









Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma revisão bibliográfica da história migratória da república democrática do congo, com ênfase no período entre 1885 e os dias atuais. O texto aborda as mudanças demográficas e as causas que levaram à migração de pessoas para e da república democrática do congo, incluindo a exploração colonial, crises políticas e instabilidade econômica. O documento também discute as comunidades étnicas e as relações entre elas, assim como as influências externas na migração.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
1 / 17
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Autor: Felipe Antonio Honorato (IESCAMP / EACH-USP)
Trabalho preparado para sua apresentação no X Congresso Latino-americano de Ciência Política (ALACIP), organizado conjuntamente pela Associação Latino-americana de Cência Política, a Associação Mexicana de Ciência Política e o Tecnológico de Monterrey, 31 de julho, 1, 2 e 3 de agosto de 2019. Eixo temático: “Migraciones y desplazamientos regionales, nacionales e internacionales”.
RESUMO: Este artigo tem como objetivo traçar, através de uma revisão bibliográfica, um histórico migratório da atual República Democrática do Congo (RDC). Apesar de abordar, de forma breve, o período pré-colonial, o foco principal aqui é o lapso temporal compreendido entre 1885, quando a região se torna o Estado Livre do Congo, uma colônia pessoal do Rei Leopoldo II da Bélgica, até os dias atuais, onde, após quase duas décadas de conflitos ininterruptos, a diáspora congolesa se configura como um dos maiores fluxos de refugiados do mundo. Neste esforço, dentro do período estabelecido, foi possível identificar as levas migratórias de congoleses e sua relação com os diferentes contextos políticos e econômicos do país africano. Palavras-chave: República Democrática do Congo. Imigração. República do Zaire. Diáspora congolesa.
ABSTRACT: The objective of this article is to draw, through a bibliographical review, a migratory history of the country that, today, is called Democratic Republic of Congo (DRC). Although briefly covering the pre-colonial period, the main focus here is the time lapse between 1885, when the region becomes the Congo Free State, a personal colony of King Leopold II of Belgium, until nowadays, when, after nearly two decades of uninterrupted conflict, the Congolese diaspora is one of the largest refugee flows in the world. Within this period, it was possible to identify the migratory movements of Congolese nationals and their relationship with the different political and economic contexts of the African country. Keywords: Democratic Republic of the Congo. Immigration. Republic of Zaire. Congolese Diaspora.
A República Democrática do Congo (RDC) é um país localizado na África Central^1. Com uma área total de 2.345.409 Km², o país, também é chamado de Congo- Kinshasa (em referência ao nome de sua capital). Em seus 9.165 km de fronteiras, faz divisa com 9 países: República do Congo – ou Congo-Brazaville – a oeste; República Centro-Africana e Sudão, ao norte; Uganda, Ruanda, Burundi e Tanzânia, a leste; Zâmbia, a sudeste; e Angola, ao Sul^2. A região costeira do país possui 17 km de extensão, mais ou menos, e, segundo Munanga (2011), encontra-se “entre o enclave angolano de Cabinda e a desembocadura do rio Congo”. Se a RDC é hoje lembrada por seus conflitos e crise humanitária, que se sucedem desde o início dos anos 2000 e já geraram um grande deslocamento populacional, até algumas décadas atrás, ao invés de ser um pólo imigratório, o país era um pólo emigratório. Este artigo propõe-se, através de uma revisão bibliográfica, a traçar um histórico migratório desta nação que, até 1997, se chamou República do Zaire. O foco principal aqui é o lapso temporal compreendido entre 1885, quando a região se torna o Estado Livre do Congo, uma colônia pessoal do Rei Leopoldo II da Bélgica, até os dias atuais, onde, após quase duas décadas de conflitos ininterruptos, a diáspora congolesa se configura como um dos maiores fluxos de refugiados do mundo.
