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Valor das Experiências Significativas: Relato com Crianças Hospitalizadas, Notas de estudo de Enfermagem

Este documento contém relatos pessoais da autora sobre duas experiências vividas com crianças hospitalizadas. Ele descreve as reações das crianças à hospitalização, as fases de resposta emocional e as reações à situação de tensão, além de discutir a importância do uso do brinquedo para facilitar a aproximação entre a enfermeira e a criança. O texto também destaca a importância da compreensão e aceitação das reações da criança por parte da enfermeira.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância do uso do brinquedo na assistência a crianças hospitalizadas?
  • Quais são as reações de uma criança quando exposta à situação de tensão emocional?
  • Como as reações de uma criança à hospitalização decorrem da separação da mãe?
  • Como a privação materna pode afetar a futura saúde mental de uma criança?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Futebol13
Futebol13 🇧🇷

4.5

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SENTINDO
O
VALOR
DAS
EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS
PARA
A
APRENDIZAGEM:
RELATO
DE
DUAS SITUAÇÕES VIVIDAS
COM
CRIANÇAS HOSPITALIZADAS
C
ir
ceia
Amalia
Ribeiro
*
RIBEIRO,
C. A. Sentindo o
valor
das experiências significativas
para
a aprendizagem:
relato
de
duas
situações
vividas
com crianças hospitalizadas. Rev. Esc. Enf. USP,
o
Paulo, /7(3):179-203, 1983.
O
trabalho relata
duas
experiências vividas, pela autora, junto a crianças hospita-
lizadas. Na
primeira
descrição do comportamento de uma
criança
recém-admitida
ao
hospital, e são comentados os motivos do mesmo. A segunda é uma
experiência
de
relacionamento
enfermeiro-paciente com a utilização da técnica de entrevista com
brincadeira,
sendo comentada a mudança de comportamento da
criança
após a mesma.
A
autora ressalta o significado
dessas
experiências em
relação
à assistência e ao ensino
da assistência de enfermagem
pediátrica.
INTRODUÇÃO
Durante o tempo em que fui enfermeira em unidade de pediatria,
vi
muitas crianças tristes, chorando e chamando insistentemente pela
mãe.
Algumas pareciam acalmar-se após algum tempo e
outras
perma-
neciam
assim até o final da internação. Sentia pena delas, procurava
acalmá-las, o que muitas
vezes
o conseguia; porém, eu nem sempre
entendia o que estava acontecendo com elas e nem mesmo a intensidade
de
seu sofrimento. Em algumas situações chegava a ficar irritada com
a criança que chorava tanto, e também
comigo,
poro saber mais o
que fazer
para
ajudá-la.
Mais
recentemente,
como
docente de enfermagem pediátrica da
Escola
de Enfermagem da USP, ao realizar o teste piloto de um trabalho
de
pesquisa,
tive
contato com
duas
crianças hospitalizadas recém-admiti-
das. Uma eu
apenas
observei e com a
outra
interagi, aplicando a técni-
ca de entrevista com brincadeira,
para
auxiliá-la em sua adaptação ao
hospital.
O
que vou contar a seguir é o que aconteceu às crianças e o que
aconteceu
comigo
após
essas
duas
experiências.
*
Enfermeira.
Auxiliar
de Ensino do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psi-
quiátrica
da Escola de Enfermagem da USP disciplina Enfermagem Pediátrica.
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SENTINDO O VALOR DAS EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS

PARA A APRENDIZAGEM:

RELATO DE DUAS SITUAÇÕES VIVIDAS COM

CRIANÇAS HOSPITALIZADAS

C ir ceia Amalia Ribeiro *

RIBEIRO, C. A. Sentindo o valor das experiências significativas para a aprendizagem: relato de duas situações vividas com crianças hospitalizadas. Rev. Esc. Enf. USP, São Paulo, /7(3):179-203, 1983.

