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Guias e Dicas
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Análise dos Procedimentos Expressivos no Filme 'O Pássaro Azul' (1940), Notas de estudo de Poesia

Neste artigo, analisamos os procedimentos expressivos e artifícios utilizados no filme 'o pássaro azul' (1940), dirigido por walter lang, baseado na peça teatral homônima de maurice maeterlinck. Através da análise da teoria da tradução intersemiótica, observamos como as imagens e meios de expressão cinematográficos funcionam juntos para construir sentido e transmitir significados morais e filosóficos.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Michelle87
Michelle87 🇧🇷

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Revista Tropos: Comunicação, Sociedade e Cultura, v.8, nº 2, edição de Dezembro de 2019
ADAPTAÇÃO E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA: REFLEXÕES SOBRE O
FILME O PÁSSARO AZUL
Andrea Aparecida Rocha
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RESUMO
A partir da escrita fílmica do clássico O pássaro azul (1940), dirigido por Walter Lang,
objetivamos neste artigo repertoriar alguns procedimentos desta escrita fílmica,
independentemente das circunstâncias materiais e temporais da realização do filme.
Como tal, apropriamo-nos do texto, mediante investigação dos métodos formalizados
pelo cineasta, os quais se mostram evidentes nas imagens e em todo o conjunto de
meios técnicos cinematográficos, tais como: os personagens, o espaço ficcional, os
diálogos, os ângulos de filmagem e as imagens das coisas, isto é, os códigos que
compõem a adaptação. Como embasamento teórico, frisamos algumas observações
críticas, feitas por Metz (1980), Clüver (1997) e Plaza (2003) para a análise da tradução
intersemiótica; Martin (2007), para o entendimento da linguagem cinematográfica;
Bachelard (1978), Chevalier e Gheerbrant (2003), para o entendimento de códigos e
mensagens simbólicas, entre outros.
Palavras chave: O Pássaro Azul; Adaptação; Cinema; Tradução Intersemiótica.
ADAPTATION AND INTERSEMIOTIC TRANSLATION: REFLECTIONS ON
THE FILME THE BLUE BIRD
ABSTRACT
Based on film writing of the classic The Blue Bird (1940), directed by Walter Lang, in
this article we are aimed at reviewing the procedures of this film writing, regardless of
the material and temporal circumstances of the film. As such, we take advantage of the
text, by investigating the methods formalized by the filmmaker, which are evident in the
images and in the whole set of cinematographic technical means, such as: the
characters, the fictional space, the dialogues, the angles of filming, and the images of
things, that is, the codes that make up the film adaptation. As a theoretical background,
we emphasize some critical studies, performed by Metz (1980), Clüver (1997) and Plaza
(2003) for the analysis of the intersemiotic translation, Martin (2007) for the
understanding of cinematographic language, Bachelard (1978), Chevalier and
Gheerbrant (2003) for the understanding of codes and symbolic messages, among
others.
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Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora de Educação
Básica na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.
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ADAPTAÇÃO E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA: REFLEXÕES SOBRE O

FILME O PÁSSARO AZUL

Andrea Aparecida Rocha^1

RESUMO A partir da escrita fílmica do clássico O pássaro azul (1940), dirigido por Walter Lang, objetivamos neste artigo repertoriar alguns procedimentos desta escrita fílmica, independentemente das circunstâncias materiais e temporais da realização do filme. Como tal, apropriamo-nos do texto, mediante investigação dos métodos formalizados pelo cineasta, os quais se mostram evidentes nas imagens e em todo o conjunto de meios técnicos cinematográficos, tais como: os personagens, o espaço ficcional, os diálogos, os ângulos de filmagem e as imagens das coisas, isto é, os códigos que compõem a adaptação. Como embasamento teórico, frisamos algumas observações críticas, feitas por Metz (1980), Clüver (1997) e Plaza (2003) para a análise da tradução intersemiótica; Martin (2007), para o entendimento da linguagem cinematográfica; Bachelard (1978), Chevalier e Gheerbrant (2003), para o entendimento de códigos e mensagens simbólicas, entre outros. Palavras chave : O Pássaro Azul ; Adaptação; Cinema; Tradução Intersemiótica.