1 PERÍODO PRÉ-COLONIAL
Durante a maior parte de sua história, as regiões que hoje compõem a República Democrática do Congo foram áreas receptoras de emigrantes. De acordo com Igor Koptoff (1989), boa parte da população que hoje ocupa a África subsaariana tem suas origens na porção norte do continente. Assim disse o antropólogo: “The reconstruction of the ancestral distribution of African language families (Greenberg 1970), bolstered by culture-historical data (Murdock 1959) and archeology (Clark 1970, Fagan and Oliver 1979), suggests that from the beginning of the North African Neolithic, sometime about 5000 B.C., and until 3500 B.C., or so, most of the populations ancestral to the present population of Sub-Saharan Africa were concentrated in the northern half of (^1) Segundo Bethwell Allan Ogot (2010): “Entendemos por África Central os seguintes países: Zaire, República Centro-Africana, República Popular do Congo, Gabão, Camarões e, em parte, Angola, Ruanda e Burundi”. 2 Munanga, K. (2011), “A República Democrática do Congo – RDC”, available at: http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/09/A-Republica-Democratica-do- Congo.pdf (accessed 12 march 2016)
emigrantes, em sua grande maioria, iam à colônia para trabalhar na indústria mineira ou em atividades de suporte a ela. Estes fluxos eram compostos por europeus e por africanos vindos de regiões vizinhas, como Ruanda, por exemplo. A metrópole nunca incentivou a imigração de belgas à colônia ou a ida de congoleses à Europa. Na verdade, esta constatação pode ser dada como um resultado direto do sistema de colonização exploratório e segregacional que os belgas aplicavam no Congo^5 , que, mesmo quando a metrópole, no fim da Segunda Guerra Mundial, precisou importar mão de obra, preferiu marroquinos e turcos, ao invés de congoleses, ruandeses e burundeses^6. De acordo com Sarah Demart (2013), assim poderia ser resumida a presença congolesa na Bélgica até a independência do país: “Yet, this presence remained extremely limited until the late 1950s (Etambala 1989; Kagne 2000; Cornet 2004; Ceuppens 2009). In the aftermath of the Second World War for example, 1,838 Africans and only ten Congolese resided in Belgium (Kagne et Martiniello 2001). Those who reached the European continent were students (Etambala 2011), “evolues, domestics following their masters, volunteer corps such as Paul Panda Farnana (Tshitungu 2011) – the first intellectual and Pan-Africanist Congolese (1888- 1930)5 – or sailors, catechist and metis (the descendants of colonial masters) (Jeurissen 2003). In addition, colonial exhibitions brought Congolese individuals to Belgium in 1897 and then again in 1958 (Etambala 1992, 2002). The 1930 World Exhibition in Antwerp involved an important presence of Congolese „Force publique‟ (security forces) and from 1951 the colonies minister started to invite each year between 15 and 17 Congolese notables for a study‟s trip. With around 700 congolese as “invited guests” staying for a period of six months, the 1958 World Exhibition held in Brussels – two years before the Congolese Independence – constituted a major turning point in terms of collective presence in Belgium (Ndaywel 1998: 531)” (DEMART, 2013) A imigração em massa de belgas ao Congo foi uma fenômeno curto, muito bem delimitado temporalmente. Durante o período do Estado Livre do Congo, ela não existiu; começou a ocorrer timidamente no início do século XX, quando o controle da colônia passou para o Estado belga e explodiu junto com a Segunda Guerra Mundial, consequência não só do conflito em si, mas também da intensificação das atividades econômicas na colônia. Às portas da independência congolesa, em 1960, a comunidade belga presente no então Congo Belga evadiu, diminuindo de forma drástica em pouco tempo. Nas palavras de Flahaux e Schoumaker (2016): “Belgian migration to the Congo was limited during the Congo Free State period, with at most about 1,500 Belgians in-country in a given year. This population gradually increased to about 17,000 in 1930, and began to expand rapidly after World War II. On the eve of independence in 1959, nearly 89,000 Belgians lived in the colony, largely working as civil servants, missionaries, or employees of mining companies. Initially, Belgians
(^5) Demart, S. (2013), “Congolese Migration to Belgium and Postcolonial Perspectives”, African Diaspora , n. 06, 6 pp. 01-20. Ibid.