O trabalho relata duas experiências vividas, pela autora, junto a crianças hospita- lizadas. Na primeira há descrição do comportamento de uma criança recém-admitida ao hospital, e são comentados os motivos do mesmo. A segunda é uma experiência de relacionamento enfermeiro-paciente com a utilização da técnica de entrevista com brincadeira, sendo comentada a mudança de comportamento da criança após a mesma. A autora ressalta o significado dessas experiências em relação à assistência e ao ensino da assistência de enfermagem pediátrica.

INTRODUÇÃO

Durante o tempo em que fui enfermeira em unidade de pediatria,

vi muitas crianças tristes, chorando e chamando insistentemente pela

mãe. Algumas pareciam acalmar-se após algum tempo e outras perma-

neciam assim até o final da internação. Sentia pena delas, procurava

acalmá-las, o que muitas vezes não conseguia; porém, eu nem sempre

entendia o que estava acontecendo com elas e nem mesmo a intensidade

de seu sofrimento. Em algumas situações chegava a ficar irritada com

a criança que chorava tanto, e também comigo, por não saber mais o

que fazer para ajudá-la.

Mais recentemente, já como docente de enfermagem pediátrica da

Escola de Enfermagem da USP, ao realizar o teste piloto de um trabalho

de pesquisa, tive contato com duas crianças hospitalizadas recém-admiti-

das. Uma eu apenas observei e com a outra interagi, aplicando a técni-

ca de entrevista com brincadeira, para auxiliá-la em sua adaptação ao

hospital.

O que vou contar a seguir é o que aconteceu às crianças e o que

aconteceu comigo após essas duas experiências.

  • Enfermeira. Auxiliar de Ensino do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psi- quiátrica da Escola de Enfermagem da USP — disciplina Enfermagem Pediátrica.

A PRIMEIRA CRIANÇA

A primeira criança, A.P., era uma menininha de quatro anos,

admitida na clínica, pela primeira vez, cerca de uma hora antes da

minha observação, para fim de correção de luxação congênita de quadril.

A impressão que me deu foi de total desespero: chorava muito, andava

de um lado para o outro no corredor da enfermaria; chamava seguida-

mente por seus pais, especialmente pela mãe; tentava fugir cada vez que

a porta da clínica se abria; recusava-se a dialogar com as funcionárias

da clínica, assim como a aceitar destas qualquer tipo de cuidado ou

auxílio.

Senti que esse seu comportamento estava "perturbando" o pessoal

da clínica que não sabia o que fazer para acalmá-la.

Fui embora, após uma hora de observação, deixando a criança

exatamente como a havia encontrado.

À tarde do mesmo dia, voltei para observá-la novamente. Logo

que entrei na clínica, antes mesmo de ver a criança, a enfermeira infor-

mou-me que ela havia sido colocada no berço e já estava bem mais

calma. Realmente, ela não chorava ou reclamava mais; ao contrário,

estava quieta, deitada em seu berço, evitando qualquer comunicação com

alguém, segurando fortemente uma chupeta, manuseando seu próprio

corpo e inclusive masturbando-se.

Saí do hospital muito triste, chocada com a mudança de compor-

tamento da criança, preocupada por não entendê-la e não saber como

ajudá-la e preocupada também em compreender o que realmente estava

acontecendo com ela. Naquele momento tomei consciência da profun-

didade da influência da hospitalização no comportamento da criança e

da minha incapacidade para trabalhar com ela.

A descrição do caso apresentado pode ser lida no Anexo I.

Procurei então literatura que me explicasse o significado dos

comportamentos tão diversos que a criança apresentou de manhã e à

tarde.

