresta, sem conseguir manter uma comunicação adequada com quaisquer indivíduos à sua volta. Buell Quain se sente solitário e o autor, exímio ficcionista contemporâneo, tece a trama entrelaçando tais informações, unindo jornalismo e ficção ao descrever as nove noites de desespero, solidão e confrontação vividas pelo protagonista num território muito distante dos seus Estados Unidos. Teses sobre o que acontecera com o etnólogo são criadas por Carvalho: os motivos da solidão do protagonista, o questionamento de um pseudo-eu nas cartas escritas a pessoas diferentes, o seu “verdadeiro” pensamento, tornando-o uma presa fácil para seus problemas não resolvidos. O pesquisador é maltratado por uma série de culpas impostas por sua própria consciência. Ainda em A poética do espaço, Bachelard tece um paralelo entre a morada do personagem e sua firmeza de pensamento e atitudes: não importa a fúria da tempestade se o abrigo é firme. Além disso, pode também ser considerado um novo I-Juca Pirama, já que, como Gonçalves Dias, Bernardo Carvalho cria excelentes metáforas para o selvagem e para o civilizado, embaralhando-as, logo adiante para, em seguida, as desconstruir diante dos olhos do leitor, em rápidas passagens, demonstrando que ética e hostilidade são características tanto do “civilizado” quanto dos indígenas. Já o leitor pode dar várias e diferenciadas soluções para alguns problemas apontados e não resolvidos pelo autor, com o final em aberto: o narrador-jornalista pode ser considerado o próprio Bernardo Carvalho, apesar de não haver citações sobre o nome deste; pode haver uma situação complicadora (bissexualidade e traições) entre o melhor amigo do antropólogo nos bancos de estudo, Andrew Parsons, fotógrafo americano que também esteve no Brasil. Tal desconfiança sobre um suposto caso de Parsons com a esposa de Quain é lançada no ar quando o jornalista segue uma pista sobre o único filho do fotógrafo, Schlomo Parsons, e consegue encontrá-lo na Nova Iorque pós 11 de setembro. O narrador se espanta ao constatar a semelhança entre Schlomo e o etnólogo. Portanto, ele poderia, até mesmo, ser filho do pesquisador. Contudo, no texto não há tais afirmações por parte do narrador-jornalista. Não há certezas. Estas são apenas deduções que o leitor pode e deve fazer, já que Nove noites não é uma narrativa fechada, ou com um fim determinado. Enfim, Nove noites é mais um intrigante romance de Bernardo Carvalho, que nos surpreende em sua brevidade, porém com um conteúdo tão amplo e significativo, deixando a impressão final de que o leitor acabou de ler não apenas um romance, mas vários livros, sobre assuntos vários.