comprised a minority of the foreign white population, accounting for 40 percent in 1890, as other Europeans worked as missionaries and for private companies. As the Belgian community grew, so did its share of the foreign population, reaching about 80 percent in 1959.” (FLAHAUX; SCHOUMAKER, 2016) A urbanização não foi um fenômeno restrito ao período colonial, mas que teve na colonização seu principal vetor: não só antigas cidades se expandiram, como também novos agrupamentos urbanos foram formados; ela constituiu as cidades como espaços de hibridização (ou crioulização), moldados ao gosto das ambições de exploração europeia. Isto fez com que movimentos populacionais internos fossem gerados dentro do Congo: da mão de obra desejada (congoleses ou estrangeiros) em direção a estas áreas urbanas, e de nativos, que, por ventura atrapalhassem o caminho do desenvolvimento traçado pelos colonizadores, em sentido contrário. As duas maiores cidades congolesas, Kinshasa e Lubumbashi, constituem-se como dois exemplos emblemáticos disto. Lubumbashi, localizada no extremo sudeste do país, é a atual capital administrativa da província do Catanga. Foi fundada em 16 de novembro de 1910 com o nome de Elizabethville, em homenagem a Rainha Elizabeth do Reino Unido^7 ; fruto de interesses políticos e econômicos, Lubumbashi emergiu de um território até então inabitado, localizado às margens do Rio Lubumbashi, por iniciativa da Union Minière du Haut-Katanga^8 ; as riquezas das minas Ruashi e a passagem por ali de uma linha férrea que continuava em direção ao oeste africano e oceano Atlântico^9 , fizeram com que a cidade se expandisse rapidamente, se tornando, em um período relativamente curto, a maior e mais relevante cidade congolesa depois da capital Kinshasa. Kinshasa – de nome colonial Leopoldville - foi criada a partir de um assentamento formado em 1881, às margens do lago Malebo ( batizado de lago Stanley pelos belgas). Para construção deste assentamento, populações nativas Ndolo, Kintambo, Lemba e Kimpoko foram expulsas de forma violenta pelos colonizadores.
2.1. URBANIZAÇÃO E MIGRAÇÃO INTERNA COMO FERRAMENTAS PARA A FORMAÇÃO DE BARREIRAS DE GÊNERO NO CONGO BELGA
(^7) Tshibambe, G. N. and Kabunda, G. M. (2010), Migratory Dynamics in the DRC: rationale and implications in Lubumbashi 8 , University of Lubumbashi, Lubumbashi. 9 Ibid. Ibid.
poderiam, por consequência, servirem de estopim para a realização de greves ou então de terreno fértil para a propagação de epidemias: ou eles se tornavam de fato bairros negros, reforçando a segregação racial imposta pelo modelo colonial, ou então as autoridades os ressignificavam – opção esta que acabou prevalecendo. Além disso, havia a questão das necessidades sexuais da população masculina branca da cidade: de início, relações inter-raciais eram condenadas – sendo as mulheres negras que se relacionavam com homens brancos apelidadas de petit blanc^14 -, situação que se amenizou de forma acentuada após o início da emigração em massa de belgas para a colônia: Gondola (1997) afirma que o fato de o número de crianças mestiças abandonadas ter quase dobrado entre 1932 e 1834 – saltou de 108 para 194 – é uma prova disto. Foi apenas da Segunda Guerra Mundial em diante que as mulheres foram autorizadas a morar em Léopolville. Na cidade, eram reservadas a elas as atividades menos prestigiosas dentro do mercado de trabalho, como o serviço doméstico e a jardinagem^15. Ainda assim, migrar para a capital representou emancipação para muitas congolesas, que, no ambiente urbano, se viam, por exemplo, livres de algumas de suas tradições étnicas – podiam negociar elas mesmas suas uniões matrimoniais, dentre outras coisas^16.