ROBERTSON

1 6

aponta a sensação de abandono da criança, decor-

rente da separação da mãe, como a principal causa das reações à hospi-

talização, e descreve três fases de resposta emocional através das quais

as crianças evoluem quando são hospitalizadas e não recebem cuidado

adequado, que são: fase de protesto, fase de desesperança e fase de

negação. A fase de protesto, é caracterizada por choro forte e con-

tínuo, e/ou pelo chamar e procurar a mãe intensamente, e por intensi-

dade de movimentos físicos; é decorrente da confiança que a criança

tem de que será atendida pela mãe. A fase de desesperança é caracte-

rizada pela diminuição da atividade física, choro monótono e intermitente,

retração e apatia, aparentando tranqüilidade erroneamente considerada

como diminuição da tensão; decorre da consciência que a criança tem

da necessidade da mãe junto com uma desesperança crescente que esta

partes do corpo ou objetos, batendo-se; disturbios de comportamento:

chupa o dedo, rola no berço, bate a cabeça, masturba-se.

Analisando os comportamentos apresentados pela criança observa-

da, de acordo com a classificação acima citada, vê-se que, nos dois perío-

dos de observação, eles podem ser enquadrados em uma dessas três

categorias de comportamento de tensão.

Tal afirmação está de acordo com dados apresentados por PRUGH

o qual refere que a principal reação da criança à hospitalização é a

ansiedade, e esta decorre da separação da mãe, especialmente até os

quatro anos de idade.

Agora compreendo a intensidade do sofrimento e da tensão que a

hospitalização impõe à criança e o quanto ela pode piorar, se não for

corretamente atendida. Entendo também que as reações que ela

apresenta decorrem não só deste sofrimento e desta tensão, mas também

de uma tentativa de se proteger e se adaptar à situação nova e difícil

que é obrigada a enfrentar, especialmente quando está longe de sua

mãe; e que a enfermeira precisa ser sensível para captar, compreender

e aceitar tais comportamentos como um pedido de ajuda da criança,

a fim de poder auxiliá-la a enfrentar a situação.

A SEGUNDA CRIANÇA

A segunda criança, A., era um menino de cinco anos, internado,

também pela primeira vez, havia quatro dias, com o diagnóstico de pé

torto e aguardando cirurgia corretiva.

Encontrei-o encostado à parede do corredor da clínica, próximo à

porta de entrada, afastado de todos, chorando muito e pedindo para ir

para casa.

Como eu estava fazendo treinamento para aplicação da técnica de

entrevista com brinquedo, convidei-o para brincar, o que aceitou.

Inicialmente, muito tristonho, apenas manuseou os brinquedos, mas

depois brincou intensamente, especialmente com material hospitalar,

"dando" injeções em um outro paciente que chamou para brincar com

ele. Ao final da sessão, enquanto guardávamos os brinquedos, perguntou-

-me se eu voltaria no dia seguinte; eu lhe respondi que não. Aí então,

ele olhou para mim e começou a chorar e ao mesmo tempo a falar de

seu desejo de voltar para casa. Conversei com ele, explicando-lhe o

motivo e a finalidade de sua hospitalização. Em seguida, ainda

chorando, A. falou-me de seus problemas em relação à hospitalização:

queixou-se do hospital, de seu médico, da falta de informação, da

incompreensão da enfermeira, da falta de visitas, das saudades de casa,

da comida do hospital. Após, parou de chorar e passou a falar das

coisas que iria fazer para resolver os seus problemas.

A descrição do caso apresentado pode ser lida no Anexo n.

Fiquei espantada! O menino fraco e choroso, tornou-se suficiente-

mente forte para falar de seus problemas e procurar soluções para eles.

Senti-me satisfeita por tê-lo auxiliado e fiquei também motivada para

entender melhor como o brinquedo pode auxiliar a criança.

MACHADO

9

aponta que uma das funções principais do brinquedo

é a dramatização de papéis ou de conflitos, que além de possibilitar o

diagnóstico do conflito que a criança está vivendo, tem também função

curativa, pois funciona como uma "válvula de escape" e conduz à

diminuição da ansiedade pela função de catarse, isto é de alívio ou

purificação do indivíduo, e que esta função é tão importante que cons-

titui a base da técnica de psicoterapia infantil, a ludoterapia.

PRUGH

1 4

recomenda o uso do brinquedo como uma das medidas

para diminuir o sofrimento da criança hospitalizada.