ADAPTATION AND INTERSEMIOTIC TRANSLATION: REFLECTIONS ON THE FILME THE BLUE BIRD

ABSTRACT

Based on film writing of the classic The Blue Bird (1940), directed by Walter Lang, in this article we are aimed at reviewing the procedures of this film writing, regardless of the material and temporal circumstances of the film. As such, we take advantage of the text, by investigating the methods formalized by the filmmaker, which are evident in the images and in the whole set of cinematographic technical means, such as: the characters, the fictional space, the dialogues, the angles of filming, and the images of things, that is, the codes that make up the film adaptation. As a theoretical background, we emphasize some critical studies, performed by Metz (1980), Clüver (1997) and Plaza (2003) for the analysis of the intersemiotic translation, Martin (2007) for the understanding of cinematographic language, Bachelard (1978), Chevalier and Gheerbrant (2003) for the understanding of codes and symbolic messages, among others.

(^1) Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora de Educação Básica na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.

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Keywords : The Blue Bird , Adaptation; Cinema; Intersemiotic Translation.

INTRODUÇÃO

O longa-metragem O pássaro azul , dirigido por Walter Lang, lançado nos anos 1940, foi baseado na peça teatral homônima do dramaturgo, poeta e ensaísta belga Maurice Maeterlinck. Tal obra foi sucesso no teatro, principalmente, através das encenações feitas em 1908, no Teatro Artístico de Moscou, dirigida pelo russo C. Stanislavsky, e em 1911, no Teatro Réjane na França. A história dos dois irmãos de origem pobre que seguem a jornada em busca do pássaro azul da felicidade teve muitas adaptações para o cinema^2 , sendo a principal protagonizada pela atriz mirim Shirley Temple. Mesmo não conseguindo o sucesso de bilheteria esperado, este filme conseguiu encantar crianças e adultos através de uma impressionante aventura para o mundo dos sonhos, onde há animais e árvores personificados como humanos, fadas, seres mágicos, enfim, uma atmosfera encantada em que situações inacreditáveis acontecem. Assim como as produções cinematográficas de Alice no país das maravilhas , de Lewis Carrol, e O mágico de Oz , de L. Frank Baum, a versão fílmica da peça O pássaro azul marcou a infância de muitas crianças e jovens, através de uma história cheia de simbologias e que sustentam a intenção de gerar uma lição de moral, chamando a atenção a temas que fazem parte da vida real. Esta ligação entre fantasia e realidade faz com que esta narrativa gere uma infinidade de mensagens, códigos ou significados, os quais intrigam não somente as crianças, como também os adultos que simpatizam pelo gênero fantástico. Considerando essa adaptação cinematográfica, este artigo tem o objetivo de analisar os procedimentos expressivos e todos os artifícios inerentes a este sistema de linguagem, buscando entendê-los como parte do trabalho criativo do cineasta e de todos os envolvidos na produção do filme, e que concentram muita carga de significações morais e filosóficas, as quais acompanham a peça homônima de Maeterlinck. Antes de

(^2) Além desta versão cinematográfica de 1940, a peça O pássaro azul foi adaptada para cinema em 1910, no Reino Unido; em 1918, nos Estados Unidos; em 1970, na União Soviética, e em 1976, nos Estados Unidos pela Twentieth Century Fox, tendo a participação da atriz Elizabeth Taylor.

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cinema], de fato, são os seres e as próprias coisas que aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e à imaginação” (MARTIN, 2007, p. 18). Relacionado a essas vantagens da linguagem fílmica, Clüver (1997) explica que, nos primórdios dos estudos cinematográficos, a adaptação de textos literários para o cinema começou a se estabelecer nos departamentos de literatura. Tal processo de análise tornou-se ponto central de muitas discussões, as quais inicialmente se concentravam na busca de equivalências, isto é, com a expectativa de que a adaptação fosse tão fiel quanto possível ao texto-fonte (CLÜVER, 1997, p. 45). Com a evolução desses estudos teóricos, sobretudo, os advindos do Estruturalismo e do pós-estruturalismo, a adaptação passou a ser pensada através de outras perspectivas, “no sentido de reelaboração livre, transformação, desvio deliberado da fonte a fim de produzir algo novo” (CLÜVER, 1997, p. 45). Nesse sentido, Clüver (1997) esclarece que