Em 1960 o Congo se tornou politicamente independente da Bélgica, dando início a um período comumente chamado de primeira república^17 : “That period was a time of political instability, in which several parties struggled for power, most of which were constituted on regional or tribal grounds. From the economic point of view, the period was characterized by a
(^14) Gondola, C. D. (1997), “Popular Music, Urban Society, and Changing Gender Relations in Kinshasa, Zaire (1950-1990)” , In Grosz-Ngate, M. and Kokole, O. H. (eds.), Gendered Encounters: Challenging Cultural Boundaries and Social Hierarchies in Africa, Routledge, New York. 15 16 Ibid. 17 Ibid. Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975-2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa.
stagnating economy, high inflation, and a deterioration of external balance (Peemans 1997; RDC and UNDP 2000)” (SCHOUMAKER et al., 2010) O tumulto político subsequente à independência provocou desalojamentos internos e migrações forçadas. Ainda assim, pode-se dizer que as consequências da situação econômica sob a população foram limitadas, pois a infraestrutura e os sistemas sociais continuaram ativos^18. O cenário só foi se estabilizar em meados de 1965: um jovem militar congolês emergiu como liderança em meio ao caos que tomou o país africano – Mobutu Sese Seko Nkuku Ngbendu wa Za Banga (de nome católico Joseph- Désiré^19 ), que ficou mais conhecido apenas por Mobutu Sese Seko. Ele promoveu um golpe militar que o colocou no comando do país e nesta posição ele ficou por 32 anos (a chamada Segunda República), período em que mudou o nome do país para República do Zaire, instaurando um governo que Peter Evans (1993) denominou de “Estado predatório” - uma ditadura alinhada aos interesses das potências ocidentais que multiplicou seu patrimônio pessoal: “Desde que Joseph Mobutu Sese Seko assumiu o governo do Zaire em 1965, ele e seu círculo íntimo no interior do aparelho de Estado zairiano têm extraído enormes fortunas pessoais das receitas geradas pela exportação da impressionante riqueza mineral do país. Durante estes vinte anos, o PNB per capita do Zaire declinou a uma taxa anual de 2,1 % ao ano, levando o país pouco a pouco para o último lugar na hierarquia mundial das nações e deixando a população do país numa miséria igual ou pior do que a sofrida durante o regime colonial belga. O Zaire é, em suma, um exemplo de manual de um "Estado predatório" no qual a preocupação da classe política com a busca de renda converteu a sociedade em sua presa.” (EVANS, 1993) Apesar disto, a primeira década do governo Mobutu foi marcada por uma calmaria econômica, sustentada pela exploração das minas congolesas: “Between 1965 and 1974, the average GDP growth rate was around 7% per year (Nzisabira 1997; RDC and PNUD 2000). The high prices on the world copper market, the increase of foreign direct investments, and the growing internal market all contributed to the positive economic performances (Peemans 1997; Nzisabira 1997)” (SCHOUMAKER et al., 2010) Tal situação continuou a atrair mão de obra estrangeira ao Congo, não só de africanos, mas também europeus, em um arranjo social que ainda seguia os padrões estabelecidos no período colonial: “Following independence in 1960, the foreign migrants most in evidence in Katanga province were European nationals, with Belgians – the former colonists – heading the list, followed by the Greeks, Portuguese and Italians. A division of labour under colonial rule governed the shape of social relationships. The Belgians were white-collar workers in the large chartered (^18) Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975-2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa. 19 Fabian, J. (1998), Moments of Freedom: Anthropology and Popular Culture , University Press of Virginia, Charlottesville.