Revendo o caso apresentado e estudando bibliografia a respeito,

identifiquei que o brinquedo possibilitou as ocorrências que relatarei

a seguir.

Em primeiro lugar o brinquedo possibilitou o início de nosso

relacionamento. Percebi que o brinquedo é um meio bastante eficaz

para facilitar a aproximação da enfermeira à criança; é come se a

enfermeira passasse a falar a linguagem da criança.

B A R T O N

2

afirma que o brinquedo é um instrumento efetivo de

enfermagem que possibilita à enfermeira estabelecer relacionamento com

a criança e obter informações relativas aos conceitos e sentimentos da

criança sobre a sua doença e hospitalização, a fim de estabelecer metas

para a assistência de enfermagem.

A segunda ocorrência foi a oportunidade que a criança teve para

dominar uma provável situação vivida no meio hospitalar com conseqüente

relaxamento da tensão, através do manuseio de material hospitalar e

dramatização da situação de exame físico e aplicação de injeção.

ERICKSON

6

considera o brinquedo como parte integrante da vida

da criança e concorda com Freud, Piaget e Erikson os quais afirmam

que a criança usa o brinquedo para interiorizar uma situação difícil, e

se fortalecer no sentido de enfrentá-la, dominá-la ou torná-la suportável;

fazem isto através da dramatização e da repetição de uma atividade

que determine situação de estresse. A autora enfatiza ainda que a

técnica não diretiva da entrevista com brinquedo deve ser utilizada pelas

enfermeiras como um recurso para identificarem os sentimentos das

crianças.

Segundo GREEN^8 , o procedimento desagradável de receber injeção

se torna mais suportável para a criança quando ela dramatiza a situação,

porque isto faz com que ela não se sinta tão impotente em face de

tal procedimento, uma vez que também pode realizá-lo e assim descarregar

sua tensão. Para FREUD* isto acontece porque a criança passa da

A mesma autora também ressalta que, quando assistida devidamente e

informada de sua situação, a criança demonstra ego forte, isto é, é capaz

de perceber sua realidade, de interpretá-la positivamente e de reagir,

adaptando-se ao hospital, mesmo enfrentando a ansiedade da separação.

Realmente, pela mudança de comportamento da criança pode-se

afirmar que houve fortalecimento do ego de A.

Segundo DENYES^5 a atuação adequada da enfermeira junto a uma

criança deve permitir que esta use a enfermeira para conseguir um ego

forte. A autora define os termos ego forte, recursos do ego e

respostas comportamentais da seguinte maneira:

— "ego forte é a capacidade do indivíduo para a organização de suas

respostas aos estímulos internos e externos, de maneira que o

capacite a agir inteligentemente e eficientemente, e a controlar seus

impulsos e seu meio ambiente para conseguir satisfação e prazer,

ou diminuição de tensão";

— "recursos do ego referem-se àqueles processos psicológicos que se

desenvolvem dentro de um indivíduo e são dirigidos para lidar com

os estímulos internos e externos, de modo que o habilite a buscar

satisfação e prazer, ou diminuir a tensão";

— "respostas comportamentais: incluem ações observáveis e expressão

de sentimentos".

DENYES^6 descreve as seguintes respostas comportamentais como

sendo indicadoras de criança saudável ou de ego forte: protesta diante

de tratamentos; expressa verbalmente sentimentos de prazer, raiva e

desconforto; procura ajuda fazendo perguntas; procura ativamente

pessoas para ser confortada; usa pessoas acessíveis para receber apoio;

aceita dependência quando apropriada; inicia atividades independentes;

sai, explora e brinca livremente; encara a realidade de experiências

desagradáveis; persiste em tentativas para resolver seus problemas,

brincando e verbalizando.