[...] pode ser fascinante observar a partir do texto-fonte, estudando as omissões e persistências, as transformações e expansões – mas também as interferências do texto-fonte, nos casos em que a nova obra não logrou adaptar suficiente ou satisfatoriamente o material inicial à nova linguagem e ao novo meio. Nada disso nos impede de perceber em alguns casos a extraordinária proximidade entre o velho e o novo texto, por vezes tão grande que podemos ser tentados a novamente ler o segundo texto como tradução intersemiótica (CLÜVER, 1997, p. 45).

Ressalta-se que a definição de tradução intersemiótica, conforme apresentado por Julio Plaza (2003), “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais, ou de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema, a pintura, ou vice-versa” (PLAZA, 2003, p. 11). Plaza (2003) chama a atenção para a teoria semiótica tratada por Charles Sanders Peirce (1839-1914). Foi a partir desse referencial que a tradução de cunho intersemiótico se estabeleceu a nível estético. Isso porque ela vai além da compreensão das características linguísticas, haja vista que o signo constitui-se em diferentes meios de linguagens tais como: verbal, pictórico, fotográfico, fílmico, televisivo, gráfico, musical, entre outros.

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Segundo Plaza (2003), essa tradução mantém uma relação íntima com seu original, ao qual deve sua existência. É a partir da tradução que a vida do texto-fonte se expande, renova e também se modifica, uma vez que este também é produto de uma leitura e, ambos, original e tradução, estariam impossibilitados de chegarem a completar sua intenção de atingir uma língua pura. Nesse caso, ambos os textos se complementam nas suas intenções por mediarem os signos (PLAZA, 2003, p. 32). Segundo o teórico, quando nos referimos a signos, temos que considerá-los como um construto ao qual damos um significado, e que chegam até nós como mensagens codificadas em textos. No caso dos signos cinematográficos, eles encontram-se combinados por diversos elementos internos, tais como cenografia, figurino, diálogos, atores, entre outros recursos que ajudam a compor uma unidade intersemiótica, sintaticamente harmoniosa. Baseado no projeto saussuriano de semiologia^4 , o crítico francês Christian Metz, em Literatura e Cinema (1980), complementa a essa reflexão endereçada às questões que dão à tradução seu cunho intersemiótico, afirmando que um filme é composto por várias imagens que adquirem suas significações umas em contato com as outras, “através de um jogo complexo de implicações recíprocas, símbolos, elipses” (METZ, 1980, p. 59), isto é, como uma língua ou linguagem que apresenta uma semiótica própria, conforme métodos inspirados na linguística. Nesse livro, Metz também propõe a substituição de língua e linguagem pelo conceito de “código”, relação lógica que permite que uma mensagem fílmica seja entendida. Para analisá-lo, é necessário considerar o discurso imagético e seus sentidos conotativos conforme Diniz (1998) observa ao se referir aos sentidos que se apresentam implicitamente no texto e que se encontram latentes nas mensagens morais, filosóficas, políticas, as quais o escritor, o diretor ou o próprio diretor de arte queiram transmitir, porém, está presa a signos que, quando combinados, podem criar estruturas significantes de uma outra ordem (DINIZ, 1998, p. 316). Considerando o plano semiológico cinematográfico, que abrange toda uma perspectiva estética específica, observaremos através da tradução intersemiótica como o

(^4) Ferdinand de Saussure (1857-1913) se destacou como um importante linguista, sendo considerado o fundador da linguística moderna, ao estimular muitas reflexões sobre a ciência geral dos signos, que ele propôs que fosse chamada de Semiologia.