instabilidade política: em 1977 e 1978, opositores de Mobutu tentaram tomar o controle do país, através da Guerra de 80 dias e da Guerra do Shaba, respectivamente; o apoio internacional ao regime foi decisivo para que as duas tentativas fossem frustradas^23. A “zairinização”, apelido dado ao processo de nacionalização da vida econômica do país promovido por Mobutu, acabou por frear a chegada de emigrantes estrangeiros ao país^24. A década de 1980 foi marcada por tentativas de contenção da crise econômica e de uma sobrevida a Mobutu e seu regime. Ela iniciou com o ditador promovendo reformas estruturais junto ao Banco Mundial e o FMI, e terminou com o mesmo rompendo relações com as instituições de Bretton Woods: “The period from 1983 to 1989 started with economic reforms, and with a slight increase of the GDP, along with the start of a structural adjustment program with the World Bank and the IMF (Nzisabira 1997; RDC et PNUD 2000). In 1986, the country broke off with Bretton Woods institutions, and the GDP growth rate plunged (Nzisabira 1997). Inflation increased (from 65% in 1986 to 75% in 1987), and the devaluation of the currency accelerated (Peemans 1997). At the end of the period, the growth rate was negative (-1.3 % in 1989)” (SCHOUMAKER et al., 2010) A década de 1990 começou com a queda do Muro de Berlim e o desmantelamento da União Soviética. Assim, o apoio do qual o Zaire gozava dentro do contexto da Guerra Fria, por ser uma fonte estratégica de minerais, cessou, complicando ainda mais a situação da ditadura de Mobutu. Em abril de 1990, o líder congolês se viu obrigado a realizar uma série de medidas democratizantes^25 , numa tentativa de aliviar a pressão que sofria; Demart e Bodeux (2013) exemplificam uma delas: “On April 24th 1990, the return to a multiparty system was officially announced. In the following months, almost 400 parties were created (around 300 were allowed) and a few of them were immediately represented in Belgium, France, and Germany”. O pacote de mudanças não surtiu o efeito esperado e, em 1991, uma onda de rebeliões tomou as ruas da capital Kinshasa^26. Iniciava-se ali um dos períodos mais violentos do então Zaire em que, dubiamente, o Congo-Kinshasa recebeu muitos refugiados, mas também deixou de
(^23) Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975-2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa. 24 Tshibambe, G. N. and Kabunda, G. M. (2010), Migratory Dynamics in the DRC: rationale and implications in Lubumbashi 25 , University of Lubumbashi, Lubumbashi. Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975-2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa. 26 Ibid.
ser um polo receptor de emigrantes para se tornar um dos países que mais geram refugiados no mundo. Assim Flahaux e Schoumaker descreveram este período histórico: “In 1994, ethnic strife and civil war began spilling into DR Congo from neighboring Rwanda. The Rwandan genocide forced more than 1.2 million refugees across the Congolese border in July 1994. Among those who fled were remnants of Hutu militias who began crossborder attacks, prompting the Rwandan army to attack camps in DR Congo. Amid this instability, Laurent- Désiré Kabila launched an armed campaign against President Mobutu with the backing of Rwandan and Ugandan troops in the First Congo War (1996- 97), deposing Mobutu after 32 years in power. A rebellion to depose Kabila began in 1998, starting the Second Congo War, which lasted until 2003. This conflict, which became known as Africa‟s Great War, led to forced migration of refugees and more than 1.2 million internally displaced persons (IDPs). Following the 2001 assassination of Kabila, his son, Joseph, became president, a post he continues to hold.” (FLAHAUX; SCHOUMAKER,