Lendo a descrição do caso, Anexo II, podemos identificar que,

antes de brincar, A. apresentava comportamento que pode ser classifi-

cado como comportamento de ansiedade. Durante a entrevista com

brincadeira ele inicialmente manuseou os brinquedos, mas após assumiu

um papel e então brincou realmente. Após a entrevista com brincadeira

apareceram comportamentos que, segundo DENYES^6 , são característicos

de criança possuidora de ego forte: expressou verbalmente sentimentos

de prazer, raiva e desconforto; procurou ajuda fazendo perguntas;

procurou-me para receber apoio; brincou e verbalizou o que sentia, na

tentativa de resolver seus problemas; e no final tomou decisões sobre

o que iria fazer para resolver seus problemas e verbalizou-as.

Quanto a mim, como enfermeira, passei a acreditar no valor da

entrevista com brinquedo, como terapia para a criança, e na importância

de seu uso como valioso instrumento de enfermagem para facilitar a

assistência emocional à criança hospitalizada. Concordo com ERJLKSON

7

quando ele afirma: "através do brinquedo podemos ajudar o ego de

uma criança a ajudar-se a si mesmo".

O SIGNIFICADO DESSAS EXPERIÊNCIAS PARA MIM

A experiência com essas duas crianças foi de alto significado para

mim. Sinto que houve uma mudança em mim quanto à percepção da

intensidade do sofrimento da criança e, também, do quanto é importante

para a criança sentir apoio e o quanto a enfermeira pode fazer por uma

criança.

Passei a acreditar no valor terapêutico do brinquedo, constando a

mudança de comportamento que houve na criança. Passei a acreditar

mais em mim, como sendo uma enfermeira capaz de auxiliar uma

criança a enfrentar uma situação difícil, como a de hospitalização.

Fiquei ainda altamente motivada a continuar estudando a respeito

dos dois assuntos: a hospitalização e o uso do brinquedo na assistência

de enfermagem.

Por que isto aconteceu comigo? O que determinou que esta expe-

riência tivesse um significado tão grande para mim?

Identifico estarem presentes, nesta minha experiência, os elementos

citados por ROGERS

1 5

como integrantes de uma experiência significa-

tiva, e que são indispensáveis para que ocorra aprendizagem. Tais

elementos são:

— a experiência significativa tem a qualidade de envolvimento pessoal:

a pessoa como um todo, tanto sob o aspecto sensível, quanto sob o

aspecto cognitivo, inclui-se no processo de aprendizagem;

— ela é auto-iniciada: mesmo quando o primeiro impulso ou estímulo

vem de fora, o senso da descoberta, do alcançar, do captar e do

compreender vem de dentro;

— ela é penetrante: suscita modificação no comportamento, na atitude,

talvez mesmo na personalidade do educando;

— ela é avaliada pelo educando: este sabe se, através da experiência,

está indo ao encontro de suas necessidades, e se ela está sendo

esclarecedora para suas dúvidas;

— sua essência ê que a experiência tenha significado para o educando

durante todo periodo em que se realiza.

Realmente, entendo que não foi só o meu conhecimento a respeito

dos assuntos tratados neste trabalho que se modificou; houve também

mudança nos meus sentimentos e no meu comportamento. E isto

aconteceu porque a experiência não foi simplesmente mais uma pela

qual passei; ao contrário, ela passou dentro de mim. Eu mudei.

  1. FREUD, S. apud ERIKSON, E. H. Infancia c sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. p. 199.
  2. GREEN, C. S. Larry thought puppet play «childiah». But it helped him face his fears. Nursing, Horsham, 5(3):30-3, Mar. 1975.
  3. MACHADO, D. V. M. O brinquedo e suas funções. Anais Nestle, São Paulo, (100):54-8,
  4. & MACHADO, E. M. Cuidados psicológicos à criança hospitalizada. Bev. Hosp. Clin., São Paulo, 11(4):205-8, jul./ago. 1956.
  5. MORAES, E. Mensagem única, um modo terapêutico de tratar crianças em sofrimento: relato de uma experiência. Rev. Esc. Enf. USP, São Paulo, 14(2):165-9, ago. 1980.
  6. MOUSTAKAS, C. E. Psychotherapy with children: the living relationships. 3. ed. New York, Bellantine Books, 1973. 366 p.
  7. P E T R I L L i O , M. & SANGER, S. Cuidado emocional dei niño hospitalizado. México, La Prensa Médica Mexicana, 1975. 259 p.
  8. PRUGH, D. G. A study of the emotional reactions of children and families to hospi-

talizations and illness. Amer. J. Orthopsychiat., New York, 2(31):70-106, Jan. 1959.