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A peça de seis atos se divide em doze quadros, os quais apresentam os seguintes ambientes: a choupana de lenhador, o Palácio da Fada, o País da Saudade, o Palácio da Noite, a floresta, o cemitério, o jardim das felicidades e, por fim, o Reino do Futuro. Todos esses espaços por onde os personagens principais, Mytyl e Tyltyl, passam fazem parte da experiência onírica vivenciada por elas no sonho, sonho este que se estende por toda a noite, findando ao amanhecer, quando então elas são acordadas pela mãe: “ Vamos, de pé seus preguiçosos! [...]. Já são oito horas , o sol está em cima da floresta! Como dormem , santo Deus , como dormem! (MAETERLINCK, 1971, p. 230). Maeterlinck, genialmente, compôs uma história que transcende em significados, unindo, de forma ímpar, a realidade física com o universo abstrato, que exige, de certa forma, uma certa sensibilidade do leitor ou do espectador, já que neste caso estamos nos referindo a um texto teatral. Na análise do filme a seguir, consideraremos as reflexões simbolistas feitas pelo dramaturgo tendo como base o trabalho criativo do cineasta e de toda uma equipe responsável por reproduzir a história para a versão cinematográfica. Neste caso, investigaremos os métodos formalizados, os quais se mostram evidentes através das imagens e de todo o conjunto de meios de expressão fílmicos. Como modo de ilustrar esta análise, destacaremos algumas cenas, relacionando-as com o que está sendo discutido.

A VERSÃO FÍLMICA DE O PÁSSARO AZUL

Esta versão cinematográfica de O pássaro azul foi produzida nos Estados Unidos pela Twentieth Century Fox, em 1940. Este clássico em Technicolor^6 para as crianças dá destaque aos personagens Mytyl (Shirley Temple); Tyltyl (Johnny Russell); Tylete, a gata (Gale Sondergaard); Tylo, o cachorro (Eddie Collins); Fada Berylune (Jessie Ralph) e Luz (Helen Ericson). Como breve observação, é necessário salientar que o filme não traz todos os personagens da peça e também não segue a sequência de acontecimentos da história original. O filme apresenta uma montagem mais curta, na qual o roteirista apresenta indícios de que ela se passa no início do século XIX,

(^6) Technicolor é um processo norte-americano de coloração de filmes muito utilizado no século XX, mais precisamente entre anos 1922 a 1952, pelos estúdios cinematográficos de Hollywood.

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precisamente durante os combates liderados por Napoleão Bonaparte. Tal evidência se comprova no início do filme, quando o patriarca da família Tyl recebe a notícia de sua convocação à guerra. O contexto fílmico inicia-se em um bosque com muitas árvores, onde Mytyl e seu irmão Tyltyl estão caçando pássaros. Após a captura, eles retornam para casa. Em dois momentos, nesta sequência inicial, a protagonista deixa transparecer sentimentos ruins que a deixam indiferente à sua realidade. O primeiro seria quando ela nega dar o pássaro a Angela Berlingot (Sybil Jason), uma menina pobre e que parece ter uma saúde frágil. O outro momento seria quando, já em casa, com a família, Mytyl se queixa aos pais por morar em uma choupana simples, por não ter roupas novas e por não ter uma árvore de Natal, assim como a que ela viu quando passou em frente a uma casa luxuosa, em que se comemorava o Natal. Neste princípio de filme, as imagens estão sem cores, em preto-e-branco, podendo significar, conforme Martin (2007) classifica, “uma função expressiva ou metafórica” (MARTIN, 2007, p. 71 ), para assim traduzir o estado de espírito melancólico e revoltado, neste caso o de Mytyl. Esse recurso de imagem, como visto abaixo (figuras 1 e 2), somente é interrompido quando a Fada Berylune surge para os dois irmãos no meio da noite. Ao acordarem, os irmãos ficam surpresos com a presença da velha mulher vestida com roupas simples, em remendos, bem diferente do modo como se apresentam as fadas convencionais dos contos infantis.