Este contexto político conturbado e violento serviu como um divisor de águas para as tendências migratórias congolesas, inaugurando uma era de imigração em massa da RDC para a Bélgica: “The early 1990s constituted the major watershed. Mobutu´s democratization process, along with the looting and plundering episodes in september 1991 and january 1993, were turning points. More and more Congoleses refugees began to flee to Belgium. This political emigration was further incited by the war with Rwanda from 1996 onwards, Laurent-Désiré Kabila´s march to Kinshsa in 1997, and the war with the militia allied to Rwanda and Uganda from 1998 onwards. Since 2000s, family reunion became a migration factor as important as political asylum…” (MERTENS et al., 2013). Segundo cálculos do Groupe d´Étude de Démographique Appliqué , da Universidade Católica de Louvain^27 , o número de congoleses residentes na Bélgica saltou de 17.451, em janeiro de 1991, para 40.301, em janeiro de 2006, registrando um boom de 130,94% em 15 anos. Em janeiro de 2008 os congoleses já formavam a 3 maior comunidade de emigrantes não comunitários (proveniente de países de fora da União Europeia) na Bélgica: eram 45. 780 pessoas, o que correspondia a 2,6% do total de emigrantes morando no país europeu^28. Em linhas gerais, atualmente a imigração congolesa para a Bélgica é majoritariamente masculina e seus principais motivos são asilo, refúgio e reunião familiar^29. De acordo com Demart (2013), espacialmente, esta é a divisão da emigração congolesa dentro do território belga: “Between 2001 and 2005, 49% of the mainly Francophone Congolese immigrants lived in the Brussels-Capital Region, while around 33% lived in Wallonia and 17% in Flanders, mainly in Antwerp (Meeuwis 1997), Ghent, and Alost (Schoonvaere 2010). According to Schoonvaere (2010) the
(^27) Quentin, S. (2010), Etude de La Migration Congolaise et de Son Impact sur La Presence Congolaise en Belgique: Analyse dês principals donnés démographiques, Groupe d´étude de Démographique Appliquée e Centre pour l´égalité des chances et la lutte contre le racisme. 28 29 Ibid. Ibid.
(re)produção de fronteiras raciais aplicados ainda no período colonial^31 e esta dispersão de dados sobre os congoleses na antiga metrópole corrobora para o estado de invisibilidade social dessa população migrante. Schoumaker et al (2013) vai além: a falta de estudos sobre a imigração congolesa não ocorre apenas na Bélgica, mas sim é um problema nos países ocidentais, onde a pesquisa sobre o assunto tem se resumido a produções que abordam apenas dados estatísticos sobre imigração ou solicitantes de asilo^32 ; nos países africanos, que recebem as maiores levas de imigrantes congoleses, há uma escassez de dados estatísticos, o que torna raro também as pesquisas quantitativas; a única exceção dentro deste contexto africano seria a África do Sul^33.
Se até a década de 1980 a Bélgica era o principal destino de imigrantes congoleses fora do continente africano, hoje os fluxos migratórios que partem da RDC ganharam novas tendências: “France has become the preferred end point since the late 1990s (Figure 2), possibly as a result of greater ease getting visas and of obtaining asylum, and better labor market opportunities. Recent estimates indicate that France and Belgium together host more than 100,000 Congolese migrants, and that more than 50,000 others live elsewhere in Europe (including Germany, the Netherlands, Italy, and the United Kingdom […] Outside Europe, the United States and Canada have also become increasingly popular destinations since the 1990s (see Figure 2), each now hosting nearly 30,000 Congolese immigrants. This growing interest is also found among would-be migrants in surveys conducted in Kinshasa. Congolese migration to the United States has taken off since 2005, making the United States the second most popular Congolese destination outside Africa. Refugees and asylees represent a large share of Congolese obtaining permanent status in the United States, around 60 percent over the 2005-13 period. But the face of Congolese migration to the United States has been changing rapidly, with a growing share arriving via the diversity visa program (almost 40 percent of Congolese immigrants in 2013)” (FLAHAUX; SCHOUMAKER, 2016) A crise humanitária no Congo parece infindável: o país é, por exemplo, o campeão mundial, tanto em números absolutos, quanto em números relativos, em estupros; no Congo-Kinshasa, uma mulher é abusada sexualmente a cada 48 segundos^34.