  1. ROGERS, C. R. Liberdade para aprender. 4. ed. Belo Horizonte, Interlivros, 1977. 330 p.
  2. ROBERTSON, J. Some responses of young children to loss of maternal care. Nurs. Times, London, 49(16):382-6. Apr. 1953.

ANEXO 1

Nome: A.P. Idade: 4 anos Diagnóstico:

«Luxação congênita de quadril»

Admissão e observação: 30/11/

Observação do período da manhã

Hora

llh 15min

llh 20min

llh 20min

Comportamento das pessoas da clinica

Chego à clínica

Uma atendente a leva no colo para a enfermaria

Aproxima-se uma nutricionista ( N ) : «Como é seu nome?»

N —: «Aqui você chama todo o mundo de tia»

Nutricionista afasta-se

Aproxima-se uma enfermeira ( E ) E — «Venha aqui conversar com a tia, ver o papá»

E «Venha^ com a^ tia»

E —: «Aqui você vai se ma- chucar se alguém abrir a porta»

Comportamento da criança

Na frente da porta de entrada chorando muito, chamando pela mãe, rodeada por quatro meninas maiores. Tenta sair da clínica cada vez que um adulto entra ou sai.

Chora muito, ao ser colocada no chão. Sai correndo pelo corredor (deambula claudican- do), pára em frente da porta de outra enfermaria, fica olhando para dentro da mes- ma. Continua chorando e gri- tando, sempre segurando uma chupeta: — «Mamãezinha, mãezinha».

cQuero a mãe, a mãe.»

— «O mulher, cadê minha mãe».

Sai correndo em direção a por- ta de entrada, chorando e soluçando, gritando pela mãe. Agacha-se junto à porta, per- manece chamando pela mãe e chorando.

— «Mamãezinha, mamãe»

— «Não! mamãe, mamãe»

l l h 30min

llh 35min

quer mamãe? Ela está lá per- to da escada no fundo. Venha mamãe, espera mamãe!»

Atendente a segura no colo

Copeiro (COP) se aproxima com o carro de alimentação. AT —: «Sua mãe vem logo, segura esta boneca. Senhor, dê um prato de comida para ela.»

Atendente põe a criança no chão.

COP: — «Eu mandei chamar sua mãe»

AT —: «Venha com a tia para papar»

Uma escrituraria (ESC) entra na enfermaria e pega a crian- ça no colo.

ESC —: «Não chore. Você não quer comer?» ESC —: «Não chore. Olhe, a tia já vai dar seu papá.» Escrituraria a coloca no chão e sai

Outra atendente entra na en-

Estende os braços

Pára de chorar. Vai carrega- da pela atendente, até a porta de uma enfermaria próxima.

Segura a boneca

Entra na enfermaria, chora sem parar, novamente. Anda dentro da enfermaria seguran- do a boneca (Emilia) que a atendente lhe havia dado e uma outra bonequinha de plás- tico.

Aproxima-se novamente porta da enfermaria

da

Sai andando para o corredor interno da enfermaria, cha- mando pela mãe.

Chora, segurando as bonecas.

«Mamãe, mamãe»

Continua chorando

Anda pela enfermaria, segu- rando as bonecas e chorando. — «Quero fazer xixi»

l l h 35min

l l h 45mln

fermaria. AT —: «Venha, a tia leva voce para fazer». Leva a menina ao banheiro, senta-a no vaso sanitário, per- manecendo a seu lado.

AT —: «Faça xixi, faça. Pare de chorar para fazer xixi. Não vai fazer? Faça!»