Figura 1 Figura 2

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Além de Tylo e Tylete, a Fada Berilune convoca a Luz para servir como guia e conselheira nesta jornada, iluminando o caminho dos irmãos e de seus amigos. Luz é um ser esplendente, místico, que emana luminosidade à sua volta. Conforme Lexikon (1998), a luz refletida simboliza sabedoria, felicidade e o divino, sendo ela a responsável por demarcar os limites das trevas, dos subdesenvolvidos, da desgraça ou então dos mistérios (LEXIKON, 1998, p. 129). A caminho do passado, Luz aconselha Mytyl, Tyltyl e seus amigos a entrarem no cemitério; segundo ela, esse seria o local onde permanecem as memórias e lembranças do passado. Ela lembra também que não irá acompanhá-los, justificando que o cemitério não é um lugar próprio para se ter a presença de luz, o que deixa os irmãos inseguros, já que é noite e está muito escuro. Na cena seguinte, já dentro do cemitério, os irmãos, sentindo muito medo, permanecem imóveis por entre as sepulturas. Eles ficam ainda mais aterrorizados depois que Tylete, com a intenção de assustá-los, diz que a meia-noite é a hora em que os mortos saem de suas tumbas. Tendo em vista esse momento do filme, mais precisamente na sequência em que os irmãos se relembram dos avós que já morreram, nota-se que é gerado um contraponto entre os campos semióticos, já que a imagem sombria do cemitério subitamente se transforma em um lugar de ambientação alegre e familiar, como podemos perceber a seguir nas cenas expostas (figuras 3 e 4). Tal efeito deixa claras a inconstância de acontecimentos e uma realidade de outra ordem vivenciadas no universo do sonho, um lugar onde os anseios e os desejos íntimos ganham projeção. Nesse caso, o espaço da casa dos avós, compreendido e vivenciado através da imaginação das crianças, não pode ser considerado um espaço indiferente; ao contrário, a casa gera inúmeras significações, como de proteção, acolhimento, onde “o ser humano é colocado num estar-bem no bem-estar associado primitivamente ao ser” (BACHELARD, 1978, p. 202).

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Figura 3 Figura 4

Aconselhados por Luz a voltarem em uma hora, sob o risco de ficarem para sempre no passado, Mytyl e Tytyl não permanecem por muito tempo em companhia dos avós. Nesta sequência de ações no passado, é dada uma atenção às meditações espirituais que fazem parte do texto-fonte. Tais indícios ou mensagens simbólicas sobre um possível universo espiritual são evidenciadas quando Mytyl questiona sobre a claridade do lugar, já que as horas indicam meia-noite. Sua avó então responde que o sol sempre brilha quando os vivos lembram dos que já morreram. Em seguida, a menina faz novamente uma exclamação; “eu pensei que vocês estavam mortos!”. A velha então, novamente, enfatiza, que a morte somente ocorre quando os vivos se esquecem dos que já se foram. Não encontrando o pássaro azul no passado, os irmãos e seus companheiros seguem viagem até chegarem à Terra da Fartura. Lá seria a representação do presente, onde estão os desejos de consumo de Mytyl e Tyltyl. Neste lugar, moram o Senhor e Senhora Fartura (Nigel Bruce/Laura Hope Crews) em um enorme palacete branco, muito luxuoso. Nas cenas que mostram o interior do palacete, observa-se que há uma predominância de planos abertos ou denominados “gerais”, com o propósito de valorizar o espaço interno, onde vemos os objetos e os personagens distantes, como exemplo, a cena em que Mytyl está em um quarto espaçoso, se sentindo triste e sozinha (Figura 5).

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recomeço para as crianças. As cores ajudam nessa observação, já que o vermelho intenso do fogo contrapõe-se ao azul celeste do céu mostrado ao fundo da outra imagem.

Figura 6 Figura 7

Resguardados do perigo, Tylo e os irmãos novamente encontram Luz, que os conduz ao caminho para o Reino do Futuro, o último destino desta jornada. Ao chegarem lá, os irmãos se deparam com um grande salão, com colunas brancas. Nesse lugar, há crianças em toda parte, todas elas com vestes de tons azul e pastel, combinando com a atmosfera tranquila do lugar. Enquanto não são chamadas pelo Pai Tempo (Thurston Hall), essas crianças trabalham, estudam, brincam, fazem alguma atividade ou desenvolvem algum dom que estarão predestinadas a seguir durante suas vidas. Percebe-se que o filme novamente enfatiza as meditações espirituais feitas por Maeterlinck. Isso fica evidente através da cena em que Mytyl e Tyltyl conhecem a irmã caçula que futuramente irá nascer. Emocionada pelo encontro, a criança conta aos irmãos que não permanecerá por muito tempo vivendo entre eles, já que sua vida está predestinada e não há como mudar ou fazer escolhas. Durante a visita ao Reino do Futuro, Mytyl se emociona em muitos momentos, deixando transparecer um comportamento diferente ao do início do filme. Isso fica ainda mais explícito, quando a protagonista descobre que o pássaro azul estava o tempo todo próximo a ela, em sua casa. Essa descoberta a deixa mais altruísta, ao decidir compartilhar sua alegria, dando a Angela o pássaro azul da felicidade. Em relação a esse momento, nota-se que a história retorna ao começo, o que deixa clara a mudança de