(^31) Demart, S. (2013), “Congolese Migration to Belgium and Postcolonial Perspectives”, African Diaspora 32 , n. 06, pp. 01-20. Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975-2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa. 33 34 Ibid. Glynn, D. (2016), “Congo war: 48 women raped every hour at height of conflict”, available at: http://www.irishtimes.com/news/world/africa/congo-war-48-women-raped-every-hour-at-height-of- conflict-1.2629444 (accessed 24 may 2016)
A estimativa de especialistas é que atualmente o número de imigrantes congoleses no mundo gire em torno de 500 mil e 1 milhão de pessoas^35 ; o Estado congolês se refere a um número mais alto ainda: 7 milhões de imigrantes^36. A maioria deste grupo concentra-se em países vizinhos, como Uganda, Ruanda, Tanzânia e Zâmbia: “Congolese migrations within Africa are to a large extent directed to neighbouring countries. Angola and Congo Brazzaville are major destinations for migrants originating from Western Congo (where Kinshasa is located), while Zambia is a common destination among migrants living in the region of Lubumbashi, in Katanga. Congolese migrations to neighbouring countries also include movements of refugees, which have been quite large since Congo‟s independence. In 2007, according to the UNHCR (2007), more than 250 000 Congolese refugees were living in neighbouring countries, most of them in Tanzania, Zambia, Rwanda and Uganda. Since the 1990s, South Africa has also become a major destination for Congolese migrants (Steinberg 2005). According to estimates in the early 2000s, more than 20 000 Congolese were registered as refugees in South Africa (Steinberg 2005), and many more were living without refugee status” (SCHOUMAKER et al., 20 10) A presença europeia na RDC hoje é muito baixa, resumindo-se basicamente a funcionários de ONG´s e outros tipos de organizações de ajuda humanitária^37 ; Tshibambe e Kabunda (2010) ainda destacam a presença de uma pequena comunidade grega ligada a setores econômicos específicos, como o comércio, por exemplo: “The first shop to be described as a supermarket was built by a Greek national in the city of Lubumbashi”. Com os acontecimentos das décadas de 1970, 80 e 90, os asiáticos, notadamente chineses, indianos, libaneses, e refugiados africanos se tornaram os grupos mais relevantes de emigrantes no Congo-Kinshasa. A presença chinesa e indiana se explica por interesses políticos e econômicos destas duas potências emergentes: “Indians operate businesses and have more recently invested in the mining sector, public transportation, and warehousing of Indian-made pharmaceutical products. According to the Indian Embassy in Kinshasa, 9,000 Indians and persons of Indian origin are living in DR Congo, not including the 5,000 or so Indian members of the UN peacekeeping operation in Eastern Congo (MONUSCO). Chinese migration to DR Congo has also increased in recent years, as important contracts between Kinshasa and Beijing have been signed giving Chinese companies the right to operate many of DR Congo‟s mines in exchange for helping develop the country‟s road system and other infrastructure. Many Chinese workers came to provide labor in this context, working in mines and on infrastructure construction projects, and running businesses. According to China‟s embassy, between 4,000 and 5,000 Chinese nationals lived in DR Congo in 2015. However, the actual number is probably higher; estimates in 2007 suggested up to 10, Chinese nationals were already living in DR Congo” (FLAHAUX; SCHOUMAKER, 2016)
(^35) Demart, S. (2013), “Congolese Migration to Belgium and Postcolonial Perspectives”, African Diaspora 36 , n. 06, pp. 01-20. 37 Ibid. Tshibambe, G. N. and Kabunda, G. M. (2010), Migratory Dynamics in the DRC: rationale and implications in Lubumbashi , University of Lubumbashi, Lubumbashi.