AT —: «Olhe a Emilia, olhe. Você gosta da Emilia? Ela chocalha. Quer fazer uma trança nela?» AT —: «Ela vai vir amanhã.»

AT —: «Ela foi chamar o papai. Faça xixi, faça» Sai do banheiro, deixando a criança sentada no vaso.

Entro no banheiro. —: «Você fez xixi, fez?» Passo a mão em sua cabeça.

Atendente entra, levanta sua calcinha: «Venha papar ve- nha» Sai para ver se há comida para a menina Eu me afasto fico parada num canto do banheiro.

Fica sentada no vaso sanitá- rio, nele apoiando-se com as duas mãozinhas e chorando — «Mamãe, mamãe, mamãe»

Continua chorando

— «Eu quero a minha mãe»

— « E meu pai?»

Continua chorando: — «Mãe, mãe, m a m ã e... » Chora forte. Para de chorar. — «Mamãe, mamãe» Levanta-se do vaso sanitário, deita sua cabeça em uma ca- deira, abraçando as duas bo- necas.

— «Não! quero a mamães Chora.

Continua chorando, abrançando a boneca Emilia e manusean- do a bonequinha plástica. Vira a cabeça para a parede, dei- tando o tórax sobre a Emilia; continua a manusear outra boneca, chorando continuamen- te, a princípio forte e depois

xima e diz para a atendente: «Olha»

AT —: «Deixe, depois ela es- quece e eu guardo» CR —: «Eta! não pode fazer isso com a boneca dos outros»

CR. «Ela arrancou o colar». Sai do banheiro

llh 50min

Outra menina entra no ba- nheiro, olha para ela e sai Enfermeira entra no banheiro e sorri para ela.

Enfermeira sai.

Não olha para a atendente nem para a outra criança.

— «Não». Arranca a corrente do pescoço da Emilia.

Continua manuseando a bone- ca e a corrente. Soluça. Lar- ga a boneca. Olha em redor, anda em volta da cadeira. Vai até a pia, meche nos pingos de água da torneira. Vai até a porta, encosta-a (esta fica semiaberta). Volta até a ca- deira, pára a pouca distância da mesma e fica olhando as bonecas. — «Quero minha mãe, quero minha mãe». Pega as bonecas esfrega-as com a barra de sua camiseta. — «Quero minha mãe». Anda até o caso sanitário, exa- mina o encanamento da des- carga, mexe na torneira da parede sem abrí-la; — «Quero minha mãe (fala baixinho) Choraminga, recomeça a cho- rar, pára de chorar, recosta a cabeça na cadeira.

Olha a enfermeira. — «Quero minha mãe»

Choraminga, recomeça a cho- rar mais forte e a gritar: — «Quero minha mãe, quero minha mãe, quero minha mãe». Senta-se no chão ao lado da cadeira: — «Quero mamãe, quero ma- mãe» Pára de chorar, levanta-se, anda até a porta, volta para

12h lOmin (^) Retiro-me.

Observação do periodo da tarde

perto da cadeira. Chora: — «Quero minha mãe». Sai do banheiro, entra na sala de utilidades, sai, anda até urna porta ao fundo do corre- dor, tenta abri-la mas não consegue. Volta à sala de uti- lidades, sai, entra no banheiro Recomeça a chorar e a cha- mar a mãe.

15h lOmin

15h lOmin

Observo-a, da porta

Entro, cumprimento as crian- ças e a atendente que está na enfermaria. Não responde. Outra criança pergunta à atendente referindo-se a ela: — «Tia como ela chama?» AT —: «Como você se chama? A.P. né?»

Atendente sai: — «Vou tomar café» CR —: «A.P., A.P.»

CR —: «Você empresta a bo- neca para mim brincar?»

CR —: «Tia (para mim) pega a boneca que ela emprestou para mim». Aproximo-me do berço: «A.P., posso levar a boneca para ela? ou não?»