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comportamento da protagonista. Além disso, percebe-se também que o desenvolvimento do enredo ocorreu de forma circular, já que o desfecho da aventura “reata-se ao ponto inicial do filme” (GOTTARDI, 2006, p. 14). Esse caráter temporal, como artifício narrativo, gera muitas reflexões, algumas delas relacionam-se à noção do ciclo, a qual foi reanimada na contemporaneidade através dos estudos de Friedrich Nietzsche (1844-1900). O filósofo considera o mito do eterno retorno uma filosofia da afirmação, em que a vida é uma alternância de acontecimentos que nunca se findam, isto é, tudo se repete infinitas vezes. E é nesse retornar infinito que surge a experiência, aquela que consequentemente nos ensina. O filme O Pássaro Azul apresenta indícios deste raciocínio filosófico, através da reflexão sobre a vida como um eterno aprendizado. Um aprendizado vivenciado pelos irmãos ao longo da viagem para o passado, presente e futuro, enfrentando muitos obstáculos. Essa aventura, vivida em sonho, simboliza o caminho da vida, uma jornada de momentos bons e ruins e que diz respeito ao latente desejo de Mytyl por mudança, uma vez que, no início do filme, a protagonista, arrependida de agir de forma egoísta, expressa não querer mais sentir ingratidão pela vida e ser feliz, independentemente de tudo. Foi a partir dessa reflexão de seus próprios atos que a menina compreendeu o verdadeiro sentido da felicidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Examinando o filme, a partir das imagens e linguagem, constata-se que o cineasta Walter Lang conseguiu transcender a mensagem da peça de Maurice Maeterlinck à sua maneira, porém preservando a poesia infantil, a fantasia, e utilizando os recursos técnicos disponíveis de sua época. Nesse caso, podemos destacar alguns recursos de imagens, como a utilização de plano abertos, o uso de alguns efeitos especiais, a ênfase para os personagens e suas expressões e a todo um sistema de composição que os envolvem, como as expressões e os vestuários. Quanto ao sistema de signos e códigos, é importante assinalar que o filme apresenta uma pluralidade de simbologias e metáforas que orientam o nosso olhar de espectador e que nos fornecem as regras para adentrarmos na história adaptada pelo

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GOTTARDI, Ana Maria. A retórica das mídias e suas implicações ideológicas. Org. Ana Maria Gottardi. São Paulo: Arte e Ciência, 2006.

LEXIKON, Herder. Dicionário de Símbolos. Tradução Erlon José Paschoal. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.

MAETERLINCK. Maurice. O pássaro azul. Tradução Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1971.

MARCEL, Martin. A linguagem cinematográfica. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense, 2007.

METZ, Christian. Literatura e Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1980.

O PÁSSARO AZUL. Direção: Walter Lang. Roteiro: Walter Bullock, Maurice Maeterlinck e Ernest Pascal. Elenco: Shirley Temple, Johnny Russell, Eddie Collins, Gale Sondergaard, Spring Byington, Russell Hicks, Jessie Ralph, Helen Ericson, Nigel Bruce, Laura Hope Crews, Al Shean, Russell Hicks, Edwin Maxwell, Payne B. Johnson. Ano de Produção: 1940. Cores. 88 min. 20th Century Fox. Disponível em: https://youtu.be/lr1UYkaPgm0. Acesso em 09 fev. 2019.

PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. Org. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva,

UBIALI, Elizabeth Aranha Guimarães. Da cabana ao infinito: uma viagem-sonho em O pássaro azul de Maurice Maeterlinck. São Paulo: Annablume, 2002.

Recebido em 15 de maio de 2019 Aprovado em 20 de agosto de 2019