atuação das potências ocidentais nos campos político e diplomático para manter confortável no poder Mobutu, ditador que justamente estava ali para dar continuidade, nas relações neocoloniais, às escolhas coloniais. Dois eventos foram derradeiros para desestabilizar o governo de Mobutu, derrubá-lo, jogar o Congo no círculo de sucessivas crises políticas em que se encontra desde o início dos anos 2000 e, por conseguinte, tornar o país um pólo imigratório: o fim da Guerra Fria, que minou o capital político do ditador perante as potências internacionais e o Genocídio em Ruanda, em 1994. No entanto, o estabelecimento de fluxos migratórios maciços e duradouros entre a RDC e sua ex-metrópole ocorre já no fim da década de 1980, ainda durante o longo processo de derrocada da Segunda República. Se, até o início dos anos 2000, a Bélgica era o principal destino de migrantes e refugiados congoleses fora de África, hoje a França estabeleceu-se como principal morada de congoleses na diáspora. Internamente, a situação também se modificou: tirando nacionais de países africanos, chineses, indianos e libaneses são as principais comunidades estrangeiras encontradas na RDC, substituindo belgas e outros europeus que, até 1960, ano da independência, dominavam esta estatística.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Demart, S. (2013), “Congolese Migration to Belgium and Postcolonial Perspectives”, African Diaspora , n. 06, pp. 01-20.
Demart, S. and Bodeux, L. (2013), “Postcolonial stakes of Congolese (DRC) political space: 50 years after independence”, African Diaspora , n. 06, pp. 72-96.
Evans, P. (1993), “O Estado como problema e solução”, Lua Nova , n. 28-29, pp. 107-
Fabian, J. (1998), Moments of Freedom: Anthropology and Popular Culture , University Press of Virginia, Charlottesville.
Flahaux, M. and Schoumaker, B. (2016), “Democratic Republic of the Congo: a migration history marked by crises and restrictions”, available at: https://www.migrationpolicy.org/article/democratic-republic-congo-migration-history- marked-crises-and-restrictions (accessed 24 July 2018)
Glynn, D. (2016), “Congo war: 48 women raped every hour at height of conflict”, available at: http://www.irishtimes.com/news/world/africa/congo-war-48-women-raped- every-hour-at-height-of-conflict-1.2629444 (accessed 24 may 2016)
Gondola, C. D. (1997), “Popular Music, Urban Society, and Changing Gender
Relations in Kinshasa, Zaire (1950-1990)” , In Grosz-Ngate, M. and Kokole, O. H. (eds.), Gendered Encounters: Challenging Cultural Boundaries and Social Hierarchies in Africa, Routledge, New York.
Munanga, K. (2011), “A República Democrática do Congo – RDC”, available at: http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/09/A-Republica- Democratica-do-Congo.pdf (accessed 12 march 2016)
Kopytoff, I. (1989), The African Frontier. The Reproduction of Traditional African Societies , Indiana University Press, Indianapolis.
Merriam, A. P. (1963), Congo , Editora Letras e Artes, Rio de Janeiro.
Mertens, J., Goedertier, W., Godderis, I. and De Brabanter, D. (2013), “A New Floor For The Silenced? Congolese hip-hop in Belgium”, Social Transformations , v. 1, n. 1, p. 87-113.
Ogot, A. B. (Org) (2010), História Geral da África, V: África do Século XVI ao Século XVII , UNESCO, Brasília.
Quentin, S. (2010), Etude de La Migration Congolaise et de Son Impact sur La Presence Congolaise en Belgique: Analyse dês principals donnés démographiques, Groupe d´étude de Démographique Appliquée e Centre pour l´égalité des chances et la lutte contre le racisme.
Schoumaker, B., Vause, S. and Mangalu, J. (2010), Political turmoil, economic crisis and international migration in DR Congo: evidence from event-history data (1975- 2007), In Kurosu, S., Bengtsson, T. and Campbell, C. (Eds). Demographic responses to economic and enviromental crisis, Reitaku University, Kashiwa.
Tshibambe, G. N. and Kabunda, G. M. (2010), Migratory Dynamics in the DRC: rationale and implications in Lubumbashi , University of Lubumbashi, Lubumbashi.