Deixo a boneca onde está. Afasto-me. Aproxima-se uma enfermeira: «Oi! tudo bem?

Na enfermaria, deitada em um berço, decúbito dorsal, acordada, sugando a chupeta, com uma boneca jogada a seu lado. A televisão está ligada, mas a criança não está olhan- do para ela.

Vira o rosto para a atenden- te. Não responde.

Olha em direção à menina.

Não responde. Passa a mão na perna e na orelha.

Olha para mim. Nada res- ponde.

Olha para a enfermeira. Não responde.

ANEXO n

Nome: A. Idade:^5 anos^ Diagnóstico: Pé torto

Admissão: 08/12/78 Entrevista com brincadeira: 12/12/

Hora Comportamento das pessoas da clínica

Comportamento da criança

15h 15min

15h 20min

15h 20min

Eu: «O que foi?»

Eu: «Quantos anos você tem?»

Eu: «Quer brincar com a tia?»

Eu: «Então venha. A tia em- presta alguns brinquedos para você brincar um pouco».

Eu: «Tome conta da sacola que eu vou buscar uma ca- deira»

Volto, sento-me, tiro os brin- quedos da sacola: «Você pode brincar com o que quiser. En- quanto você brinca eu vou es- crever, está bem?

Sua cama fica rodeada de ou- tros meninos que comentam sobre os brinquedos e até os manuseiam. Peço às crianças que o deixem brincar um pou- co sozinho. Aos poucos eles se afastam.

Não entendo o que ele fala.

Chega uma criança na maca e pára na porta da enferma- ria. Um outro menino que está próximo à cama comenta: «Olha, ele voltou, não foi ope- rado, está acordado».

Chorando encostado à parede do corredor da clinica

«Quero ir para minha casa».

«Cinco».

Faz que sim com a cabeça

Acompanha-me ao quarto, até sua cama. Expressão tristo- nha.

Fica em pé junto à cama

Senta em sua cama e olha para tudo o que vou mos- trando. Parece ignorar os outros me- ninos. Pega o revólver, solta. Pega o boneco pai e o boneco filho, solta-os. Pega nova- mente o boneco pai, manuseia-o e solta-o. Pega os bonecos pai e médico, bate um contra o outro e fala algo que não se entende, solta-os. Manuseia um a um todos os bonecos, movimenta-os e conversa com eles. Esconde a boneca mãe sob o travesseiro.

Hora Comportamento das pessoas Comportamento^ da da clinica criança

15h 25min

15h 30min

Outra criança me pergunta, olhando os brinquedos: — «Tia, você está dando para ele?». Eu: — «Não, é só para brin- car um pouco».

Eu: «Quer papel? Quer carim- bar?» Entrego-lhe uma folha de papel.

Eu: «Você sabe como tem que fa- zer? Quer que a tia ensine?»

Outro menino: «Não é assim, tem que fazer mais forte»

Ouço falarem algo, penso que é ele. Eu: «Você falou alguma coisa?

Pára um instante, olha para a porta e para a outra criança. Pega o boneco pai, movimen- ta-o e diz: — «Oba, que bele- za! eu estou contente».

Pega um boneco plástico, sol- ta-o. Pega a mamadeira, abre, fe- cha. Dá para o boneco pai dizendo: «Olha meu filhinho», solta-os: Pega o saco de carimbos, olha-os.

Faz que sim com a cabeça. Abre a almofada de tintas e fica olhando.

«Não, eu sei tia». Começa a carimbar.

Carimba, uma a uma, todas as figuras. Levanta-se da cama para apanhar um brinquedo que cai no chão. Volta, fica de pé no chão carimbando sobre o criado-mudo; antes de ca- rimbar olha a figura do carim- go. Pega a caixa de lápis de cor, abre, olha, fecha. Continua a carimbar. Olha o papel onde carimbou e aponta, uma a uma, com o indicador, todas as figuras carimbadas. Pega os lápis de cor e começa a colorir as figu- ras. Pinta o cavalo carimbado.